Buscar

GOUVEIA, Francisco Velasco de. Justa Aclamação do Sereníssimo Rei de Portugal Dom João IV

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 6 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 6 páginas

Prévia do material em texto

JUSTA ACLAMAÇÃO 
TRATADO ANALÍTICO 
dividido em três partes. 
ORDENADO E DIVULGADO EM NOME DO MESMO REINO, EM JUSTIFICAÇÃO DA SUA ACÇÃO. 
DIRIGIDO 
ao sumo pontífice da Igreja Católica, Reis, Príncipes, Republicas e Senhores soberanos da 
Cristandade. 
COMPOSTO PELO DOUTOR 
Francisco de Gouveia, Português, Catedrático jubilado em Cânones na Universidade de Coimbra, 
Arcebispo de Vilanova de Cerveira, na Igreja Primacial de Braga. 
À custa dos três estados do Reino. 
Em Lisboa. 
Na oficina de LOURENÇO DE ANVERES. 
Ano 1644. 
 
Primeira Parte 
Que o Reino de Portugal tem legítimo 
poder, para aclamar Rei a quem tiver legítimo direito 
para o ser; e privar o que não tiver, e for 
 intruso. Sem ser necessária autoridade, 
ou sentença do Sumo Pontífice, 
 nem de outra pessoa alguma. 
 
Princípio 
 (I) Esta questão disputa-se primeiro, tomada em geral, sem aplicação particular ao Reino de Portugal; 
para no que nela se provar e resolver, se insira em especial a ele. Mostrando-se o legítimo poder, com que 
nesta acção obrou, privando a El-Rei Católico de Castela Filipe IV. da posse do mesmo reino; dando-o e 
restituindo-o ao Sereníssimo Rei D. João o IV. que era Duque de Bragança. Advertindo, que o que nela 
chamamos Reino, é o que nesta matéria chamam os Doutores, Povo, República, Comunidade. 
 
Que o poder régio dos Reis está nos Povos e Repúblicas que delas o 
receberam imediatamente. 
 (1) Conforme a ordem da boa doutrina, se deve primeiro ver na matéria deste parágrafo se há nas 
Repúblicas poder Régio, civil, ou político; e depois se há-de investigar em quem está e de quem o recebem os 
Reis; pois na ordem do entendimento e da arte, primeiro coloca-se a questão:An sit? e depois: Quale sit? 
 (2) E assim tratando da primeira questão, foi erro antigo de alguns Hebreus, e foi autor dele um Judas 
Gaulanita, ou Galileu, de que faz menção Josefo de antiquitatib. lib. 18. cap. I; lib. 7. de bello Iudaico, cap. 29; 
31. E depois de outros hereges, chamados Beguardos, Anabaptistas e Trinitários dos nossos tempos; os quais 
negaram totalmente entre os Cristãos, o Principado político e poder supremo civil; e disseram, que somente 
Deus era Rei, Príncipe e Senhor; e que o poder político dos Reis, e ainda dos Magistrados, era contrário à 
liberdade e dignidade dos homens, e injurioso ao mesmo Deus. Como referem largamente Bellarmino tom. 
I. controu. 5. lib. 3. de laicis, c. 2 Suárez in defens. fidei contra Angl. sectae errores. lib. 3. cap. I a n.I. cum 
seqq. 
 Advertindo, que a calúnia deste erro parece, quiseram os Faríseus impôr a Cristo nosso Senhor, quando 
lhe perguntaram, Mat 22. Licet ne censum dare Caesari, an non? Como sentiu Santo Agostinho sobre o Salmo 
118 Principes, persecuti funt me gratis. Em tanto, que os ditos Trinitários (chamados assim por negarem o 
mistério da Trindade) entre as conclusões, que publicaram na Transilvânia, no ano de 1558 diziam na sétima 
: Christum falsum, habere in sua Ecclesia Reges, Principes, Magistratus, gladios: Christum verum, nihil tale in 
sua Ecclesia pati posse. 
 (3) Os fundamentos deste erro refere o mesmo Bellarmino, d e 2 per totum. E entre outros o primeiro 
é, que Deus nosso Senhor tem particular cuidado de nosso governo; e até dos pássaros, que nenhum deles 
vive, ou morre, sem sua vontade e providência (...). Quanto mais dos homens, e principalmente dos seus 
Cristãos; a que fez e chamam gente santa, Sacerdócio real, povo escolhido. I. Petri c. 2. Por onde não ficava 
sendo necessário; antes em certo modo injurioso a Deus, haver entre eles outro povo Régio humano, que os 
governe, ajuntando a isto as palavras de Math. 17 Reges (...) tributa; c. juntas as outras abaixo, ergo liberi; e 
as de S. Paulo 2 ad. Corinth. 8Unus Dominus, Efés. 4 Unus Dominus, Una fides, e c. pelas quais se mostra, que 
os Cristãos são livres de sujeição; e entre eles só Deus é Senhor. 
