Buscar

Fica Comigo esta noite

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 33 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 33 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 9, do total de 33 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

FFFFUNDAÇÃO DAS UNDAÇÃO DAS UNDAÇÃO DAS UNDAÇÃO DAS AAAARTES DE RTES DE RTES DE RTES DE SSSSÃO ÃO ÃO ÃO CCCCAETANO DO AETANO DO AETANO DO AETANO DO SSSSULULULUL 
PPPPROJETOROJETOROJETOROJETO:::: TTTTEATRO EATRO EATRO EATRO 3D3D3D3D 
 
FICA COMIGO ESTA NOITE 
AUTOR: FLÁVIO DE SOUZA 
DIREÇÃO GERAL: SERGIO AZEVEDO E WARDE MARX 
 
Cena 1 Cena 1 Cena 1 Cena 1 –––– AAAA RRRRECEPÇÃOECEPÇÃOECEPÇÃOECEPÇÃO 
TODAS: (como um mantra) Avisaram a Lurdinha? Avisaram a Lurdinha? 
ELA: Avisaram a Lurdinha? A filha dela chega tarde da escola, coitada, ela ainda tem que esquentar a 
janta. 
ELA: Liga para ela, diz que não precisa vir... 
ELA: Oi...É, está sendo difícil mesmo... 
ELA: De repente! É, vontade de Deus, assim, né?... 
ELA: Que bom que você veio. 
ELA: Quem te avisou?...Ele está ali... 
ELA: Ai, meu Deus, olha ele! 
ELA: Ai, meu querido, meu querido... 
ELA: Ai...Ai... Me larga! Me solta! 
ELA: Ai, que dor no coração... 
ELA: Pode deixar. 
ELA: Eu já estou bem. 
ELA: Obrigada. 
ELA: Desculpa. 
ELA: Ligaram para o tio Fernando? Já ligaram? Falaram com calma? Ele é nervoso...pode ter um ataque. 
ELA: E o ... Oi...É, difícil... É, vontade de Deus, assim, né?... Quem te avisou?... 
ELA: Está ali...Isso... E o ...Como chama, aquele que casou com aquela...O casamento foi tão lindo. Tinha 
órgão! No meu não teve. Mas estava lindo... 
ELA: Oi...Difícil... É, vontade de Deus, né?...Ali...Isso... Ela vai querer café, mas eu não...Tem sem açúcar? 
Então faz, né? Tem gente que não pode ou não gosta... É...de amarga, basta a vida... 
ELA: (Chega o chefe da firma do marido) E o ...Ó, meu Deus, quanta honra! Como vai o senhor? E a sua 
senhora?...Eu estou mais ou menos, né?...É, difícil... Ele está aqui...O senhor lembra dele, né? Nossa! 
Muito obrigada do senhor ter podido vir, viu?...Ele ia ficar tão orgulhoso se... 
ELA: Sabe que ontem mesmo ele falou em vender a casa?...Comprar uma no interior, dizem que é mais 
barato... 
ELA: Senta, por favor...Dá licença, querida? 
 2 
ELA: Ele queria tanto mudar. Eu não queria. Esta casa é feia. Mas eu conheço cada rachadura das 
paredes, gente. Cada taco solto me lembra uma coisa...Eu me lembro do dia em que comprei cada 
toalha, cada xícara. 
ELA: Eu não quero mais café...Eu não tomei e continuo não querendo tomar. Até parece que eu estou 
querendo espantar o sono, não é, querida? Você acha que dá pra eu dormir? Oi...É...Isso... (Pausa) 
ELA: Não é justo...Eu não poder me despedir dele. Não devia ser assim, né? 
ELA: A gente devia saber um dia antes. A gente se preparava. Passava a roupa preta, arrumava direito a 
casa... 
ELA: E se despedia...Que coisa, parece que ele foi viajar, sem dizer tchau. Parece que o trem está 
partindo, e ele não apareceu na janelinha para acenar... 
ELA: Ah, não. Chega de vem e vai. Eu vou receber as pessoas aqui e pronto. Oi, a senhora estava aí? 
Isso...Parece? Sabe que pra mim também? Pra mim ele ainda não morreu. Ele está ali, não está?... 
ELA: Me deixa em paz, eu choro quanto eu quiser. Eu estou na minha casa.(pausa) Eu chorei? Nem 
percebi...Parece que eu vou acordar e ele vai estar ali do meu lado. 
ELA: E eu vou suspirar aliviada. 
ELA: E vou levantar pra fazer o café. 
ELA: E... e pronto. 
ELA: Talvez amanhã...Mas hoje ele está aí... 
TODAS - Eu ainda não me despedi. 
TODOS: (Levantando-se, de repente) Faz tempo? 
ELA: Avisaram todo mundo? É chato esquecer de alguém, né? A gente sempre esquece...Tem gente que 
fica ofendida! 
ELE: O tempo passa. Eu sei que os ponteiros mexem no relógio, mas eu não consigo ouvir os...os... 
ELE: Eu não ouço passos, não ouço vozes... 
ELE: ... Só a dela. 
ELE: Eu posso sentir o seu perfume... 
ELA 2 E 4: Avisaram a Lurdinha? Já avisaram? 
ELE: O resto é um silêncio... 
ELA 1 E 3: Vai ver ela vem amanhã de manhã... 
ELE: ...perturbado por sons embaralhados... 
ELA: E pro tio Fernando, já ligaram?...Ah, minha Nossa Senhora! O número está na cadernetinha, na letra 
T de tio Fernando! 
ELA: É...Ai, aquele licor estava muito forte. Eu estou zonza... 
ELA: Eu já disse mais de mil vezes que eu não quero café. (Perde a paciência) Não quero!... 
Desculpe...(Pausa) 
ELA: Quem está aí?... Aqui!, que eu vou lá! Não deixa entrar aqui, que fiquem na sala, 
 3 
ELA: ...E não serve licor que ELA são capazes de fazer escândalo! ELA estão vestidas decentemente? 
ELE: Eu só ouço a voz dela. Eu não consigo ouvir os... 
(as mocinhas que ela não queria que entrassem, entraram) 
ELA: Mas eu não disse...Será que eu falo chinês? Me responda a senhora! Eu estou falando chinês?...É 
claro que não! Eu não sou chinesa. Ora essa...(sorri, falsa, e fala seca com as mocinhas) Boa 
noite...Tá...Obrigada...Pode, né? Não vai tirar pedaço, não é? Não mexam nos enfeites! Ai, meus 
nervos, tem gente que não sabe se comportar! Não acende essa vela, menina! Eu não suporto o 
cheiro! 
ELA: (Aos poucos, se emociona) Ai, olha! ELA estão chorando...(Para ELA) Ei, vocês! Tomem um licor 
antes de sair, viu?...É caseiro, bem fraquinho...Desculpe de eu ter sido bruta com vocês...Eu sei...Da 
repartição, não é?... É, vontade de Deus, assim, né?... Tchau... 
ELA: Você conseguiu finalmente ligar pro tio Fernando?...Ai! Eu não disse para falar com calma?...Tá, não 
precisa se desculpar, eu sei que ele...Ai, dá um pedaço de bolo para aquELA mocinhas, ELA estão com 
cara de fome...Não! ELA não são isso que você está pensando!...Será?...Ah, deixa pra lá... 
ELE: Faz tempo que eu morri, mas eu não consigo ouvir os...as... 
ELE: O que foi mesmo...? Eu não me lembro... 
TODOS: A única coisa que eu lembro... 
ELE: É da dor. 
 
Cena 2 Cena 2 Cena 2 Cena 2 –––– OOOO PPPPRIMEIRO SONHORIMEIRO SONHORIMEIRO SONHORIMEIRO SONHO 
ELA: (sorri e conta, dramatizando) Eu sonhei aquela hora no banheiro que ele era um soldado, sabe, e 
estava no campo de batalha, numa trincheira escura, lamacenta! Ele acendeu um cigarro...Ele foi o 
terceiro a usar o fósforo e pum! Levou um tiro! Um companheiro arrastou ele pelo território ocupado 
até a enfermaria. E eu era a enfermeira-chefe e eu dei um remédio milagroso para ele, só que não era 
remédio, não. Era água! Há dias os remédio tinham acabado. Mas eu dei com tanto amor e tanta fé que 
a água curou. Ele acreditou em mim. E sarou...(Pausa) Só que a bala estava envenenada e ele morreu 
nos meus braços. Ele ainda tentou cochichar um segredo no meu ouvido, mas a artilharia inimiga 
disparou lá longe, e o estrondo das explosões abafou o seu fio de voz. Aquele é o Celso ou o 
Ricardo?...Ah, é o Marcelo. Mas ele não era pequeno?...Ah, cresceu. Como o tempo passa depressa. Já 
é meia-noite? (Bocejando) Ah, então está bem. Ainda tem tempo. 
 
