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Página 1 de 12 I UNIDADE O SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA E SUA HISTÓRIA Prof. Dr. Frederico Martins Ad usum privatum studiorum (Esquemas de aulas conforme bibliografia) Questionamento sobre o fundamento de uma ordem social! Eis aí o motivo do nascimento da sociologia. Sabemos que os princípios que devem reger uma ordem social já existia. Já nos escritos da tradição filosófica de Platão e a política de Aristóteles. Buscavam identificar os mecanismos que governam as relações sociais e políticas. Só no sec. XVIII, porém emergirá uma interrogação sobre as “leis” que devem governar a ordem social!!! Não desejavam constituir uma mera compreensão da sociedade mas sim extrair dela orientações para a ação tanto para manter, reformar ou modificar radicalmente a sociedade de seu tempo. Os precursores da sociologia foram recrutados entre militantes políticos, entre indivíduos que participavam e se envolviam profundamente com os problemas de suas sociedades. Estes concordavam com fenômenos inteiramente novos que mereciam ser analisados. A sociologia constitui em certa medida uma resposta intelectual às novas situações colocadas pela revolução industrial. Temas em análise: situação da classe trabalhadora, o surgimento da cidade industrial, as transformações tecnológicas, a organização do trabalho na fábrica... A formação de uma sociedade capitalista que impulsiona uma reflexão sobre a sociedade, sobre suas transformações, suas crises, seus antagonismos de classe. Também no âmbito do pensamento: abandono da visão sobrenatural que explique os fatos, substituído por uma indagação racional; método científico para explicar a natureza (Copérnico, Newton); Francis Bacon (1561-1626) anuncia a substituição da teologia pela dúvida metódica afim de um conhecimento da realidade. Com o escritor literário Vito (1668-1744) que afirma ser o homem a produzir a história, afirmando que a sociedade poderia ser compreendida porque, ao contrário da natureza, ela constitui obra dos próprios indivíduos. Esta postura influenciou Hume, Adam Ferguson e seria posteriormente desenvolvida e amadurecida por Hegel e Marx. No sec. XVIII os franceses iluministas insistem em uma explicação da realidade baseada no modelo das ciências da natureza. Condorcet (1741-1794) por exemplo, desejava aplicar os métodos matemáticos ao estudo dos fenômenos sociais, estabelecendo uma área própria de investigação que denominava “matemática social”. Combinando o uso da razão e da observação os iluminista analisaram quase todos os aspectos da sociedade. Concebiam o indivíduo como dotado de razão, possuindo uma perseguição inata e destinado à liberdade e à igualdade social. Se as instituições existente constituíam um obstáculo à liberdade do indivíduo e à sua plena realização, elas, segundo eles, deveriam ser eliminadas. A sociologia, esta nova ciência, surge com a tarefa intelectual de repensar o problema da ordem social, enfatizando a importância de instituições como a autoridade, a família, a hierarquia social, destacando a sua importância teórica para o estudo da sociedade. Página 2 de 12 A obra de Montesquieu (1689-1755) é expressão da pesquisa sobre os fundamento racionais da sociedade. Em Cartas persas (1721) elabora uma crítica feroz dos costumes de seu tempo. Montesquieu imagina uma correspondência fictícia entre viajantes persas que percorrem a Europa. Esse procedimento lhe permite ridicularizar costumes e usos (absolutismo real). Como observador “estrangeiro” examinou um certo distanciamento os modos de vida de seus contemporâneos. Adota assim uma perspectiva comparativa: os costumes não são naturais mas sim resultado de convenções e arbitrariedades suscetíveis de evolução no espaço e no tempo. Com este método e ao se perguntar: “como se pode ser persa”?, Montesquieu se interroga sobre a contingência dos hábitos que estão profundamente arraigados em nós mesmos. Com isto desaprova quaisquer tentações etnocêntricas. (prevalece o método antropológico e etnológico). Mais do que imaginar uma Nação submetida ao poder do Estado baseado em um Contrato Social, Montesquieu pode ser pensado como aquele pensador da sociedade que pretende submeter o próprio Estado às leis, salvaguardando, assim, a democracia. Montesquieu indica que o caminho da democracia é que pode garantir os direitos dos cidadãos e controlar o abuso do poder por parte do Estado e que, efetivamente, um instrumento “imaginário” como o Contrato Social não poderia o fazer. Neste sentido, em Montesquieu leis e política, governo e democracia são conceitos a serem trabalhados conjuntamente. Para Montesquieu a melhor forma de governo é aquela onde prevalecem as leis. Nesse sentido, legalidade é sinônimo de democracia. Se muitas vezes não podemos dizer que a lei é sinônima de democracia, também não podemos dizer que sem leis pode existir democracia. Quando Montesquieu diz que o melhor Estado é aquele onde predomina a Lei, ele está reforçando o liberalismo democrático, portanto, o Estado Democrático de Direito. Montesquieu é importante para o Direito e para a análise sociológica de seu tempo porque ele complementa a questão do Contrato Social, dando origem às demais leis e ao ordenamento jurídico que fundamenta a vivência no Estado moderno. Ele sabia que o Estado moderno haveria de se organizar com bases nas leis e que isso seria tanto mais necessário quanto mais democracia existisse, pois tensões e oposições de forças antagônicas procuram ocupar o espaço público e conquistar a