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RetratodeMuriloporArpad$zenes MURILO MENDES POESIA COMPLETA E PROSA ORGANIZAÇÃO, PREPARAÇÃO DO TEXTO E NOTAS LucianaStegagnoPicchio NOTAS PARA UlY!.AMURILOSCOPIA JoséGuilhermeMerquior VIDA-POESIA DE MURILO MENDES LucianaStegagnoPicchio FORTUNA CRiTICA Mário deAndrade,ManuelBandeira, CarlosDrummonddeAndrade,GiuseppeUngaretti, Ruggero]acobbi,JorgeAndrade,HaroldodeCampos HOMENAGENS POÉTICAS ManuelBandeira,AlphonsusdeGuimaraensFilho,]eanArp, AlexandreEulálio,AldoPalazzeschi,LéliaCoelhoFrota, SophiadeMelloBreyner-Andresen,CarlosDrummonddeAndrade, AntonioRamosRosa,JoãoCabraldeMeIoNeto ]ffi. RIODE/ANElRO, EDITORANOVAAGUILARS.A.,1994 1244 MURlLO MENDES I POESIA COMPLETA E PROSA PROSA / RETRATOS-RELÂMPAGO 1245 zento,evoluindoentrecercas,paliçadas,casteloscombandeirase gonf~l" lõessuspensosdastorres.Segundoa história,o feitomilitar quedeuori- gema essapinturafoi antesmodesto:atomadadedoiscasteloscujosse- nhoressehaviamrevoltadocontraa RepúblicadeSiena.Mas nistoreside propriamentea grandezado artista:partir dum fato e dum personagem medíocrespara,usandoasingularidadedasuainvenção,elevá-Ias,nopla- no da metamorfose,à categoriada obrade arte.O cavaleiro,fisionomia comum,maisderrotadodo quevencedor,trajandouma sobrevesteque lhe escondea armadura,funde-secomo cavaloesuabizarramanta,mas sema forçado centauro.Os dois estãocobertosde losangosescurosem fundoalaranjado;o olho esquerdodo animalacha-seinseridonumcírcu- lo. A pinturanasuatotalidaderesultaquaseabstrataapesardosdadosma- teriaisqueaconstituem.Não excluoapossibilidadedainfluênciadestein- quietanteafrescosobreo primeiroDe Chirico e outrospintoresitalianos ditos"metafísicos". Lá vai Guidoriccio da Fogliano,submetidoaoanimal;anônimo,mesmo apesardelheconhecermoso nomeeagesta.LávàiO guerreironasolidão criadapeloprópriopintor, antecipandodeseisséculoso astronautameti- do dentrode umacápsula.Aqui, talvezmaisdo queem qualqueroutra composiçãosua,SimoneMartini serevelauma testemunhado enigma cósmicoedarelatividadedestefrágilespaçoqueafinaléo homem,opri- mido por forçasterríveis,conhecidasou não. ALBERTO GIACOMETII (Giacometti,moreno,carade índio quíchuaou maya;falante,agradável, : hospitaleiro,conseguesernestesdurostempos(1955)um técnicodacon- versafiada. --SeuestúdioparisiensedaRueHippolyteMaindron éo territóriodadesor-'" deme dapoeira,o antípodado deMax Bill. Além dasescultura~,a única, ,I decoraçãoconsistenuma enormeIâI11P<lci<l~létricaqueincid(yiºlenta- ..Q1.~ntesobreasmagrasggurinha~?quaseanulando-as.GiacometÍiparece- lhesalheio,aludea'outras--cüTsas,a outrosartistas/Asesculturasesperam na paciência;adivinha-seo rumoraIgodoadodoscãrí:õsrolando no bu- levanQuemfazahistória:asfigurinhasou o bulevar?...' ,/'~ Aqui estãoalinhadasmuitasesculturas,inici~imentesuamulher,Anette, Diegoseuirmão,reminiscênciasdesardosou etruscos,pão-nossodecada l .j diadoartista;quatrofigurasvistasno cabaré(Le Sphinx".Asquatrofigu:. rastocamoaraoitomãos.Figuras-varetas.Corpos-linhas.Corpos-pontos de interrogação,sentindo-sesuperadospelotempo.Podemosconsiderá- losserialmente: I 'I Outrascoisas,umhomemdebronzecaindo,certasmulheres«encontradas naRuedel'Échaudé,próximaseameaçadoras".Recordoentãoretalhosde livrosantigosdeAragon,BretoneLéon-PaulFargue,criandonovosmitos" I odedeterminadasruas,passagens,impasses,becosdeParis,mesmodoC~n,.:·i: tro,ondeaindapodemacontecerencontros,situaçõesdesurpresaemá~a./ O escultorestende-meumarevistadevanguardacomumensaioaseures-' peito.