 
 
Cena 3 Cena 3 Cena 3 Cena 3 –––– CCCCOMEÇANDO A OMEÇANDO A OMEÇANDO A OMEÇANDO A EEEENTENDERNTENDERNTENDERNTENDER 
ELE: Agora eu sei que são dez horas da noite. Eu não ouvi as badaladas, mas eu posso sentir. Ela sabe 
que faltam duas horas para a meia-noite. Eu sinto. 
 4 
ELA: Eu vou arrumar ele. 
ELE: Eu não sei mais se ouço a voz dela, ou percebo seus pensamentos. 
ELA: Eu posso fazer isso, eu estou bem! 
ELE: Talvez ela esteja dizendo tudo o que pensa, sem pensar no que está falando. Ou ela está quieta, 
prestando atenção no que está pensando. 
ELE: A sala continua cheia. Alguém está dormindo. Parece que estou vendo... As pessoas, os móveis... 
ELE: Agora eu vejo pelos olhos dela. Está tudo embaçado, ardido de lágrimas secas... 
ELA: Esta almofada está furada. 
ELE: ...Meus olhos ardem. 
ELA: Pega outra, meu anjo... 
ELE: ...a luz incomoda. 
ELA: Ali, em cima do pufe! Avisaram a Lurdinha? (Reação)...Quem está aí?...O padre? Pode mandar 
embora. Ele vai querercobrar, eu já estou por aqui de dar dinheiro para esse padre. Tudo tem que 
pagar!...Não! Eu já estou triste o suficiente. E depois, ele vai vir com aquela história de pecado. Eu não 
quero! Não insista e manda ele embora, me faz este favor!...Ele me falou que eu não podia ter filho 
porque eu tinha pecado e tinha que pagar. Eu já paguei demais. Não deixa ele entrar que eu sou capaz 
de cometer uma heresia! Uma he...(sorri sem graça): A bênção, padre... É... Sei ... Eu sei... É esse 
aqui... O senhor se lembra dele, né ? ... Humilde, sempre humilde... (Se ajoelha) Vamos, vamos. 
ELE: Faz algum tempo que morri. Olha, eu já estou com o terno novo. De gravata. É a mesma do 
casamento. O quarto está cheio de gente. Não me puseram na sala. Ela não quis. O caixão está no 
corredor, meio enlatado. Atravancando a circulação. Como eu morri na cama, ela falou : 
ELE E ELA: “Ninguém mexe nele. Foi aí que ele morreu, é aí que ele vai ficar”. (Pausa) Só amanhã de 
manhã. 
ELA: (saindo com o padre) Eu acompanho o senhor até a porta... É... A vontade de Deus, né?... Sabe que 
ontem mesmo ele estava pensando em vender esta casa ?... 
ELE: Já é noite. 
ELE: Muita gente já veio, já foi. 
ELE: Já passaram litros de cafezinho. 
ELE: É duro sentir o cheirinho e não poder tomar. 
ELE 1,2 E 4: Morto não toma cafezinho! 
ELE: Desculpe. 
ELE: Ela não quer que digam esta palavra. Morto, não. Falecido... Segundo aquela mulher que está ali, 
que aliás eu não conheço, eu tive uma morte muito bonita. Ela olhou para a minha cara e disse que eu 
estava com uma expressão serena, de quem estava dormindo. Sonhando. “Foi melhor assim, 
coitadinho, nem ficou sabendo. Morreu como um passarinho. Um frágil passarinho que voou para o 
céu, para nunca mais voltar...”(Pausa) Tomara que ela morra assim!... 
 5 
ELE: Ah, mas não agora, não hoje. 
TODOS: Esta noite é minha. 
ELA: Você viu? Não ficou nem cinco minutos. Nem cantar ele cantou. A freira, sim. Ela é bacana. Ela vai 
cantar, você vai ver... Não, agora eu já estou sem sono. Eu quase dormi uma hora, mas depois que 
passa das onze eu não durmo mais. 
ELA: É assim, desde que eu sou pequena. Minha mãe ficava louca comigo... Não me venha com esse café 
que me dá até ânsia!...O quê? Ai, não! ( dá uma gargalhada, fala ainda rindo) Não, pára!...Ai, que 
bola!...Ai, está até me doendo a bexiga!...Ai, ai, ai... 
ELE: (sorri amargo, indignado) O ambiente está descontraído, não?...As pessoas tem que me ver para 
lembrar onde estão e porque estão!(A risada dela vai amainando. Pausa) Essas flores já estão 
fedendo! 
 
Cena 4 Cena 4 Cena 4 Cena 4 –––– OOOO SSSSEGUNDO SONHOEGUNDO SONHOEGUNDO SONHOEGUNDO SONHO 
(Luz. Passagem de tempo. Luz. Outra pose. Luz, ela dormindo na mesma posição do início da peça. Ele a 
acaricia. Ela acorda chorando. Ele vai fica envergonhado por tê-la feito chorar) 
ELE: Faz muito tempo que eu morri. 
ELA: Ai, querido! Meu querido mais querido, seus olhos se fecharam e eu estou cega de dor, que dor 
insuportável, alguém me ajuda, não é possível que isso esteja acontecendo, eu não vou agüentar, não 
vou...(mais calma) .. 
ELA: Não, eu já estou bem. Eu senti uma coisa...Eu sonhei que ele era um embaixador e estava como 
refém no consulado, cercado por guerrilheiros bandidos, e todos os reféns iam ser soltos, mas um 
dELE tinha que morrer, para dar exemplo para as Nações Unidas. Era um morto, ou todos...E ela se 
ofereceu! E antes que pudesse segurar, ele saiu correndo, cantando o hino, enrolado na bandeira, e 
foi metralhado! Como um mártir. Um Jesus! Só que foi mais bonito! Porque não foi Deus que escolheu 
ele, não. Ele mesmo se voluntariou para salvar os inocentes!...Foi lindo!...Lindo... (para fora) Você 
desligou bem o gás? Tem que abaixar a alavanca do bujão, tá vazando...Isso...Tchau, gente, tchau, 
muito obrigada. Até amanhã...Não se incomode, tem coisa na cozinha, ela me trouxe umas 
bolachas...Você já me reconfortou muito, que é isso...Tchau! 
ELA: Tchau 
ELA: Tchau 
ELA: Tchau. Eu já contei que eu sonhei que ele era um cientista que se jogou num penhasco para acabar 
com um invento dele que poderia salvar a humanidade mas ia ser usado para a destruição?...Já contei? 
(Pausa) Ah, era só um sonho, viu? Ele era um pobre coitado que morreu como um pobre coitado. 
ELE: Como é que é? 
ELA: Tchau, então...Até amanhã...Obrigada... 
ELE: Pobre coitado, é? 
 6 
ELA: Para onde quer que eu olhe, eu vejo coisas que me dão saudade... Ainda é cedo para sentir 
saudade, não é? Eu já contei do sonho dele? Não precisa ser gentil. Eu só estou falando porque eu 
não quero pegar no sono...(Pausa. Quase começa a chorar) Ai, desculpe, mas não dá. Se eu parar de 
falar, eu lembro...Então eu conto de novo. Um dia...Nossa, faz tanto tempo... 
ELE: Ela vai contar uma coisa que ela tinha prometido que não ia contar pra ninguém. 
ELA: Ai, eu não sei se eu devia... 
ELE: Conta, vai, pode contar. 
ELA Um dia... 
ELE: Conta! 
ELA: Um dia eu acordei. Estava friozinho...Aí eu acordei e virei pro lado pra ver se ele também tinha 
acordado e levei um susto! Porque ele tava com os olhos arregalados assim! Aí eu perguntei: “Você já 
acordou?” E ele respondeu: “Já!”...Aí eu disse? “Então conta”. Ele falou: “Não, espera um pouco, eu 
ainda estou com sono”, coisa e tal. Aí eu falei: “Conta logo, senão você esquece”. (Dramática) Aí ele 
me avisou: “Você não vai gostar!” Aí, me deu um aperto aqui no peito! Mas eu disfarcei e falei: “Eu 
sempre gosto...” Aí ele disse... 
(cena) 
ELA e ELE: Bom, você que pediu, hein? 
ELE: Eu sonhei que tinha morrido. 
ELA: Não gostei mesmo. 
ELE: Não acabou. 
ELA: Continua. Mas eu já não gostei. 
ELE: Aí eu estava num lugar, esperando... 
ELA: O quê? 
ELE: Não sei. 
ELA: Como não sabe? 
ELE: Não sei, ora. Era sonho e eu não sabia o que estava esperando. Até parece que você sempre sabe... 
ELA: Ai, desculpe, vai. Não precisa se irritar. Eu só achei estranho, esquece... 
ELE: Se você não parar de falar, eu vou esquecer mesmo. 
ELA: Não! Conta , vai. Você estava... 
ELE: Numa sala, toda de azulejo branco. Parecia uma enfermaria. 
ELA: Era fria? 
ELE: Era. 
ELA: Já passou... 
ELE: Eu sei. E eu fiquei esperando. 
ELA: Ai, que sonho terrível! Era pesadelo! 
ELE: Você quer mesmo que eu conte? 
 7 
ELA: Quero. 
ELE: Então pára de me interromper, criatura! 
ELA: Tá. Aí você ficou esperando... 
ELE: E não tinha ninguém pra dar informações e eu queria perguntar o que eu tinha que fazer, eu queria 
dizer que era a primeira vez que eu morria...Mas não saiu som nenhum da minha boca. 
ELA: Nem adiantava. 
ELE: Por quê? 
ELA: Não tinha ninguém pra ouvir. 
ELE: Mas eu tentei mesmo assim. 
ELA: Não tinha porta? 
ELE: Tinha. Estava fechada. Mas eu fui até lá e abri, e aí... 
ELA: E aí...( “Alguém” a arranca da cama) 
ELA: Espera! 
ELA: Eu ainda não acabei de contar!... Eu sei que estou na cama, eu não sou louca! Ele tentou me dizer... 
Eu já vou sair... E daí que não fica bem? Eu estou na minha casa e eu faço o que eu quiser. Ele... Eu 
parei na hora que ele ia me contar o que tinha acontecido quando ele abriu a porta... Não adianta 
continuar. Ele não me falou o que aconteceu. Ele me disse que acordou. Vai ver acordou mesmo. Ou 
não quis me contar. Eu já contei... 
 
