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HARRIS, Elizabeth Davis Le Corbusier Riscos brasileiros (2012 85 213 0469 2)

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Le Corbusier 
Riscos Brasileiros 
Coordenação editorial: 
Carla Milano Benclowicz 
Equipe de produção: 
Eunice Tamashiro, José Antonino de Andrade, 
José Gonçalves de Arruda Filho e Renan Morais Figueiredo. 
Projeto Gráfico: 
Dulce Maria de Guimarães Horta 
Tradução: 
Antonio de Pádua Danesi e 
Gilson César Cardoso de Sousa 
Desenho da capa: 
Plano piloto de Le Corbusier para o Rio de Janeiro, 1936. 
Dados dc Catalogação na Publicação (CIP) Internacional 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
Harris, Elizabeth Davis, 1950-
H26L Le "CoïBusier : Riscos Brasileiros / Elizabeth D, Harris ; tra-
dução de Gilson César Cardoso de Sousa e Antonio de Pádua 
Danesi. — São Paulo : Nobel, 1987. 
Bibliografia. 
ISBN 85-213-0469-2 
I. Arquitetura — Brasil 2. Edifícios históricos — Brasil 3. Le 
Corbusier, 1887-1965 I. Título. 
CDD-720.981 
87-0334 -927.2 
índices para catálogo sistemático: 
Arquitetos : Biografia e obra 927.2 
Brasil : Arquitetura 720 981 
Brasil : Edifícios históricos : Arquitetura 720.981 
Elizabeth D. Harris 
Le Corbusier 
Riscos Brasileiros 
1987 
Nobel 
Livraria Nobel S.A. 
Rua da Balsa, 559 
02910 São Paulo SP 
Sumário 
Agradecimentos 7 
Introdução 9 
ORIGENS 15 
O primeiro contato de Le Corbusier com os países em desen-
volvimento 16 
Le Corbusier é "apresentado" ao Brasil pelo amigo Blaise 
Cendrars 19 
Viagem de Le Corbusier à América do Sul (1929) 24 
Précisions 27 
Le Corbusier: uma visão geral (1929-1936) 38 
CONTEXTO 45 
Arquitetura brasileira moderna antes de 1936 45 
A ditadura de Vargas e as artes 54 
O concurso para a sede do Ministério da Educação e Saúde .. 56 
PROCESSO 79 
A viagem de Le Corbusier ao Rio de Janeiro em 1936 79 
O projeto para a praia de Santa Luzia 84 
O projeto do Castelo 92 
O projeto para a Cidade Universitária da Universidade Federal 
do Brasil 99 
Um manuscrito inédito: as seis conferências do Rio de Janeiro 105 
Evolução do projeto do Ministério 117 
RESULTADOS 141 
Construção 141 
A política e o projeto do Ministério 167 
Realização do sonho 173 
LEGADO 178 
Pós-escrito à viagem de Le Corbusier ao Rio de Janeiro em 1936 178 
A constante interação de Le Corbusier com o Brasil 183 
A aplicação das idéias de Le Corbusier no Brasil após 1936 . .. 194 
Influência do edifício do Ministério fora do Brasil 202 
EPÍLOGO 205 
BIBLIOGRAFIA 209 
Agradecimentos 
Pessoas de três continentes tornaram possível este trabalho. 
Gostaria de externar-lhes minha gratidão. Em primeiro lugar, 
no Brasil, devo agradecer aos artistas, arquitetos e engenhei-
ros envolvidos diretamente na construção da sede do Ministé-
rio da Educação e Saúde, que empenharam generosamente seu 
tempo e facilitaram muito a pesquisa, sobretudo o falecido 
Carlos Leão. Outros profissionais que também não pouparam 
seu tempo comigo foram: Pedro Alcântara e Lygia Martins 
Costa, da Fundação Pró-Memória, bem como Carmen Port inho 
e Maurício Roberto, do Rio de Janeiro; em São Paulo, Pietro 
Maria Bardi, diretor do MASP. 
Em Paris, devo muito à Fondation Le Corbusier e à sua 
diretora, Evelyn Trehin, bem como ao antigo sócio de Le Cor-
busier, André Wogensky. 
Nos Estados Unidos, quero agradecer à University of Chica-
go, que apoiou minha pesquisa com uma bolsa Kress and 
Woods. Gratidão particular vai para meu orientador, Joseph 
Connors, agora na Columbia University, por suas recomenda-
ções e auxílio na elaboração do trabalho. 
Finalmente, um agradecimento especial a meu marido por 
seu constante encorajamento ao longo do projeto. 
Introdução 
Em 1943, quando o Museu de Arte Moderna — Museum of 
Modem Art — promoveu a mostra sobre arqui tetura brasilei-
ra Brazil Builds, o Brasil se projetou como uma potência no 
universo da arqui te tura moderna. A imprensa internacional 
saudou o acontecimento com forte admiração e aplauso pelo 
talento que emergia: 
"Algumas das inovações mais expressivas e bem-sucedidas em 
arquitetura tomam corpo, numa escala impressionante, num país 
subtropical de língua portuguesa que os norte-americanos costu-
mam ignorar". 1 
Em especial, um edifício deixou perplexos arquitetos do 
mundo inteiro: o da sede do Ministério da Educação e Saúde, 
tido como força inspiradora da nova arqui te tura brasileira. 2 
Encomendado pelo governo, o edifício patenteava o potencial 
industrial da nação e sua visão artística em franco desenvolvi-
mento: 
"Uma sede de Ministério que nenhum outro projeto governa-
mental no hemisfério pode igualar. Talvez mais importante que o 
edifício em si seja a vitalidade que o apoio ofici al ajudou a infun r 
dir na arquitetura brasileira." 3 
1. MOCK, E. B. "Building for Tomorrow", Travei , 81:26, jun. 1943. 
2. O edifício é conhecido hoje como Palácio da Cultura. 
3. "Brazilian Architecture: Living and Building below the Equator", Pencil 
Points, 24:54, Jan. 1943. 
"Enquanto o Federal Classic, em Washington, o Royal Acade- 
mic Xrchêõlogy,^em_Londres, e o Nazi Classic, em Munique, são 
ainda predominantes, o Brasil ousou desviar-se do caminho fácil 
e seguro, resultando disso que a cidade do Rio de Janeiro pode 
ostentar o mais belo edifício oficial do_ocidente". 4 ! -
A estrutura partiu de um esboço de Le Corbusier, 5 modifi-
cado por um grupo de jovens arquitetos brasileiros, incorpo-
rando pela primeira vez pilotis, brise soleil* e toit jardin* num 
monumental arranha-céu de vidro e concreto armado: 
"Essa estrutura, ainda incompleta ( . . . ) , realizou com tanto 
êxito o sonho de Le Corbusier, de um grande bloco retangular de 
vidro, que passou a constituir-se em protótipoi .largamente imi-
\ Egjj^jflesmo edifício seria o modelo da idé ia jn ic | a l fle Lg 
Corbusier e Oscar Jflemeyer^pgyf^o 
qnE~Trítroduziu o arranha-céu monolítico e revestido de vidro 
nos Estados Unidos. O edifício, além do mais, apresentava-se 
como uma alternativa para a tradicional construção em recuo 
e explorava a praça urbana em termos de uma estética nova 
para os arranha-céus. A sede do Ministério da Educação e 
Saúde também introduziu o quebra-sol de Le Corbusier, recur-
so que, depois de 1936, o levou a explorar a plasticidade poten-
cial do concreto a rmado nas fachadas externas de seus edi-
fícios, 
Como poderia um país em desenvolvimento, recém-entrado 
na era da industrialização, tornar-se tão rapidamente um líder 
4. GOODWIN, Philip. Brazil Builds, Nova Iorque, Museum of Modem Art, 
1943, p. 90. 
5. Le Corbusier é o pseudônimo de Chartes-Edouard Jeanneret (1887-1965). 
Charles-Edouard Jeanneret mudou seu nome oficialmente para Le Corbusier 
srmrr-
6. SMITH. Robert. "Brazil Builds on Tradition and Today", Art News, 41:14, 
fev. 1943. 
* Doravante traduziremos essas expressões por quebra-sol e terraço-jardini, 
respectivamente. 
no universo da arquitetura moderna? O estímulo principal 
vinha de Le Corbusier, que três vezes visitou o Brasil — em 
1929, I936~éJ96Z)—, imprimindo, a cada passagem sua, u m a 
marca duradoura na evolução da arqui te tura moderna do país. 
Le Corbusier viajou pelo mundo inteiro ao longo de sua car-
reira, mas em poucos lugares causou impressão tão profunda 
como no Brasil — e nenhum país, em contrapart ida, o impres-
sionou tanto. Seu entusiasmo pelas nações em desenvolvimen-
to surgiu quando das viagens que fez ao Oriente Médio, em 
1911, mas foi o vigoroso encora jamento de um amigo íntimo, 
Biaise Cendrars, que motivou a primeira visita ao Brasil. Em 
1929, Le Corbusier fez palestras na Argentina, Uruguai e Brasil, 
elaborando, entrementes, vários projetos para as grandes cida-
des desses países. O plano em curva para o Rio de Janeiro que-
brava todas as idéias precedentes de Le Corbusier sobre urba-
nismo. Após o primeiro encontro, enamorou-se do Brasil e de 
seu povo: a alegria de viver, a percepção^
sensual) do mjinHn. 
a beleza natural, o sol sempre bri lhante e a convidativa imensi-
dão do oceano. Em especial, foi no Brasil que deparou com 
um estilo de vida apropriado a seu vigor atlético e liberdade 
de pensamento artístico (era a época do fascismo na Europa). 
Em 1936, voltou à América Latina para pres tar seu apoio aos 
arquitetos brasileiros empenhados no projeto do Ministério da 
Educação e Saúde. Em 1962, data de sua derradeira viagem, 
realizou estudos para a embaixada francesa em Brasília e des-
pediu-se dos muitos amigos que fizera ao longo dos anos. Con-
tudo, o melhor da viagem foi a oportunidade de constatar até 
que ponto sua filosofia da arqui te tura estava sendo posta em 
prática nas cidades brasileiras, principalmente Brasília, onde 
suas idéias urbaníst icas ganharam vida graças à interpretação 
de Lúcio Costa. 
A viagem de 1929 não deixou marca visível; por outro lado, 
a de 1936 fez explodir a arqui te tura moderna. O que restava 
dessa viagem, aparentemente, eram os esboços dados a público 
na Oeuvre Complète 1934-1938,1 o que, por certo, não explicava 
7. LE CORBUSIER. Oeuvre Complète 1934-1938. 9.* éd., Zurique, Edition Girs- 
berger, 1975, pp. 40-5, 78-81. 
a razão de um país como o Brasil decidir subitamente romper 
com o neoclassicismo, dominante à época, para produzir uma 
estrutura de vanguarda, sancionada pelo governo, como a sede 
do Ministério. Livros e artigos de jornal sobre a história da 
arqui te tura brasileira ocasionalmente sumarizaratn os aconte-
cimentos relativos a este projeto. Mencionaram desde o con-
curso de 1935 até a inauguração do prédio em 1945; entretanto, 
ninguém_empreendeu uma exposição acurada de como, preci-
samente, pôde o Brasil produzir já em 1936 um edifício de de-
senho tâu arro jado.8 Tratando-se de projeto oficial, seria lógico 
presumir a existência de abundante documentação sobre o con-
curso, a encomenda e a construção do edifício; mas, com a 
mudança da capital para Brasília nos anos 60, muita coisa se 
perdeu. Afortunadamente, após fatigante pesquisa, os documen-
tos originais do prédio f oram localizados num arquivo morto 
do Rio de Janeiro. 9 De dez volumes de registros oficiais, que 
incluíam plantas, relatórios financeiros e cartas pessoais, emer-
giu uma série de fatos que i lustram vivamente como o Brasil 
logrou elaborar um desenho de caráter tão avançado. Afora 
isso, todos os arquitetos envolvidosí no projeto, exceto um, con-
tinuavam vivos (na época da-pesquisa) e podiam apresentar 
sua interpretação das circunstâncias da visita de Le Corbusier 
e da subseqüente construção do edifício. 