('Nãomereconheçonele,talvezqueiramreferir-sea outrape$soa,'; ummeuhomônimo,um outroGiacometti.". i I ' . ,- Diz ainda:«(Pala-semuito de solidãoa propósitode meusperspnagens:. Não éisto:meuúnicoproblemaéum,problema'ótico",Confessa.amono-_:,. toniadaprópria'obra:«Excetuandoduasou trêspeças,comç/TBtesurtigeride1947,ou Lechiende1951,háquarentaanosrepitoamesmacoisa". , SegundoSartre,essasesculturassão"poussiered'espace".JeanGenetdedá-') raqueaobr,adeGiacomettitornao nossouniversomaisinsuportável., ' , PensoqueaartedeGiacometti,baseada~ummistodeconsciênciaecOla-",,\,boraçãodo acaso,significao tempomínimo dapeS!loahumana;o limite do serjumaespectrografiailuminada.,Irata-:se"d~(~n!1tllrezasmorta§~"em l" esclJlturaJ.,derestri.çãodo.espaçQa,ntes,que,~spas~;de levantar,"amedo, I: homens'dasfronteirasflu~df:;.s;trata-sedetirarantesquepôr. ' Deixo 6 estúdiodo artista.O ar deParis:'alguémfamiliarquesetocae respira.EstrelaseXpostasquenemvitrinas.Homense,inulheresrobustos, voluntariosos,andandocontraGiacometti.Consultonumalivntriao La- rousse,procuro uma palavraqueme possadar a chaveda obra giaco- mettiana.Angoisse,não é isto; dépouillement,também,não; o nome i Kafka...masquantosabusossecometemà suasombra. Átéquen~'primeiraestaçãodemetrô\descub.i~,""a'fó'rmulaI;xemplar:riu-" , /deladecettelimitelesbillets'nesontplus'valàõle~(Sim,alémdolimiteespa-' : "'--rv ..•...•..••.V.l'u .•v ,I.YJ,,cn.vJ;.,;;)J "V,C.JU\ \..IV.&Vl.t'LCJ.1'\ ~ J: l\V;)/i PROSA / RETRATOS-KELAMPAGO 1:1.47 'I ço-tempoatribuídopc.r Giacomettiàssuascriações,atésseradeidentida-. de humana se invalida;as figurinhasde bronze, inicialmenteDiego, ;I Anette,sardos,etruscos,caemno anonimato,istoé,nafaixadauniversali- '! dade,epassamaexistirpelasuaprópriarestrição,pelomínimodematéria : inteligentequelhescoubenapartilhadaforma. PICASSO Visito abelaacolhedoraMálaga.No andartérreodeumacasaque,olhan- do aPlazade.laMerced,insere-senacorrentezadeoutrascasasdespreten- siosas,decifra-seumainscriçãomodestaassinalandoo nascimentoaqui,a 25 deoutqDrode1881,dePabIoPicasso. Retrocedono tempo;procurocolumbraro meninoPabIo quevai cami- nhandoc<ilere,soltabalão,troçadosoutros,brincaedançacomosamigui- nhos,apodera-sedaprimeiraCarmemou Angustias,recebeo impactodo mar;disparao olho tentacularsempreaceso.Arquiandaluz,nervosíssimo, virtuosedesdeo ventrematerno,rabiscaosprimeirosdesenhos.Já dispõe deexageradaenergiagestualquesedesenvolveráeseprolongaráatravésdo tempo.Enfrentadesdeentãoo enigmadosacrifíciotaurino.Detém-seante oscartazespolicromosquemostramaopúbliconobrestourosselecionados emJerezdeIa Frontera,o desfileno redondel,osespadasrevestidosdepa- ramentoslitúrgicos:o trajedeluces;àsvoltascomaverônica,a reboleraea mariposa,saudando,decastorefíonamão,o povo;defrontandono vértice dafaenao momentodaverdade,algunsjá