hegemonia política. A resposta a essas indagações, presentes na fundação do Estado- nação moderno desde Maquiavel, foi a criação de partidos políticos. Os partidos têm ideologias, as ideologias refletem oposições de grupos (classes) na sociedade, na medida em que representam os interesses desses grupos. Os Três Poderes O pensamento dominante é de que o que é legal é legítimo. Esse conceito teve base em Montesquieu, pois ele definiu a melhor forma de governo como aquela que respeita as leis. Entretanto ele nunca afirmou que as leis devam ser respeitadas à força (como visto em Hobbes), pelo contrário, Montesquieu defendia o Liberalismo Democrático Burguês (próximo do pensamento de Locke). Para o Direito, Montesquieu foi um autor importantíssimo porque desenvolveu e justificou o conceito de que as leis sirvam como base para a democracia. Mas é importante lembrar que, embora ele se apoie nas leis como principal base de uma democracia, sabia que nem sempre elas seriam suficientes para mantê-la. Para muitos, Montesquieu é o pai da ideia dos “Três Poderes”, devido à forma como tratou a divisão do poder do Estado: Os Três Poderes surgiram para dividir todo o poder concentrado no Soberano Página 3 de 12 Executivo Legislativo Judiciário Montesquieu afirma que nenhum dos Três Poderes é maior ou mais importante do que o outro, ou seja, nenhum tem mais força ou potência para confrontar o outro, pois eles se equivalem. Esta divisão do poder em três partes equidistantes e complementares tem a virtuosidade de garantir a democracia, já que, salvaguardadas suas competências em lei, e juridicamente equivalentes, impossibilitarão a centralização e os excessos do poder em uma única instância. Mas mesmo come essa igualdade e independência de poder, Montesquieu também previu que eles poderiam tentar dominar uns aos outros, ou ao menos teriam vontade de tomar tal atitude. É o que acontece em países em desenvolvimento, onde normalmente as instituições políticas ainda não estão devidamente consolidadas na vida social e política da Nação. Perguntar-se por que os limitesde cada poder não são invadidos pelos outros, Montesquieu responde dizendo que os três se equivalem, e, portanto, vão se opor. Curiosamente, ele não justifica a resposta com a lei. Mesmo havendo leis que regulam as atribuições de cada poder, a democracia plena acaba se as competências de um poder forem “tomadas” por outro. Assim, o que impedia os poderes de invadirem as atribuições dos outros, seria uma solução “maquiavélica” de confronto entre eles, o fato de todos se confrontarem em pé de igualdade. Essa solução tem o princípio da força de cada um, pois se um poder tentasse dominar o outro, as consequências para ambos seriam mais desastrosas do que benéficas. A democracia, mais uma vez, se reforça na oposição de forças. Outra característica dos Três Poderes que Montesquieu observou foi a de que o Poder Judiciário seria, dos três, o que teria “menos” poder. O motivo disso seria que o Judiciário não é formado com base em votação pública e sim em processos seletivos técnicos, ou concursos públicos. Pode não parecer muito, mas esse fato de que os profissionais do Poder Judiciário não são escolhidos pelo povo torna as disputas e “guerrilhas” políticas ineficazes, criando a esse poder características próprias que o diferenciam dos outros. Na verdade, o que Montesquieu quis dizer é que o Judiciário não pode participar da política ideológico-partidária e almejar poder de governo. Montesquieu está tão certo que os três poderes irão se “opor” que a forma como se chegou ao Judiciário (mesmo sendo pelo concurso ou por indicação do Executivo- como no caso brasileiro para Ministro do Supremo Tribunal- , e não pelo voto) não fará diferença, porque irá existir o embate entre os poderes. Ainda que a Lei seja necessária, ela se fortalece quando democraticamente os poderes do Estado se “anulam” na oposição que fazem uns aos outros. Formas de governo Assim como Aristóteles e Maquiavel, Montesquieu também elaborou formas de governo existentes na sociedade. São elas: República Monarquia Despotismo Semelhante a Aristóteles (Democracia, Monarquia (Monocracia), Tirania) e com aspectos de Maquiavel (Republica e Principados), Montesquieu afirma que cada uma das formas de governo possui princípios filosóficos e morais que orientam cada uma delas: República Monarquia Despotismo Princípio Filosófico VIRTUDE Princípio Filosófico HONRA Princípio filosófico MEDO Página 4 de 12 Para a República, onde o governante é eleito pelo voto popular, o princípio que a sustenta é a Virtude. Essa virtude não é a mesma vista em Maquiavel (Virtú), que representa paixão pela coisa pública, mas os bons princípios da moral e ética de uma sociedade. Para a Monarquia seria o conceito de Honra, pois o povo espera do monarca um comportamento honrado em nome da Nação, não podendo fazer, muitas vezes, o que bem entende da própria vida pessoal. Já no Despotismo o que prevalece é o Medo. Afinal, a única fonte de poder e respeito que se faz presente em um governo tirânico é o medo, caso contrário tornar-se-ia outra forma de governo. Através desses princípios Montesquieu vai defender a ideia de que Monarquia Constitucional (como no caso da Inglaterra) é a mais eficaz forma de governo. Isso se deve ao fato de que a democracia tem base na Virtude, indicando que a maioria do povo deveria ter virtude para que ela funcione a contento. Já a monarquia não, pois se baseia em “um” monarca que governa para o povo, e como o seu princípio básico é a Honra, se torna mais fácil exigir a