Entretanto, aqueles documentos não revelavam a história 
toda. Os arquivos de Le Corbusier contr ibuíram com sua 
versão, que incluía um manuscri to inédito das seis conferên-
cias pronunciadas no Rio em 1936, com os desenhos que as 
8. As principais fontes de referência à arquitetura brasileira que discutem a 
comissão da sede do Ministério de Educação e Saúde são: COSTA, Lúcio. 
Sobre Arquitetura, Porto Alegre, Centro dos Estudantes Universitários de 
Arquitetura, 1962, pp. 56-62; FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a Introdução 
da Nova Arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. Prefácio de P. M. Bardi. São Pau-
lo, Museu de Arte de São Paulo, 1965, pp. 261-2; GOODWIN, Philip. Brazil 
Builds, pp. 82-92; SANTOS, Paulo. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Ja- 
neiro, Editora Valença, 1977, pp. 124-30. 
9. Brasil. Ministério da Educação (arquivo morto). Rio de Janeiro. "Projeto 
da Construção do Edifício-Sede do MEC", 10 v. 
ilustravam. O governo brasileiro voltou atrás em sua promessa 
de publicar o trabalho, de modo que o manuscri to permane-
ceu por mais de quarenta anos no arquivo particular do arqui-
teto. As conferências e a viagem mostram a maneira informal 
de Le Corbusier ensinar arquitetura, revelando, por outro lado, 
mudanças em sua filosofia na época de transição que foram os 
anos 30. Le Corbusier começava, então, a substi tuir o concreto 
armado liso dos puristas p o y r a g r a f c mais consistentes e de-
" " ^ ^ ^ a s M i n ,o cío' 'presente livro, como se vê, é a sede do Mi-
nistério da Educação e Saúde e a influência recíproca entre 
Le Corbusier e o Brasil, que lança novas luzes sobre o seu pro-
jeto de 1929 para o Rio de Janeiro, a sua viagem de 1936, o 
edifício em si e o intercâmbio do arquiteto com o país, de 
1929 a 1962. 
Origens 
Des hommes sont venus de la mer, des 
blancs, pour découvrir par hasard un conti-
nent dont personne n'avait la moindre no-
tion en Europe, mais dont l'idée était dans 
l'air. Cette terre nouvelle les a éblouis. 
Des hommes sont venus portés par l'Océan, 
fuyant à la cape dans la tempête, après des 
jours et des jours d'une misérable, d'une 
épuisante traversée. 
Des hommes on débarqué pour se tnuer en 
conquistadores, d'où les plages, les rivages 
déserts aujourd'hui. Les Indiens n'y sont 
plus, les Indiens qui allaient nus. 
Le bateau passe ... Les côtes dépeuplées 
défilent et le chapelet des îles abandonnées. 
Les plus beaux paysages de ta terre en-
tière ... 
Les plus belles photos,.. 
Un documentaire. 
Le Paradis ... 
Biaise Cendrars, Le Brésil des hommes sont 
venus. 
O primeiro contato de Le Corbusier 
com os países em desenvolvimento 
Cita-se Le Corbusier como um dos pais do moderno movi-
mento arquitetônico do século XX, ao lado de Walter Gropius 
e Mies van der Rohe. Tradicionalmente, costuma-se opô-lo 
aos outros por preferir a es t ru tura de concreto a rmado à de 
aço, por seu interesse no planejamento u rbano e sua persona-
lidade iconoclasta. Entretanto, distinguiu-se também pela 
ampla -enn uniênrla-M H-itrh que o fazia voltar-se para os países 
em desenvolvimento, inclusive o Brasil. Foi graças ao trabalho 
executado no Terceiro Mundo que suas Idéias mais avançadas, 
referentes à adaptação da arqui te tura ao clima e à necessidade 
de casas populares, puderam frutificar e ser mais prontamente 
absorvidas. Na base desse interesse está seu primeiro contato 
com o mundo subdesenvolvido, quando, aspirante a arquiteto, 
viajou pela Grécia e Turquia aos vinte anos de idade. 
Em 1911, Le Corbusier part iu de Budapeste para o Oriente 
Médio, esteve algum tempo na Grécia e regressou pela Itália. 
Essa peregrinação lhe abriu novos horizontes, conscientizan-
do-o subitamente de um mundo adormecido, alheio à moderni-
zação que tinha lugar na Europa Ocidental. O acaso lhe propi-
ciava estudar a arte e a arqui tetura do passado. Maravilhou-se 
diante da Acropole e das mesquitas turcas, mas, surpreenden-
temente, foi a simplicidade das construções nativas que o tocou 
mais fundo. "A casa turca de madeira, o konak, é uma obra-
pr ima da arqui tetura." 1 0 
Essa arqui te tura vernacular abria uma perspectiva inédita 
graças ao uso sensato de materiais locais e às cores vivas que 
adotava: 
"Sob a luz branca, quero u m a cidade toda branca , mas ponti-
lhada de c ipres tes verdes . . . Enquan to as casas de madei ra , de 
vastos tetos e spa r ramados , aquecem suas cores violáceas na fres-
10, LE CORBUSIER. Le Voyage d'Orient, Genebra, Éditions Forces Vives, 
1966, p. 120. 
cura do verde generoso, incrustadas em sítios cujo mistério me 
fascina: como podem elas se.agruparem tão harmoniosamente em 
volta desses picos que são graúaes mesquitas esbranquiçaaas r ' . 1 1 
As notas de Le Corbusier sobre a viagem, tal como apare-
cem em Voyage d'Orient (1912), dão ênfase igual à sociologia, 
à arqui tetura nativa e às obras-primas de outras épocas, de 
permeio com descrições poéticas dos campos. Essas observa-
ções revelam as idéias do jovem arquiteto que iriam dominar 
sua imaginação em anos futuros. Quando visitava países de 
passado sem vigor e futuro incerto, deparava com necessidades 
arquitetônicas
básicas ainda não satisfeitas. A carência de mo-
radias populares adequadas à vida do homem comum lhe ins-
pirou a missão do arquiteto. 
Pouco depois, em 1914, criava a casa DOM-INO, que se tor-
naria seu padrão estrutural para projetos de moradia popular . 
Logo após a eclosão da Primeira Grande Guerra, Le Corbusier 
desenha este projeto simples de habitação em concreto armado, 
antecipando a paz e o esforço de reconstrução em prol dos de-
sabrigados. 1 2 Deu-lhe o nome de DOM-INO pela semelhança 
óbvia com as peças do dominó. A casa consistia numa estrutura 
simples de concreto armado, com três lajes horizontais susten-
tadas por seis colunas verticais. De fácil construção, era ideal 
para a rápida substituição das moradias danificadas durante a 
guerra. Entretanto, só foi utilizada depois de 1924, como tipo 
estrutural básico para seu projeto em Pessac. Ironicamente, 
antes de 1924 Le Corbusier utilizara essa concepção para villas 
de milionários, que foram seus primeiros clientes.13 
A planta da DOM-INO foi uma realização importante para 
Le Corbusier devido à aplicabilidade prática e lógica do con-
creto a rmado na construção popular. Esse material era o mais 
econômico e mais facilmente encontrável nos países em de-
senvolvimento; daí a adequação do formato DOM-INO a pro-
jetos para o Terceiro Mundo (Figura 1). 
t i . Ibid., pp. 67-9. 
12. VON MOOS, Stanislav. Le Corbusier: Elements of a Synthesis, Cambrid-
ge, MIT Press, 1970, p. 18. 
13. Ibid., p. 19, 
Le Corbusier começava assim a determinar seu campo de 
atuação: um mundo receptivo ás suas idéias, que recebia bem 
as cõlsas novas e a tecnologia, i s to^Tpaíses ávidos por ent rar 
na corrida do desenvolvimento e absorver a revolução indus-
trial do século XX, ou, então, a Europa devastada pela guerra 
e carente de moradia. Seja criando es t ruturas para a Rússia 
pós-revolucionária, p lanejando a sede do Ministério da Educa-
ção e Saúde do Brasil, construindo Chandigarh ou a Unité 
d'Habitation em Marselha, os países em desenvolvimento cons-
t i tuíram um fator fundamental na concepção de sua filosofia 
arquitetônica. Mas foi o Brasil que provocou nele o impacto 
mais duradouro e constituiu o terreno mais fértil para a im : 
plantação de suas idéias. 
Le Corbusier é "apresentado" ao Brasil 
pelo amigo Blaise Cendrars 
m i 
Blaise Cendrars, amigo de Le Corbusier desde foi a 
força oculta por trás dessa conexão. Ele atuou como mediador 
entre o arquiteto e a elite intelectual brasileira que_o_gonvidou 
para a visita d ê 1929; inspirou-lhe o tamoso pro je to em curva 
pa ia u Ríõ deTanei ro (1929) e advogou sua contratação como 
encarregado do plano urbanístico da nova capi tal^ Brasília, 
gmfl93Q. ) ~ P ~ 
Radicado em Paris, poeta da vanguarda ativista dos anos 
20, Blaise Cendrars, assim como Le Corbusier, nascera em La 
Chaux-de-Fonds, Cantão de Neuchâtel, onde moravam a 100 m 
um do outro. Entretanto, só t r avaram relações em 1922.14 No 
Salon d'Automne, em Paris, onde Le Corbusier exibia sua Ci-
dade Contemporânea para Três Milhões de Habitantes, Blaise 
Cendrars se aproximou dele expressando elogios às suas idéias 
de^reorganização urbana. Daí por diante se tornaram íntimos 
e descobriram que t inham muitos aimgefcipni comum. Criados 
no Jura (Suíça) e i m j r i ^ ^ p e l o a m b k n i o n t e l e c t u a l de Paris 
no final dos anos IÒ e começo aos Zü, alwifoos haviam adotado 
jaseudâmmos para caracterizar uma reviravolta em suas carrei-
ras .1 5 FréeJprfc-Lo uis Sauser tornara-se Biaise Cendrars em 1912 
ao optar pelo ofício de poeta, e Charles-Edouard Jeanneret 
oficialmente tornou-se Le Corbusier depois de se estabelecer 
como arquiteto em 1920. 
Na década de 20, Paris atraía artistas e mecenas de todas 
as partes do mundo com sua efervescência cultural, geradora 
de arte e prazer. Muitos art istas brasileiros fizeram peregrina-
14. LE CORBUSIER. "Toi, au moins, tu crois à ce que tu fais", La Gazette 
Littéraire, Paris. 34:1, sept. 1960; ver também PETIT, Jean, org. Le Corbusier 
Lui-Même, Genebra, Éditions Forces Vives, 1970, p. 22. 
