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Unidade VII Conceito e Evolução da Teoria do Crime

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Curso de Direito
Teoria Geral do Crime
Professor Rafael De Luca
Unidade VII – CONCEITO E EVOLUÇÃO DA TEORIA DO CRIME 
1. NOÇÕES FUNDAMENTAIS 
Na lição de Zaffaroni, chama-se teoria do delito "a parte da ciência do direito penal que se ocupa de explicar o que é o delito em geral, quer dizer, quais são as características que devem ter qualquer delito. Esta explicação não é um mero discorrer sobre o delito com interesse puramente especulativo, senão que atende à função essencialmente prática, consistente na facilitação da averiguação da presença ou ausência de delito em cada caso concreto". 
Embora o crime seja insuscetível de fragmentação, pois que é um todo unitário, para efeitos de estudo, faz-se necessária a análise de cada uma de suas características ou elementos fundamentais, isto é, o fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade. Podemos dizer que cada um desses elementos, na ordem em que foram apresentados, é um antecedente lógico e necessário à apreciação do elemento seguinte. Welzel, dissertando sobre o tema, diz: 
"A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são três elementos que convertem uma ação em um delito. A culpabilidade - a responsabilidade pessoal por um fato antijurídico - pressupõe a antijuridicidade do fato, do mesmo modo que a antijuridicidade, por sua vez, tem de estar concretizada em tipos legais. A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade estão relacionadas logicamente de tal modo que cada elemento posterior do delito pressupõe o anterior".
Assim, se alguém, dirigindo um automóvel em via pública, com todas as cautelas necessárias, atropela fatalmente um pedestre que, desejando cometer suicídio, se atira contra o veículo, não pratica o delito de homicídio culposo, uma vez que, se não agiu com culpa, tampouco com dolo, não há falar em conduta. Se não há conduta, não há fato típico e, como consequência, não há crime. Nesse caso, elimina-se o crime a partir do estudo de seu primeiro elemento - o fato típico. Somente quando o fato é típico, isto é, quando comprovado que o agente atuou dolosa ou culposamente, que em virtude de sua conduta adveio o resultado e, por fim, que seu comportamento se adapta perfeitamente ao modelo abstrato previsto na lei penal, é que poderemos passar ao estudo da antijuridicidade. Da mesma forma, somente iniciaremos a análise da culpabilidade se já tivermos esgotado o estudo do fato típico e da antijuridicidade.
2. INFRAÇÃO PENAL 
Muitas vezes nos referimos aos termos crimes, delitos e contravenções sem atentar para o seu real significado. Será o crime diferente do delito, ou será que são expressões sinônimas? Ou, ainda, há diferença entre crime, delito e contravenção? Para responder a essas indagações, é preciso saber que nosso sistema jurídico penal adotou, de um lado, as palavras crime e delito como expressões sinônimas, e, de outro, as contravenções penais. 
Isso quer dizer que, ao contrário de outras legislações que adotaram o chamado critério tripartido, a exemplo da França e da Espanha, no qual existe diferença entre crime, delito e contravenção, diferença esta que varia de acordo com a gravidade do fato e a pena cominada à infração penal, nosso sistema jurídico-penal, da mesma forma que o alemão e o italiano, v.g., fez a opção pelo critério bipartido, ou seja, entende, de um lado, os crimes e os delitos como expressões sinônimas, e, do outro, as contravenções penais. 
Quando quisermos nos referir indistintamente a qualquer uma dessas figuras, devemos utilizar a expressão infração penal. A infração penal, portanto, como gênero, refere-se de forma abrangente aos crimes/delitos e às contravenções penais como espécies. 
3. DIFERENÇA ENTRE CRIME E CONTRAVENÇÃO 
Existe diferença substancial entre crime e contravenção? Inicialmente deve ser registrado que o legislador adotou um critério para a distinção entre eles. Assim, no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941), temos a seguinte definição: 
Art. 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. 