Honra de um, do que a virtude da maioria. Essa monarquia é parlamentar, obedecendo às leis da Constituição. O modelo que inspira Montesquieu seria a monarquia parlamentar inglesa. Desta forma ele procurou compreender a correspondência existente entre leis sociais e políticas e os costumes das sociedades às quais elas se aplicam. Condorcet (1743-1794), matemático e filósofo, colaborador da Enciclopédia, escreve Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano (1792) que celebra o progresso da humanidade, do qual a Revolução francesa simbolizaria o ponto alto, como se propões a tarefa de constituir uma ciência do homem apoiada nas matemáticas. O desmoronamento da ordem social tradicional simbolizado pelas duas revoluções, a Francesa e a Industrial, pede novas respostas capazes de dar conta do novo ordenamento da sociedade. A Declaração dos direitos do homem e do cidadão (1789) afirma que o “princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação”. Derruba os fundamentos da legitimidade política precedente, encarnada pelo rei. Revolução Industrial A Revolução Industrial foi um processo de grandes transformações econômico - sociais que começou na Inglaterra no século XVIII e se espalhou por grande parte do hemisfério norte durante todo o século XIX e início do século XX. O processo histórico que levou à substituição das ferramentas pelas máquinas, da energia humana pela energia motriz e do modo de produção doméstico pelo sistema fabril constituiu a Revolução Industrial. O advento da produção em larga escala mecanizada deu início às transformações dos países da Europa e da América do Norte em nações predominantemente industriais, com suas populações cada vez mais concentradas nas cidades. Causas A expansão do comércio internacional dos séculos XVI e XVII trouxe um extraordinário aumento da riqueza, permitindo a acumulação de capital capaz de financiar o progresso técnico e o alto custo da instalação de indústrias. A burguesia europeia, fortalecida com o desenvolvimento dos seus negócios, passou a investir na elaboração de projetos para aperfeiçoamento das técnicas de produção e na criação de máquinas para a indústria. Logo verificou-se que maior produtividade e maiores lucros para os empresários Página 5 de 12 poderiam ser obtidos acrescentando-se o emprego de máquinas em larga escala. Fases Foi na Inglaterra que tudo começou e por isso a Revolução Industrial Inglesafoi pioneira na Europa e no mundo. A Inglaterra, possuía capital, estabilidade política e equipamentos necessários para tomar a dianteira na primeira fase, conhecida como Primeira Revolução Industrial, que ocorreu em meados do século XVIII e meados do século XIX. Entre 1760 a 1860, a Revolução Industrial ficou limitada, primeiramente, à Inglaterra. Houve o aparecimento de indústrias de tecidos de algodão, com o uso do tear mecânico. Nessa época o aprimoramento das máquinas a vapor contribuiu para a continuação da Revolução. O surgimento da mecanização operou significativas transformações em quase todos os setores da vida humana. Na estrutura socieconômica, fez-se a separação definitiva entre o capital representado pelos donos dos meios de produção, e o trabalho, representado pelos assalariados, eliminando-se a antiga organização corporativa da produção utilizada pelos artesãos. Submetidos a remuneração, condições de trabalho e de vida sub- humanas, em oposição ao enriquecimento dos patrões, os trabalhadores associaram-se em organizações trabalhistas como as trade unions (sindicatos) fomentando ideias diante do novo quadro social da nova ordem industrial. A Revolução Industrial estabeleceu a definitiva supremacia burguesa na ordem econômica ao mesmo tempo que acelerou o êxodo rural, o crescimento urbano e a formação da classe operária. Era o início de uma nova época, onde a política, a ideologia e a cultura gravitavam em dois polos: a burguesia industrial e o proletariado. A mecanização se estendeu do setor têxtil para a metalurgia, para os transportes, para a agricultura e para os outros setores da economia. As fábricas empregavam grande número de trabalhadores.Todas essas inovações influenciaram a aceleração do contato entre culturas e a própria reorganização do espaço e do capitalismo. Nessa fase o Estado passou a participar cada vez mais da economia, regulando crises econômicas e o mercado e criando uma infra-estrutura em setores que exigiam muitos investimentos. A segunda etapa ocorreu no período de 1860 a 1900, ao contrário da primeira fase, países como Alemanha, França, Rússia e Itália também se industrializaram. O emprego do aço, a utilização da energia elétrica e dos combustíveis derivados do petróleo, a invenção do motor a explosão, da locomotiva a vapor e o desenvolvimento de produtos químicos foram as principais inovações desse período. Na Segunda Revolução Industrial a fase da livre concorrência fica para trás e o capitalismo se tornava cada vez menos competitivo e mais monopolista. Empresas ou países monopolizavam o comércio. Era a fase do capitalismo financeiro ou monopolista. Desde então se estabeleciam as bases do progresso tecnológico e científico, visando a invenção e o constante aperfeiçoamento dos produtos e técnicas, para melhor desempenho industrial. Abriam-se as condições para o imperialismo colonialista e a luta de classes, formando as bases do mundo contemporâneo. O ponto culminante do desenvolvimento industrial, em termos de tecnologia, teve início em 1950 (meados do século XX) com o desenvolvimento da eletrônica, que permitiu o desenvolvimento da informática e a automação das indústrias. Essa fase de novas descobertas caracterizou a Terceira Revolução Industrial ou revolução científica e tecnológica. As principais tradições intelectuais e políticas do século XIX, conservantismo, liberalismo e socialismo, se acordam em pensar essas transformações: as grandes ideologias do século XIX se Página 6 de 12 concebem explicitamente como tentativas de solução para o problema da “modernidade”. Conservantistas Insistem nos prejuízos causados por uma reviravolta radical da ordem social assimilada por eles a uma ordem natural. 