Cena 5 Cena 5 Cena 5 Cena 5 –––– FFFFREIRAREIRAREIRAREIRA ,,,, A A A A PPPP IADAIADAIADAIADA 
ELA: Quem está aí? A irmã? Oi, irmã, vamos entrando! Dá uma licencinha...Senta aqui! Espera um pouco, 
eu vou chamar o pessoal.(para fora) Gente, gente, vem! Ela vai cantar! A freira vai cantar! Ai, irmã...Eu 
estava tão precisada do seu conforto... Que mãos de anjo, foi mesmo enviada por Deus...Olha como ela 
dedilha as cordas!É uma artista, ou não é?...Bota dom divino nisso!...Ai, se é pra ficar com essa cara 
de urubu, vai pra cozinha, pega um café pra irmã, vai!...Ai, essa é linda demais! 
A FREIRA: Toda gente, felizmente sabe muito bem...Que esta vida um belo dia vai findar...Apesar de saber 
disso, muita gente infelizmente passa a vida sem querer disso lembrar...A morte chega de repente e 
faz surpresa a muita gente, cadê tempo para a morte preparar? Mas quem vive sempre não tem medo 
do além e vê na morte uma outra vida começar... ( chora desesperadamente.) 
ELA E ELE: Ai...que dor... 
ELE: Ué, acabou a festa? Ficou todo mundo quieto, sem graça? 
ELE: Viu no que deu, irmã? Agora não adianta ficar rezando arrependida! 
ELE: Ih, não faz mal que a senhora cantou. Eu gosto de música...Essa acredita no céu. Acredita mesmo. 
ELE: Ai, pára de chorar! (Pausa) 
ELE: O tempo está passando. E eu já não agüento mais esperar pela meia-noite. (Pausa) 
ELE: Ela também não. 
 8 
 
 
 
Cena 6 Cena 6 Cena 6 Cena 6 –––– HHHHORA DAS ORA DAS ORA DAS ORA DAS VVVV ISITAS ISITAS ISITAS ISITAS SSSSAÍREMAÍREMAÍREMAÍREM 
(Luz. Passagem de tempo. Outras posições) 
ELA: Sabe que ontem ele falou em vender a casa?...Não, nem fome, nem sede...Para comprar uma outra 
no interior...É mais barato...Eu já contei que eu sonhei?... (Pausa) Já é tarde? Vocês não estão 
cansados? Vão para casa. Eu fico aqui. Não faz diferença...Olha!...Parece que tá dormindo...Obrigada, 
gente, obrigada. 
ELE: Todos sorriem bondosos. E ninguém se levanta. Ninguém quer ficar, mas ninguém tem coragem de se 
levantar e ir embora. 
ELE: Nem todo mundo! Tem gente que tem o que fazer em casa, não é? Mas todo mundo pensa que isso 
podia estar acontecendo com ELE. E todos ficam. Parados. Sorrindo!...Bondosos! (Ele os imita) 
ELE: 2: “Deixa ela, tá nervosa!” 
ELE: “Coitada, perdeu o marido!” 
ELE: “Ai, que ruim deve ser perder o marido...” 
ELE: “É, por pior que seja, é sempre uma companhia!” 
ELE: “Puxa vida, sábado eu vi ele na padaria, ele estava tão bem...” 
ELE: “Ele morreu dormindo como um passarinho que não conseguiu mais voar...” 
ELE: “É, nunca se sabe o dia de amanhã...” 
ELE: “Para morrer basta estar vivo” 
ELE: “Será que eu faço um café? Este já está frio e não presta ficar requentando. Você prefere chá?” 
ELE: “Eu já pedi para o senhor não fumar, não pedi?” 
ELE: “Podia abrir a janela.” 
ELE: “Não façam isso, eu não posso com friagem.” 
ELE: “Eu não suporto o cheiro!” 
ELE: “Mas, afinal, ele morreu do quê? Foi de ataque?” 
ELE: “Chu, fala baixo! Mas parece que foi.” 
ELE: “Mas foi ataque galopante?” 
ELE: “Não, simples!” 
ELE: “Ah, menos mal, descansou...” 
ELE: “Ele morreu como um passarinho...que caiu do ninho!” 
ELE: “Gente, olha a cara dela! Tá branca! Não é melhor chamar um médico? Eu soube do caso de uma 
viúva que passou mal no velório e...” 
ELE: “Chu!” 
ELE 3: “Não me faça chus!” 
 9 
ELE: “O senhor vai fumar outro cigarro?” 
ELE: “Não, eu vou comer o cigarro, quer um?” 
ELE: “Seu grosso!” 
ELE: “Mas em nome da decência!” 
ELE: “Eu não sou de levar desaforo para casa!” 
ELE: “Gente, tem um morto presente!” 
ELE: “Morto, não, falecido. Falecido!” 
ELE: Ah, vão à merda! 
ELA: Chega. 
ELE: Não acredito. Ela desencantou! 
ELA: (crescendo) Vão todos embora, por favor. Esta é a minha última noite com ele e eu não quero 
ninguém no quarto. Só eu e ele. Tem cabimento, um casal no quarto e um monte de gente olhando?... 
Não. Na primeira foi só eu e ele, e na última...Porque eu quero e porque ele me pediu...Eu sei que eu 
não estava do lado dele quando ele deu o último suspiro. Não precisa ficar repetindo isso... 
ELA: Dá pra tapar a boca dela? 
ELA: Olha que eu conto aquela história do seu marido com a empregada, hein? 
ELA: E na frente de todo mundo!... 
ELA: Foi depois. Foi na hora do banho...É lógico que você não ouviu, sua burra. Morto, ai, meu Deus, 
falecido não fala. Mas eu sou a esposa dele. Era não, sua metida! Eu sou e sempre serei!... 
ELA: Mas quem convidou essa mulher, hein? Vizinha? Eu nunca vi mais gorda. 
ELA: Pode levar isso daqui, eu não vou tomar calmante, eu não estou nervosa, quem está é você! Pára de 
tremer e saiam já daqui, à meia-noite eu quero estar sozinha com ele...Ele me pediu, eu já disse, ele 
não falou coma boca, ele falou com o coração, foi de coração para coração, você não entende dessas 
coisas 
ELA 2,3 E 4: sua solteirona! 
ELA: Eu não vou ouvir mais nada. Eu não quero café, não quero água, não quero ir ao banheiro! Eu só 
quero ficar sozinha com ele...Ele me tocou o coração. 
ELA: Eu senti um calorzinho, igual quando ele encosta a mão lá... 
ELA: E me veio uma frase na cabeça... Repetindo, repetindo, repetindo... 
ELA: Eu sorri, olhei para ele e tive a impressão que ele sorriu também. E a frase parou de martelar a 
minha cabeça...E eu murmurei baixinho no ouvido dele, pra ele saber que eu tinha entendido... 
ELA: Eu entendi, meu amor... 
 
Cena 7 Cena 7 Cena 7 Cena 7 –––– FFFF ICA ICA ICA ICA CCCCOMIGO OMIGO OMIGO OMIGO EEEESTA STA STA STA NNNNOITEOITEOITEOITE 
ELE e ELA: Fica comigo esta noite. 
 10 
ELE: Não dá pra gente ficar sozinho? Eu preciso te contar tanta coisa. Explicar tanta coisa. Pedir desculpa 
por tanta coisa. Eu preciso te contar um sonho. Um daquELE que eu te contava de manhã. Tem um que 
eu preciso te contar. Não se preocupe, ninguém vai ouvir! Não adianta. Ainda não chegou a hora. Ela 
ainda não está preparada. 
(Ela dança sozinha, como se dançasse com ele) 
ELA: Me deixa em paz. Eu tenho o direito de dançar com o meu marido. Eu já não falei pra vocês irem 
embora? Volta amanhã. 
ELE: O nosso primeiro encontro. 
ELA: Eu sei que ele não está dançando comigo. Mas quando chegar a madrugada... 
ELE: Você ainda não esqueceu. 
ELA: Me deixa em paz, por favor! 
ELE: Por que é tão difícil as pessoas entenderem o sofrimento dos outros? Tem gente aí que já passou 
por isso. Será que não se lembram da dor? Ou não sentiram?...Será que depois de amanhã ela já vai 
me esquecer? É! Continua chegando gente. Olha quem está aí! Sua tia que mora no interior, a prima 
que trabalha de telefonista. Um sobrinho...O que você veio fazer aqui a essa hora, moleque? Você não 
estuda? Ah, veio trazer a bisavó! Não precisava vir, bisa, logo logo a gente já se encontra...O quarto 
tá parecendo pátio de milagres, as pessoas esperam em fila para cumprimentar. Tá parecendo um 
circo. Tem algum palhaço aqui, por acaso? Tô com cara de palhaço? Por que vocês não vão todos 
embora? As bolachinhas já acabaram...Ó, saco! Foram comprar mais. Deviam é comprar pinga. Trazer 
uns discos bem animados. Fazer uma festa. Cantar e dançar bastante. Chorar e se jogar no chão até o 
dia amanhecer...Aí vinha uma carrocinha e me levava embora e pronto. 
ELE: Será que depois de amanhã ela já vai me esquecer? Ela prometeu...que seria para sempre. 
ELA Eu já contei da nossa música? 
 