15. PARROT, Louis. Biaise Cendrars: Une Étude Paris, Éditions Pierre Seg- 
hers, 1948, pp. 24, 47. Embora a data em que Biaise mudou o seu nome não 
seja declarada diretamente, o livro contém dois desenhos, um de julho de 
1912 com a assinatura Freddy e outro, dedicado a Apollinaire, assinado Blaise 
Cendrars e datado de novembro de 1912. Assim, o autor concluiu que a mu-
dança de seu nome ocorreu em 1912. 
ção a Paris, conheceram Cendrars e engrossaram o número de 
seus amigos. Mário de Andrade, escritor e defensor da arte 
moderna no Brasil, o escritor Oswald de Andrade e a artista 
Tarsila do Amaral se tornaram íntimos de Cendrars, graças à 
apresentação de Fernand Léger. '6 
Enquanto Le Corbusier se ocupava da publicação de 
L'Esprît7Jouveau, u Çendrars empreendia três viagens ao 
Brasil, a convite de seus inúmeros amigos. Por ocasião dessas 
viagens, escreveu um livro de poesias inti tulado Feuilles de 
Route, i lustrado por Tars i la j ; dedicado às amizades que fizera 
ali, entre as quais se incluíam poetas de vanguarda, pintores e 
patronos das artes. Essas amizades, conservou-as a vida toda, 
principalmente a de Paulo Prado 1 Filho de um dos mais_prós-
geros barões do café de São Paulo, Prado era escritor respei-
tado, his toriador è~unTdos líderes da s e m a n a de Arte Moderna 
f j j j o m i ^ em | depois de apresentado ao arqui te to por 
endrars. 
A poesia de Cendrars, nesse período, traía uma sensibili-
dade especial em relação à arquitetura e descrevia o país que 
Le Corbusier iria encontrar: 
J'adore cette ville. 
Saint-Paul est selon mon coeur. 
Ai^une^pré^jugî. 
Ni ancien ni moderne. 
Seuls comptent cet appétit furieux cette confiance absolue cet 
optimisme cette audace ce travail ce labeur cette spéculation qui 
font construire dix maisons par heure de tous styles ridicules gro-
tesques beaux grands petits nord sud égyptien yankee cubiste. 
Sans autre préoccupation que de suivre les statistiques prévoir 
l'avenir le confort l'utilité la plus-value jet d'attirer une grosse 
immigration. 
16. AMARAL, Aracy A. £ilaiie_ Cendr ars no Brasil e os Moderni stas, São Pau-
lo, Livraria Martins Editora, 1970, p. 8! 
17. O nome da revista L'Esprit Nouveau veio de Apollinaire, que era amigo 
íntimo e mentor de Biaise Cendrars. Paul Dcrmce, outro amigo de Blaise 
Cendrars, foi a principal força que patrocinou a publicação. 
Tous les pays. 
Tous les peuples. 
J'aime ça. 
Les deux trois vieilles maisons portugaises que restent sont des 
faïences bleues. 
Biaise Cendrars , "Saint-Paul" 
Tout le monde est sur le pont. 
Nous sommes au milieu des montagnes. 
Un phare s'éteint. 
do/K ûoCe 
On cherche le Pain_de_Sucrç. partout et dix personnes le décou-
vrent à la fois dans cent directions différentes tant ces montagnes 
se ressemblent dans leur piriformité. 
PÍR-f/í.** NO cçu 
M. Lopart me montre une montagne que se profile sur le ciel 
comme un cadavre étendu et dont la silhouette, ressemble beau-
coup à celle de Napoléon sur son lit de mort. 
Je trouve qu'elle ressemble plutôt à Wagner un Richard Wagner 
bouffid'orgueil ou envahi par la graisse. 
Rio est maintenant tout près et t'on distingue les maisons sur la 
plage. 
Les officiers comparent ce panorama à celui de la Corne d'Or. 
D'autres racontent la révolt des forts. 
D'autres regrettent unanimement la construction d'un grand hôtel 
moderne haut et carré qui défigure la baie (il est très beau). 
D'autres encore protestent véhémentement contre l'abrasage d'une 
montagne. 
Penché sur le bastigage tribord je contemple. 
La végétation tropicale d'un îlot abandonné. 
Le grand soleil qui creuse la grande végétation.
Une petite barque montée par trois pêcheurs ces hommes aux 
mouvements lents et méthodiques. 
Qui travaillent. 
Qui pèchent. 
Qui attrapent du poisson. 
Qui ne nous regardent même pas. 
Tout à leur métier. 
Biaise Cendrars, "Rio de Janeiro" 
Em 1927, o poeta idealizara um esquema arquitetônico 
para o Rio de Janeiro que inspiraria o plano urbaníst ico de 
Le Corbusier de 1929. Em resposta a uma afirmação do tea-
trólogo italiano Pirandello, que então dirigia uma série de 
apresentações no Rio de Janeiro, Cendrars comentara: 
"Se não me engano, ele (Pirandello) fala da necessidade de 
criar para o Rio uma arquitetura conforme à linha da paisagem. 
Seria, pois, o caso de erguer edifícios da altura do Pão de Açúcar 
ou do Corcovado? Acho que mesmo se construíssemos aqui arra-
nha-céus duas ou três vezes mais altos que os de Nova Iorque não 
com pro meteríamos essa linha. A própria natureza nos dá o exem-
plo. A l é m , m a i s , toda cid^île em crise de expansão tem no arra-
nha-céu seu...tabu saJ.vadorv_Por que hesitar? Isso funciona tanto 
nos Estados Unidos como em, -outra parte qualquer, sem exceção 
de P a r i s " ^ - . — — 
Durante sua primeira viagem ao Brasil, Le Corbusier 
rompeu com o academicismo de seus antigos planos — que 
incluíam hierarquização de zonas, eixo central e um volume 
tradicionaT^ê escala — para criar um edifício de apartamen-
tos com seis^quilômetros de comprimento p o i ^ g j ^ r a y j j g g f l e 
altura, acompanhando a curvatura do terreno montanhoso do 
Río7 Essa idéia foi sugerida a Le Corbusier por Cenjirars , mas 
aquele deu-lhe proporções tão fantásticas que Cendrars se di-
vertiu à larga. 1 9 
As muitas visitas de Cendrars ao Brasil fizeram dele uma 
figura artística impor tante nos círculos locais. "A importância 
18. ALEXANDRE EULALIO. A Aventura Brasileira de Biaise Cendrars, São 
Paulo, Edições Quíron Ltda., 1978, p. 175. 
19. PETIT, Jean. Le Corbusier Parle, Genebra, Éditions Forces-Vives, 1967, 
p. 17. 
capital de Cendrars consistia em . . . seu desejo sincero de em-
pare lhar nossa l i teratura e artes plásticas com a vanguarda 
francesa. '^ 20 Foi por intermédio do poeta que Le Corbusier 
entrou em contato com o Brasil pela primeira vez e pôde assim 
ampliar os horizontes da arqui te tura moderna do país, como 
Cendrars o fez no campo das artes literárias. 
Em Précisions sur un Ëtat Présent de l'Architecture et de 
l'Urbanisme, obra de Le Corbusier baseada em sua viagem de 
1929\ América Latina, o autor se referia à sua apresentação ao 
Brasil por Cendrars, enriquecendo-a com fotografias e mapas . 2 1 
Obviamente, a curiosidade do arquiteto fora estimulada pelo 
fascínio de Cendrars por esse país gigantesco e no auge do de-
senvolvimento, rude em sua beleza tropical e candura humana, 
maduro para as teorias de Le Corbusier e a civilização da 
máquina. A amizade prosseguiu, documentada por cartas e 
inúmeras publicações de Cendrars encontradas na biblioteca 
part icular de Le Corbusier, com dedicatórias afetuosas e pági-
nas preferidas assinaladas. 
Em 1930, Biaise Cendrars voltava a envolver Le Corbusier 
com o Brasil. Amigos lhe escreveram a respeito da nova capital 
do país. A idéia de Brasília remontava a 1789, como recurso 
para o povoamento do interior , mas só foi seriamente conside-
rada após a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, em 193ÍT -
mãrscTSSara^Hrêspondeu às cartas dos amigos sugerindo que 
Le Corbusier fosse solicitado a desenhar a planta da nova capi-
tal .2 2 Apesar de decorrerem mais vinte e sete anos para a idéia 
de Brasília se materializar, Le Corbusier não foi esquecido, 
pelo contrário, sua participação foi requisitada. Mas em 1930 
ele estava envolvido com outras encomendas, e, em 1956, nega-
ram-lhe a posição de consultor do proje to porque jamais se 
filiara à Ordem dos Arquitetos Franceses.2 3 
20. AMARAL, Araùy A. Biaise Cendrars no Brasil, p. 2. 
21. LE CORBUSIER. Précisions sur un Etat Présent de l'Architecture et de 
l'Urbanisme, Paris, Les Éditions G. Grès et Cie., 1930, p. 19. 
22. ALEXANDRE EULÁLI0. Op. cit., p. 24. 
23. Le Corbusier a Vincent Auriol, 20 de janeiro de 1956, Arquivos de Le Cor-
busier, Paris. 
Foi ainda graças a Cendrars que Le Corbusier se pôs em 
contata com a elite sul-americana em Paris, inclusive Paulo 
Prado e Victoria Q'Campo.2 4 Esta era uma intelectual argentina 
de posses, companheira de Jorge Luis Borges na publicação da 
-revista literáriaf. SfT? ti muito festejada pelo apoio ativo que" 
emprestava ao movimento modernista nas artes. Com freqüên-
cia fazia a rota Paris—Buenos Aires e era bem-conhecida nas 
rodas sociais da vanguarda parisiense, onde não faltavam 
Léger e Picasso. Paulo Prado e Victoria O'Campo encora ja ram 
Le Corbusier a visitar a América Latina. Insistentemente cha-
mado pela elite latino-americana, com convites formais do 
Clube dos Amigos da Arte da Argentina, Faculdade de Ciências 
da Universidade de Buenos Aires, Clube Politécnico de São 
Paulo e Prefeitura do Rio de Janeiro, o arquiteto já tinha um 
itinerário previamente estabelecido. Os desenhos realizados 
para as cidades sul-americanas consti tuíram uma resposta di-
reta ao desafio do planejamento e administração urbana que 
lhe foi proposto na capital francesa antes da organização dessa 
v iagem. 2 5 
Viagem de Le Corbusier à América do Sul (1929) 
Le Corbusier deixou Paris a 18 de setembro de 1929, a bor-
do do transatlântico Giulio Cesare, e chegou a Buenos Aires 
a tempo de realizar sua primeira palestra a 3 de outubro. Du-
rante a estada a bordo, deu-se um acontecimento memorável: 
o encontro com a cantora americana Josephine Baker, a quem 
desenhou nua e achou encantadora; de fato, ela era o centro 
das atenções no navio e comparti lhava com Le Corbusier o 
mesmo senso de humor picante. Le Corbusier ficou dois meses 
na América do Sul, dando conferências em Buenos Aires, Mon-
tevidéu, São Paulo e Rio de Janeiro, e fazendo uma pequena 
viagem a Assunção. O tempo todo era recebido entusiastica-
mente como um dignitário francês e os jornalistas não o dei-
xavam, 
24. LE CORBUSIER. Précisions, pp. 19-20. 
25. Fernand Léger a Le Corbusier, 1926, Arquivos de Le Corbusier, Paris. 
Na década de 30, as classes superiores da América Latina 
falavam francês na sua quase totalidade e costumavam via jar 
bastante para Paris. Esses países ignoravam suas raízes cultu-
rais luso-hispânicas e preferiam voltar-se para a França. Há 
inúmeros precedentes históricos nesse sentido: a primeira es-
cola de ar te brasileira, a Academia Imperial de Belas-Artes, foi 
criada por um grupo de artistas franceses convidados por D. 