1. Edmund Burke (1729-1797): autor de Reflexões sobre a Revolução na França (1790), opõe a força dos costumes e dos hábitos encarnada, segundo ele, pela Constituição inglesa, à abstração que representaria a Revolução Francesa. Outros franceses como Joseph Maistre (1753- 1821) e Louis de Bonald (1754-1840) fustigam a pretensão dos revolucionários de edificar princípios universais e de recorrer à ordem e à tradição para regenerar uma sociedade que lhes parece como estando presa ao caos desde a queda da monarquia. 2. Joseph Maistre em suas Considerações sobre a França (1797) critica com ironia as pretensões universalistas e racionalistas do Iluminismo: “A Constituição de 1795, tanto quanto as que a precederam, é feita pelo homem. Ora, não existe o homem no mundo. Eu vi na minha vida franceses, italianos, russos etc., quanto ao homem, porém, eu declaro não tê-lo encontrado na minha vida; se ele existe, eu desconheço.” Essa crítica mistura no mesmo ostracismo a Revolução Francesa, que entende mudar o Homem e a Revolução Industrial que, por sua vez, ao desestruturar a sociedade tradicional e a ancoragem social do indivíduo que se encontrava nas “comunidades naturais” (família, vilarejo...), se constituiria em uma regressão social em relação à harmonia da sociedade do Antigo Regime. 3. A sociologia nascente se inspira nessa corrente, sobretudo através dos trabalhos de Frédéric Le Play (1806-1882), que empreende vastas pesquisas sobre Os operários europeus (1855) e termina por renunciar a sua carreira de engenheiro de minas para se consagrar ao estudo das condições de vida da população industrial. A corrente liberal 1. Esta se desenvolve contra o conservantismo. Os liberais, representados por Bejamin Constant (1767-1830) e François Guizot (1787-1874), celebram a liberdade individual, o liberalismo econômico e um reformismo prudente. Segundo eles, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial inauguraram uma nova era na história da humanidade. 2. Aléxis Tocqueville (1805-1859), escritor político e magistrado ilustra bem essa abordagem ao publicar, no final da sua vida, O Antigo Regime e a Revolução (1856): fazendo-se de historiador, ele se dedica a demonstrar que numerosas evoluções atribuídas à Revolução (centralização administrativa, a unificação territorial...), de fato, provinham em parte do Antigo Regime que, sob muitos aspectos, preparou e tornou possíveis as mutações em curso. Na sua outra grande obra, Da democracia na América (1835), fruto de uma missão exercida sob a Monarquia de Julho, às custas do Ministério da Justiça, Tocqueville se interroga sobre as condições de possibilidade da democracia: este regime político que lhe parecia desabrochar particularmente na América com a vocação de se propagar devido ao triunfo desta “paixão ardente, insaciável, eterna e invencível” que é a igualdade, devendo se impor às demais sociedades humanas. Tocqueville manifesta, no entanto, numerosos sinais de inquietação, principalmente no que diz respeito à “tirania da maioria”, que poderia prefigurar um novo despotismo, bem como ao meio de se preservarem as liberdades individuais nos tempos democráticos. Ele estima, no entanto, que não se pode racionalmente se opor à democracia, que ele acredita ser uma evolução inegável. 3. A corrente socialista, que emerge se propaga na Europa ao longo no século XIX, geralmente aceita a Revolução Francesa, que por sua vez é considerada como uma etapa necessária na História da Página 7 de 12 humanidade, enquanto a Revolução Industrial é julgada como sendo a medida dos malefícios produzidos principalmente sobre a condição operária. Aqui pode se falar de convergência entre conservadores e socialistas que abominam a ordem produzida pela industrialização. 4. Claude-Henri de Saint-Simon (1760-1825) quer aplicar o método científico aos problemas sociais (Augusto Comte era seu secretário, será influenciado por ele) e mais especificamente a indústria. É necessário, segundo ele, que se organize racionalmente a atividade produtiva. Esta corrente exerce uma forte influência, principalmente sobre as elites industriais ao colocar em primeiro plano as questões econômicas que são consideradas como mais decisivas que as questões políticas e ao propor reformas sociais. Na sua importante obra Parábola das abelhas e das vespas (1819), Saint-Simon considera que a perda da família real, dos ministros e dos altos funcionários (“as vespas”) constituiria um prejuízo suportável para os país, por terem, este não se reergueria se viessem a desaparecer seus “3000 primeiros sábios, artistas e artesãos” (“as abelhas”). 5. Charles Fourier (1772-1837) faz uma severa crítica ao sistema capitalista e se mostra nitidamente mais crítico, no que se refere à industria, do que Sain-Simon. A alternativa que ele propõe é a edificação de falanstérios, ou seja, sociedades fechadas que recusam a estrita divisão do trabalho, induzida pela sociedade industrial, e que se bastam a si mesmas. A organização da sociedade consiste então na criação de sociedade “perfeitas” de pequenas dimensões que, segundo sua vontade, deveriam contar com menos de dois mil membros. Se o fourierismo foi ridicularizado por causa de suas potencialidades sectárias, as organizaçães tanto de ajuda mútua quanto as corporativistas extraem dele alguma inspiração. 