 
 
 
Cena 8 Cena 8 Cena 8 Cena 8 –––– PPPPRIMEIRO RIMEIRO RIMEIRO RIMEIRO EEEENCONTRO NCONTRO NCONTRO NCONTRO (Flashback 1)(Flashback 1)(Flashback 1)(Flashback 1) 
(Flash-back: o baile em que ELE se conheceram. Assumem ares juvenis. Ela se mexe no ritmo da música, 
sem sair do lugar; ele chega) 
ELE: Boa noite. 
ELA: Boa noite. 
ELE: A senhorita vem sempre aqui? 
ELA: Não, é a primeira vez. 
ELE: Aquela sua amiga é animada, não é? 
ELA: É minha irmã. 
 11 
ELE: Não diga! 
ELA: (Sarcástica) Agora já disse. 
ELE: O que, hein! Você é bem humorada. 
ELA: Não parecia? 
ELE: Não, você parece ser séria... 
ELA: Eu sou! Aliás, eu já dei muita bola para alguém que eu nem conheço. 
ELE: Eu posso me apresentar. 
ELA: Ai, vocêé insistente, hein? 
ELE: Só quando eu estou muito interessado. 
ELA: Ah, é, é? 
ELE: É. Na verdade eu sou acanhado, sabe? 
ELA: Não parece. 
ELE: Mas é verdade. Só que quando eu te vi me deu um troço! Eu senti uma coragem que nunca tive 
porque...Você é muito especial! 
ELA: Aposto que você diz isso para toda garota... 
ELE: Eu nunca disse isso! 
ELA: Bom, agora que já disse, até logo! 
ELE: Logo quanto? Daqui a um minuto? 
ELA: Não. Adeus! 
ELE: É cedo para a gente se despedir. Vamos dançar. 
(Ele a pega pelo braço, ela se solta) 
ELA: Não! Me larga, que coisa! 
ELE: Você quer dançar comigo! 
ELA: Não quero! 
ELE: Você está mentindo! 
ELA: Não estou! 
ELE2: Está, sim. Quando uma pessoa mente as narinas latejam, e as suas estão latejando! 
(Ela, sem querer, olha para o próprio nariz) 
ELA: Não estão... 
ELE2: Você olhou para o seu nariz! 
ELA: Pára com isso e escuta! Eu não quero ficar aqui com você. 
ELE: Certo. Para onde você quer que a gente vá? 
ELA: Para nenhum lugar. 
ELE: Então vamos ficar aqui, pronto! 
ELA: Ai, meu Deus! 
ELE2: Ai, desculpe. Eu estou te deixando nervosa! 
 12 
ELA: (Nervosa) Eu não estou nervosa! 
ELE: (Dramático) Ai, perdão! 
ELA 2 E 4: Pára com isso e me deixa em paz! 
(Ela tenta se afastar, ele a puxa para perto de si) 
ELE: Não, não vá embora sem me perdoar! 
ELA: Mas o que é isso? 
ELE: Eu posso me ajoelhar aos seus pés! 
ELA: Não faça isso! 
ELE: (ajoelhado) Me perdoa! Me perdoa, por favor! 
ELA: (envergonhadíssima)Pára com isso e se levante que está todo mundo olhando! 
ELE: Eu não vou me levantar enquanto você não me perdoar! 
ELA: Me largue e levante-se! 
ELE: Então prometa que vai dançar comigo. 
ELA: Eu não vou prometer nada... 
(Ela tenta sair de perto dele, ele se arrasta de joelhos) 
ELA: Não se arraste desse jeito, ai, que vergonha! 
ELE: Me perdoa! 
ELA4: Não grite, pelo amor de Deus! 
ELE: Adianta se eu beijar os teus pés? 
ELA: Não! 
(Ele beija um pé dela) 
ELA: Ai! Está certo, eu danço com você. Mas, por misericórdia, pára com essa palhaçada! 
ELE: Você não vai se arrepender! 
ELA: Não me pegue dessa maneira e 
ELA 4 E 3: ...E desencoste! 
(dançam) 
ELE: Você está querendo rir! 
ELA3: Não estou. 
ELE: Está, sim. 
ELA: Não...estou... 
ELE: Você já está rindo! 
ELA: Pois não devia! Você me fez passar o maior vexame. 
ELE: Você está escutando a música? 
ELA: Estou, eu não sou surda! 
ELE: Então preste atenção que essa será a nossa música! 
ELA: Nossa, é? 
 13 
ELE: você está gostando de dançar comigo. 
ELA: É verdade...Você dança bem. 
ELE: Então promete que não vai dançar essa música com mais ninguém. 
ELA: Eu não vou prometer nada. 
ELE: O que te custa? 
ELA: Nada. Mas eu não quero. 
ELE: Quer, sim. 
ELA: Como você sabe? 
(ELE estão bem juntos) 
ELE: Eu estou sentindo... 
ELA: (Ela o afasta) Desencoste, atrevido! 
ELE: Posso te dar um beijo? 
ELA: É claro que não! 
ELE: A música já está quase acabando. 
ELA: Ainda bem! 
ELE: Teus olhos são lindos... 
(Ele beija, ela corresponde) 
ELA: Ai, que vergonha... 
ELE: Por quê? 
ELA: Não fica bem...Eu mal te conheço... 
ELE: Para mim parece que eu te conheço desde que eu nasci... 
ELA: Eu nem sei o teu nome... 
ELE: Eu posso te dizer, eu posso te contar toda a minha vida! 
ELA: Não, me solte! 
ELE: Por quê? 
ELA: Eu nunca te vi na minha vida e a gente já dançou e...Ai, sei lá... 
ELE: A gente já se beijou... 
ELA 3 E 1: É... 
(A mesma música recomeça) 
ELE: Estão dando um bis. 
ELA1: É... 
ELE: Os anjos lá no céu já devem ter anotado!... 
ELA: O quê? 
ELE: Que esta é a nossa música! 
ELA: Você é bem romântico, né? 
ELE: Eu nunca fui, até esta noite! 
 14 
ELA: Ah, vá!... 
ELE: Você ainda não prometeu... 
ELA: Ai, pára com isso... 
ELE: Promete, por favor, senão eu faço uma loucura! 
ELA: Não! Eu prometo. O que é mesmo que você quer que eu prometa? 
ELE: Que você não vai dançar nunca mais com outro rapaz! 
ELA: Não era isso! Era só essa música! 
ELE: Mas é que agora está tudo diferente. Nós já nos beijamos! 
ELA: Ai, não fala assim que eu me sinto uma assanhada... 
ELE: Promete! 
ELA: Ai, está bem. Eu prometo que nunca mais vou dançar esta música com mais ninguém. 
ELE: Ou outra música qualquer! 
ELA: Por que eu iria prometer isso? 
ELE: Porque você quer! 
ELA: Não quero nada! 
ELE: Mentira! Suas narinas latejaram! 
ELA: (Olhando, sem querer) Não! 
ELE: Você olhou de novo! 
ELA: Não olhei e não latejaram coisa nenhuma. Que palavra feia! 
ELE: Promete! 
ELA: Promessas podem ser quebradas! 
ELE: Eu vou fazer você nunca ter vontade de quebrá-la! 
ELA1: Ai...que lindo!...Você é um danado, sabe dizer coisas...lindas! 
ELE: Promete que os anjos estão com a caneta na mão anotando nossos nomes no livro dos enamorados! 
ELA: Ai, então, tá.. 
ELA: Eu prometo! 
(voltam à atualidade) 
ELA: Eu cumpri a promessa. (Pausa) Mas ele...não me prometeu nada!... 
ELE: Prometi. 
ELA: Não... Ele prometeu. Mas não cumpriu. 
Cena 9 Cena 9 Cena 9 Cena 9 –––– OOOO ÚÚÚÚLTIMO LTIMO LTIMO LTIMO EEEENCONTRONCONTRONCONTRONCONTRO 
(Luz. Ele não está em cena. Passagem de tempo. Ela está muito cansada, fala sem prestar atenção, só 
para não pegar no sono) 
ELA: ...Ele estava pensando...em vender a casa, sabe?... Pra comprar um no interior... Disseram pra ele 
que é mais barato...Eu não me conformo. Eu devia ter adivinhado...Ele estava cansado, abatido...A 
gente estava... Sabe como é que é, né?...O tempo passa... Eu já contei da noite em que a gente se 
 15 
conheceu?... Já, é verdade... Eu menti um pouco, pra ficar mais bonita...Eu já contei que ele me falou 
assim?...Já, né?...Não, eu não estava aqui...Eu...não me despedi...Eu saí... sem... Dá licença, eu vou ver 
se o relógio não... 
(Ela sai, ele entra com um jornal na mão, ela vem atrás, com uma sacola. Flash-back: a última vez em que 
ELE estiveram juntos, pouco antes de ele morrer. Ele não olha nunca para ela. Os dois estão em pé de 
guerra. Ela se esforça para não demonstrar raiva, ele demonstra desprezo, seco) 
ELA: Tem café na garrafa térmica. 
ELE: Tá. 
(Pausa) 
ELA: Você está sentindo cheiro de gás? 
ELE: Quê? 
ELA: (Irritada) Cheiro de gás! 
ELE: Não. 
ELA: (Se esforçando para ser normal) O bujão está vazando. 
ELE4: É. 
ELA: Eu pus sabão de coco, mas não adiantou. Vai ter que comprar outro. (Pausa) Domingo é aniversário 
do meu primo. 
ELE: E daí? 
ELA: Nada...Você não virou a folhinha? 
ELE: É do ano passado. 
ELA: Credo! Então não é Domingo. (sai, volta) Foi ontem. 
ELE: O quê? 
ELA: O aniversário do meu primo. (Pausa) Se você quiser tem laranja na cozinha. 
ELE: Tá. 
ELA: As bananas apodreceram. (Pausa. Vai saindo, volta) Que foi? 
ELE: Que foi o quê? 
ELA: Você não falou nada? 
ELE: Não...Eu estava só pensando. 
ELA: No quê? 
ELE: Em vender a casa. 
ELA: Por quê? 
ELE: Comprar outra no interior. 
ELA: Mas por quê? 
ELE: Parece que é mais barato. Daria pra comprar uma nova. 
(Pausa) 
ELA: Eu não sei se eu queria me mudar daqui. 
 16 
ELE: (Irritado) Eu só estava pensando. 
ELA: Eu sei... 
ELE: Eu nem ia te dizer. 
ELA: Eu sei... (Pausa) Talvez seja mesmo uma boa idéia. 
ELE: Bobagem. 
ELA: Não, pensando bem...é um jeito da gente... 
ELE: (Seco) Esquece. 
ELA: Tá bom.(vai até a porta, pára) Tchau. (Pausa) Eu disse tchau. 
ELE: Tá. Tchau. 
(Pausa) 
ELA: Eu volto logo. 
ELE: Tá. 
(Pausa) 
ELA: Talvez fosse melhor... 
ELE: Você ainda está aí? 
ELA: É que eu tive outra idéia... 
ELE: Esquece. 
ELA: Mas é que talvez... 
ELE: (Estúpido) Eu já disse pra esquecer. 
ELA: (ofendida)Tá. Então, tchau. 
ELE: Quantas vezes eu vou ter que... 
ELA: Tá, tá. 
ELE: Tchau. 
ELE: Eu já volto. 
 