João VI. Essa missão artística chegou ao Brasil em 1816 e 
trazia, entre outros, o pintor Jean-Baptiste Debret, discípulo de 
David, e o arquiteto Auguste-Henri-Victor Grandjean de Mon-
tigny. Montigny elaborou o primeiro currículo da Escola de 
Belas-Artes e desenhou as primeiras es t ruturas notáveis do Rio 
de Janeiro. Os brasileiros recorriam à orientação dos franceses 
não apenas no setor das belas-artes, mas também no da lite-
ratura — como o revela a popularidade de Biaise Cendrars. 
Le Corbusier se mostrou bastante impressionado pela re-
cepção em São Paulo, onde foi oficialmente saudado pela 
Câmara Municipal e pelo prefeito, u presidente eleito Júlio 
Prestes, assentando-se na t r ibuna presidencial, reservada ape-
nas a visitantes~flustres7 6 Leitor a t e n u ^ d ^ L ^ E s ^ r i t ^ o u v e a u , 
Júlio Prestes passou horas discutindo urbanismo côm Le C o r 
j2USÍer?3_Este conheceu ainda a pequena vanguarda brasileira, 
que contava entre outros com Gregori Warchavchik. Arquiteto 
nascido na Rússia e chegado ao Brasil em 1923, Warchavchik 
aderira ao estilo funcionalista e fora o responsável pelas pri-
meiras residências modernas do país. A casa construída
na Vila 
Mariana, com es t rutura retilínea em concreto e desenho inspi-
rado na estética do cubismo, foi erigida em São Paulo em 
1928. Essa casa impressionou vivamente Le Corbusier, que su- 
geri u -fcj^g y/arcfyavchik o r e p r e s e n t a n t e b r a g i ^ j ^ ^ ^ ^ ^ f r 
PIAM " 
Dos muitos proje tos apresentados na ocasião e que não 
foram adiante — sendo o mais famoso o da residência de Erra-
zuris, no Chile, mais tarde copiado pelo arqui te to Raymond e 
26. EVENSON, Norma. Two Brazilian Capitals, New Haven, Yale University 
Press, 1973, p. 53. 
27. LE CORBUSIER. Précisions, pp. 2-3. 
28. CIAM é a sigla de Congrès Internationaux d'Architecture Moderne. 
realizado nas imediações de Tóquio —, Le Corbusier desenhou 
uma casa j^ ra jHfamíHa Prado, com Warchavchik na qualidade 
de supervisor local. Vários esboços e cartas foram trocados, 
mas o pro je to não avançou e jamais foi concretizado. 
Le Corbusier quase recusou o convite para visitar o Rio de 
Janeiro — para duas palestras sobre urbanismo —, em defe-
rência ao urbanis ta francês Alfred Agache, que se empenhava 
então no planejamento de um novo traçado para a cidade. Mas 
acabou sucumbindo ao convite cordial dos brasileiros, e o re-
sultado foi que o esplendor físico do Rio de Janeiro marcou-o 
profundamente. A cidade, com efeito, é uma das mais notáveis 
do mundo: extensas praias naturais vigiadas po r u m a cadeia 
suave de montanhas com uns poucos picos — entre eles o Pão 
de Açúcar e o Corcovado — projetando-se da paisagem, quais 
marcos físicos ao longo da costa. Pequenos vales se insinuam 
entre as montanhas e abrigam pequenos bairros residenciais, 
alinhados com a praia e acessíveis por túneis. Afirmando que 
"urbanizar isto aqui é como tentar encher o tonei das Danai-
des", 2 9 ele definia a dificuldade inerente a todo e qualquer pla-
nejamento urbano para o Rio de Janeiro. 
Em comparação com os paulistas, os arquitetos cariocas 
estavam ainda mais atrás dos inovadores europeus. Lúcio Costa 
— o futuro urbanis ta de Brasília — desenhava villas neocoUt 
-mais, Üma revivescência do estilo Luís XVI fora o traço pre-
dominante da década de 20 no Rio de Janeiro, como se vê pelo 
Jóquei Clube de 1925, cujos reforços de ferro supor tam um 
exterior elaborado, imitando a magnificência de um passado 
perdido. O ecletismo europeu ainda estava em evidência no Rio 
quando Le Corbusier chegou em 1929. AJboa publicidade em 
torno das conferências reuniu um pequeno grupo de intelec-
t u a i s cariocas na Associação dos Arquitetos, entre eles o cngc-
n h e i r o A l b ^ ^ M ú ú í e Ú ^ J l J i ^ l i a l b ^ q u c , aliás, foi quem con-
venceu L^TOrmisier a voltar ao Rio em 1936.3 0 
29. LE CORBUSIER. Précisions, p. 238. 
30. A apresentação de Le Corbusier a Alberto Monteiro de Carvalho está do-
cumentada por um cartão de visita de Monteiro de Carvalho quando da via-
Précisions 
Le Corbusier part iu para a Europa no Lutetia, em 10 de de-
zembro. Recebera uma cabina especial para dependurar os 
desenhos de suas palestras — esboços animados, a giz colorido, 
em grandes folhas de embrulho. Foi também no navio que ela-
borou um texto a part ir das notas daquelas palestras. Préci- 
sions sur un État Présent de l'Architecture et de l'Urbanisme, 
publicado em 1930, era seu segundo livro or iundo de conferên-
cias (o primeiro foi Une Maison — Un Palais, de 1928)._Le Cor- 
busier abrira um precedente ao transformar palestras im-
provisadas em textos impressos, seguindo-se posteriormente: 
Croisade ou le Crépuscule des Académies (1933); La Ville Ra- 
dieuse (1933); Aircraft (1935); Quand les Cathédrales Étaient 
Blanches (1937). 
Depois de sua primeira palestra em Genebra, em 1924, ele 
resolvera falar de improviso. Com esse método, achava mais 
fácil atiçar a platéia e prender-lhe a atenção. Daí por diante 
improvisou sempre: em Barcelona, na Sorbonne, no Rio, em 
toda parte. 
Précisions resumia suas dez conferências em Buenos Aires 
e descrevia a experiência brasileira em duas partes, "Prologue 
Américain" e "Corollaire Brésilien", mais um apêndice que 
revisava o estágio da arqui te tura em Paris e Moscou em 1929. 
Desde Vers une Architecture (1923) e Urbanisme (1925) que Le 
Corbusier não produzia uma tese tão abrangente sobre sua 
filosofia arquitetônica e urbanística. Mais minucioso e menos 
abstrato, exemplificava suas idéias com proje tos atuais, ilus-
trados por esboços sumários que apoiavam o texto. As confe-
rências pronunciadas em Buenos Aires consti tuíam o estofo 
didático do livro, mas as partes referentes ao Brasil e ram 
verdadeiras descrições líricas da viagem e de sua at i tude em 
relação ao novo mundo. No final do prólogo, Le Corbusier 
gem do arquiteto francês ao Rio cm 1929, encontrado nos Arquivos de Le 
Corbusier em Paris. Onde quer que viajasse. Le Corbusier, terrivelmente pro-
penso a esquecer nomes, guardava cartões comerciais e de visita. 
assim expressou poeticamente sua reação diante desse novo 
mundo descoberto: 
"Tentei a conquista da América movido por uma razão impla-
cável e pela grande ternura que voto às coisas e às pessoas. Com-
preendi, entre esses irmãos apartados de nós pelo silêncio de um 
oceano, os escrúpulos, as dúvidas, as hesitações e os motivos que 
explicam a condição atual de suas manifestações. Confiei no ama-
nhã, Sob uma luz como esta, a arquitetura há de nascer". 
O próprio Le Corbusier fez tal visão materializar-se quan-
do regressou ao Brasil e traçou o esboço original para o Minis-
tério da Educação e Saúde, em 1936. 
Ao prólogo, seguiam-se as dez conferências de Buenos 
Aires, à feição de um manual do arquiteto: seis t ra tavam de 
arquitetura, quat ro de urbanismo. As primeiras abordavam a 
vocação do arquiteto, salientando a importância de uma edu-
cação abrangente que incluísse, além da engenharia e da arqui-
tetura, a sociologia, a economia e a política. Na primeira 
palestra, Le Corbusier atacava a Academia Francesa de Belas-
Artes, cuja tradição educacional confinava os arquitetos ao 
âmbito artístico, com um mínimo de consideração pela enge-
nharia e menos ainda pelas outras ciências. A metade das pa-
lestras pronunciadas na Argentina era elaborada a par t i r dos 
aspectos essenciais de sua abordagem da arquitetura. As outras 
tratavam do urbanismo e do papel do arquiteto no planejamen-
to urbano. 
"Quand tout est une fête." 32 A frase que introduz a seção 
sobre o Brasil revela uma mudança dramática, em termos de 
atitude e contexto, relativamente às palestras na Argentina. O 
"Corollaire Brésilien" revelava o lado poético do arquiteto, tal 
como se manifestara na Voyage d'Orient, mas se retraíra du-
rante o período do purismo. O Rio rejuvenesceu-lhe o espírito 
e a fascinação pela arquitetura nativa. Pouco depois de sua 
chegada, visitou as favelas e observou o engenho com que os 
moradores aproveitavam a vista e os materiais: 
31. LE CORBUSIER. Précisions, p. 19. 
32. Ibid., p. 233. 
"Achei os negros fundamentalmente bons, de bom coração 
. . . Mas que o à-vontade de suas atitudes, o limite que sabem 
impor às necessidades pessoais, a capacidade íntima de sonhar e 
sua candura fazem com que suas casas estejam sempre admira-
velmente plantadas no chão, janelas abertas de par em par à exu-
berância do panorama, o espaço reduzido muito bem-aproveitado 
. . . o negro ergue sua casa quase sempre no alto, sobre pilotis 
na frente . . . lá de cima o mar é sempre visível".33 
Essa uti l ização compacta e eficaz do espaço já chamara a 
a tenção de Le Corbusier em Péra, Turquia , no Monastér io Car-
tusiano de Ema, e agora no Brasil . Ele se maravi lhou sobre tudo 
com a visão do mar . S e g u n d o A n d r é Wogen_sky, arquiteto-chefe 
do estúdio de L e _ C o r b u s i e r j e 1945 
j a a A ^ ^ ^ ^ g g p i r a r a j j i ^ r
e g ^ ê n c i a de v e r ã ^ e n ^ ^ ^ ^ j j ^ m * * 
^ecRnatT3','66 m por" J ^ i h r T — t a m a n h o médio de u m a casa de 
favela no Rio —, a residência recebeu a inda u m a ampla jane la 
para o mar . Esse re t i ro em Cap Mart in revivia a visita ao Rio 
de Janeiro, t inha uma única casinhola per to da praia e oferecia 
a possibil idade de um bom mergulho mat inal ; mas, sobre tudo, 
documentava a a t ração de Le Corbusier pelo estilo de vida 
carioca e a duradoura impressão que a cidade lhe causou. 