6. Na Inglaterra o cartismo um movimento do qual o industrial e proprietário de uma fábrica têxtil de New Lanark na Escócia, Robert Owel (1771-1858), é um dos principais representantes, se apresenta como um engajamento filantrópico e realista em proveito das “classes laboriosas”. O progresso social deve resultar da razão e, particularmente, do desenvolvimento da educação. Owencontribui então na construção de escolas, na melhoria das condições de higiene e de alojamento dos operários, na redução da jornada de trabalho nas usinas... Esse reformismo preconiza uma intervenção do Estado na legislação social, assim como o desenvolvimento dos sistemas de previdência. Dessa forma, ele cria em 1832, o “Équitable Banque d’échange” (Banco equitativo de câmbio), onde bônus do trabalho dever substituir as trocas monetárias. Próximo das preocupações dos “socialistas utópicos” franceses, ele tenta criar uma comunidade nos Estados Unidos (New Harmony) que rapidamente é fadada ao fracasso. 7. Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) é um dos principais teóricos do socialismo francês. Autor de O que é a propriedade? (1840), onde enuncia a sentença “a propriedade é um roubo”, ele empreende uma crítica à propriedade privada, fonte de desigualdade entre os homens. Ele se opõe igualmente ao poder do Estado e à sua vontade centralizadora, o que explica a influência póstuma que sua doutrina exerceu sobre as correntes anarquistas. Ele preconiza a instauração de uma organização produtiva, fundada sobre a autogestão cuja finalidade seria evitar a cisão entre o capital e o trabalho. Seu projeto político compreende uma adesão ao federalismo, que permite a livre a associação de coletividades autônomas. Proudhon é um contemporâneo e um adversário de Marx, com quem entretém polêmicas. É autor de uma Filosofia da miséria (1846), obra na qual defende o reformismo social, assim como a associação de mutuários. Marx, que reprova sua “tepidez” política, responde a Proudhon com uma obra intitulada Miséria da filosofia (1847). 8. Karl Marx (1818-1883) critica o socialismo francês, como sendo “utópico”, opondo seu próprio sistema, o “socialismo científico”. A concepção idealista e reformista, aos olhos de Marx, parece levar a um beco sem saída e contribui para ocultar a única verdadeira questão que importa, a saber, a necessidade de uma A solução preferível à fuga do mundo, preconizada por Fourier. Se é verdade Página 8 de 12 que esse debate ideológico e político tem consideráveis repercussões sobre a organização do mundo operário, é igualmente verdadeiro que ele exerce uma influência que não se pode desconsiderar na produção de saberes, de tal forma que a obra de Marx será objeto de muitos comentários e seu sucesso obrigará numerosos sociólogos a se posicionarem em relação a ela. Sem contar a importância do efeito da teoria: uma teoria explicativa do mundo social pode conhecer uma grande influência (e o marxismo, a esse propósito, constitui um perfeito exemplo), possibilitando assim a difusão de deformações teóricas e de traduções incorretas que, de certa forma, uma ampla difusão impõe. A tal ponto que essa explicação do mundo termina sendo utilizada por numerosos agentes sociais como sendo uma pura e simples crença. 9. A doutrina positivista representada principalmente por Augusto Comte (1798-1857), constitui um momento chave na emergência das ideias sociológicas. Comte não apenas é considerado o inventor do termo “sociologia”, como também pretendeu dotar essa disciplina de um método rigoroso de observação do real, ao considerá-lo como uma física social. Ao se constituir como ma tentativa de síntese, e portanto de superação das ideologias do século XIX (liberalismo, conservantismo e socialismo), o positivismo (que consiste em produzir conhecimentos objetivos sobre o mundo social, formulando princípios rigorosos de observação e de análise da realidade. Um dos defeitos do positivismo reside numa ausência de interrogação sobre a produção dos dados, à medida que o real é supostamente dado a ver ao observador) se apresenta como ciência da sociedade. Antigo secretário de Saint-Simon, Comte manifesta um verdadeiro entusiasmo pela ciência que, segundo ele, seria capaz de resolver a maior parte dos problemas aos quais a humanidade se vê confrontada. Ele enuncia, no seu Curso de filosofia positivista (1830- 1842), a lei dos três estados segundo a qual três fases sucessivas teriam se sucedido na história. O estado teológico, dominado pelas crenças sobrenaturais, é caracterizado pela estabilidade e por um sistema feudal e militar. O segundo estágio é o estado metafísico, governado pela abstração, o qual constitui uma fase de transição para o mundo industrial. Enfim, o estado científico ou positivo corresponde à idade da maturidade e se realiza no seio da sociedade industrial. 