Embora o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal nos forneça um critério para a distinção entre crime e contravenção penal, essa regra foi quebrada pela Lei nº 11.343/2006, haja vista que, ao cominar, no preceito secundário do seu art. 28, as penas relativas ao delito de consumo de drogas, não fez previsão de qualquer pena privativa de liberdade (reclusão, detenção ou prisão simples), tampouco da pena pecuniária (multa). Assim, analisando o mencionado art. 28, como podemos saber se estamos diante de um crime ou de uma contravenção penal? A saída será levar a efeito uma interpretação sistêmica do artigo, que está inserido no Capítulo III, que diz respeito aos crimes e às penas. Assim, de acordo com a redação constante do aludido capítulo, devemos concluir que o consumo de drogas faz parte do rol dos crimes, não se tratando, pois, de contravenção penal. 
Na verdade, não há diferença substancial entre contravenção e crime. O critério de escolha dos bens que devem ser protegidos pelo Direito Penal é político, da mesma forma que é política a rotulação da conduta como contravencional ou criminosa. O que hoje é considerado crime amanhã poderá vir a tornar-se contravenção e vice-versa. Todos nós tomamos conhecimento da intensa mobilização da sociedade, aliada aos meios de comunicação de massa, para que a contravenção penal de porte de arma, prevista no art. 19 do Decreto-Lei nº 3.688/41, fosse transformada em crime, o que efetivamente ocorreu com o advento da Lei nº 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, cujo caput de seu art. 10 recebeu a seguinte redação, descrevendo as condutas que se quer evitar: 
Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: 
Pena - detenção de um a dois anos e multa. 
Atualmente, o crime de porte ilegal de arma de fogo está previsto nos arts. 14 e 16 da Lei nº 10.826/2003. 
Às contravenções penais, por serem, na concepção de Hungria, consideradas delitos-anões, devem, em geral, tocar as infrações consideradas menos graves, ou seja, aquelas que ofendam bens jurídicos não tão importantes como aqueles protegidos quando se cria a figura típica de um delito. Na verdade, se aplicássemos fielmente o princípio da intervenção mínima, que apregoa que o Direito Penal só deve preocupar-se com os bens e interesses mais importantes e necessários ao convívio em sociedade, não deveríamos sequer falar em contravenções, cujos bens por elas tutelados bem poderiam ter sido protegidos satisfatoriamente pelos demais ramos do Direito. 
Podemos apontar, no entanto, algumas diferenças trazidas pela lei, a exemplo do fato de que não se pune a tentativa de contravenção penal (LCP, art. 4º), sendo que nos crimes isso deverá ser verificado em cada tipo penal; as ações penais, nas contravenções penais, são sempre de iniciativa pública incondicionada (LCP, art. 17), podendo, no entanto, variar, de acordo com o crime em análise, em ações penais de iniciativa pública incondicionada, condicionada ou mesmo privada (CP, art. 100) etc. 
4. ILÍCITO PENAL E ILÍCITO CIVIL 
Quando falamos em ilicitude, estamos nos referindo àquela relação de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. Temos ilícitos de natureza penal, civil, administrativa etc. Será que existe alguma diferença entre eles? Ou, numa divisão somente entre ilícitos penais e ilícitos não penais, podemos vislumbrar alguma diferença? Na verdade, não há diferença alguma. Ocorre que o ilícito penal, justamente pelofato de o Direito Penal proteger os bens mais importantes e necessários à vida em sociedade, é mais grave. Também aqui o critério de distinção é político. O que hoje é um ilícito civil amanhã poderá vir a ser um ilícito penal. O legislador, sempre observando os princípios que norteiam o Direito Penal, fará a seleção dos bens que a este interessam mais de perto, deixando a proteção dos demais a cargo dos outros ramos do Direito. 
A diferença entre o ilícito penal e o civil, obviamente observada a gravidade de um e de outro, encontra-se também na sua consequência. Ao ilícito penal o legislador reservou uma pena, que pode até chegar ao extremo de privar o agente de sua liberdade, tendo destinado ao ilícito civil, contudo, como sua consequência, a obrigação de reparar o dano ou outras sanções de natureza civil. 