 (4) Segundo (erro/argumento). Porque na Sagrada Escritura, I. Reg. c. 8 lemos, que quando o povo 
pediu a Samuel que lhe desse Rei: Constitue urbis regem, se diz, que esta petição foi ilícita:Displicuit semo in 
oculis (...) eo quod dixissent: dá nobis Regem; e assim a Interlineal Regia, treslida: Et malum fuit verbum; e os 
Setenta: Et fuit pranus serins: e no capit. 12 se acrescenta, que pecou o povo em pedir Rei e que confessou o 
pecado dizendo: Addidimus universis peccatis nostris malum, ut peteremus Regem. Logo, parece não ser lícito 
nos povos, o poder Régio dos Reis. 
 (5) Terceiro (erro / argumento). Se penderam as outras palavras de S. Paulo, I. ad Corinth. 7Pretio empti 
estis, nolite fieri serui hominum. ec. actor. 5 Melius est obedire Deo, quam hominibus; nas quais se mostra que 
os homens não devem ser vassalos, nem obedecer uns aos outros, quando todos são iguais da mesma 
natureza, frágil e pronta para o mal; senão somente a Deus. Ajuntando-se a isto e confirmando-se este 
fundamento com a razão da liberdade e dignidade natural dos mesmos homens, que por serem criados livres e 
iguais entre si, como diz S. Gregório,lib. 21. moral. c. II. Omnes homines natura aequales genuit, e c. e à 
imagem e semelhança do mesmo Deus, e redimidos com o sangue precioso de Jesus Cristo nosso Senhor, vt d. 
I. ad Corinth. 7 Pretis empti estis: a ele só devem ser sujeitos e não a outro nenhum homem, como 
pondera Suárez d. c. I. n. 2. Pedr. Gregor. Thols. de Republica, lib. 6. cap. 2. Bellarmino d. c. 2. 
vers. quintum. 
 (6) Porém é verdade Católica, e que confessaram outros hereges como Calvino e Lutero, haver poder 
Régio e Principado político, e ser justo entre os Cristãos, sendo justamente introduzidos em tirania. 
 (7) O que se prova primeiro com o uso universal de quase todas as Repúblicas e nações do mundo, das 
quais diz Cícero, lib. 3 de legib. no princípio, que todas obedecerão a Reis. E escreve Justino histórico, lib. I. 
Principium rerum, gentium, nationumque, imperium penes reges fuisse. E posto que a sujeição servil começou 
depois do pecado original, vt Genes. 3. Sub viri potestate eris: contudo ainda no estado primeiro da inocência, 
havia de existir (haver) principiado e sujeição política, como prova S. Crisóst. obseru. 34. in I. ad Corinth. 3. e 
com ele Bellarmino d. lib. 3 de laicis, c. 7. E antes do dilúvio universal, se diz, Genes. 4 que Caim fundou 
cidade, que é o mesmo que Comunidade e República; na qual dominou como Rei. E depois do dilúvio, o 
primeiro que diz a Escritura, que reinou foi Nenrod, Genes. 10. Como de um, e outro nota Santo Agostinho, lib. 
15. de civitate Dei, c. 8. e lib. 16. cap. 4 onde é de opinião, que a cidade que fundou Nenrod foi Babilónia e que 
nela teve princípio o seu Reino. 
 (8) Segundo. Prova-se também com os exemplos dos próprios animais, como são as abelhas, gurus e 
outros, que traz S.Jerónimo (Hieronymo) referidos no cap. in apib. 7. q. I e do corpo humano, que não pode 
estar na cabeça, aliás seria monstro e acéfalo. E com os mais fundamentos que alega o mesmo Pedro Gregório, 
d. lib. 6. cap. I. á n. 3. cum seqq. Bellarmino, d, lib 3 de laicis. á c. 3 usque 7. 