CCCCENENENENA A A A 10101010 –––– MMMMEIAEIAEIAEIA----NNNNOITEOITEOITEOITE 
(Luz. Pausa. Som de doze badaladas) 
ELE: Finalmente chegou a hora. Eu não vou mais ficar sozinho. 
ELA: Chegou a hora, com licença. (sem olhar para ele e sem saber se ele vai responder) Oi... 
ELE: Oi. 
ELA: (espantada e, ao mesmo tempo, aliviada e muito feliz. Ainda não olha para ele, cochicha) ELA não 
acreditaram. Mas eu não duvidei. Eu só estava com medo que ELA tivessem que ir embora. 
ELE: Ia ser melhor. 
ELA: (De brincadeira) Não dá pra você assustar ELA? 
ELE: (Rindo) Não. 
ELA: Olha aquele gordo que está ali! Faz horas que ele está dormindo. 
 17 
ELE: Parece que morreu. 
ELA: Pára. Não fala assim que eu não gosto. Você viu a cara da minha irmã? Ela pensa que eu não ia 
agüentar se ela não estivesse aqui. 
ELE e ELA: Metida! 
(Os dois riem, se olham, ficam constrangidos, viram a cara) 
ELE: Ela emagreceu? 
ELA: Você acha? Pra mim, engordou. 
ELE: Veio bastante gente. 
ELA: É... 
ELE: Você tem muitos amigos. 
ELA: É... Mas veio todo mundo lá do seu serviço. Até aquele que te perseguia. Mandou cada buquezão! Tá 
tudo lá na entrada. Um monte. Tem cada flor bonita! Deve ter custado muito caro. 
ELE: É, ele deve se sentir bem culpado. 
ELA: Não fala assim que é feio. 
ELE: Veio uma mocinha assim...de nariz torto? 
ELA: Veio um bando de mocinhas... (Chora) Umas sem-vergonhas! Se não fosse pela ocasião, eu não 
deixava entrar. 
ELE: Não chora. 
ELA: Eu choro quanto eu quiser. 
ELE: Malcriada! 
ELA: Malcriado é você, imagina! Um bando de mocinhas. Uma mais biscate que a outra. 
ELE: ELA são do escritório também. 
ELA: É, eu sei o que ELA fazem lá no escritório. 
(Os dois bufam. Pausa. Calmos) 
ELE: Aquele homem de chapéu foi embora? 
ELA: Foi. Bebeu bastante café e licor. Atacou uns três pedaços de bolo e se mandou. 
ELE: Quem era ele? 
ELA: Sei lá. Não era conhecido seu? 
ELE: Não. Vai ver estava passando pela rua... 
ELA: Mas que coisa! 
ELE: A sua prima vendeu bastante roupa? 
ELA: Não vai começar, vai? 
ELE: Vendeu ou não vendeu? 
ELA: Eu acho que sim. A sacola dela estava vazia quando eu vi lá na cozinha. Mas ela é pobre, e o marido 
bebe. 
ELE: Benza Deus!...Mas o que tanto ELA cochicham? 
 18 
ELA: AquELA? E o que mais ELA sabem fazer? A vida inteira, ELA só fazem fofocar. Dia e noite, noite e 
dia. 
ELE: Manda ELA embora. 
ELA: Não fica bem, bem! 
ELE: Eu não gosto dELA e o velório é meu. 
ELA: Que é isso, bem, ELA até fingiram bem que estão tristes. Forçaram até um choro. 
ELE: Lágrimas de crocodilo. 
ELA: De jararaca, isso sim. 
(Ele fala e ela começa a repetir, enxotando todos do quarto) 
ELE: Jararaca! 
ELA: Jararaca! 
ELE: Foi isso mesmo que você ouviu! Jararaca! 
ELA: Foi isso mesmo que você ouviu! Jararaca! 
ELE: É, você mesma! 
ELA: É, você mesma! 
ELE: E a sua amiga também! 
ELA: E a sua amiga também! 
ELE: São todas jararacas! 
ELA: São todas jararacas! 
ELE: É um ninho de jararacas! 
ELA: É um ninho de jararacas! 
ELE: O que foi? Não gostou, pode ir embora! 
ELA: O que foi? Não gostou, pode ir embora! 
ELE: Aliás, vai todo mundo embora! 
ELA: Aliás, vai todo mundo embora! 
ELE: Acabou a festa! 
ELA: Acabou a festa! 
ELE: Acorda, porcão! Você mesmo, gordo! 
ELA: Acorda, porcão! Você mesmo, gordo! 
ELE: Vai dormir em casa que aqui não é albergue, não! 
ELA: Vai dormir em casa que aqui não é albergue, não! 
ELE: E isso é com a senhora também. 
ELA: E isso é com a senhora também. 
ELE: Não adianta fazer essa cara de besta, não. 
ELA: Não adianta fazer essa cara de besta, não. 
ELE: Não me amolem! 
 19 
ELA: Não me amolem! 
ELE: Eu já avisei. 
ELA: Eu já avisei. 
ELE: Eu quero ficar sozinha. 
ELA: Eu quero ficar sozinha. 
ELE : I want to be alone 
ELA: I want to be alone 
ELE: Eu estou insistindo, sim. 
ELA: Eu estou insistido, sim. 
ELE: É que é uma noite muito especial para mim. 
ELA: É que é uma noite muito especial para mim. 
ELE: E para ele também. 
ELA: Eu não posso falar isso. 
ELE: Fala! 
ELA: ELA vão achar que eu estou louca de vez! 
ELE: E pra ele também. 
ELE: E pra ele também. 
ELE: E pra ele também. 
ELE: E pra ele também. 
ELA: Tá bom. E pra ele também! 
(Ela sai, fala em off) 
ELA: Não, pode ir embora, eu estou mandando! Já, você também! Quer levar, leva, embrulha as 
bolachinhas. Fora! Tchau, até amanhã. Olha a criança no meio da rua, esqueceram a criança. Não, 
tchau mesmo, volta amanhã! (volta) 
 
 
Cena 11 Cena 11 Cena 11 Cena 11 –––– OOOO MMMMOMENTO DA OMENTO DA OMENTO DA OMENTO DA MMMMORTEORTEORTEORTE 
ELE: Ê, que gente... 
ELA: É... 
ELE: É... 
ELA: A Lurdinha não veio... (Ela fica olhando para ele, encantada) 
ELE: O que foi? 
ELA: (Nervosa) Posso chorar? 
ELE: Ih, não! Não! 
ELA: Mas eu não agüento de remorso. 
ELE: Por quê? Você me matou? 
 20 
ELA: Não, seu besta...Mas eu não estava aqui na hora. 
ELE: Não foi nada de mais. Eu morri e pronto. 
ELA: Mas mesmo assim eu podia estar aqui. Você se despedia, eu arrumava a casa... 
ELE: Eu não sabia que ia acontecer. Quer ver como foi? 
ELA: Ai, você está branco. Tá com fome? Quer um ovo frito? 
ELE: Posso contar? 
ELA: Pode. 
ELE: Então fica quieta. 
ELA: Eu não posso. Se eu parar de falar, eu lembro. 
ELE: Foi assim. Eu me despedi de você, na porta. 
ELA: Eu ainda não me despedi. 
ELE: Ih, você parece louca. Isso foi antes! Amor! Isso foi antes! 
ELA: Tá, tá, foi antes. 
ELE: Eu disse assim: “ Tchau”. 
ELA: Ainda não. 
ELE: E você respondeu: “Eu já volto”. 
ELA: Foi... 
ELE: E foi, sabe Deus aonde... 
ELA: Foi...Eu fui... 
ELE: Aí eu deitei na cama... 
ELA: E dormiu. 
ELE: Não. Eu só pensei que ia. Eu deitei. Peguei o jornal pra ler. Mas não consegui, porque as letras 
começaram a dançar pela folha. A luz escureceu. Eu fui me levantar para pegar os óculos, mas...Ai! Eu 
não consegui. Ai! Me ajuda! 
ELA: O que foi? 
ELE: Não sei, eu não consigo me levantar. 
ELA: Está sentindo dor? 
ELE: Eu não estou conseguindo respirar direito. 
ELA: Eu vou chamar o médico. 
ELE: Depressa! Não, volta aqui, ai. 
ELA: O que foi? 
ELE: Uma dor...Ai! No peito. 
ELA: É o coração. Meu Deus, o que eu faço? Deixa eu chamar um médico! 
ELE: Não! Eu não quero ficar sozinho! 
ELA: Socorro! Alguém me ajude! 
ELE: Ai! Eu não vou agüentar! Faz alguma coisa! 
 21 
ELA: Me deixa ir chamar... 
ELE: Não adianta! 
ELA: ...O médico! 
ELE: Não adianta! Ai! Me beija! 
ELA: Alguém, alguém me ajude! 
ELE: Me beija! Ai! 
(Ela o beija. Ele cai. Ela cai sobre ele. Sacode-o. Espanca-o, com violência) 
ELA: Volta... Volta já! Ainda não está na hora. Volta! Eu ainda não me despedi! Volta! 
ELE 1 E 2: (acorda) Foi assim. 
ELA E 1: Não foi. 
ELE: Foi. 
 