Os planos de Montevidéu_e São Paulo p r e c e d e r a m o do 
Rio de Janei ro e careciam de fluidez orgânica. Como o de Bue- 
nos Aires, adotavam rigorosos ângulos retos. Q de .São Paulo, 
por exemplo, dividia a c idade em qua t ro par tes iguais e j g n o ; 
raya a ex is tênc ia^e_morTQS_ej jnon tanhas . O de Montevidéu 
invadia a área do por to com uma enorme es t ru tu ra em T, 
ocul tando a vista da baía ao resto da cidade. Le Corbusier 
cunhou, em Précisions, os termo&^gmtíe^err e e gratte-mer 35 
para definir os respectivos planos. (Figuras 2, 3, 475] 
33. Ibid., p. 10. 
34. Entrevista com André Wogensky, Paris, 4 de março de 1981. 
35. EE CORBUSIER. Précisions, p. 242. Estes são dois dos muitos termos que 
Le Corbusier cunhou para definir os aspectos técnicos de sua arquitetura. 
Uma l is tg j^gwprpnt iLjpssf-s termos, embora incompleta, pode ser encontra-
'S SL e i f f i i f lCKSj Charles. Í J> corbusier ãnd the Tragic View ofÁrchitecture, 
Cambridgtv-Hlírvard University Press, 1973, p. 190. 
A mudança radical do rígido traçado geométrico de Buenos 
Aires, Montevidéu e São Paulo para a fluidez orgânica do pro-
jeto do Rio inspirou-se na vista aérea e nos comentários que 
Cendrars teeia sobre as potencialidades arquitetônicas da cida-" 
de. Em Buenos Aires, Le Corbusier fora convidado para q ^ o ç ^ 
j ^ ^ y j j g ^ ^ C o m p a n h i a Sul-Americana de Navegação Aérga, 
que começava em Assunção, no Paraguai, parando em outras 
dez localidades. Do aeroplano, ele pôde admirar livremente la 
loi meandre 36 na beleza tropical do Brasil, comentanda_uo. 
" P r n / n g » p AYnp.rir.njp"-
"O curso dos rios nessas planuras sem fim ilustra serenamen-
te a implacável conseqüência da física: a lei da linha de maior 
jjicl i nação é a vez do comovente t eo rem ado 
m e a n d r o " ? " ^ ' 
Le Corbusier asseverou que o projeto do Rio de Janeiro 
(Figura 2) lhe veio à cabeça durante esse vôo. 3 ^ u b j j a n j g g t g ^ 
o caminho do menor 
esforço e estrada para lugar nenhum. 3 9 0 meandro tornou-se 
para ele uma inspiração: 
"Uma resposta, um eco, uma réplica. O local falava arquite-
tura: a água, a terra, o ar. Esse discurso era um poema de geome-
Tria humana e de imensa fantasia natural. O olho via alguma coisa*, 
duas coisas: a natureza e o produto do trabalho humano .^^j idade 
Le Corbusier traçou um edifício de apar tamentos encurva-
do ao qual se sobrepunha uma auto-estrada que corria, seme-
36. LE CORBUSIER. The City of Tomorrow, Cambridge, MIT Press, 1971, pp. 
11-8. O primeiro capítulo do livro é uma discussão do caminho do burro de 
carga, que segue uma linha sinuosa, em oposição ao homem, que segue uma 
linha rela porque sabe aonde vai. 
37. LE CORBUSIER. Précisions, p. 5. 
38. ibid., p. 242. 
39. LE CORBUSIER. The City of Tomorrow, pp. 11-2. 
40. LE CORBUSIER. Précisions, p. 245. 
lhante a um verme enorme, do centro da cidade para a praia, 
acompanhando o terreno acidentado, e ao norte ladeava a baía, 
rumando para a área industrial. Assim se exprimiu ele a res-
peito do projeto: 
"De longe, vi em espírito o perímetro amplo e magnífico das 
edificações, com o coroamento horizontal da auto-cstrada^ ligando 
monte a monte, baía a baía" .4 1 ^ 
vOflft, T ( 5 D 0 Dlfl 
O plano urbanístico do Rio de Janeiro foi um dos primei-
ros projetos de a lojamento para as classes populares no século 
XX. Sua j n t e n ç â o declarada era subst i tui r agi|ftve1as r a ^ j ^ j g ^ 
estas, previa a construção dos apar tamento^cermmetros acima 
dãs~casas J õ s r i c ó s , propiciando a me lhorHra io possível do 
mar. O plano possibilitava ainda a Le Corbusier preservar os 
aspectos positivos das favelas. Entrevistado por ocasião da 
viagem de 1936 ao Rio, ele resumiu as razões que o levaram a 
conceber o plano de 1929 e enfatizou a importância do bem-
estar psicológico para o homem (perspectiva que o absorveria 
durante toda a década de 30): 
"A cidade cresceu de forma descomunal, e possui extraordiná-
rios recursos paisagísticos. Meu sonho é permitir 
habi tant | | jdãs tã lc^5ãr i jsufry^ ^ j p p l e n d m v . s nuLurais: o mar. 
asmontanhas . . . Essa felicidade penetrará suas casas e corações"?^ 
O harmonioso prédjo de apar tamentos começava a 40 m 
do solo e prosseguia por 60 m, em quinze andares, sem pertur-
bar as es t ru turas iá implantadas na cidade. Com 6 km de com-
primento, podia alojar ^OMjj^j j jessoas^reservando para cada 
uma 20_m2^de área. Esse espaço, na verdade, era menor que o 
da célula ^primária de Pessac, que foi o protótipo, porém maior 
que o das casas de favela em 1929. Os arquitetos brasileiros 
se espantaram com o sistema de elevadores para o acesso dos 
automóveis à avenida situada a 100 m do chão, porquanto o 
41. Ibid., p. 244. 
42. "A Cooperação da Arquitetura e do Urbanismo na Solução do Problema 
da Favela". O lornat, Rio de Janeiro, 18 Jul. 1936, p. 8. 
edifício mais alto do Rio, na época, era o do jornal A Noite, 
completado em 1928 e com 22 andares. O centro comercial 
desenhado por Le Corbusier previa três edifícios na orla da 
área central da cidade e avançava pela baía (única semelhança 
com os outros planos para a América do Sul). 
O lado humano da arqui te tura socialmente consciente de 
Le Corbusier costuma ser superestimado; entretanto, é mais 
que óbvia sua defesa de casas populares para todos. Em 1929, 
o Rio t inha cerca de 40 mil pobres, com ura crescimento poten-
cial de 90 mil a cada geração. 4 3 Le Corbusier predissera o pro-
blema "arqui te tura ou revolução" em Vers une Architecture.™ 
Percebia que a tecnologia do século XX precisava ser compar-
tilhada com todos, ricos e pobres, do contrário estes reagiriam 
como na Rússia de 1917. Não raro lhe aplicaram a pecha de 
bolchevista, porque t rabalhara na Rússia depois da revolução, 
muito embora fosse mais um igualitarista social em oposição 
à atividade política. Le Corbusier observava e reagia aos pro-
blemas do século XX com uma visão utópica freqüentemente 
fora do alcance da compreensão dos ouvintes. 
A sinuosa fluidez do plano e o emprego de uma avenida 
suspensa, que chamara a atenção de Le Corbusier na fábrica 
da Fiat em Turim, em 1920,45 dão ao projeto do Rio de Janei-
ro lugar de destaque no repertório urbanístico de Le Corbusier 
e consolidaram a tendência orgânica de seu trabalho. Entretan-
to, uma análise mais acurada revela que, além de criar uma 
paisagem inspirada, Le Corbusier desenvolveu um formato 
urbano e arquitetônico bastante lógico, apropriado ao caráter 
dramático do ambiente e não especificamente orgânico. Desde 
a época de estudante em La Chaux-de-Fonds, sob a Orientação 
de Charles L'Eplattenier, Le Corbusier manifestava deliberada 
concordância com Own Jones em seu respeito pelos elementos 
43. LEVINE, Robert. The Vargas Regime, Nova Iorque, Columbia University 
Press, 1970, p. 193. 
44. LE CORBUSIER. Towards a New Architecture, Nova Iorque, Praeger Pu-
blishers, 1972, p. 249. 
45. Ibid., p. 267. 
inerentes ao traçado natural, sem entretanto reproduzi-los ou 
copiá-los literalmente. Em Vers une Architecture, estabelecia 
que: 
"Nos conjuntos arquitetônicos, os elementos do meio desem-
penham um papel graças a seu volume cúbico, a sua densidade e 
qualidade do material de que se compõem . . . Os elementos do 
meio
se erguem quais muralhas armadas com o poder de seu coe-
ficiente cúbico, estratificação, material etc., como as paredes de 
um quarto".46 
Assim, o plano realizava a concepção de Le Corbusier de 
uma integração arquitetônica com o meio, conforme ele pró-
prio estatuíra em Vers une Architecture, mas em termos antes 
composicionais que orgânicos. A mesma idéia reapareceria no 
plano Obus A para a Argélia, em 1930. Le Corbusier desenhou 
uma rede de es t ruturas abstra tamente encurvada que não leva-
va em conta o terreno em prol da composição; não se notava 
o menor empenho de organicidade relativamente à paisagem, 
bem ao contrário do que Mary McLeod asseverou na tentativa 
de provar, com os planos para a Argélia, o organicismo emer-
gente na carreira do arquiteto. O argumento de Mary McLeod 
se fundamentava no interesse político de Le Corbusier pelo 
sindicalismo radical . 4 7 Outro ponto que contradiz sua análise é 
que os planos para o Rio de Janeiro e a Argélia foram os únicos 
dos primórdios da década de 30 a adotar uma integração com 
a paisagem. Todos os outros projetos de Le Corbusier a part ir 
desse período — como a reurbanização de Genebra, Estocolmo 
e Antuérpia (1933), e, em especial, o vale do Zlin na Tchecos-
lováquia (1935) — eram rígidos e inorgânicos como os de 
São Paulo e Buenos Aires, ainda que esses sítios pudessem, 
qualquer deles, ensejar um traçado orgânico, se tal fosse a in-
tenção precípua do arquiteto. 
Os estudiosos têm dividido a carreira de Le Corbusier em 
períodos distintos, apontando o plano do Rio de Janeiro, de 
1929, como marco principal: antes de 1929 sua obra era racio-
46. Ibid., pp. 177-8. 
47. MCLEOD, Mary. "Le Corbusier: Algiers", Oppositions 19/20:55-85. 
nal e geométrica, depois de 1929, orgânica e poética.4 8 Isso 
pode, academicamente, simplificar a gradua! emergência de 
uma manipulação da forma e do material, mas a verdade é que 
desde o início de sua carreira a obra de Le Corbusier revelou 
formas poéticas e sensuais encaixadas num esquema racional. 