(9) E já confutou [refutou] este erro o Apóstolo S. Judas Tadeu, na sua Epístola canónica, 
ibi: Dominationem autem spernunt. E o mesmo Cristo nosso Senhor o reprovou, ensinando-nos, Mathei. 3 e 
Lucae 20 naquelas palavras: Redite quae funt Caesaris, Caesari; ut quae funt Dei, Deo: que aos Reis se lhes 
dêem os tributos devidos. E pelo Apóstolo S. Paulo, ad Roman. c. 13. diz, que obedeçamos aos mesmos Reis, 
Príncipes e Poderes superiores, ut ibi: Omnis anima potestatibus sublimioribus subdita sit. refere-se no cap. 
3 de maiorit. et obedient. E S. Pedro diz também, I. cap. 2.Subditi estote omni humanae creaturae propter 
Deum, fiue Ducibus, quasi ab eo missis, ad vindictam malefactorum,l audem vero bonorum. Com muitasoutra 
autoridades do Testamento novo, que trazBellarmin. d. c. 3. per totu. E quando na lei antiga se ameaçavam 
grandes castigos ao povo, era um e o maior, faltar-lhe Rei, Iudic. cap. 17 In diebus illis non erat Rex in Israel, 
sed unus quisque, quod sibi rectum vidibatur, hoc agebat. Et Isai.3. Auferet Dominus fortem virum bellatorem, 
et Iudicem, et Prophetam, et ariolum, et senem, Principem super quinquaginta, etc. 
 (10) E assim, ensinaram esta verdade, como católica, os Padres antigos Clemente, lib. 4.const. cap. 12 e 
lib 7 cap. 17. São Bazílio, in moralib. reg. 79. São Jerónimo, epistol. 4. como refere o mesmo Suárez, d. c. 
I. n. 3 e 4. S. Tomás, opusc. 20 per totum. E o prosseguem largamenteBellarmino, d. lib. 3.de laicis. âc. 3. 
Pedro Gregório Thol. de Respublica, d. lib. 6. cap. I. e 2. mostrando por muitos outros fundamentos, ser 
necessário nos povos o poder real político; e assim na lei antiga ordenou Deus a seu povo e lhe permitiu, que 
tivesse Rei, Deutoronom. 17. Constituam super me Regem, e c. E haver de ser assim, ex natura, se mostrará 
abaixo neste mesmo parágrafo com discurso certíssimo. 
 (11) Nem os argumentos contrários convencem coisa alguma. Porque ao primeiro, da providência de 
Deus nosso Senhor, cuidado, que tem dos homens, se responde, que este não tira o poder político e Principado 
dos Reis: antes se deriva dele, como diz S. Paulo, ad Roman. 13. Non enim est potestas, nisi à Deo, itaque qui 
resistit potestati, ordinationi Dei resistit: Cap. qui resistit. II. q. 3. E absolutamente falando, 
dizem Bellarmino, d. lib. 3. cap. 6. in principio. Suárez, d. cap. I. n. 6. ser de fé, que todo o poder político 
dos Reis, procede de Deus. Donde se segue, que ainda que os Príncipes sejam Reis, e se chamem Senhores, é 
por diverso modo e inferior ao de Deus; ao qual somente compete por essência ser Rei e Senhor e a ele só 
compete propriamente o nome de Senhor; no qual sentido fala S. Paulo: Unus Dñus, etc. e vem a ter o nome 
hebreu, Adénai: do Salm. 15. Dixi Domino, Deus meus es tu. E aos Reis e homens compete somente este nome 
de Senhores por participação, como ministros seus. Paul. ad. Roman. 13. ibi. Dei enim minister est. Donde 
Augusto nunca consentiu chamar-se Senhor, como refere Tertuliano, in Apologetico, c. 34. E as outras palavras 
de Cristo, Math. 17. Ergo liberi sunt filij: as disse de si próprio, inferindo, que por ser Filho de Deus, supremo e 
sumo Rei, não era obrigado a pagar tributo a outro algum. E não se podem entender dos Cristãos, quando o 
mesmo Senhor mandou, que pagassem o censo ao Imperador Math. 22 et Paul. ad Rom. 13. Como bem 
declara Bellarmino, d. cap. 3. vers. Ad. primum. 
