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FORUM TEXTO COMPLEMENTAR II VIVER CIÊNCIAS SOCIAIS.pdf

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Viver e pensar o cotidiano
Não há restrições para se pensar sociologicamente. Todos nós, sociólogos ou não, podemos utilizar esse conhecimento para compreender as relações sociais e o mundo em que vivemos
Yago Euzébio Bueno de Paiva Júnior*
	
	
	
A sociologia é a ciência que estuda as consequências sociais do relacionamento dos indivíduos na sociedade. Daí ela ser uma poderosa arma para nos auxiliar na luta pelo nosso espaço num mundo social cada vez mais competitivo e desigual. Entretanto, a sociologia não conseguiu fixar-se no dia a dia das pessoas. O livro Aprendendo a Pensar com a Sociologia, dos sociólogos Zygmunt Bauman e Tim May, traça um roteiro analítico que nos permite utilizar os conhecimentos sociológicos em nosso favor.
Viver é decidir sobre as várias opções que as situações diárias nos apresentam, e a decisão implica em liberdade de escolha. Porém, essa liberdade sofre a limitação de circunstâncias sobre as quais não temos o menor controle. E os autores salientam que existe uma diferença interessante entre a habilidade de modificar uma competência e a possibilidade de alcançar as nossas metas. Essa diferença ocorre em razão de dois fatores: em determinadas situações, quando somos julgados pelas outras pessoas, nossas potencialidades ficam limitadas; e quando as condições materiais de existência condicionam nossa possibilidade de atingir as metas. "O que demonstramos aqui é o fato de que a liberdade de escolha não garante nossa liberdade de efetivamente atuar sobre estas escolhas, nem assegura a liberdade de atingir os resultados almejados. Mais que isso, demonstramos que o exercício de nossa liberdade pode ser um limite à liberdade alheia. Para sermos capazes de agir livremente, precisamos ter muito mais que livre-arbítrio" (BAUMAN; MAY, 2010, p. 36).
Não podemos deixar de perceber que agimos condicionados pelas experiências que acumulamos no passado. Como nos socializamos via grupos sociais, estes também limitam o espectro de opiniões que podemos suportar. Nossas ações e percepções acerca de nós mesmos são desenhadas pelas expectativas dos grupos dos quais fazemos parte. É por isso que, coisas que nos parecem óbvias, nada mais são do que um conjunto de crenças que mudam conforme as características dos grupos aos quais nos filiamos. Ora, o que essas considerações mostram é que nosso caráter é formado por um longo processo de interação social.
INDIVÍDUO E MUNDO SOCIAL
Evidente que, nesse processo, nossas ações precisam ser avaliadas constantemente e, para tal, utilizamos a linguagem. O eu pode ser pensado em termos de conversação, na qual a consciência que formamos de nós mesmos é tributária das respostas de outrem. Ou dizendo como os autores: "Nosso caráter é, assim, construído pelo tratamento de nós como objeto de nossas próprias ações, uma vez que elas são compreendidas pelas respostas dos outros a nossa performance" (BAUMAN; MAY, 2010, p. 42). Esse processo abre espaço para a socialização do indivíduo.
No caminho de formação do nosso eu vivemos espremidos na contradição entre liberdade e dependência. Falando de outro modo: é a luta interior entre o que queremos e ao que somos forçados a empreender em razão da presença dos outros. Como válvula de escape, realizamos seleções em nossos ambientes, ou seja, escolhemos grupos de referência. Esses grupos fornecem parâmetros para avaliarmos nossas ações e apresentam um quadro de padrões comportamentais aos quais aspiramos. Por exemplo, definem modelos de roupas, de linguagem, de sentimentos nas mais diversas circunstâncias. Isso nos dá sensação de segurança, pois somos confrontados cotidianamente com obstáculos que colocam em xeque nossas expectativas.
O grupo social também amplia a percepção que o indivíduo tem do mundo social. Possibilita a percepção de que a interação, o entendimento e a distância social são os fundamentos da vida. Há indivíduos que são indispensáveis à nossa existência. Abrem o caminho para que tenhamos liberdade de selecionar qual o meio de vida que melhor nos satisfaz. E quanto mais distante as pessoas estão de nós, mais estereotipada é a nossa consciência dos indivíduos que fazem parte desse processo. A elaboração da identidade que começa a sair dessa situação tem como uma de suas características a rejeição dos negativos. Formar identidades é fazer diferenciações. Essas diferenciações incluem distinção entre nós e eles.
Podemos entender que pessoas preconceituosas são aquelas que não aceitam nenhum comportamento nos outros que modifique ou coloque sob suspense, padrões estabelecidos de conduta, abrindo caminho ao exercício do poder antidemocrático que mantém os "indesejáveis" na linha. Ou, a "maioria dominante (nacional, racial, cultural, religiosa) pode aceitar a presença de uma minoria, contanto que esta última demonstre seriamente a aceitação dos valores vigentes e o desejo de viver sob suas regras" (BAUMAN; MAY, 2010, p. 60).
Dessas reflexões surge uma ideia importante - a ideia de fronteira. Fronteira é fundamental para a compreensão de quem está situado fora dos pontos simbólicos de demarcação social. Desembaraçando a questão, os limites dos grupos podem ser ameaçados interna e externamente. Internamente por indivíduos dúbios, que são os desertores, os que rompem a unidade e, na linguagem comum, os vira-casacas. E, externamente, quando os valores do grupo começam a ser questionados por outros grupos, fazendo com que tenhamos que legitimar nossos valores e crenças.
Existe um fato do qual não poderemos escapar nunca: estranhos não podem ser trancafiados em celas e nem afastados de nós. Uma característica da sociedade é criar mecanismos que possibilitem que recusemos a entrada de estranhos em territórios que julgamos privados. A esse processo dá-se o nome de segregação. "O poder de recusar a entrada e, portanto, delimitar fronteiras de acordo com as características aceitáveis daqueles que ingressam é acionado para garantir relativa homogeneidade" (BAUMAN; MAY, 2010, p. 69).
Um poderoso elemento segregador são as comunidades. Para que servem? Servem para construir consenso e administrar o conflito. Os laços comuns tornam-se mais fortes em pessoas isoladas, que vivem em companhia dos mesmos indivíduos e que jamais alteram seu escopo de relações. Outra característica marcante é a ideia de unidade. Os autores afirmam ainda que, na comunidade, ocorre uma diferenciação nas exigências para com seus membros.

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