10. Esta visão pretende reconciliar os contrários, particularmente a ordem e o progresso, que ele chama respectivamente de a estática e a dinâmica social: “Nenhuma ordem legítima não pode mais se estabelecer, e sobretudo não pode durar, se ela não é plenamente compatível como progresso; nenhum progresso poderá efetivamente se realizar se ele não tende finalmente para a evidente consolidação da ordem”. (46 lição do curso d filosofia positiva). Comte concebe uma sociedade nova onde reinaria o espírito científico: a descoberta de leis através de uma observação metodológica dos fatos deve consequentemente prevalecer sobre todo julgamento de valor. A sociologia, tal como ele a concebe, teria assim uma missão: ser capaz de dar conta dos princípios que governam os fenômenos sociais. Sua visão da sociedade está impregnada de organicismo (a sociedade é pensada em analogia ao organismo humano). A sociedade se sobrepõe ao indivíduo, como o todo prevalece sobre as partes, já que a humanidade é tributária de seu passado: “os vivos são sempre, e cada vez mais, governados pelos mortos, já que essa é a lei fundamental da ordem humana”. Essa abordagem da sociedade vista em analogia aos fenômenos naturais se encontra em muitos autores. 11. Hebert Spenser (1820-1930) particularmente, sociólogo inglês para quem as sociedades evoluem invariavelmente por diferenciação e agregação, abandonando progressivamente as formas mais simples (as sociedade militares, dotadas de um alto grau de coerção) em favor das mais complexas (as sociedades industriais, caracterizadas pelo individualismo e pela divisão progressiva das funções sociais). Algumas preocupações metodológicas de Comte, entre as quais a rejeição de uma abordagem puramente especulativa, que aliás, o Página 9 de 12 levou a recorrer à observação e que precede a edificação de leis, se encontram na obra de Émile Durkheim (1858-1917), que formula o projeto de dotar a sociologia de um método científico de observação da realidade social. A sociologia foi, depois da Biologia, a ciência que maior impacto recebeu da Teoria de Darwin, levando ao aparecimento da Escola Biológica, iniciada por Hebert Spenser. A sociedade assemelha-se a um organismo biológico, sendo o crescimento caracterizado pelo aumento da massa; o processo de crescimento dá origem à complexidade da estrutura; aparece nítida interdependência entre as partes; tanto a vida da sociedade como a do organismo biológico são muito mais longas do que a de qualquer de suas partes ou unidades. Desses princípios básicos chega-se à formulação de uma lei geral, segundo a qual a evolução de todos os corpos (e, por analogia, a das sociedades) passa de um estágio primitivo, caracterizado pela simplicidade de estrutura e pela homogeneidade, a estágios de complexidade crescente, assinalados por uma heterogeneidade progressiva das partes, acompanhadas por novas maneiras de integração. Especificamente no que concerne às sociedades, para Spencer, a História demonstra a diferenciação progressiva das mesmas: de pequenas coletividades nômades, homogêneas, indiferenciadas, sem qualquer organização política e de reduzida divisão de trabalho, as sociedades tornam- se cada vez mais complexas, mais heterogêneas, compostas de grupos diferentes, mais numerosos, onde a autoridade política se torna organizadae diferenciada, aparecendo uma multiplicidade de funções econômicas e sociais, exigindo maior divisão de trabalho. Os obras mais importantes: Princípio de sociologia (1876-1896) e O estudo da sociedade (1873). A SOCIOLOGIA É CONSIDERADA COMO UMA RESPOSA POSSÍVEL PARA A “QUESTÃO SOCIAL” O desenvolvimento da sociedade industrial suscita um questionamento da realidade, que se justifica aos olhos dos contemporâneos como uma necessidade de se ter um novo olhar sobre a própria organização da sociedade. As mutações ocorridas com a Revolução industrial produziram no espaço de muitas décadas uma profunda transformação dos modos de vida, transformando também os sistemas de valores dos habitantes dos países industrializados. Entre as principais conseqüências da industrialização, podemos enumerar um conjunto de problemas até então inéditos nos quadros das sociedades tradicionais nas quais prevaleciam os modos de vida camponesa. Entre esses problemas se destacam: 1. A aparição de condições de trabalho extremamente difíceis; 2. Os problemas de higiene e de alojamento nos centros urbanos em pleno desenvolvimento e o aparecimento de diversas perturbações de ordem pública, tais como o alcoolismo, a delinqüência ou a prostituição... A questão social se constitui progressivamente ao longo do século XIX e tende, ao menos em um primeiro momento, assimilar “classes laboriosas” e “classes perigosas”. O proletariado urbano, ao aparecer como uma ameaça ao equilíbrio social, inquieta particularmente as elites sociais que, de diversas maneiras, se esforçam para “controlar” essa população considerada arredia. O aparecimento das ciências sociais no século XIX, e entre elas a sociologia ocupa um lugar central, deve muito o advento de uma “terceira cultura” que progressivamente abre um espaço entre ciência e literatura. O lugar da sociologia por muito tempo permaneceu incerto nas pretensões dos romancistas realistas e naturalistas do século XIX, que algumas vezes se consideravam “sociólogos” (o termo até então vago, designa não os profissionais das ciências sociais mas pessoas do mundo das letras interessadas nas questões da sociedade). Os miseráveis de Victor Hugo de 1862, Germinal de Émile Zola (1885) narra minuciosamente as condições de vida dos mineiros; A besta Página 10 de 12 humana (1890) relata as transformações provocadas pelo desenvolvimento das estradas de ferro; em À felicidade das damas (1883), a aparição das grandes lojas nas cidades; O ventre de Paris (1873), o pequeno povo que se espreme no coração das cidades a fim de nelas encontrar trabalho. Havia também a anterioridade das “ciências naturais que, ao