 (12) Ao segundo acerca da razão porque diz a Escritura I Regum. cap. 8 que a petição do povo em pedir 
Rei, não pareceu bem a Samuel, ibi: Displicuit sermo in oculis Samuels: variam os intérpretes, dos quais refere 
nove razões Mendonça, super d. c. 8. n. 6. in expositione litterae per rotam. E deixando as outras, as melhores 
duas são: Uma, que não pecou o povo na substância da petição, em pedir se lhe desse Rei; senão no modo e 
circunstância: pedindo que lhe desse na forma em que o tinham as nações idólatras, ut ubi: Constitue nobis 
Regem, ut indicet nos, sicut, ut universae habent nationes. E assim explicam Dionisius, Caetanus, Lyra, 
Abulensid, et aliis, como prossegue o mesmo Mendonça, in d. exposit. litterae n. 8. Ao que parece aludem as 
palavras de Cristo nosso Senhor Luc. 22 Reges gentium dominantur eorum; vos autem non sic, etc. Outra 
razão é porque como o próprio Deus nosso Senhor era o Rei daquele seu povo e seu escolhido; não só pelo 
título do domínio universal, com que ou é de todos; senão por especial protecção, com que o governava, como 
se prova, Exodi 19 Mea est omnis terra, et vos eritis mihi in regnum sacerdotale. Deutoronom. 7 et 32. et 
saepe alibi; ficaram diminuindo, muito na honra do mesmo Deus, em pedirem outro Rei homem que os 
governasse: e neste sentido diz abaixo, falando com Samuel no mesmo cap. 3 Nõ te abjecerunt, sed me, ne 
regnem super eos: e assim declaram Procopio, Severo, Sulpicio, Ruperto e os mesmos Caetano, Lira e 
Abulense, que refere o próprio Mendonça, in d. exposit. litterae n. 16. Bellarmin. d. lib. 3. de laicis, c. 8. 
vers. Ad primum, onde com S. Jerónimo,ibidem, explica no mesmo sentido as palavras, Oseae. 8 Ipsi 
regnaverunt, et nõ ex me: Principes extiterunt, ut non cognovi, etc. 
 (13) Ao terceiro argumento das palavras de S. Paulo, ad. I Corinth. 7. Nolite fieri serui hominum etc. se 
responde, que fala da servidão, com que os homens servem aos outros por amor deles mesmos, e não da 
outra, de que tratamos; que o mesmo S. Paulo diz, ad Calat. 4 Servite invicem: et ad Roman. 13. Omnis anima 
sublimioribus potestatibus subdita sit. Nem repugna a liberdade natural e igualdade com que todos somos 
criados, esta sujeição política aos Reis e superiores; senão somente se encontra com a outra que se chama 
despótica, que é a própria e verdadeira servidão, a qual se introduziu depois do pecado. Bellarm. d. lib. 3. cap. 
7. Onde também explica as palavras de S. Gregório, lib. 21. moral. cap. II. Nem também ofende à liberdade 
Cristã, em que fomos postos e redimidos, com o preço do sangue de Cristo. Pois ele mesmo nos ensina, que 
obedeçamos aos Reis e superiores; e se a sujeição civil repugnara a Eclesiástica, que compete mais 
propriamente ao Cristão, como cidadão da Igreja, Paul ad Efés. 2 Sed estis cives sanctorum: o que se não pode 
dizer, quando também ele mesmo ensinou, Math. 24 Quis (...) est fidelis servus, et prudens, quem constituit 
Dominus super familiam suam. E às outras palavras da autoridade, Actor. 5 em que se diz, que é melhor 
obedecer a Deus, que aos homens, trazidas no próprio argumento, se responde, que isto se entende, quando 
os homens mandam contra o que Deus ordena; e assim quando os mandados dos Reis são contrários aos de 
Deus; porque então se há-de obedecer a Deus e não aos Reis. Como se prova por muitas autoridades de 
Santos, referidas no cap. Si qui Episcopus. cum sequentib. II quaect. 3 onde se trazem umas elegantes de 
Santo Agostinho, in dict. cap. qui resistit. e de Santo Ambrósio, in cap. Iulianius Imperator et in 
cap. Imperatores Iulianus eadem causa II. quast. 3. 
 (14) E ao que mais se acrescenta neste argumento da dignidade do homem, se satisfaz também, 
dizendo; que o ser criado livre, à imagem e semelhança de Deus, não tira, que com justa causa, tirada da 
razão natural, seja sujeito a outro homem como ele; antes a sujeição lhe é como natural; ou por razão da 
geração, como do filho ao pai; ou por pacto, como da mulher ao marido; ou para melhor conservação e 
governo, como dos súbditos ao Rei e superior, sem o qual se não podem conservar e governar, como abaixo se 
provará. 
