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Aula 2 conteúdo Teoria da Literatura III

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Aula 2 conteúdo -Teoria da Literatura III
O fato é que a linguagem é indissociável do pensamento, já que sem ela as ideias seriam dispersas, amorfas e caóticas, sem qualquer delimitação, ordenação ou possibilidade de expressão. Enfim, de que outro modo seria possível tanger o pensamento sem o advento da linguagem, enquanto ela tem a função de formalizar o informe? Além disso, estrutura e ordena as ideias no pensamento a partir dos signos, tomados como elementos referenciais. Mais, ainda, ao constatar a formalidade e a funcionalidade da língua como elemento estruturador do pensamento, é justamente em sua dimensão fonológica que consiste a mediação do inconsciente buscada por Saussure, ao considerar que: 
“O papel característico da língua frente ao pensamento não é criar um meio fônico material para expressão das ideias, mas servir de intermediário entre o pensamento e o som, em condições tais que uma união conduza necessariamente a delimitações recíprocas de unidades. O pensamento, caótico por natureza, é forçado a precisar-se ao se decompor.” (SAUSSURE, 2002, P. 131) 
Na aula anterior, vimos que o sistema fonológico serviu como elemento determinante na transição do método formal à semiologia de Saussure, quando deslizamos da construção estética formalista marcada pelo ritmo, rimas, aliterações, assonâncias e paralelismos à sonoridade dos eventos inconscientes da fala, ao fixar o signo como o elemento intermediário entre a esfera psíquica individual e o campo social.
Além de precursor da linguística moderna, Ferdinand de Saussure foi quem lançou as bases para a consciência semiológica e a teoria estruturalista as quais influenciariam as ciências no ocidente, tal como a antropologia e a psicanálise. Em sua investigação das estruturas inconscientes e sobre a linguagem, ao compreender que a língua é um sistema de valores puros, ele considerou dois elementos: as ideias e os sons.
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O fato é que a linguagem é indissociável do pensamento, já que sem ela as ideias seriam dispersas, amorfas e caóticas, sem qualquer delimitação, ordenação ou possibilidade de expressão. Enfim, de que outro modo seria possível tanger o pensamento sem o advento da linguagem, enquanto ela tem a função de formalizar o informe? Além disso, estrutura e ordena as ideias no pensamento a partir dos signos, tomados como elementos referenciais. Mais, ainda, ao constatar a formalidade e a funcionalidade da língua como elemento estruturador do pensamento, é justamente em sua dimensão fonológica que consiste a mediação do inconsciente buscada por Saussure, ao considerar que: 
“O papel característico da língua frente ao pensamento não é criar um meio fônico material para expressão das ideias, mas servir de intermediário entre o pensamento e o som, em condições tais que uma união conduza necessariamente a delimitações recíprocas de unidades. O pensamento, caótico por natureza, é forçado a precisar-se ao se decompor.” (SAUSSURE, 2002, P. 131)
Para Saussure, embora a língua seja instituída socialmente por um sistema de signos, é a espessura fonológica da fala que atingirá a estrutura inconsciente quando subverte a norma, expande a língua para além de sua objetividade. Isso, mesmo que o uso da língua esteja subjacente aos princípios normativos mínimos de conscientização e comunicação do indivíduo em sua sociedade. 
Saussure constatou então que a língua fecha-se em si mesma, ao considerar que o signo é determinado por uma dupla acepção que envolve o significante (imagem acústica) e o significado (conceito).Segundo o próprio linguista, um signo isolado constitui apenas um paradigma denotativo (referencial), de modo que, se o colocarmos em relação com outros em um sintagma (frase), sua significação poderá sofrer alterações. Logo, ainda que o sentido primordial denotativo do signo seja reprimido e ganhe nova conotação ao alinhar-se com outros, esse mesmo signo sempre remeterá a outras tantas significações possíveis no âmbito da própria língua, e jamais fora dela.
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Mas, como estabelecer um sistema fonológico da fala? Como é possível investigar, compreender seu funcionamento? E segundo que leis reguladoras esse sistema opera em nosso pensamento? 1
Para responder a estas questões, Saussure estabeleceu uma teoria baseada em princípios universais que dirigissem o uso da linguagem a uma metodologia governada por conceitos que fundamentassem o signo dentro de uma estrutura psíquica e sua representação concreta, ou seja, a escrita.