5. CONCEITO DE CRIME 
Nosso atual Código Penal não nos fornece um conceito de crime, somente dizendo, em sua Lei de Introdução, que ao crime é reservada uma pena de reclusão ou de detenção, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa. 
Com essa redação, o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal somente nos trouxe um critério para que, analisando o tipo penal incriminador, pudéssemos distinguir crime de contravenção, mesmo que essa regra tenha sido quebrada pelo art. 28 da Lei nº 11.343/2006. O Código Criminal do Império (1830) e o nosso primeiro Código Penal Republicano (1890) tentaram definir o conceito de crime. 
Dizia o § 1º do art. 2º do Código Criminal do Império: 
Art. 2º Julgar-se-á crime ou delicto: 
§ 1º Toda acção ou omissão voluntaria contraria ás leis penaes (redação original). 
Já o art. 2º do nosso primeiro Código Penal Republicano (1890) assim se expressava: 
Art. 2º A violação da lei penal consiste em acção ou omissão; constitue crime ou contravenção (redação original). 
Hoje, o conceito atribuído ao crime é eminentemente doutrinário. 
Como salientamos, não existe um conceito de crime fornecido pelo legislador, restando-nos, contudo, seu conceito doutrinário. 
Não foram poucos os doutrinadores que, durante anos, tentaram fornecer esse conceito de delito. Interessa-nos, neste estudo, refletir somente sobre aqueles mais difundidos. Assim, mesmo que de maneira breve, faremos a análise dos seguintes conceitos:
a) formal; 
b) material; 
c) analítico. 
Conforme os ensinamentos de Bettiol, "duas concepções opostas se embatem entre si com a finalidade de conceituar o crime: uma de caráter formal, outra de caráter substancial. A primeira atém-se ao crime sub especie iuris, no sentido de considerar o crime 'todo o fato humano, proibido pela lei penal'. A segunda, por sua vez, supera este formalismo considerando o crime 'todo o fato humano lesivo de um interesse capaz de comprometer as condições de existência, de conservação e de desenvolvimento da sociedade'." 
Sob o aspecto formal, crime seria toda conduta que atentasse, que colidisse frontalmente contra a lei penal editada pelo Estado. Considerando-se o seu aspecto material, conceituamos o crime como aquela conduta que viola os bens jurídicos mais importantes. 
Na verdade, os conceitos formal e material não traduzem com precisão o que seja crime. Se há uma lei penal editada pelo Estado, proibindo determinada conduta, e o agente a viola, se ausente qualquer causa de exclusão da ilicitude ou dirimente da culpabilidade, haverá crime. Já o conceito material sobreleva a importância do princípio da intervenção mínima quando aduz que somente haverá crime quando a conduta do agente atentar contra os bens mais importantes. Contudo, mesmo sendo importante e necessário o bem para a manutenção e a subsistência da sociedade, se não houver uma lei penal protegendo-o, por mais relevante que seja, não haverá crime se o agente vier a atacá-lo, em face do princípio da legalidade. 
Como se percebe, os conceitos formal e material não traduzem o crime com precisão, pois não conseguem defini-lo. 
Surge, assim, outro conceito, chamado analítico, porque realmente analisa as características ou elementos que compõem a infração penal. 
Sobre o conceito analítico do crime, preleciona Assis Toledo: 
"Substancialmente, o crime é um fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos (jurídico-penais) protegidos. Essa definição é, porém, insuficiente para a dogmática penal, que necessita de outra mais analítica, apta a pôr à mostra os aspectos essenciais ou os elementos estruturais do conceito de crime. E dentre as várias definições analíticas que têm sido propostas por importantes penalistas, parece-nos mais aceitável a que considera as três notas fundamentais do fato-crime, a saber: ação típica (tipicidade), ilícita ou antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade). O crime, nessa concepção que adotamos, é, pois, ação típica, ilícita e culpável". 