Cena 12 Cena 12 Cena 12 Cena 12 ---- BBBBRIGASRIGASRIGASRIGAS 
ELA: Vai começar, é? 
ELE: Eu? Foi você que começou. Parece uma mula. Teimosa! 
ELA: Pára, hein? Se você me xingar, eu nem sei o que vou fazer. 
ELE: O que você vai fazer? 
ELA: Não sei. 
ELE: Não sabe? 
ELA: Não! 
ELE: Você nunca sabe. Você não pensa. Viu como você não pensa? 
ELA: E você, pensa? Pensa antes de fazer as coisas? Não, vai fazendo, sem medir as conseqüências. Não 
quer saber se vai ferir os sentimentos dos outros, vai fazendo as coisas, não é? 
ELE: Do que você está falando? 
ELA: Não sei. 
ELE: É daquilo, não é? 
ELA: Aquilo o quê? Se você sabe, diz. Vamos ver se tem coragem. 
ELE: Eu tenho coragem. Você sabe que eu tenho coragem.Se eu não fosse corajoso, não estava aqui, 
agora, falando com você. Tava esticado aí na cama! Paradão! 
ELA: (Chorando) Eu sei. 
ELE: Não vai começar a chorar de novo... Ei, escuta. Eu não quero brigar. Não foi pra isso que eu... 
ELA: Eu não estava falando nada. Eu só estava falando. 
ELE: Eu sei. 
ELA1: (vai para um canto, chorando. Se acalma) Você viu Jesus? 
ELE: Isso eu não posso contar. 
ELA: Aposto que ele é lindo. Cabelos loiros. Olhos azuis... 
 22 
ELE: Verdes. 
ELA: Então você viu. 
ELE: Na folhinha da loja de vELA, como todo mundo. 
ELA: Mentiroso! 
ELE : Morto não mente. 
ELA: Pára. 
ELE: Morto não tem por que mentir. 
ELA: Eu disse para parar... 
ELE: Morto não tem nada a perder. 
ELA: Se você não parar... 
ELE: O quê? 
ELA: Eu vou começar a chorar. 
ELE: Ih, não! 
ELA: (Chorando muito) Ai, que ódio, por que tem que ser comigo? Que raiva, que ódio... 
ELE: Eu vi Jesus...(Grita) Eu vi Jesus, pô! (Ela pára de chorar) E ele me deu um aperto de mão, assim, e 
falou: “Bem –vindo ao céu!” 
ELA: Ai, que lindo...Ih, tá parecendo mentira. Não mete que é feio. 
ELE: É sério. Ele disse assim: “Bem-vindo ao céu. Esteja à vontade. Precisando de alguma coisa é só 
falar. Aqui está a sua chave.” 
ELA: Que chave? 
ELE: Da minha nuvem, é claro! “Aqui está a sua chave. Se tiver alguma reclamação a fazer, não se acanhe. 
Faça. A casa é sua.” 
ELA: E daí? 
ELE: Daí ele queria que eu fosse entrando no foguete, junto com os outros. 
ELA: Foguete! Eu sabia! Lembra quando eu te falei aquela vez que eu achava que tinha que pegar um 
foguete porque o céu era muito longe, pra lá de onde acabam as estrELA, porque senão os 
astronautas já teriam chegado no céu e Deus não ia deixar um homem visitar o céu antes de morrer? 
ELE: Posso contar? 
ELA: Ah, vai! Eu só estava comentando! 
ELE: Não é partida de futebol pra ter comentarista! 
ELA: Ih, conta, vai. Aí o Jesus queria que você fosse entrando no foguete, mas se você entrasse você já 
teria ido! 
ELE: Isso mesmo. Mas eu falei que não tinha tido tempo de me despedir de você. Ele pensou um pouco e 
disse que não podia fazer nada. Que acontece isso todo dia, com um monte de gente. 
ELA: Mas você é diferente. 
ELE: Pra ele, não tem diferença. É tudo filho de Deus. 
 23 
ELA: Mas aposto que ninguém é tão...tão... 
ELE: Tão o quê? 
ELA: Ah, não sei. E você não reclamou? 
ELE: Eu fiquei com vergonha. 
ELA: É bem seu, mesmo. 
ELE: Mas quando ele já estava indo embora, eu chamei: “Jesus...Jesus...Jesus!” 
ELA: Ele não ouviu? Será possível que Jesus é surdo, meu Deus? 
ELE: Eu chamei bem alto. “Jesus!” Aí ele voltou, meio aborrecido, e eu ajoelhei e chorei, pedi, supliquei! Aí 
ele suspirou e disse: “Está bem. Mas só por esta noite. Amanhã de manhã...” 
ELA: E daí? 
ELE: Ele assinou um papel lá, sem caneta, foi com o dedo mesmo, e entregou para o anjo que pilota o 
foguete. E só. 
ELA: 1 Eu sabia. O Jesus não ia fazer uma coisa dessas com a gente.(ajoelha com as mãos para o alto, 
dramática) Obrigada, Jesus! (Pausa) Eu já disse. Eu me mato. E vou junto com você. Esta noite mesmo. 
Ia ser lindo, os dois juntos na cama... 
ELE: Eu não disse que você não pensava? Deixe de ser cretina. Tem cabimento? Você ainda vai viver 
muito. 
ELA: É 
ELE: É lógico que é. É errado até pensar assim. Não pode. ELE não deixam entrar. Fica do lado de fora. É 
só os que ELE chamaram. E não se fala mais nisso. 
ELA: Tá bom. Mas quando chegar a minha hora, eu vou te encontrar? 
ELE: Eu vou estar lá te esperando. 
ELA: É, se você não se engraçar com nenhuma anja por lá. Eu sei como são essas coisas. 
ELE: Ih, vai! Eu te espero. Mas você não... 
ELA: Não o quê? 
ELE: Me esquece. 
ELA: Eu não vou te esquecer. 
ELE: Vai, porque eu estou mandando. 
ELA: Você não manda em mim. Eu que mando em mim. Eu não vou te esquecer. Mesmo que quisesse... Aí, 
a gente vai se encontrar. 
ELE: Me esquece. 
ELA: E a gente vai morar numa casa nova no céu. Taí, você não queria mudar? 
ELE: Procura outro. Amanhã de manhã eu vou embora e você não vai ficar solta por aí, não... 
ELA: E aí a gente usa as toalhas novas... 
(ELE falam ao mesmo tempo) 
ELE: Você ouviu o que eu disse? 
 24 
ELA: Os pratos novos, o faqueiro... 
ELE: Promete que vai casar de novo. 
ELA: Não é chato pensar que vai ficar tudo aí guardado, só esperando o dia da mudança pra casa nova? 
ELE: Procura um homem de bem para continuar sendo uma mulher de respeito! 
ELA: Seria um desperdício... 
ELE: Promete! 
ELA: Eu não vou prometer nada. 
ELE: Eu não devia ter vindo. Saco! 
ELA: Não fala palavrão! 
ELE: Falo. Falo quanto eu quiser. Falo tudo o que eu não falei. Quer ver? Cu! Caralho! Puta que o pariu! 
Merda! Bosta! Boceta! Porra! Porra! Porra! 
(Ela tapa os ouvidos e canta para não ouvir. Ele se irrita ainda mais) 
ELE: Pára com isso, sua vaca! Cadela! Piranha! Pára! Eu vou falar pela última vez. Puta merda, pára! 
(Ela canta ainda mais alto. Ele se arruma, deita, apaga, ela pára de cantar) 
ELA: (aflita) Volta, vai, eu já te perdoei...( Sacode-o, desesperada) Volta. Volta. Eu te perdôo. Pode 
voltar. Você tem que voltar. Eu ainda não te perdoei. Volta, pára com isso, eu preciso te perdoar! 
ELE: Vai! 
ELE: (volta, empurra-a) Vai perdoar a puta que o pariu! 
ELA: Estúpido! 
 
Cena 13 Cena 13 Cena 13 Cena 13 –––– TTTTRAIÇÃORAIÇÃORAIÇÃORAIÇÃO 
ELE: Eu sabia que você ia falar naquilo. Estava demorando. 
ELA: Você não acha que a gente devia? 
ELE: Acho. 
ELA: Eu sei de tudo. 
ELE: Eu sabia que você sabia. 
ELA: Então, pronto. Estamos conversados. 
ELE: Não, senhora! Você começou, agora vamos até o fim. Com quem você acha que foi? 
ELA: Uma vagabunda. Vamos botar uma pedra nesse assunto! Eu não me importo mais. 
ELE: Mentira. Você nunca mais foi a mesma. Desde aquela noite você me tratou como um estranho. Fazia 
por obrigação. Quando fazia. E não deixava eu te beijar na boca. 
ELA: Eu tenho nojo. 
ELE: Eu não beijei ela na boca. 
ELA: Mentira! E, depois, fez outras coisas que me contaram. 
ELE: O que você nunca deixou que eu fizesse com você. E, depois, foi sem graça. 
 25 
ELA: Mentira. Você chegou com os olhos brilhando. Seus olhos nunca mais tinham brilhado para mim. Eu 
não te perdôo. Se fosse só uma aventura, só pra matar a sede em outro copo d’água, ainda vá lá. Mas 
você se regalou, se afogou no copo d’água, seu sem-vergonha! Eu deixei de gostar de você. É só isso 
que eu não perdôo. Você fazer eu deixar de gostar de você! 
ELE: Não precisa gritar que eu não sou surdo! 
ELA: (Berrando) Eu não te perdôo você fazer eu deixar de gostar de você! 
ELE 1 E 4: Você já não gostava. Por que você pensa que eu deixei isso acontecer? 
ELA: Foi ela? 
ELE 1 E 4: O quê? 
ELA: Foi ela que quis? 
ELE 1 E 4: Interessa? 
ELA: Interessa. Foi? Foi ela? 
ELE 1 E 4: Foi. Me procurou no emprego. Me ligava. Me deu até presente. Eu não queria! 
ELA: (Para Luli) Mentira. 
ELE 1 E 4: É mentira, sim. Pra que mentir? Fui eu que procurei ela. E outras. Ela foi só a primeira que me 
quis. Não dá pra viver sem isso, entende? Não dá pra viver dia após dia sem carinho, alguém que olhe 
pra você e te aceite. E não te reprove. 
ELA: E eu não sei? 
ELE 1 E 4: Eu só estava precisando. Você não é homem, não entende dessas coisas. 
ELA 1 E 2: Você que pensa, seu burro! Pensa que mulher não gosta, é? Não sente falta? 
ELE: Como é que é? 
ELA: Foi isso mesmo que você ouviu! 
ELE 2 E 3: Então a madame pôs as manguinhas de fora, é? 
ELA 4 E 3: Do que você está falando? 
ELE 2 E 3: Daquele seu primo em segundo grau que passou três dias aqui! 
ELA 3 E 4: O quê? Vai querer que eu acredite que você ficou com ciúmes de mim? 
ELE 2 E3: (Admitindo, a contragosto) É, é sim. 
ELA 4 E 3: Deixa de ser idiota que não vai me enrolar com essa história, você sabe muito bem que eu... 
Nem me passaria pela cabeça, um parente, imagine, e era das suas mulheres que nós estávamos 
falando! 
ELE: Mulheres! Quisera Deus que eu fosse mesmo esse farrista... 
ELA 3 E 4: Fosse? Fosse? 
ELE: Foram só algumas vezes. 
ELA 4 E 3: Pra que mentir? 
ELE: Tá bom. Eu não sei quantas vezes. Foram muitas. Mas eu não deixei de te amar. Nem de te querer . 
Nunca. 
 26 
ELA: Mentira. 
ELE: Pra que mentir? 
ELA: Não sei... 
ELE: Eu não deixei de querer fazer com você. 
ELA: É...bem que você tentou. 
ELA: Mas eu tinha nojo... 
ELA: ... ódio... 
ELA: ... ciúme... 
ELA: ... desprezo. 
ELE: Me perdoa? 
ELA: Não! Eu sofri demais. Eu fiquei aqui sozinha, todas aquELA noites, imaginando. E me deu uma dor no 
peito. Uma dor que eu não sabia que podia sentir. Um vazio. Uma saudade. 
ELE: Você vai sentir de novo? 
ELA: Eu estou sentindo. É igual. Porque daquela vez pra mim você tinha morrido. Mas chega. Eu não 
quero falar mais nada. 
ELE: É sua última chance. 
 