 (15) Além deste erro, que foi antigo e moderno, que na forma que fica mostrado, é contrário à verdade 
Católica, existe outro, acerca do mesmo poder Régio político; contendendo-se, que os Reis o não recebem dos 
Povos e Respúblicas; nem está nelas, senão imediatamente de Deus, onde somente consiste. Como refere o 
próprio Suárez in d. defensione fidei contra Angl. sect.errores, d. lib. 3 cap. 2 in principio. Molina de inst. disp. 
32. Hinc (...) alterius. E foi a opinião do Sereníssimo Rei de Inglaterra, Jacobo, contra a qual 
escreveu Suárez, d. c. 2. cum seqq. 
 (16) Funda-se esta opinião. Primeiro (fundamento / contenda), nas autoridades da Sagrada Escritura, 
Provérb. 8. Per me Reges Regnant: Sapientiae 6. Audites Reges, quoniam data est á Domino potestas vobis. E 
em muitos outros lugares, em que se diz, que o poder dos Reis, lhes é dado por Deus, Daniel 2 Deus caeli 
Regnum, et Imperium dedit tibi. Et 4. ibi: Donec scias quod dominetur excelsus super regnum hominum, et 
cuicumque voluerit, det illud. 
 (17) Segundo (fundamento/ contenda), nos incómodos e inconvenientes, que se seguiram, se os Reis 
tivessem o seu poder dos povos; pois facilmente se poderiam levantar contra eles, negar-lhes a obediência e 
causarem tumultos e sedições. 
 (18) Terceiro (fundamento / contenda), nos exemplos dos Reis, Saúl e David, que receberam o poder de 
reinar imediatamente de Deus, e não do povo, sendo mandados ungir em Reis por Deus, I. Reg. 10. a 
Saul: Ecce unxit te Dominus super haereditatem suam in Principem; e a David, I. Reg. 16. 
 (19) Não obstante os quais fundamentos, separando esta questão, e não a disputando em particular no 
povo de Israel, em que há particular controvérsia, se o poder de criar Rei, esteve em todo o povo; ou naquele 
Colégio de Anciãos, que constitui Moisés, Numer. II. que se chamava, Sanedrim. Como quiseram alguns, que 
refere Pined. lib. 2. de rebus Salomonis, cap. 2. Carol. Sigonius, lib. 7. de Republica Hebraeor. cap. 3. 
Mendoc. lib. I. Reg. cap. 8. nu. 5. in. exposit. litterae, II. Se no mesmo Deus? Como é mais certo e verdadeiro 
e o seguem Suárez de legib. lib. 3. cap. 4. et contra Angl. dict. lib. 3. cap. 3. 5. Pineda, dict. cap. 2. 
Mendonça in dict. lib. I. Reg. c. 8.n. 5.in exposit. litterae. 14 & 16. cum seqq. 
 (20) Tratando dos outros Povos e Repúblicas, a verdade e a resolução certa é, que o poder político e civil 
está nos próprios Povos e Repúblicas; e que os Reis o não receberam imediatamente de Deus, senão eles, onde 
principalmente consistia e estava. 
 (21) E assim a primeira conclusão na matéria deste parágrafo seja que o poder político e civil de reinar, 
tomado absolutamente, é dado e concedido imediatamente por Deus nosso Senhor, como Autor da natureza; 
não por concessão e instituição particular, senão pela mercê da criação dos homens, que em consequência traz, 
haver entre eles este poder, para se poderem conservar. Assim o prova, depois de outros autores, largamente 
Navarro, in cap. novit de iudic. nota b. 3. n. 85.cum duobus seqq. Molin. de institia, disput. 22. (...) Praeter 
societatem cum sequentib. Azorius, institut. moral. lib. II. cap. I. Suárez, dict. lib 3 contra Angl. sect. errores, 
cap. 2. num. 5. Bellarmino. dict. lib. 3. de laicis, cap. 6 vers. Sed hic. Entendendo neste sentido as palavras 
de São Paulo, ad Rom. 13.Qui resistit potestari, Dei ordinationi resistit, referidas no d. cap. qui resistit II. q. 3. 
 (22) Prova-se esta conclusão; porque para a conservação humana, entre os homens, é precisamente 
necessário, haver entre eles este poder político de reinar, com que sejam governados. 
 Porquanto, de sua natureza são propensos a terem comunicação entre si, vivendo juntos e sendo 
políticos e sociáveis. Como ensinam Aristóteles, I. polyticor. cap. I. et 2. D. Thom. de regim. Princip. c .2. (se o 
livre é seu) et in 4. quaest. 4. art. I. Victor. in relectione de potest.civili, num. 4.et 5. Navar. in. dict. cap. 
novit. nota b. 3. num. 86. onde alega o cap. Monachor. & al. ex hoc iure, ss. de instit. et iure. E Ulpiano disse 
na l. verum 64. in principio, ss. pro socio: Quod societas, ius quodammodo fraternitatis in se habet. 