Embora a língua e a escrita constituam dois sistemas distintos de signos, segundo Saussure, a escrita só tem sentido devido à língua. E esta só existe devido à fala, pois é senso comum que a língua seja oriunda de uma tradição oral. Porém, sem o registro concreto de sua fluência, a língua estaria fadada ao desaparecimento ao longo do tempo.
“Língua e escrita são dois sistemas distintos de signos; a única razão de ser do segundo é representar o primeiro; o objeto linguístico não se define pela combinação da palavra escrita e da palavra falada; esta última, por si só, constitui tal objeto.
Mas a palavra escrita se mistura tão intimamente com a palavra falada, da qual é a imagem, que acaba por usurpar-lhe o papel principal; terminamos por dar mais importância à representação do signo vocal do que ao próprio signo. É como se acreditássemos que, para conhecer uma pessoa, melhor fosse contemplar-lhe a fotografia do que o rosto.”(SAUSSURE, 2002, p. 34)
O mais importante neste programa foi que Saussure passou a fornecer as bases para o desenvolvimento da teoria estrutural que influenciou o pensamento científico do ocidente. Isto se comprovou com a antropologia estrutural de Claude Levi-Strauss, quando tentou investigar a matriz cultural das tribos primitivas, através da aproximação das narrativas pertencentes à tradição oral.
A linguística de Saussure valorizou a importância da escrita para o estudo da linguagem, ao considerar seu valor como registro ortográfico e também como materialização da oralidade. Ao concretizá-la de modo formal e palpável, evitava-se 
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a abstração e o desaparecimento da língua pelo isolamento da fala, caso esta sofresse pela ausência de registro ou representação gráfica.
Saussure defendeu o prestígio do sistema escrito com base em quatro pontos:
As imagens gráficas constituem a unidade da língua através dos tempos, de modo mais sólido e permanente que os sons.
As impressões visuais são mais nítidas e duradouras que as impressões acústicas.
A língua literária constitui volume documental da língua através das gramáticas, dicionários, textos e livros que são regulamentados como código e utilizados como instrumento de ensino.
Quando houver desacordo entre a língua e a ortografia, é a forma escrita que se legitima como preponderante sobre o caráter volátil da fala.
Todavia, a língua e suas modulações passaram a ser estudadas pelo registro literário como um sistema escrito, e este era o elemento básico da teoria estrutural. 
Quando nos referimos à palavra estrutura, este termo que vem do latim structura sugere a ideia de “construção”, em que cada um de seus elementos possui uma função determinada pela relação compartilhada por todos, seja ela de equivalência ou oposição.
Em termos literários, o conceito de estrutura se aplica ao texto tal qual um sistema verbal regido por um conjunto de elementos ordenados e encadeados entre si, constituindo uma totalidade dinâmica. O texto é visto como um sistema constituído de signos e sintagmas, ou seja, palavras e frases, onde cada signo é parte integrante de um sintagma, que, por sua vez, constitui uma unidade funcional.
Lembremos que, para o método formal, o texto era um sistema estático e imanente em suas relações formais intrinsecamente estéticas. Já o método estrutural ultrapassa os limites do formalismo estético e amplia suas interpretações para a dimensão semiológica, onde o signo é colocado sob a perspectiva psíquica e social.
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Com a contribuição da antropologia moderna estrutural de Claude Levi-Strauss,esta relação entre o inconsciente e o social atinge uma dimensão cultural, mediada pela linguagem. Isso ocorrerá se considerarmos o fato de todo ser humano possuir uma competência narrativa desenvolvida desde a infância, como modo de organização do pensamento pela matéria fônica.
Sob esta perspectiva, ao analisarmos a estrutura narrativa tradicional, partimos do princípio de que ela possui uma organização interna regida por elementos que se inter-relacionam em suas respectivas funções, como o foco narrativo, o enredo, o conflito, os personagens, o tempo, o espaço, o clímax e o desfecho, por exemplo.
Após os estudos de Vladimir Propp que você viu na primeira aula, a gramática ou teoria da narrativa passa a ser constituída por esferas de ação ou enunciados que, além de formarem a malha estrutural da narrativa, determinam o curso da trama, operando de modo integrado.
Então, veremos a seguir, com Claude Levi-Strauss e suas pesquisas junto às sociedades primitivas, de que modo ele estabeleceu seu método estrutural ao estudar as culturas aborígenes e sua tradição oral, a partir do método formal de Propp e da fonologia de Saussure e Jakobson.