Cena 14 Cena 14 Cena 14 Cena 14 –––– MMMMAIS AIS AIS AIS BBBBRIGASRIGASRIGASRIGAS 
ELA: Cala a boca! 
ELE: Não calo! Eu fiquei quieto esse tempo todo com medo de te machucar, mas eu já perdi tudo que eu 
tinha pra perder. O seu amor, a minha vida... 
ELA: Cala a boca! 
ELE: Não calo, puta que pariu! Você não pode mais me obrigar a fazer ou não fazer nada. 
ELA: Eu nunca te obriguei! Você fez porque quis! E deixou de fazer porque perdeu a vontade. Eu não 
tenho culpa! Não faz isso comigo! Meu Deus, eu não posso agüentar! 
ELE: Mas eu posso! Eu sempre pude. Eu passei a visa inteira carregando a sua cruz pra você. Foi só pra 
isso que você quis casar, pra ter alguém pra te ajudar a carregar a tua cruz. E como ela é pesada! 
ELA: Que loucura é essa de cruz? Virou poeta, agora? Eu é que passei a vida inteira lavando, passando, 
arrumando o seu castelo. Você sempre foi o rei e eu nunca pude ser uma rainha. Eu sempre fui a 
escrava que você procurava, usava e chutava! 
ELE: Castelo? Que novela é essa que você anda assistindo? Rei? Você quis dizer que eu fui um rei? Eu fui 
um mendigo que saía todo dia pra batalhar uma migalha pra trazer pra casa. Pra sua casa, né? Porque 
eu sempre me senti um hóspede aqui dentro. Sempre tomando cuidado pra não riscar o assoalho, Não 
quebrar os copos. Não fazer barulho pra não incomodar as porras dos vizinhos! 
ELA: Você passou a vida toda se divertindo, bebendo e falando bobagem no bar. 
ELE: É crime agora querer se divertir um pouco? 
 27 
ELA: Por que não podia ser junto comigo? 
ELE: Porque você não sabe se divertir! Não consegue, não quer! Você gosta de sofrer! Parece que acha 
que sofrer é bonito! O que que é? Quer ir pro céu quando morrer? 
ELA: E você? Quer ir pro inferno? 
ELE: O inferno é aqui! Eu já passei pelo inferno, sua burra! 
ELA: Burra é a sua mãe! 
ELE: Dobre a língua antes de falar da minha mãe. 
ELA: Não, eu é que sou burra! Fui acreditar que tinha que casar pra ser feliz, melhor ter um marido ruim 
do que não ter nenhum. É mentira! Não vale a pena! 
ELE: Não valeu a pena? 
ELE: Não valeu a pena? 
ELE: Não valeu a pena? 
ELE: Não valeu a pena? 
ELA: Esquece. Eu estou falando bobagem! Eu não queria falar, você que insistiu. 
ELE: A culpa é minha. É sempre minha. 
ELA 4 E 3: Você não era obrigado a nada e não era por mim, ai, meu Deus! Que injusto! Foi por isso que 
você foi procurar outras! Eu era só a vaca parideira que não emprenhou! 
ELE 1 E 2: Deixa de ser cretina, eu já disse que não foi nada disso, foi você que me expulsou da cama! 
ELA 1,4 E 3: Eu não te expulsei, foi você que fugiu das obrigações conjugais! 
ELE 1 E 2: Tá me chamando de frouxo? 
ELA 4 E 3: Não é nada disso... 
ELE 3 E 4: Fala! Fala na minha cara que eu não dei no couro, que neguei a raça, sua cadela filha da puta! 
ELA 1 E 2: Não me xinga, seu nojento! 
ELE 3 E 4: Mais do que eu insisti, implorei, me arrastei aos seus pés! 
ELA: O que você esperava que eu fizesse? 
ELA: Que aceitasse ser a número um do seu harém de vagabundas? 
ELA: Que corresse o risco de pegar doença de mulher da vida? 
ELA: Que chafurdasse na lama da perdição? 
ELA: Já não bastava comer merda na vidinha indigente pra onde você me arrastou? 
ELE: Eu me matei de trabalhar sem nunca receber um sorriso de gratidão! 
ELA: Você podia ter feito os negócios que eu pedi, eu pedi tanto pra você comprar aquele terreno... 
ELE: Não dava pra pagar! 
ELA: Era só economizar um pouco... 
ELE: Economizar o quê? Passar fome? E se não desse pra pagar, era você que ia pra prisão? Não! Era eu! 
ELA: Não era nada disso! 
ELE: Não era pra você que não pensa, porque tem uma viseira na frente dos olhos, porque é muito burra! 
 28 
ELA: Eu não sou burra! Burra é a sua mãe, eu já disse! 
ELE: Pára de xingar a minha mãe, sua puta! 
ELA: Puta é puta que te pariu! 
ELE: Cala a boca! 
ELA: Não calo, e sai de perto de mim. 
ELE: Cala a boca! 
ELA: Não calo, seu imundo miserável! Vem fazer eu calar a minha boca, vem! É uma boca estúpida, mas é 
limpa! 
ELE: Cala a boca! 
(ELE lutam , falando ao mesmo tempo) 
ELA: Tire as suas patas de mim, seu cavalo! 
ELE: Eu vou fazer você calar essa boca honesta, sua puta! Chega! 
ELA: Eu não vou parar! 
ELE: Eu não agüento mais ouvir besteira. 
ELA: Pode me bater, cafajeste! Estúpido! Cretino! Eu quero morrer! 
ELE: Cala a boca! 
 