 (23) E como, para viverem juntos em República e Povo, que constitui como um corpo, não podia ser sem 
terem cabeça; aliás ficaria monstro e sem quem os governasse e dirigisse, vivendo em confusão, sem entre 
eles haver paz, concórdia ou justiça. Como disse Cassiodoro, lib.7. variar. cap.16. Omnia sine priore 
praeposito, confusa sunt. Cap. ad hoc 89. distinctione. Tradit Plato lib. 6. de legib. Stenidas, in fragmento de 
regno, ibi: Nihil pulchrum; honestum ve dicendum, sine regno, aut Principatu. E a Sagrada Escritura, Proverb. 
II diz : Ubi nonest Gubernator, populus corruet: E com muitos outros, e mais largos discursos, o provam S. 
Crisóstomo, homilia 34 in. I. ad Corinth. Santo Agostinho, in lib. proposition. in epist. ad Roman. proposit. 72. 
Azorius, moral. dict. lib. II Cap. II Petrus Gregor. de Republica, dict. lib. 6. cap. I. Segue-se, que Deus nosso 
Senhor, que como Autor da natureza, não faltou com os meios necessários, para a conservação humana: não 
faltou também em conceber este poder, como meio necessário para ela; e assim o prossegue e confirma 
largamente dos nossos juristas, Menchac. illustr. in praefat.ânum.117. usque 124. onde refere a 
outros Bellarmino, d.lib. 3. de laicis, c.5. per totum. Suárez, d. lib. 3. cap. I. á num, 4.cum seqq. et cap.2 á 
num: 6. Azorius, dict. lib.II. cap. I et lib.10. cap.I. quaest.3. post Durand. in libel. de de origin. iurisdictionis; p. 
I. Ioann. Parisiens. in tractat. de Papali, et Regia potest cap. I. Salon. in 2,2. in tractat de dominio rerum, 
quaest. 4. art.30. Donde justamente disse o Jurisconsulto, in dict. l. ex hoc iure, ss., inst. et iur. que os Reinos 
são de direito natural das gentes; porque procedem da sobredita razão natural, pela qual foi necessário para a 
conservação humana, que os homens vivessem juntos e que entre eles houvesse quem os governasse; como 
explica Azor. dict. cap. I. 
 (24) A segunda conclusão, é que este poder consiste e está em toda a República, Povo ou Comunidade. 
Prova-se, porque como se não ache concedido em particular em pessoa alguma, nem a muitas juntas; antes 
proceda daquela razão natural da conservação; fica certo, que está e consiste em toda a Comunidade junta, 
enquanto lhe é necessário, para sua conservação. Porque por direito natural, em que este princípio se funda, 
não está determinado o modo de governar; nem por Monarquia, sendo por uma só pessoa; Nem por 
Aristocracia, sendo por muitas congregadas em Senado; nem por Democracia, sendo por todas. Senão dita o 
mesmo direito natural, que haja poder de governar e Principado político entre os homens: e que esteja este, 
originalmente em toda a Comunidade deles. O que assim resolvem e afirmam os mesmos 
Doutores, Suárez. dict. lib. 3. cap.2. num. 5. 7. 8. et 9. et cap. 3. num.13. Molina, de institia, dict. disputat. 
22. et 23. Mendonça, in lib. I. Reg. cap.8. num.5. in expositione litterae, 15. Bellarmino, d. lib.3. de laicis. 
cap.6. vers.secundo. 
 (25) Pelo que, não há que fazer caso daqueles que disseram que os Reis recebiam o poder 
imediatamente de Deus e não dos Povos, que largamente confuta Suarez contra Angl. lib. 3. cap. I. 2. et 3. 
Nem obstam os fundamentos, que por sua parte se alegaram. 