Vladimir Propp: foi um académico estruturalista russo que analisou os componentes básicos do enredo dos contos populares russos visando identificar os seus elementos narrativos mais simples e indivisíveis. Foi um dos expoentes da narratologia.
A Antropologia Estrutural de Claude Levi-Strauss
Tanto em linguística quanto em antropologia, o método estrutural consiste em descobrir formas invariantes no interior de conteúdos diferentes.
Claude Levi-Strauss
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Claude Levi-Strauss foi o precursor da Antropologia estrutural, e sua carreira de etnólogo teve início no Brasil, quando foi convidado a lecionar na Universidade de São Paulo em 1934. Lamentavelmente, ao retornar à França em 1939, precisou fugir neste mesmo ano, em decorrência da ocupação nazista. Durante o período de exílio nos Estados Unidos, ele começou uma amizade com Roman Jakobson, que lecionava fonologia estrutural. Foi a partir desse encontro intelectual e afetivo com o linguista, que Levi-Strauss fundamentou suas pesquisas, dando origem à antropologia moderna. Suas experiências com as sociedades primitivas visavam à natureza inconsciente dos fenômenos culturais segundo os princípios da linguagem, que serviram como eixo inteligível dessa investigação do pensamento autóctone.
Suas pesquisas estavam fundamentadas cientificamente pelo modelo linguístico estrutural de Saussure e direcionadas ao estudo das sociedades primitivas. Levi-Strauss pretendia estudar o modo pelo qual os sistemas sociais e culturais primitivos estavam entronizados inconscientemente nos indivíduos, partindo da intermediação da linguagem como estrutura imanente a eles, ou seja, segundo o estudo das narrativas aborígenes e sua tradição oral. Importante afirmar que, ao estudar os sistemas culturais indígenas, o modelo antropológico estrutural de Levi-Strauss acenou para uma perspectiva universalista que rompeu radicalmente com o modelo antropológico naturalista, baseado no evolucionismo ou no determinismo essencialmente biológico e racista, além de superar a metodologia tradicional, estritamente funcional e utilitarista. Os estudos de Levi-Strauss foram imprescindíveis para a humanidade. Pois a título de exemplo, imaginemos que, se uma tribo tenha sido exterminada por uma peste ou dizimada em batalha por outra tribo adversária, sem que se houvesse conservado qualquer registro escrito de seu falar, suas canções, seus mitos, seus costumes e suas crenças rituais, o que teria acontecido com esta cultura? Ela estaria então condenada ao desaparecimento para todo o sempre.
Para Levi-Strauss, ao pesquisar a relação entre a infraestrutura inconsciente e social das culturas primitivas, era necessário fundamentar suas propostas sob bases cientificamente comprovadas, como a fonologia desde Saussure, Jakobson até 
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Trubetzkoy que, segundo Levi-Strauss, foi quem melhor definiu o método fonológico, ao resumi-lo em quatro procedimentos essenciais:
Em primeiro lugar, a fonologia passa do estudo dos fenômenos linguísticos conscientes para o de sua infraestrutura inconsciente;
Recusa-se a tratar os termos como entidades independentes, tomando por base de sua análise, ao contrário, as relações entre os termos;
Introduz a noção de sistema – (...)
Finalmente, ela visa à descoberta de leis gerais, descobertas ou por indução, ou por deduzidas logicamente, o que lhes dá um caráter absoluto.” (STRAUSS, 2008, p. 60)
Ao final da última seção, vimos que a narrativa é uma competência desenvolvida pelo ser humano desde a infância e ao longo da história da humanidade, ao operar como meio de estruturação dos fatos no tempo e no espaço, à medida que o pensamento é ordenado pela matéria fônica e transmitido através de uma sequência lógica, linear e progressiva pelo falante.
Ao investigar os índios, Levi-Strauss estabeleceu como objeto as narrativas míticas e observou que os indivíduos partilhavam o mito como um sistema simbólico e elemento integrador da estrutura inconsciente individual e coletiva.
Ele descobriu que o mito fornecia subsídios para a investigação não apenas de um sistema de pensamento, mas para uma cadeia significante e um universo simbólico no qual se revelava uma cultura estruturada pelo sonho e pela dimensão mágica do espírito humano.
Ao aproximar sua investigação do método fonológico, ele passou a estabelecer um sistema de análise das sociedades primitivas a partir de um novo método, criado e denominado por ele de sistema de parentesco.