O vocabulário do período purista jogava com "violões", "ca-
chimbos" e "garrafas", objetos dos mais comezinhos, porém 
sua interpretação estruturada pode revelar, não raro, um toque 
sensual. Em Natureza-morta com Pilhas de Pratos (1920), uma 
série de silhuetas superpostas e dominadas por bordas encur-
vadas de violões e garrafas produzia uma composição fluida, 
tão sensual quanto o pro je to do Rio de Janeiro, dentro de um 
formato estruturado. A curva purista do violão silhuetado — 
lembrando de imediato as curvas macias de uma mulher recli-
nada —, que começou a aparecer desde 1929 nos desenhos e 
pinturas de Le Corbusier, foi posteriormente adotada no sofá 
embutido do banheiro da Villa Savoye. A obra de Le Corbusier 
era racional na concepção, mas sensual na expressão, isso desde 
o começo do período purista e ao longo do desenvolvimento 
de sua própria arqui te tura: de dentro para fora. Na Villa La 
Roche (1923-24), ele adicionou um toque plástico ao interior 
com a base da escada arredondada e a rampa interna em curva, 
a qual se dobrava também para fora. A manipulação plástica 
da forma se limitava inicialmente a pequenos detalhes, mas, 
depois, impôs-se, como no caso de Notre Dame du Haut, em 
Ronchamp (1950), sua afirmação mais dramática de arquitetura 
esculpida. Em que pese a tudo isso, as raízes desse avanço 
rumo à plasticidade já estavam firmemente estabelecidas du-
rante o período purista. Nesse contexto, o projeto do Rio de 
modo algum assinala um abandono do racional, e sim uma ma-
nifestação mais pronunciada de detalhes sensuais, já presentes 
na arqui tetura e na pintura do arquiteto. Tais detalhes se 
tornar iam ainda mais significativos para ele no correr dos 
anos 30. 
48. MCLEOD, Mary, "Le Corbusier: Algiers", Oppositions, 19/20:55; ver tam-
bém: JENCKS, Charles. The Tragic View of Architecture, pp. 99-133. Charles 
Jencks divide a carreira de Le Corbusier de maneira semelhante, classificando 
o período 1928 a 1945 como de transição. 
Le Corbusier: uma visão geral (1929-1936) 
Durante a década de 30, Le Corbusier lutou para harmonizar 
a arqui tetura e o urbanismo num todo político e social con-
sistente, buscando, ao mesmo tempo, uma autoridade que o 
apoiasse. Expôs suas idéias sobre reestruturação do ambien-
te urbano já nos anos 20, mas então ainda não extrapolava o 
domínio da arquitetura. Nos anos 30, porém, sua concepção 
invadiu a esfera da arqui tetura enquanto utopia social. Por 
essa época, quer emprestando apoio a publicações sindicalis-
tas, quer tentando resolver os problemas sociais com seus 
próprios escritos, tornou-se um idealista em demanda de um 
mundo mais harmônico. Os utopistas do século XIX, como 
Saint-Simon, Charles Fourier, Victor Considèrent e Pierre 
Joseph Proudhon, conceberam uma sociedade harmonica em 
que todas as necessidades humanas fossem satisfeitas; Le Cor-
busier, tendo estabelecido uma arqui tetura tecnicamente fun-
damentada e capaz de atender aos reclamos físicos do homem, 
começou a ocupar-se da dimensão social e psicológica do ser 
humano. 
Os primeiros cinco anos da década de 30 foram de inten-
sa atividade. Com a Villa Savoye já em obras, Le Corbusier 
part iu para a planificação do Pavilhão Suíço, dos prédios de 
apar tamentos Immeubles em Paris e de duas residências de 
fim-de-semana. A esse tempo, começava a integrar materiais 
texturizados à sua arqui te tura , contrastando superfícies poli-
das e brilhantes. Mais: a cada dia seus desenhos se tornavam 
mais inerentemente plásticos, exibindo as linhas fluidas subja-
centes à pintura purista que praticava. A parede de pedra sob 
a abóbada polida, em seu apar tamento de Nungesser-et-Coli 
(1933) — um dos Immeubles em Paris —, era só o começo. A 
casa de fim-de-semana nos arredores de Paris, de 1935, criava 
contrastes ainda mais dramáticos entre os materiais t irados 
do local, jus tapondo madeira, concreto, pedra, vidro e telhas, 
além da pintura e da escultura. No desenho da sede do Minis-
tério tia Educação e Saúde, L e ^ ^ j ^ ^ j ^ ^ j g y ^ ^ j g s p o n s á v e l 
nela iSüflg^SÉif^" empjE6®û^^J3aaiermi.s contras tantes, ..como 
g i a m t a ç az^leio. Também encorajou a adição de esculturas e 
pinturas, o qite fez do edifício uma afirmação cabal das reali-
zações artísticas brasileiras na década de 30.49 
Nos anos 20, Le Corbusier introduziu a policromia na 
arquitetura; nos anos 30, além da textura, as artes plásticas se 
tornaram par te integrante do desenho básico, demonstrando 
uma faceta de sua tentativa de criar um ambiente harmônico: 
"Arquitetura e artes plásticas não são meramente duas coisas 
justapostas: são um todo sólido e coerente. Na própria substância 
do fato plástico impera a unidade: escultura, pintura, arquitetura, 
volume . .. e policromia. 0 corpo do edifício acabado é a expres-
são solidária das três artes maiores".50 
Com a integração das artes plásticas à arqui te tura . Le Cor-
busier reafirmava seu interesse no grupo De Stijl, art istas e 
arquitetos holandeses que, nos anos 20, t inham sido responsá-
veis pela reintegração das artes à arqui tetura, objet ivando criar 
harmonia para o homem enquanto indivíduo e enquanto par te 
da sociedade, tudo isso por meio de um equilíbrio de con-
trastes. 
Depois de 1933, o urbanismo ganhou precedência, embo-
ra planos e mais planos fossem rejeitados. Os projetos da Argé-
lia ocuparam Le Corbusier de 1931 a 1942, e seus outros planos 
de renovação urbana tiveram o ponto de part ida na reunião do 
CIAM,51 em 1933, que produziu a "Carta de Atenas". Essa 
"Carta" sumarizava o estudo de 33 grandes cidades, e Le Cor-
busier dominou a reunião, que estratificou o urbanismo em 
quatro categorias: 1. alojamento, 2. trabalho, 3. lazer e 4. trans-
porte. Le Corbusier reiterou esses princípios no livro
La Ville 
Radieuse (1933), detendo-se na sociologia urbanística, no empe-
49. Entrevista com José de Souza Reis, Rio de Janeiro, agosto de 1981. 
50. DAMAZ, Paul. Art in European Architecture, Nova Iorque, Reinhold Pu-
blishing Corp., 1956, p. 29. 
51. Pietro Maria Bardi, o crítico de arte italiano que se mudou para São 
Paulo em 1947, pagou a passagem de Le Corbusier para o Patris II, que trans-
portou os arquitetos do CIAM de Marselha a Atenas, ida e volta. Entrevista 
com P. M. Bardi, São Paulo, junho de 1981. 
nho de satisfazer às necessidades psicofisiológicas do homem. 5 2 
A cidade luminosa distribuía eficientemente as 24 horas do dia, 
especificando o tempo gasto no trabalho, no lazer, no sono. 
Ademais, o -livro -s^bdMdia^as necessidades psicofisiológicas 
do homem ^ i n a . ã n coletiva e l iberdade individual, ten- 
tando definir também um complexo arquitetomco-urDamstico 
(cidade e campo) que lograsse satisfazer a ambas. O livro de-
monstrava a necessidade de opor a harmonia ao caos. 
Harmonia era o que intentava Charles Fourier no começo 
do século XIX, quando planejou uma sociedade utópica alojada 
numa pgtmtiira, n Fa 1 ajTgtgrin. onde as paixões sociais eram 
disciplinadas. Fourier argumentava que a sociedade poderia 
atingir uma condição harmônica através da atração passional, 
instigada de início pela sociedade e posteriormente responsá-
vel pelo caos dessa mesma sociedade. As paixões de Fourier 
lembram imediatamente a tentativa de Le Corbusier de aten-
der ao aspecto psicofisiológico do homem, já que ambas de-
pendiam da s a . t i s f a ^ ^ ^ i m ô n i c a du i n d i y i c l ^ g ^ ^ ^ ^ u j ^ g i i ^ L 
c o m u n i t á r i o ^ a f f r a v e ^ i ^ n n e ^ e a ^ m j a ^ ^ 
íHIocieaaaelSabemos que Le Corbusier estava a par das teorias 
de Fourier graças a referências casuais que fez no final da dé : 
cada de 40." As idéias utópicas de Le Corbusier t raem a in-
fluência da visão social de F"iiri°j; ff nidinijnjm na Unité d'Ha bib 
tation (1946-1952), em Marselha, que adota e&tùaliza inúmeros 
aspectos dõ Falanstério, conforme salienta Peter Sàrenyi..54 Se-
renvi realçou a importância da célula individual-due Le Cor-
busier viu pela primeira vez ntTMonastério atnenranïo~Orienté~ 
MStttõ. A tentativa de Le Corbusier de satisfazej^as necessida-
des individuais e sociais do hom^m-e»HiHi£»--TOmplexo habita-
cional auto-suficiente se baseava na construção compartimen-
tada daquele monastério. Entretanto, poder-se-ia fazer outras 
52. LE CORBUSIER. The Radiant City, New York, Grossman, Orion Press, 
1967. A palavra psicofisiológico Foi inventada por Le Corbusier e usada pela 
primeira vez em La Ville Radieuse. 
53. Para referências de Le Corbusier a Charles Fourier, ver: LE CORBUSIER. 
Manière de Penser sur t'Urbanisme, Paris, Edition Denoel, 1946, p. 44, e LE 
CORBUSIER. "Unité d'Habitation de Marseille", Le Point, nov. 1950. 
54. SERENYI, Peter. ^'Le Corbusier, Fournier and the Monastery of Ema", Art 
Bulletin, dez. 1967, ppT 277-87. 
comparações entre os dois homens no tocante à sua visão da 
interação social. 