 (26) Porque ao primeiro, tirado das palavras, Sapientae 6. Audite Reges, quoniam data est á domino 
potestas vobis, et virtus ab Altissimo: e Proverb. 8. Per me Reges regnant. Com que concordam as de S. Paulo, 
ad Rom. 13. Non enim minister est. Daniel. 2. Deus Caeli, Regnum et fortitudinem, et Imperium dedit tibi. com 
muitas outras de outros lugares, que no propósito trazSuarez, dict. lib. 3. cap. I. num, 6. em que se diz, que 
os Reis têm de Deus o poder de reinar. Se responde, que , absolutamente falando, foi instituído por Deus nosso 
Senhor, como Autor da natureza, na forma que fica explicado; e por isso se diz que os Reis o têm de Deus; não 
recebido imediatamente dele, senão mediatamente pelo meio dos povos, que imediatamente lho 
transferiram, sendo criado e instituído por Deus. No qual sentido, e em outros, que vem a concordar com o 
mesmo, declaram as ditas autoridades Suárez, dict. cap. 3. num. II. Navarro, in dict. cap. novit. nota b. 3. 
num.147. Azorius, instit. moral. lib. II. cap. I. obijcies. Molina, de institia, dict. disp. 7.Bellarmino. d. lib. 3. 
de laicis, cap. 6. vers. 5 nota. 
 (26) Ao segundo fundamento, tirado dos inconvenientes, que se seguiram, de o dito poder estar nos 
povos, podendo-se levantar e eximir dos Reis quando quiserem. Se responde, que os não há; porque tanto que 
uma vez lho transferiram, in perpetuum, o não podem reassumir; salvo em certos casos, e com certas 
condições e circunstâncias, que abaixo diremos, nos (...) seguintes; nos quais caosnão há inconvenientes, 
senão grandes conveniências e razões para assim ser. 
 (27) Ao último fundamento dos Reis Saúl e David, satisfaz, advertindo, que esta questão (como já 
tocámos) se disputa, abstraindo do que passou no povo de Israel, no qual é controverso entre os Doutores, se 
receberam aqueles dois Reis (que foram os seus primeiros) o poder imediatamente de Deus, se do próprio 
Povo: e também, se depois deles, os outros sucessores, ficou reservado a Deus o poder de os eleger e nomear 
ou se o podia fazer o Povo, sem preceder designação alguma divina. As quais questões, depois de outros 
Doutores, tocou Mendonça,(...) I. in libros Reg. annotat. 3. sect. 3. et 5. e as disputou e resolucionou 2. tom. 
in lib. I. cap.8.n.5.in exposit. litterae. 13. 17. 19. et 20. 
 (28) E a opinião mais certa é, que a eleição das pessoas era de Deus, como foi em Saúl,. I Reg. 9. e em 
David,. I Reg. 16 e o prova Mendonça, supra. 16. Mas o poder era dado pelo Povo, como se tira da força das 
palavras do Deuteronom. 28. ibi. Regem tuum, quem constitueris super te.E assim o prova 
com Bellarmino largamente Suárez. contra Angl. d. lib. 3. cap. 3. à n. 6. usque 10. Mas ainda na opinião 
contrária, de que receberam estes dois Reis, Saúl e David, o poder imediatamente de Deus; como de David 
defende Soto, de instit. lib. 4. q. 2. art. I. e de ambos Navarro. in. d. cap. Novit. notab. 3. n. 33. et 147. de 
iudic. Mendonça, ind. lib. I.cap. 8.n.5. in exposit. litterae 17. Seraphin. de iusto Imper. Lusitano. c. n. 19. Não 
ficam os exemplos fazendo regra geral para todos os outro Reis; antes por serem especiais, mostram, que a 
regra nos outros é em contrário; conforme a outra vulgar de direito, tirada da l. cum Praetor. in principio, ss. 
de iudic.l. namquod liquide. ss. de penu legata, que os casos especiais, fazem e constituem a regra em 
contrário; como largamente diz Suárez. d. lib. 3. c. 3. n.10. 
 (29) Do que tudo se infere, que o poder, que têm os Reis e Príncipes supremos em seus Reinos e 
Repúblicas, o receberam dos próprios Povos. E em termos dos Reis deste Reino de Portugal, o diz Molina, de 
instit, tract. 5. disp. 3. n. 5. e de todos Bellarm. d. lib. 3. de laicis. c. 6. vers. 3. nota. Seraphin. de inst. 