Cena 15 Cena 15 Cena 15 Cena 15 –––– A Última A Última A Última A Última 
(Ele dá um beijo nela, ela retribui. De repente percebem e se afastam, exaustos) 
ELE: Desculpe. 
ELA: Não faz assim. Eu já sinto tanta culpa. 
ELE: Você não devia. Eu te provoquei. 
ELA: Eu adorei. Eu senti. Eu não sinto mais culpa. De repente eu estou tão...calma. Me dá até medo. 
ELE: Não precisa ter medo. Eu não... vou te fazer nada. Se você quiser, eu não te encosto mais a mão. 
Não falo mais nada. Se você quiser eu vou embora. 
ELA: Não. É disso mesmo que eu tenho medo. Eu tenho medo de fechar os olhos, eu tenho medo de 
piscar e, quando olhar de novo, você não estar mais aí. Eu tenho medo de estar sonhando. Será que 
eu estou sonhando? 
ELE: Isso eu não posso responder. 
ELA: Por quê? 
ELE: Não sei. Eu só sei que eu estou aqui. E você também . E daqui a algumas horas eu não vou 
mais...Fecha os olhos. 
ELA: Não. 
ELE: Fecha. Eu prometo que vou estar aqui. 
ELA: Não. 
ELE: Tá bom. 
 29 
ELA: Eu fecho. Está tudo escuro. Ele ainda está aí. Eu sinto. Mas eu senti isso a noite inteira! Você ainda 
está aí? 
ELE: Estou. 
ELA: Posso abrir os olhos? 
ELE: Pode. Eu já disse pra você... 
ELA: Mas eu não abro. Eu não quero abrir nunca mais os olhos. Eu queria estar no lugar dele. No escuro, 
me despedindo. Não é justo, meu Deus, ser deixada assim pra trás. Por que eu fui escolhida pra ficar? 
Ele vai para o desconhecido, mas ele não vai mais sentir nada. Lembrar de nada. Não vai mais sofrer. 
E eu, quanto tempo ainda me resta aqui sozinha neste mesmo lugar, com um vazio ao meu lado na 
cama, e um buraco no coração? Ele vai... Ai, a pia está pingando e a conta foi alta o mês passado. 
Será que ele ainda está aí? Eu não vou abrir os olho. 
ELA: Abre, boba! 
ELA: Não abro, eu não quero sair deste escuro, se eu ficar mais um pouco com os olhos fechados, talvez 
ele esteja aí do meu lado, só que vivo, vivo mesmo e eu talvez, talvez eu esteja num caixão, e ele do 
meu lado, ajoelhado, pedindo perdão à mulher mortinha. Ai, minha querida, ai, luz da minha vida, 
perdão, perdão, pede perdão, desgraçado, carnívoro! Eu te amo, meu benzinho. 
ELA: Não precisa pedir perdão. 
ELA: Ele nãoprecisa pedir perdão? Precisa, sim. 
ELA: Mas ele está morto, está morrendo! 
ELA: Ele já morreu! 
ELA: Dentro de mim, não. Dentro de mim ele vai levar anos morrendo. 
ELA: Por que eu tenho ódio dele? 
ELA: Não se sente ódio de gente que está morrendo. Não se deve. 
ELA: Deve! Gente que está morrendo merece as maiores emoções que os outros puderem dar. 
ELA: Dar? Eu quero dar pra ele. Mas ele está morrendo. Meu Deus, eu quero dar pra ele. 
ELA: Será que ele ainda me quer? Será que eu estou sonhando? E alguém vai me acordar? 
ELA: Não me acorde, eu não quero olhar o mundo, eu não quero que amanhã chegue. Deixa eu fingir só 
mais um pouquinho que ele ainda está vivo. Só mais dez minutos. Não faz mal que atrase. O que eu 
estava pensando?... 
ELA: Será que ele ainda me quer? 
ELE: Você... está dormindo? 
ELA: Não. 
ELE: Pode ser que esteja. Eu não sei mais distinguir. É difícil. Eu acho que eu não vou mais dormir, sabe. 
Não sei. Tem umas coisas que eu não sinto mais. Eu estou tentando sentir. Mas parece... 
ELA: Se eu abrir os olhos, você promete que vai estar aí? 
ELE: Prometo. Eu prometo. Mas ela não abre. O que será que ela está pensando? 
 30 
ELE: Muita coisa, é claro. A testa dela está franzida, e quando ela franze a testa assim é porque está 
pensando. Pensando feito louca. 
ELE: É melhor não contar pra ela. Não conta, é melhor ela continuar achando que foi casada com um 
garanhão. 
ELE: É capaz dela se decepcionar de saber que foi só uma além dela, que merda. 
ELE: Porque eu fui gostar tanto dela e porque foi ficando tão difícil, tão complicado, tão chato. Eu 
querendo e, não sei por que, ficando no bar contando lorota e ela em casa imaginando... O que eu ia 
mesmo dizer a ela? 
ELE: É com ela que eu quero, agora, com ela, tanto tempo, que tesão, ela está torcendo as perninhas uma 
contra a outra, ela quer deitar comigo e deixar eu fazer aquilo e aquilo outro... 
ELE: Você tá louco ela nunca deixou direito! 
ELE: Mas quando se distraía e deixava gostava, porra se gostava, ela quer! 
ELE: Não, eu é que quero... Se eu encostar nela ela vai gritar! (Pausa) Abre os olhos. 
ELA: Eu já vou abrir. Espera só um pouquinho. 
ELE: Espero. O tempo que você quiser. Eu só queria te dizer uma coisa. 
ELA: O quê? 
ELE: Eu acho que não é sonho. Porque você não está aqui sozinha. E eu não sou só uma sombra, você 
não está imaginando que eu estou aqui. 
ELA: Não faz diferença. 
ELE: O quê? 
ELA: Se é sonho ou não é. 
ELE: Você está aqui. Eu estou aqui. 
ELA: Se eu não chegar perto dele, ele não vai se mexer. Coitado. Eu já empurrei ele pro lado da cama, já 
puxei o travesseiro, ele merecia. 
ELA: Já cuspi na cara dele, porco imundo, me fez passar vergonha de mulher traída, foi se refestelar no 
corpo de alguma decaída, e agora suja o meu lençol com o fedor de uma vagabunda, coitadinho, tão 
quietinho sentado ali. 
ELE: Ele merece. Ele já sofreu. Já morreu, coitadinho, eu devia sentir vergonha do que sinto, mas é minha 
última oportunidade. 
ELA: Não vai, não! 
ELA: Vou! 
ELA: Eu vou dar o sinal. 
ELA 4 E 3: Vou me abrir pra ele. 
ELA 2,3 E 4: Eu quero que ele entre 
ELA: E não saia nunca mais. 
(Ela se põe em posição sutilmente sedutora) 
 31 
ELA: Eu ainda não estou sentindo aquela dor. 
ELA: Ainda não. 
ELA: Eu não estou sentindo nada. 
ELA: Nada mesmo. 
ELA: Você ainda não morreu. 
ELE: Já. 
ELA: Não. Não pode. Eu ainda não me despedi. 
ELE: Você ainda não me perdoou. 
ELA: Você ainda não me pediu desculpas. 
ELE: Pedi. 
ELA: Não. Com a cara, não. Com a voz, sim. Mas com a cara, não. Eu não ouvi nada. 
ELE: Você me desculpa? Você me perdoa? 
ELA: Perdôo. Você quer me beijar? 
ELE: Quero. 
ELA: Eu deixo. Mas só se você quiser mesmo. Não vale fingir. 
ELE: Eu quero. Faz tanto tempo que eu quero. 
ELA: Eu já tinha te perdoado. Era só fingimento. Eu nunca deixei de te amar. (Ele pega a mão dela, ela se 
volta) Espera! 
ELE: Não! 
ELA: Só um pouquinho! 
(Música:. Dançam. ELE acabam se beijando, se amassando, vão para a cama. Luz. A música pára numa 
frase. Luz, amanhecer. Estão de roupas de baixo. Pausa. Abraçam-se) 
 
Cena 16 Cena 16 Cena 16 Cena 16 ---- TTTTCHAUCHAUCHAUCHAU 
ELE: Os passarinhos já estão cantando. 
ELA: Eu não estou ouvindo. 
ELE: Já vai amanhecer. 
ELA: É. Eu preciso me arrumar. 
ELE: Tá na hora... 
(Ela põe a roupa, ajeita tudo, vai pegar batom, pente etc. Ele também se veste, se ajeita) 
ELA: Só mais um minutinho, por favor, ninguém pode saber de nada. Eu preciso arrumar as coisas, ELA 
precisam achar que eu dormi. Eu não dormi, eu sei, mas faz de conta que eu fiquei a noite toda 
quietinha, rezando, tá bom? O pente... 
ELE: Eu não queria ter dito aquELA coisas pra você. 
ELA: Não faz mal. Eu também não queria, mas já saiu e pronto, agora dá pra esquecer. O que eu estava 
dizendo? 
 32 
ELE: O pente... 
ELA: O pente! A gente precisa estar bonitinho, bem-arrumado, ninguém pode ter motivo para sair falando. 
“Você viu, ela parecia uma bruxa, não se sabia se era ele ou ela que tinha morrido”. Bando de 
miseráveis! Vocês vão ver. Nós vamos estar lindos. Eu só preciso de mais um minutinho... 
(ELE se encontram no meio do quarto. Ela põe a camisa dele para dentro da calça, dá o batom para ele, 
que passa na boca dela. Ela o penteia. ELE se arrumam como se fosse um carinho. ) 
ELA: Sua gravata está torta. 
ELE: É a mesma do casamento. 
ELA: É. Não tinha órgão, mas estava lindo. 
ELE1: O quê? 
ELA: O casamento. 
ELE: Ah. Não vai chorar, hein? 
ELA: Não, só pra aliviar. 
ELE: Não exagera. 
ELA: Se demorar muito você vem me buscar? 
ELE: Venho. 
ELA: Vem mesmo? 
ELE: Não. Aproveita. Amanhã você já vai sair pra passear. Promete? 
ELA: Prometo. 
ELE: O dinheiro está na gaveta. Eu já paguei a conta de luz. Se ELE mandarem outra, reclama. Essa gente 
gosta de roubar. 
ELA: Desgraçados. 
ELE: Posso ir agora? 
ELA: Pode. Vai descansar. 
ELE: Não. (abraçando-a) Só mais um pouquinho... 
ELA: Vem, meu coitadinho. Falta só mais um pouquinho. Você já vai descansar, não precisa ter medo, nem 
remorso. Nem lembrança. Nem saudade. Deixa que eu me encarrego de tudo. Eu fico aqui, e cuido de 
tudo. Ninguém vai perturbar a sua memória. 
(Ele se deita) 
ELE: Se cuida. 
ELA: Você também. 
ELE: Pode deixar. Não deixa ELA te amolarem. 
ELA: Pode deixar. 
ELE: E não fica sozinha. Promete que não vai ficar sozinha. 
ELA: Eu não vou ficar sozinha. 
ELE: Isso. (Ela vai beijar-lhe o rosto, ele vira a cara e a beija na boca. Pausa) 
 33 
ELE: Sabe aquela história de Jesus? 
ELA: O quê? 
ELE: Eu inventei. Eu não vi Jesus, não. Ele não estava lá. 
ELA: Não? 
ELE: Eu nem sei se ele existe mesmo. 
ELA: Não faz mal... 
ELE: Eu menti pra você não ficar triste. 
ELA: Eu sabia que era mentira. Você nunca me enganou. 
ELE: Mas eu prometi pra mim mesmo que não ia mais mentir. 
ELA: Então não mente mais, tá bom? 
ELE: Tá. Eu... 
ELA: O quê? 
ELE: Nada. Você sabe que...eu... 
ELA: Sei. 
ELE: Então... tchau? 
ELA: (sentando-se) Será que eu vou ter forças para responder? 
ELA: A vida está prestes a invadir a casa. 
ELA: Não resta mais nada a dizer... 
ELA: Só um segundo, eu só preciso de um segundo... 
ELE: Só falta ela me responder, por que ela não me responde? Eu não consigo mais me mexer. 
ELE: Acabou. Eu quero dizer mais uma coisa, mas não sai. (Pausa) 
ELE: Eu acho que já morri. (Pausa) Mas minha cabeça ainda funciona. (Pausa) 
ELE: Será que é isso a eternidade? A cabeça funcionando? (Pausa)... 
ELA: Tchau.(olhando para ele. Pausa) 
ELE: Agora eu sei. (Pausa) 
ELA: Ele foi embora.(Pausa) 
ELA: Foi mesmo.(Pausa)ELA: Para sempre. 
(Música. Ela vai, serena e decidida até ele e o cobre completamente. Sai em direção à porta. Ao meio de 
seu caminho, blecaute). 
 
FIM

Outros materiais