À semelhança da cidade e da fazenda radiante, o Falansté-
rio de Fourier dividia as atividades humanas pelas vinte e qua-
tro horas do dia, dest inando tempo ao sono, ao trabalho, ao la^" 
zer. As atividades sociais do Falanstério se cumpriam na Bolsa, 
instituição não apenas de economia, mas também de passatem-
po: "Cada um se dirige, tanto quanto possível, à Bolsa, onde se 
encontra bastante distração, graças à complexidade do jogo". 5 5 
A Bolsa era ainda um ponto de encontro bem no centro do 
Falanstério: "Nas bolsas de Harmonia, cada qual deseja mani-
festar suas intenções e torná-las conhecidas de toda a assem-
bléia".5 6 As atividades econômicas e sociais da cidade-radian-
te de Le Corbusier se concentravam no Clube, que as com-
binava da mesma maneira que a Bolsa de Fourier: "O Clube 
é lugar de reuniões amistosas, de negócios, sociais, políticas; é 
lugar de divertimento (cinema, teatro e tc . ) " . 5 1 Ademais, i m a -
ginara os moradores alojados num grande prédio de aparta-
mentos próximo ao Clube, algo assaz parecido à comunidade" 
formulada por Fourier. Para este, os moradores seriam fazen-
deiros a cultivar sua própria terra, mas residentes num locãT 
comunitário, o Falanstér io 1_ 
A idéia de um alojamento central, dentro de uma cidade 
cujas atividades de lazer pudessem ser organizadas, encon-
trou duas outras propostas nos anos 30. A primeira está na 
III Conferência de Le Corbusier, pronunciada no Rio de Ja-
neiro em 1936. Ali, apresentara ele a idéia de laboratórios de 
dos n o s c n S m S j ^ ^ ^ ^ ^ S S T M a i s tarde, e s s e ^ a b o r a t ó r i o s 
se t r ans to rmara r rwí^M useu do ^CóhhecTmento, sugestão feita 
p a r a o campus da Universidade^ Federal do Brasil^ no Rio e^ 
derivada da concepção de Le Corbusier de u m museu em per-
pé tuo^resc imento . A idéia original aparecera sob a forma de 
55. FOURIER, Charles. Des Manuscripts de Chartes Fourier, Paris, Librairie 
Phalansterienne, 1851, tomo I, p. 103. 
56. Ibid., p. 193. 
57. LE CORBUSIER. Oeuvre Complète 1934-1938, Zurique, Les Editions d'Ar-
chitecture, 1975, p. 114. 
um Museu Mundial do Mundaneum (1929). O proje to ia além 
de um mero edifício onde se exibisse arte, era antes um nú-
cleo de reunião p a r a os joyens_cont_endo cinemas, teatros, o rF 
cinas e bibliotecas. • 
— La Ville Radieuse abordava o tema da autoridade, assun-
to que preocupou Le Corbusier Ha década-atje 3$. J gtauele, 
autor ida de significava. u m individuõ~~õu~ um grupo esclare-
cido guindado ao poder. No livro, definia a au tor idade ideaT 
como umjCTfl d.p. fa^le™ isto 
j ^ y j g ^ p a r a ^ o s seus; contudo, a verdadei ra autoridade estava 
associada ao tflUflSõ da politisa. O modelo tradicional não era 
outro senão Luís XIV, cuja encomenda de Versalhes dera_a 
Colbert _a oportunidade "que L ê Corbusier t a n t o ^ ^ b i c í õ n i v a . 
Aliás, ele mesmo o confessa em Précisions: "Há anos sou per-
seguido pela sombra de Colbert". 5 9 No século XX, a constru-
ção de novas capitais reafirmaria esse senso de autoridade. 
Brasília exemplifica o ressurgimento de uma autoridade es-
clarecida: foi proje tada por Lúcio Costa, com arqui te tura de 
Oscar Niemeyer, sob os auspícios do presidente Juscelino 
Kubitschek. Já no final da carreira, Le Corbusier pensou des-
cort inar um símbolo de autoridade em Nehru, pela encomen-
da que este fez de projetos para os edifícios governamentais 
de Chandigarh. 
Le Corbusier foi atraído por diversas filosofias políticas 
na procura de uma autoridade capaz de criar harmonia; en-
tretanto, jamais foi adepto ferrenho de nenhum movimento. 
Após a revolução russa, os comunistas lhe pediram que de-
senhasse o Centrosoyus (1928-1934), e, mais tarde, elaborou o 
plano para o Palácio dos Sovietes (1931). O que fomentara 
suas esperanças fora a oportunidade de t rabalhar na Rússia 
in tentando pôr em prática a arqui te tura e o urbanismo da 
era da máquina. E l e se r i a . por a s g ^ g j ^ r e r ^ Q 
^ _ m a s Stálin pôs tudo a p e r d e r J ^ ] ^ 
Nos anos 30, Le C o rb u s iei i colabor ou ativamentg _eip dois 
jornais. Plans (1931-1933) e Prélud e f 1933-193.51. responsáveis 
58. LE CORBUSIER. The Radiant City, p. 228. 
59. LE CORBUSIER. Précisions, p. 187. 
pela disseminação do sindicalismo e defensores da idéia de 
sc transferir o controle da produção aos trabalhadores sind'i- ^ 
"balizados, se necesiSno com recurso à luta armada. O Siovl-™' 
"ffleKfB^STÇirfçDU reconhecimento entre 1890 e 19Í4, mas, após 
a Primeira Grande Guerra, os direitos dos operários franceses 
foram sufocados por uma ordem nada flexível. 60 Com a Fran-
ça ocupada pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial 
e os líderes sindicalistas mancomunados com o governo de 
Vichy,
Le Corbusier ofereceu-se para colaborar numa política 
de moradia e até elaborar um projeto para a reconstrução 
do pós-guerra. 61 
A origem do interesse de Le Corbusier pelo sindicalismo e 
de suas tentativas para criar uma sociedade utópica pode ser 
rastreada desde sua cidade natal. E1ê__sê criou em La Chaux-
de-Fonds, no coração do Jura, Suíça ocidental. O Jura fora 
notável pelos movimentos anárquicos de 1860 e 1878, mais 
tarde substi tuídos por formas de socialismo e_ sindicalismo. 
Lênin conhecera alguns habi tantes do local e ali discursara 
em 18 de março de 1917, logo após a abdicação do czar Ni-
co lau ." Fourier chegar fi r r i f f g T n n a pingar a região como exem-
plo da atração passional em sua organização sócio-política. 5 7 " 
A indústria principal do cantão era a de relógios; entretanto, 
no século XIX, a produção agrícola também era significativa, e 
os produtos eram distribuídos pro rata entre os contribuintes. 
A vida se caracterizava jqo Jur a pela absoluta igualdade so-
cial entre seus habitantes, que viviam nas imediações do lo- 
cal de trabalho. A vida erã rigidamente controlada, porquanto 
o comércio, a indústria e as atividades artesanais abriam c 
fechavam ao mesmo tempo. No século^XX, j i agricultura e a 
relojoaria se dividiam por famílias, e os Jeanneret , família de 
60. STEARNS, Peter N. Revolutionary Syndicalism and French Labor: A Cause 
Without Labor, Rutgers, N. J., Rutgers University Press, 1971, p. I. 
61. VON MOOS, Stanislav. Elements of a Synthesis, p. 214, 
62. SEKLER, Mary Patricia May. The Early Drawings of Charles-Edouard 
Jeanneret, p. 8. 
63. BRISBANE, Albert. Social Destiny of Man, Filadélfia, C. P. Stollmeyer, 
1840, p. 32. Informação colhida diretamente das notas de Fourier por Brisba- 
ne, que as traduziu. 
Le Corbusiet\ se ocupavam da últ ima. As longas horas de té-
dio e a cansativa meticulosidade do trabalho dos relojoeiros 
faziam-nos procurar o intercâmbio social à tardinha, compro-
misso essencial do quotidiano. Vemos daí que as propensões 
políticas do arquiteto podem ser compreendidas relacionando-
se a es t rutura social de seu cantão aos contatos políticos que 
encetou durante os anos 30; está aí também a origem de sua 
tentativa de recriar a vida harmoniosa do Jura nos projetos 
urbanos. Apesar cie tudo, "suã^TÍgaçãcTcom ~a política itücr-pas-
sava de uma busca que o levasse a alguma autoridade inspi-
e n c õ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ j ^ ^ ^ B B ^ d e Le Corbusier se adapt; > 
um"'3ã3fÕ^ltem a politico quando havia oportunidade r n a -
terializar^sgus planos, quer t rabalhando parados comunistas 
da~Russia ou parlTa di tadura de Vargas no Brasil .6 4 
64 Nos anos 30, Le Corbusier trabalhou para o regime comunista da Rússia, 
para a colônia francesa da Argélia e para a didatura demagógica de Vargas 
no Brasil. Tendo oportunidade de trabalhar, pouco lhe importava a política 
local. Achava que um arquiteto não deve assumir o papel de político, ' l l enho 
afirmado que a.política e qs^jjrojetos arquitetônicos são duas coisas diversas, 
dflis fenAmgnos que, requerem indivíduos de" sangue diferente. " LECORBU- 
SIER. "Le Congrès Internationaux d'Architecture Moderne: Légifèrent sur des 
Bases Nouvelles", VI Conferência, Insti tuto Nacional de Música, Rio de Ja-
neiro. 14 de agosto de 1936, p. 1. 
Contexto 
Arquitetura moderna brasileira antes de 1936 
O desenvolvimento da arquitetura moderna no Brasil teve 
seu ponto de part ida na Semana de Arte Moderna de 1922, 
paralelamente ao que ocorria em outros países da América 
Latina; entretanto, o Brasil se destacou, nos primórdios do 
século, por um grupo inovador de engenheiros que aprimo-
rou a tecnologia do concreto armado, e de arquitetos e en-
genheiros iconoclastas que atualizou o currículo da Escola 
Nacional de Belas-Artes. Essas realizações prepararam o Bra-
sil para a visita de Le Corbusier em 1936 e a implantação de 
suas teorias. 
O orgulho nacional e as reformas sociais t ransformaram 
as artes, na América Latina, durante a primeira metade do 
século XX, num veículo para a expressão vernacular. A dita-
Être, ou ne B.Q.S etre. Le passe. L avenir. On 
napasfini de découvrir te Brésil que vit au 
jour le jour. Est-ce sa force ou sa faiblesse? 
Biaise Cendrars, Le Brésil des hommes sont 
venus. 
dura de Vargas (1930-1945), a revolução socialista no México 
(1910) e o regime de Perón na Argentina (a part ir de 1945) 
nasceram do desejo de exprimir o nacionalismo e o individua-
lismo em oposição à dominação européia. A consciência nacio-
nal encorajou os artistas a se revoltarem contra os precedentes 
estrangeiros e em favor de uma expressão local. No México, o 
Novo Realismo Pictórico ganhou vida nos murais de Diego Ri- 
vera e David Siqueiros, e, mais tarde, na arqui te tura de Juan O' 
Gorman. Praticamente todo país latino-americano insuflou 
alguma forma de nacionalismo nas artes: por exemplo, a re-
volta contra a Academia de San Alejandro, em Cuba, lidera-
da pelo pintor Victor Manuel, em 1924; o Salão de Maio do 
Sindicato dos Artistas e Escritores Equatorianos, em 1939; e 
a Semana de Arte Moderna de 1922, no Brasil . 6 S Esses grupos 
encora jaram a busca de uma arte nacional, fosse ela, na ori-
gem, neocolonial, primitiva, moderna ou autóctone. A pesqui-
sa das raízes nacionais visando à inspiração artística era um 
passo que os países da América do Sul deviam necessaria-
mente dar já no início do século, para se l ibertarem do neo-
clássico e dos demais estilos cultuados nas escolas de belas-
artes, antes de part i rem para o modernismo internacional. 
Uma vez que a arqui te tura colonial era inerentemente funcio-
nal, uma busca de expressão vernacular talvez tenha propi-
ciado o desenvolvimento do moderno estilo funcional e pro-
movido uma arqui te tura fundada em necessidades locais. In-
felizmente isso nem sempre aconteceu, e, após um breve in-
terregno de expressão nacionalista, os países sul-americanos 
voltaram a imitar os protótipos europeus. Uns poucos desta-
cados iconoclastas persistiram, outros ou adotaram a repre-
sentação indígena ou passaram a copiar padrões europeus, 
desconsiderando as condições ambientais. 