célebres,Guerrita,Lagartijo,EI Gallo,EI Espartero,outrosno atodereceberaalternativa;discuteosdife- rentesestilosdetoureio;ajudadopelosamigosconstróiumapequenaplaza detorosempapelãoou madeira,comseusanimais,seusmatadores,pica- I dores,banderilleros;participadetodasascorridas,mimando-àsdepoisem \ casaou na rua;temívelaficionado,torce,aposta,briga;trazno sangueo (demônio da tauromaquia.Permanecerátoureirodurantea vida inteira; I avessoaobizantinismodasteorias,polêmicoeambíguo,tourearáosmons- i trasVelázquez,Goya,Delacroix;tourearáapinturaeuropéiado séculoxx, ,fechandoo ciclohistóricoiniciadocomaRenascença. Menino prodígio, contandoapenas14anos,ô pai, pintor provincianoe professordearte,pressenteseugêniofuturo,inclina-sedfantedele,renun- ciaaopróprioofício,abandona-lheapaletaeospincéis,istoé,confere-lhe a alternativa,ofertasacrificialincruenta.O dramadialéticodo confronto , ~ l' i, deumagrandepersonalidadecriadoracomanatureza,asociedadeeo des- tino adversos,prosseguirádemodo ininterruptoemBarcelonaondedes- cobriráao mesmotempoa arteromânticae o estiloliberty;em Paris (e ParisquerdizertambémCézanne,Degas,Lautrec,aartenegraentãoreve- lada);naCôted,Azur,seuperpétuomiradouro;no universointeiro. Sefíordesi mismo,conduzindoà exacerbaçãoasforçaspassionaisdo pró- prio instinto,o gêniodePicassosesolidificaráatravésdemúltiplastécni- cas,dodesenhoàpinturaeà escultura,dacerâmicaàgravura,àcolagem,à decoração,multiplicando-seemobrasqueesgotam,alémde muitosou- trostemasmediterrâneos,o dotouro edacorridamoderna.O enigmada", tauromaquia,transpostoemchaveplástico-políticade exegesedaguerra:1 civil,explodiránumadimensãocósmicaem"Guernica".Entretanto!lS raí- : zesdo fenômenoprodigiosoforamplantadasaqui,nestacidadeandaluza ondeo meninoPabloarmadodoseuolhozahoridescobrePicasso,aenor- midadedavida,a fabulosaEspanhaeseusabsurdos,a primeiraConsuelo ouAngustias,oscartazesgritantesdascorridas,o territóriodaprópriacor- rida, O carátersingularde cadadiestro,o problemaespanholparaleloao rito antiqüíssimodatourada;ondecomeçaapintaro áuto-retratogigan- tescoqueé suaobra;tentandosabotaro tempooficialdo burocrata,este grandeanarquistaagride-o,procurainventaraseumodo,declanchandoa fúriadospincéisedastintas,a duplafacedo outro tempo,o históricoeo não-histórico;tempopessoaldopoeta,do artista,dovisionáriolúcido,ejá agorado cosmonauta. o tempodehoje,tempocoletivo,continuapois asero tempoparticular dosuperindivi'dualistaPabIoPicasso,provocadordaprópriaapoteose,dis- tantequasesempre,salvono períodocubista,da rigidezestrutural;fértil em improvisaçõese scherzi,infatigáveloperadordo figurativismo,mor- menteatravésdosesquemasda"deformação";dePicasso,mestredemeta- morfoses,quesedá romanticamenteem espetáculo,e cujaobra acha-se inseridanahistória,mastransbordadamesmahistóriaà qual,nasuain- terminávelfaena,o pintor-diestroaplicacom desenvolturaviolentasesto- cadas,inclusivemuitasque,emborarecebendoo aplausounânimedosafi-' danados,seperdemnadesarrumaçãodo red0!1del. ' MAXERNST Max Ernst recebe-menum hotelde Paris, já queno momentoestásem casa.O olhoazulquerdescobrir-me.
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