fornecerem um quadro frequentemente útil, ocupavam às vezes o lugar de “ciência social”. Portanto, desde a sua emergência e por muito tempo, a sociologia oscila entre o mundo da descrição, próximo do universo literário, e a afirmação nomológica (estudo das leis que regem os fenômenos naturais) o estabelecimento de leis similares às leis das ciências da natureza. A reflexão sociológica permanece, até o final do século, fruto do trabalho de “amadores esclarecidos”, que desenvolvem uma interrogação sobre o mundo social, frequentemente encorajados pelo poder político, a partir da Monarquia de Julho (o período histórico que decorreu em França de 1830 a 1848, entre dois dos principais processos revolucionários considerados como ciclos da revolução liberal ou revolução burguesa - as revoluções de 1830 - a revolução de Julho e as revoluções de 1848 — a primavera dos povos) e sob o segundo Império. As primeiras pesquisas sociais são muito mais obra de publicitários (pessoas interessadas nos negócios públicos) do que de cientistas, apesar de serem conduzidas por iniciativas de sociedades científicas. Foi assim que a Academia das ciências morais e políticas encarregou o médico Louis Villermé (1782-1863) de conduzir uma pesquisa sobre as regiões industriais francesas, que resultou na publicação do Quadro do estado físico e moral dos operários nas fábricas de algodão, lã e sede (1840), cujo eco suscitado conduziu à adoção, em 1841, de uma lei que limitava o trabalho das crianças na indústria. No mesmo momento, mas em nome de um projeto muito diferente, o colaborador de Marx, Friedrich Engels, fornece uma descrição minuciosa e assustadora do mundo operário de Manchester, na obra A miséria das classes laboriosas na Inglaterra (1845), que se assemelha, segundo ele, a um exército destruído ao retornar de uma campanha. 10 Pesquisas desse tipo se multiplicam na Inglaterra que se considerava um “ luzeiro” da industrialização na primeira metade do século XIX. A rápida difusão do factory system ( a fábrica suplanta o domestic system, sistema no qual a produção era realizada em pequenas unidades onde o trabalho era frequente efetuado no domicílio) suscita questionamentos que vão além do marxismo, como testemunha a criação da sociedade Fabiana (Fabian society), em 1884, na cidade de Londres. Entre os seus fundadores figuram os escritores George Bernard Shaw (1856- 1950), H. G. Wells(1866- 1946) e sobretudo Sidney (1859- 1950) e Béatrice Webb (1858- 1943). De origem burguesa (seu pai, Richard Potter, era industrial), Beatrice Webb, juntamente com seu marido, se entrega a amplas pesquisas. Eles explicam suas concepções do “socialismo administrativo” na obra A democracia industrial (1897). Distantes em relação ao marxismo, teorizam sobre o papel necessário dos sindicatos e das cooperativas, organizações que permitem melhorar a sorte de maior número de pessoas ao evitar a concorrência no mercado de trabalho. Os Webb associam a suas ideias reformistas preocupações científicas (eles estão entre os que tomaram a iniciativa de criar, em 1895, a London School of Economics [Escola de Economia de Londres]) e se entregam a uma precisa coleta de fatos, seguindo o caminho de Charles Booth (1840- 1916), autor de um estudo em dezessete volumes sobre as condições de vida e de trabalho do povo de Londres (Life and labour of the People of London) (1889- 1902). Esse trabalho de coleta metódica de dados empíricos dá origem à tradição de Social Surveys (pesquisa social), que se apresenta como uma análise rigorosa e documentada das 10 Gareth Stedman Jones, “ Voir sans entendre. Engels, Manchester et l’ observation sociale en 1844” [ Ver sem ouvir, Engels,Manchester e a observação social], Genèses, nº 22, 1996, p. 4- 17. Página 11 de 12 condições de vida de uma população. Booth toma como referência os relatórios da administração de vigilância da escolaridade, órgão encarregado de visitar as famílias com filhos pequenos, para assim anotar as condições de vida das famílias a fim de identificar o nível de pobreza de cada bairro de Londres. O autor também se dedica às novas observações, ao pesquisar pessoalmente nos bairros pobres, ainda que evite recorrer ao método de entrevista e não recolha testemunhos diretos junto à população. Partilhando a mesma preocupação com descrições minuciosas, Frédéric Le Play (1806- 1882), engenheiro, professor na Escola das Minas, inicialmente se desloca pela Europa para conduzir estudos sobre “arte metalúrgica” (ancestral das ciências industriais), mas não tarda em converte-se à etnografia do mundo operário.11 Autor de um vasto afresco, Os operários europeus (1885), ele está na origem de um método de pesquisa original em ciências sociais: a monografia (estudo geralmente descritivo de uma entidade reduzida. Método empregado pelos observadores sociais do século XIX que, porém, apresenta o defeito de isolar artificialmente o objeto de estudo do seu meio). Adepto da observação direta, ele acumula um conjunto dedados gerados pelas pesquisas de “campo”. Sua escolha principal foi a de dar importância aos orçamentos familiares, em razão da preponderância da família nas suas preocupações, mas também devido à possibilidade metodológica de se dedicar, a partir dos resultados obtidos, aos estudos comparativos. Católico militante, conservador, do ponto de vista político, promotor da famille-souche [núcleo familiar](que agrupa sob o mesmo teto o pai, a mãe, o filho mais velho e sua esposa, seus filhos e eventualmente os outros familiares que permanecem solteiros), que deve prefigurar