Imper. Lusitan. c. 6. n. 19. E a razão é, porque como o não recebam imediatamente de Deus, segundo fica 
mostrado; o recebem dos Povos e Comunidades, em que o tal poder está e consiste. E isto parece ser o que 
disse Santo Agostinho, lib. 3. confession. cap.8. ibi: Generate pactum est, societatis humanae, obedire Regibus 
fuis. Significando, que a instituição dos Reis, e a translação do poder régio neles, se fez entre os homens por 
modo de pacto; transferindo neles o poder, compacto e condição de os governarem e administrarem com 
justiça e tratarem da defesa e conservação e aumento dos próprios reinos. E esta foi aquela lei chamada, 
Régia, de que faz menção Ulpiano, in l. I. ss. de const. Princip. E o Imperador Justiniano, in sed. et quod 
Principi. Inst. de iure natur. gent. pela qual o Povo transferiu no Imperador todo o seu poder e Império; como 
diz o Texto na d.l. I. ibi: Quia lege regia, quae de eius Imperio lata est, populus ei, et in eum, omne suum 
Imperium, et potestatem transtulerit. E na l. 2. novissime. ss. de origine iuris, se aponta a razão desta 
translação, ibi: Evenit, ut necesse esset Reipublicae, per unum consuli: juntas às palavras abaixo, ibi: Igitur 
constituti Principe, datum est ei ius, ut quod constituisset, ratum esset. 
 (30) A qual lei Régia, explicam os Doutores Juristas e Teólogos variamente; como consta que escreveram 
sobre a d.l.I. ss. de constit Princip. Querendo alguns, que fosse a lei, pela qual Rómulo concedeu ao Povo 
Romano o poder de criar Reis: como disseram Dionísio Halicarnas, lib. 5. Livius, lib. 2. e com eles Corras. lib. 6. 
Miscelan. c. 8. Donde os Tarquinos arguiram a Servio Tulo, ocupar o Reino sem consentimento do Povo 
Romano. Outros que fosse aquela, que se tornou a renovar, quando Octávio Augusto foi criado Imperador, pelo 
mesmo Povo Romano, repetindo-se nisto o poder, que lhe fora concedido por Rómulo. Como também declara o 
próprio Corrasio, d. lib.6. miscellanear.c.8. et in d. l. I. ss. de const. Princip.n.6. e o refere Covas, pract.cap.I. 
n.3. Donde a mesma lei se chama por outro nome, lei do Império, na l. eximperfecto, C. de testament. E outros 
dizem ser aquela, de que fala a l.2. ss. mortuo inferendo, ibi: Negat lex regia mulierem, quae praegnans 
mortua sit summari. Como mais difusamente explica Ramires, de lege regia, 3. d.n.I. per totum: e com muitas 
outras explicações, o prosseguem Menchac. illustr. cap.I. Covas, pract. cap. I. n. 3. Mendonça, disputationum 
(...). I. cap. 5. án. 14. Duaren. lib. 2. anniu. c. 19. Charondas, lib. I. coniect. cap. 2. Gouean. lib. 2. var. cap. 
30. Donel. lib. I. comment. cap. 15. Osvald. lib. I. Doneli,enucleati cap.15. litera G. in nottis. 
Schifordeglierua, lib. 3. ad. Fabrum, tract. 19. q. II. 
 (31) E de qualquer maneira que aquela lei Régia, se explique, o certo é, quanto ao propósito, que não se 
chamou Régia, por ser feita por Rei; senão porque foi ordenada sobre o poder e Império dos Reis pelo Povo, 
que transferiu neles, e por ela seu poder; ao qual, convocado nas trintas Cúrias, pertencia fazer as leis. 
Covas, d. c. I. n. 3. 
 (32) E porque a translação do dito poder, foi feita, não somente em Octávio Augusto, mas também nos 
sucessores: por tanto se diz na d. l. I. ss. de officio Praefecti praetor, que foi transferidoin perpetuum, ut 
ubi: Regimentis Reipublicae ad Imperatores, perpetuo translatis.l.I. sed et hoc studium, C. de veter. iur. 
enucleando. ibi: Cum enim antiqua lege, quae regia nuncupabatur, omne ius, omnis que potestas Populi 
Romani in Imperatorem translata sit. E depois sucessivamente se foi praticando nos outros Reis, pelo poder de 
governar, transferido imediatamente pelos povos, nos quais estava e consistia, como diz Suárez. d. 
lib. 3. c. 2. n. 12 
Conclusão 
 (33) De tudo o que fica dito neste documento se tira por conclusão, que o poder régio dos Reis, está 
originalmente nos Povos e Repúblicas; e que deles o recebem imediatamente. 
 
 
[Transcrição realizada em Maio de 2001 por finalistas do Curso de Filosofia da Universidade 
Católica Portuguesa no âmbito dos trabalhos académicos e aos quais se presta aqui o devido 
louvor e reconhecimento pela obra bem feita; pp 1- 16 – Sofia Carvalho e Raquel Guerra; texto 
gentilmente cedido pelo Prof. Doutor Mendo Castro Henriques]

Outros materiais