O Brasil emergiu do academicismo do século XIX com a 
Semana de Arte-Mo^erna, ocorrida em São Paulo no mês 
Tie feverei ro) deV1922. O evento, simbolicamente, marcava a 
independência da influência artística européia, já que na oca-
sião se comemorava o centenário da Iii^epeíidênçja. O movi-
65. CASTELO, Leopoldo. iMtin American Art and Architecture, pp. 222-32. 
mento tendia para o nacionalismo e a revivescència dos va-
lores indígenas, bem como para o futurismo, passado ao Bra*-
sil pelos jornais italianos. Paulo Prado financiou o grupo van-
guardista, que assim se transferiu de uma livraria para o Tea-
tro Municipal, onde um público bem maior podia presenciar 
o acontecimento. A arquitetura, porém, desempenhou um pa-
pel menor nas festividades. Houve concertos de Villa-Lobos, 
leituras de Graça Aranha, declamações, coreografias e uma 
exposição de quadros de Di Cavalcanti, Lasar Segall e Anita 
Malfatti, bem como esculturas de Victor Brecheret. Quem re-
presentou a arqui te tura foi o espanhol Antonio Garcia MoyaT 
apresentando esboços visionários de estruturas inspiradas em 
sua visão pessoal, noturna, do futurismo. De dia, Moya dese-
nhava casas em estilo neomourisco e espanhoL .tradicional. 
Sua contribuição para a arqui te tura brasileira é irrelevante, 
masa_Semana^ em_si, despertou o interesse do púb l i cope l a s 
artes e deu aos artisJifr n o V u 
O evento criou um ^ V f l f l f ^ W g " à chegada de War-
cnavchik em Câsa, na- Vila Mariana, tanto impres-
sionou Le Corbus ie ix j t i ' lgBftlEm 1925^Warchavchik apresen-
tou suas idéias n i y r i A a ^ S m W o n e i r o ^ ^ p ^ ^ r e a t m ^ sobre 
arqui tetura f u n c i o
i i a t ^ s ^ ^ ^ ^ y j ^ j ^ y t e t i j j y ^ g d e n i a ^ ^ Nes-
te que foi o primeiro artigo do , o 
autor citava a~"máquina para se mora r" de LeCüfbúsier , dis-
cutindo a beleza estética do automóvel. Poucos meses depois, 
Rino Levi, jovem arquiteto brasileiro então es tudando na Itá-
na^escrcveu a um jornal paulista expondo o que acontecia 
na Europa enTtermos de arqui te tura moderna, relacionando-a 
com o urbanismo. Esses artigos apareceram no mesmo ano em 
que Gropius publicou Internationale Architectur, que repas-
sava o desenvolvimento da arqui tetura moderna em toda a 
Europa e levou Alfred Barr a classificar o movimento como 
66. 0 artigo de Warchavchik. "Acerca da Arquitetura Moderna", foi inicial-
mente publicado no jomal italiano II Piccolo, a 14 de junho de 1925, em São 
Paulo, sob o título "Futurismo", e, em I," de novembro de 1925, no Correio 
da Manhã do Rio de Janeiro, sob o título "Acerca da Arquitetura Moderna". 
FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a Introdução da Nova Arquitetura no Bra-
sil: 1925 a 1940, São Paulo, Museu de Arte de São Paulo, 1965, pp. 20-40. 
estilo internacional. 61 Em 1925, já os preceitos da _arquitetura 
moderna estavam firmados no Velho Mundo; no Brasil, e n : 
tretanto, tudo apenas começava. 
O problema de introduzir a arqui tetura moderna no Bra-
sil, em 1929, não se restringia simplesmente a al terar perspec-
tivas pessoais ou ati tudes tradicionais frente à arte: era pre-
ciso criar toda uma infra-estrutura industrial que sustentas-
se os novos métodos de construção. Depois de 1925 e antes da 
chegada de Le Corbusier em 1929, pouca coisa se fizera. A 
casa de Warchavchik surgira do trabalho artesanal: os moldes 
das janelas foram feitos à mão, e os construtores da es t ru tura 
receberam orientação especial para o preparo do concreto ar-
mado. 6 8 Aço, cimento e vidro vinham da Europa. 0 Brasil, em-
bora república desde 1889, ainda se ressentia de uma econo-
mia colonial, exportando matérias-primas e importando ma-
nufaturados. Em 1900, a Estação da Luz, em São Paulo, fora 
trazida peça por peça da Inglaterra e montada no local. Até 
1950 costumava-se importar materiais da Europa: cimento da 
Noruega, terracota da França, ferro da Inglaterra. 
A despeito — ou talvez por causa — da dificuldade em 
obter material, o Brasil teve inúmeros engenheiros inovado-
res, que promoveram o uso do concreto a rmado no país. Em 
1912, um estudante de Hennebiaue. R. Ri^dlinger . fundou a 
Companhia Constrüttífa em CTmemo Armado n o 1 Rio de Ja-
neiro. Sendo a mão-de-obra barata o principal recurso brasi-
leiro, a utilização do concreto armado era facilitada, já que 
este requeria aplicação intensiva de trabalho. A empresa de 
Riedlinger atraiu muitos estudantes de engenharia como apren-
dizes, e Emí l i^Baumpar ten^ t ornou-se seu aluno predileto O 
t a l e n t o i n s t t n t i v ^ a ^ B a u m g ã r t e n foi saudado em 1931 no 
Engineering News Record, 69 num artigo sobre a ponte Her-
val sobre o rio do Peixe, em Santa Catarina. Baumgarten pro-
jetou uma viga em balanço com 68 m, construída sem esco-
67. BANHAM, Reyner. Theory and Design in the First Machine Age, Nova 
Iorque, Praeger Publishers, 1967, pp. 274, 287. 
68. FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a Introdução..., p. 51. 
69. SCHJODT, Rolf. "Long Frame Methods", Engineering News Record, 6 ago. 
1931, pp. 208-9. 
ras. A atmosfera progressista reinante no país nos anos 30 
possibilitou o fato de que Le Corbusier introduzira uma me-
todologia aplicável ao contexto local numa época em que o 
predomínio do concreto armado só carecia de um quadro fun-
cional a que pudesse se adequar. 
t a m b l ^ ^ X ^ ^ I ^ J ^ ^ ^ ^ ^ g ^ s t ü d á t e 
de engenharia, iniciou a revista em 1932 sob o título de Revis-
ta da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Fe~ 
aeral, conhecida depois de 1935 como PDF, apenas. PDF fora 
fundada pelo governo, mag que 
permitiu a Carmem (Pòrtinho ÍSansformá-Ia numa revista de 
vanguarda para a arqtritelufa^rnoderna e a engenheira tecno^ 
logicamente avançada. Casada com Affonso Eduardo IJeidy, 
"um dos arquitetos da sede do Ministério da Educação e SatP" 
de, publicava projetos do marido e dos amigos deste, alguns 
dos quais surgiam com destaque na nova g e r a ç ã o ^ ^ ^ ^ j ^ ^ ^ 
J j ^ ^ y ^ ^ g y j ^ y y j ^ ^ t i ^ ^ y e a j j ^ a t L a ^ e forcejava por mos-
T r a ^ a s t en t a t i va sve rdaae i r amen t^p rog re s s i s t a s da arquite-
tura moderna da época.7 0 
A Semana de Arte Moderna criou urqa (.atmosfera ppsitiva 
para o incremento da ar te e da a rqui te tura medemas ' l i o país. 
TMas as Idéiâü aVüByAdàs da Europa so se institucionalizaram 
quando Lúcio
 /j£fost a^£gi nomeado diretor da Escola Nacional 
de Belas-Arteq. (Lúcio yos ta nascera erri Toulouse, Fl'ança, et*n 
1902, e estudara^-pintura e arqui te tura na Escola Nacional de 
Belas-Artes do Rio de Janeiro. Formado em 1924, participou 
da revivescência do neocolonial popular durante a década de 
20.71 Atraíra-o o racionalismo intrínseco das construções colo-
niais brasileiras, e, após a visita de Le Corbusier em 29, vis-
lumbrou algo similar nos princípios que este últ imo apregoa-
va. Entretanto, a transição não foi fácil. ÈTele mesmo quem 
afirma, a propósito da passagem do nacionalismo ao moder-
nismo: "E faz lembrar as primeiras tentativas do cinema so-
70. Entrevista com Carmem Portinho, Rio de Janeiro, julho de 1981. 
71. Lúcio Costa é ainda hoje uma autoridade destacada no campo da arqui-
tetura colonial, e trabalha para o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico 
Nacional, a entidade brasileira para a preservação dos bens históricos. 
noro — quando, com a boca já fal ando, o som ainda jcorria 
a t rás" . 7 2 Com apenas vinte e oito anos à época da nomeação, 
atualizou os métodos antiquados da Escola Nacional, ado-
tando a abordagem funcional da Bauhaus e de Le Corbusier. 
"Manteve todos os professores antigos, mas convidou vários 
arquitetos e engenheiros jovens a ensinarem na escola, ins- 
tando-os à elaboração de um currículo voltado à funcionali-
dade. Qs^mãis destacados eram: em composição arquitetôni-
ca, jWarchavchik;! em engenharia, Alexander Baddeus, recém-
chegado da Algmanha; em escultura. Celso Antônio, discípulo 
e assistente de Antoine Bourdelle. 
Com Baddeus e outros técnicos na escola, abria-se uma 
nova era para a arqui te tura no Brasil. Antes, o país imitava 
a Academia Francesa de Belas-Artes, onde os arquitetos só po-
diam aprender construção à própria custa. No Brasil, os pri-
meiros cursos de engenharia apareceram em 1923, na Escola 
Politécnica de São Paulo, onde se estudava engenharia estru-
tural durante um ano. No mais, os engenheiros_brasiIeiros 
eram pedreiros autodidatas. Regulamentos de construção qua-
se não existiam antes de 1930, e qualquer um podia pro je ta r 
e construir . 7M3addeus recebera influência da Bauhaus e intro-
duziu urjMÍovo vocabulário sob uma perspectiva técnica, am- 
parandó-se em dgis—jornais aiem35s--pQpulares, Die Forme e 
Modern Bqiiftfrmen.™ As poucas empresa^-de engenharia exis-
tentes^«ro Brasil em 1930 eram dirigidas por alemães ou euro-
peus do norte; sua influência, no entanto, era mfaúma até o 
momento em que Baddeus começou a ensinar. 
As reformas de L u c j o C o s t a p r o v o c a r a m tensões entre os 
patrocinadores oficiais da escola, e, transcorrido um an,o e 
meio. ^ o i ^ ^ n ^ ^ ^ ^ i ^ ^ L r ^ 
t e s ^ e a g i r a m c o j g y j m a tíic\c de seis meses: o currículo novo 
VençeùTEssês "és tudantes formaranTa^geração cfearquitetos que," 
depois, representaria o Brasil no Museu de Arte Moderna de 
NoV^Tõrque, em lv43, com a most ra Brazil Builds, e con^ti-
72. COSTA. Lúcio. Sobre Arquitetura, p. 18. / 
73. BOASE,Açlhur . "South American Building is Challenging", Enguieering 
News Record, 1944, pp.

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