o paternalismo na indústria (fazendo emergir, em Le Play exerce uma influência política, durante o Segundo Império, que não deve ser 11 France Arnault, “Frédéric Le Play, de La métallurgie à la science sociale” [Le Play, da metalurgia à ciência social], Revue française de sociologie, 1984, p. 437 -457. negligenciada. Napoleão III faz dele seu conselheiro, vendo nele um defensor da ordem social ameaçada. Suas ideias estão claramente expostas na obra A reforma social na França (1864), reforma difundida por intermédio das sociedades científicas, dentre as quais as Sociedades de economia social (1856), como também da revista Réforme sociale [Reforma social] (fundada em 1881). Trata-se de uma reforma que deve acontecer, não pela intervenção do Estado, mas pelo voluntarismo das elites, que devem se convencidas da importância de tal reforma . A herança leplaysiana é considerável, principalmente pela influência durável exercida junto ao patronato católico, mas também pela influência no plano sociológico, por meio dos trabalhos de Émile Cheysson, que tenta conciliar estatística e monografia, além de participar da criação do Office du travail [Serviço do Trabalho] (1891), órgão que por sua vez contribuirá para o nascimento, mais tarde, do Ministério do Trabalho (1906). Paralelamente às pesquisas sociais, que reuniam observadores avisados, embora pouco numerosos, desenvolveram -se procedimentos de coletas de dados quantitativos. Desde o fim do século XVIII, a matemática social tem a intenção de descrever de maneira rigorosa os fenômenos sociais que provêm, também eles, dos progressos da razão humana. Aliás, como indica a própria etimologia, a estatística em parte se liga à construção do Estado, fornecendo-lhe elementos de conhecimento sobre a sociedade. No caso da França, a centralização administrativa - reforçada pela emergência de um poder real forte, a partir dos anos 1660 (ao longo do reinado de Luís XIV) - aproveitou bastante da possibilidade de poder recensear a população (particularmente em função da arrecadação de impostos e da mobilização de tropas, em caso de guerra) e de inventariar as necessidades e os preços. Esse empreendimento de codificação e de homogeneização dos dados - para se produzirem estatísticas, é preciso que antes sejam estabelecidas convenções de equivalência, que haja acordo sobre o que está sendo medido, sobre a maneira de se medir e sobre forma Página 12 de 12 como serão classificados os dados, que foram recolhidos em categorias gerais - se realiza principalmente a partir da Revolução Francesa. 12 Nos anos 1830, se desenvolve a estatística moral e jurídica, sob a influência do estatístico belga Adolphe Quételet (1796- 1874), autor da teoria do homem médio, sob a inspiração do matemático Laplace. Indivíduo imaginário - que se tornou possível graças à estatística -, o homem médio traduz a influência exercida pelas determinações sociais. Com Quételet, a sociologia faz-se resolutamente empírica, contentando-se a constatar as regularidades sociais, o que não a impede de promover uma “estatística moral” que apresente a média, aos modos de uma norma social a ser respeitada. A ferramenta estatística pode então fazer da sociologia empírica uma ciência auxiliar da administração, contribuindo para a resolução dos “problemas sociais” do momento. É nesse espírito que as estatísticas judiciais se desenvolvem nos Estados Unidos e na França, onde são publicadas, a partir de 1827, no quadro do Compte general de l’administration de la justice criminelle [Relatório geral da administração da justiça criminal]. Na Inglaterra, o desenvolvimento da estatística se deu a partir das pesquisas de Francis Galton (1822-1911) e de Karl Pearson (1857- 1936) que, isoladamente, levam a efeito a noção de correlação, isto é, ligação entre duas ou mais variáveis, podendo ser positiva ou negativa. Sem, contudo, indicar que uma está na origem da outra (relação de causalidade). Esta correlação torna possível a comparação entre os fenômenos sociais. Desta forma a estatística permite pensar a diversidade, medir as diferenças e não mais apenas as regularidades, como acontecia precedentemente. A produção de dados estatísticos quantitativos contribui para legitimar as pretensões científicas da sociologia, provocando assim 12 Sobre a história social das estatísticas: Alain Desrosières, La politique dês grands nombres.Histoire de la raison statistique [A política dos grandes números. História da razão estatística], Paris, La Découvert, 1993. seu distanciamento da literatura, particularmente na França. As estatísticas sociais alemãs e francesas são privilégio de universitários e estão estritamente ligadas ao Estado, ao passo que as inglesas são obras de “peritos” e tem a finalidade de resolver problemas concretos. As primeiras cadeiras de sociologia aparecem no fim do século XIX como sinal da instituição progressiva da disciplina e do seu reconhecimento universitário. Albion W. Small funda em 1893 a seção de sociologia da Universidade de Chicago, e na França, em Bordeaux, Émile Durkheim é nomeado, em 1887, para um curso de ciências sociais (mesmo se a nomenclatura “sociologia” é cuidadosamente evitada). Essas nomeações, no entanto, tem caráter limitado. Será preciso, efetivamente, esperar o século XX, para que a sociologia seja plenamente reconhecida como uma disciplina universitária. A primeira cadeira de sociologia data de 1907 na Inglaterra, concedida a Hobhouse, e de 1914 na Alemanha, onde foi confiada a Georg Simmel.
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