“Os ‘sistemas de parentesco’, assim como os ‘sistemas fonológicos’, são elaborados pelo espírito no estágio do pensamento inconsciente; e por fim, a recorrência em 
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regiões afastadas do mundo e em sociedades profundamente diferentes, de formas de parentesco, regras de casamento e atitudes igualmente prescritas entre certos tipos de parentes etc. leva a crer que, num caso como no outro, os fenômenos observáveis resultam da operação de leis gerais, mas ocultas. O problema pode, portanto, ser formulado do seguinte modo: numa outra ordem de realidade, os fenômenos de parentesco são fenômenos do mesmo tipo que os fenômenos linguísticos. (Ibidem, p. 61)
Ao tomar uma narrativa mítica como um sistema fonológico em potencial, ele passou a analisar as unidades mínimas elementares que constituíam tal sistema, denominando-as mitemas, que estão para o sistema mítico, assim como os fonemas estão para o sistema fonológico.
Para tanto, Levi-Strauss retomou a morfologia formalista de Vladimir Propp, ao comparar os contos de fadas com os mitos indígenas, no ensaio A estrutura e a forma, e constatou que, enquanto o método formal valorizou apenas o elemento material da linguagem, o método estrutural ultrapassou-o até atingir sua abstração simbólica, ao relacionar as formas invariantes existentes entre as culturas autóctones e a respectiva infraestrutura inconsciente de seus indivíduos, coletiva e individualmente.
Ao retornar à análise morfológica de Propp como paradigma em sua pesquisa sobre as culturas autóctones, contrastou o método formalista dos contos de fada e o método estrutural das relações de parentesco entre os mitos indígenas, e os respectivos modelos de análise narrativa:
“Que nos seja permitido insistir neste ponto, que resume toda a diferença entre formalismo e estruturalismo. Para o primeiro, os dois domínios devem ser absolutamente separados, pois somente a forma é inteligível, e o conteúdo não é senão um resíduo desprovido de valor significante. Para o estruturalismo, esta oposição não existe: não há, de um lado, o abstrato e, de outro, o concreto. Forma e conteúdo são de mesma natureza, sujeitos à mesma análise. O conteúdo tira sua realidade da estrutura, e o que se chama forma é a ‘estruturação’ das estruturas locais que constituem o conteúdo.” (STRAUSS, 1993, p. 137-8)
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Deste modo, o estudo das culturas passou pelo estudo dos mitos familiarizados por uma série de tribos, e esse sistemamítico constituiu a infraestrutura inconsciente e social das respectivas culturas como uma espécie de gênese partilhada, unidade fundante, desdobrada e diferenciada segundo cada tribo. Uma gênese respectivamente identificada segundo suas relações de familiaridade com outras através do sistema mítico, sendo logo reconhecidas pelo sistema de parentesco de Claude Levi-Strauss.
Isto porque, segundo Levi-Strauss, a análise de um sistema de parentesco não é determinada pelos laços objetivos de filiação ou consanguinidade entre os indivíduos, pois que “ele só existe na consciência dos homens, é um sistema arbitrário de representações, e não o desenvolvimento espontâneo de uma situação de fato”.
Mas, por que os mitos?
Porque, como já antecipamos, a importância do mito se deve pelo fato de sua matriz constituir-se por uma estruturação simbólica dinâmica e irredutível, já que essa matriz movimenta uma miríade de versões e expansões sem que se perca sua identidade. O mito ultrapassa qualquer cientificidade inteligível e racional, pelo fato de estar à margem de qualquer determinismo ou manipulação exterior, além de servir de campo fidedigno para a investigação das estruturas mais elementares e profundas do inconsciente e do espírito humano. Consideremos então que a linguística fonológica foi apenas um meio de representação e materialidade simbólicas deste universo.
Para o índio o mito é sua razão, sua lei, sua religiosidade, enfim, é o suporte de sua consciência, considerando que o universo mágico e transcendente faz parte de seu cotidiano e sua cultura, desde seus mais remotos ancestrais. Em comum entre o pensamento ‘civilizado’ e o ‘selvagem’, Levi-Strauss revelou que o pensamento mítico é tão ou mais integrado que o pensamento científico.
Fundamental é perceber que Levi-Strauss revelou o universo mítico como uma cadeia significante e uma espécie de estrutura catalisadora das relações naturais, ambientais e sociais, em torno de uma estrutura mágica que se coloca à margem de 
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uma realidade referencial, ao fundar as bases naturais da cultura, sob a magnitude de um sistema irredutível que é o mito.

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