Conforme preleciona Luiz Regis Prado, "a ação, como primeiro requisito do delito, só apareceu com Berner (1857), sendo que a ideia de ilicitude, desenvolvida por Ihering (1867) para área civil, foi introduzida no Direito Penal por obra de von Liszt e Beling (1881), e a de culpabilidade, com origem em Merkel, desenvolveu-se pelos estudos de Binding (1877). Posteriormente, no início do século XX, graças a Beling (1906), surgiu a ideia de tipicidade". 
Alguns autores, a exemplo de Assis Toledo e Luiz Regis Prado, aduzem que o crime é composto pela ação típica, ilícita e culpável. Podemos dizer também, sem nos afastarmos desse conceito, em vez de ação típica, fato típico, pois que o fato, como veremos no quadro demonstrativo a seguir, abrange a conduta do agente, o resultado dela advindo, bem como o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado. Portanto, não vislumbramos diferença que mereça destaque entre as expressões ação típica ou fato típico. 
Segue-se quadro demonstrativo, para que possamos visualizar os elementos que compõem a infração penal:
	CRIME
	FATO TÍPICO
	ANTIJURÍDICO
	CULPÁVEL
	Conduta: dolosa ou culposa / comissiva ou omissiva
	Obs.: Quando o agente não atua em:
• Estado de necessidade
• Legítima defesa
• Estrito cumprimento do dever legal
• Exercício regular de direito
	Imputabilidade 
	Resultado
	Quando não houver o consentimento do ofendido como causa supralegal de exclusão da ilicitude
	Potencial consciência sobre a ilicitude do fato
	Nexo de causalidade: material / normativo (imputação objetiva)
	
	Exigibilidade de conduta diversa
	Tipicidade: formal / conglobante
	
	
6. CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME 
Como vimos, segundo a maioria dos doutrinadores, para que se possa falar em crime é preciso que o agente tenha praticado uma ação típica, ilícita e culpável. Alguns autores, a exemplo de Mezger e, entre nós, Basileu Garcia, sustentam que a punibilidade também integra tal conceito, sendo o crime, pois, uma ação típica, ilícita, culpável e punível. Estamos com Juarez Tavares, que assevera que a punibilidade não faz parte do delito, sendo somente a sua consequência. 
A função do conceito analítico é a de analisar todos os elementos ou características que integram o conceito de infração penal sem que com isso se queira fragmentá-lo. O crime é, certamente, um todo unitário e indivisível. Ou o agente comete o delito (fato típico, ilícito e culpável), ou o fato por ele praticado será considerado um indiferente penal. O estudo estratificado ou analítico permite-nos, com clareza, verificar a existência ou não da infração penal; daí sua importância. 
Na precisa lição de Roxin, "quase todas as teorias do delito até hoje construídas são sistemas de elementos, isto é, elas dissecam o comportamento delitivo em um número de diferentes elementos (objetivos, subjetivos, normativos, descritivos etc.), que são posicionados nos diversos estratos da construção do crime, constituindo algo como um mosaico do quadro legislativo do fato punível. Esta forma de proceder acaba levando a que se votem grandes esforços à questão sobre que posicionamento no sistema do delito deve ocupar esta ou aquela elementar do crime; pode-se descrever ahistória da teoria do delito nas últimas décadas como uma migração de elementares dos delitos entre diferentes andares do sistema".
Adotamos, portanto, de acordo com essa visão analítica, o conceito de crime como o fato típico, ilícito e culpável. 
O fato típico, segundo uma visão finalista, é composto dos seguintes elementos: 
a) conduta dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva; 
b) resultado; 
c) nexo de causalidade entre a conduta e o resultado; 
d) tipicidade (formal e conglobante). 
A ilicitude, expressão sinônima de antijuridicidade, é aquela relação de contrariedade, de antagonismo, que se estabelece entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. A licitude ou a juridicidade da conduta praticada é encontrada por exclusão, ou seja, somente será lícita a conduta se o agente houver atuado amparado por uma das causas excludentes da ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal. Além das causas legais de exclusão da antijuridicidade, a doutrina ainda faz menção a outra, de natureza supralegal, qual seja, o consentimento do ofendido. Contudo, para que possa ter o condão de excluir a ilicitude, é preciso, quanto ao consentimento: 
a) que o ofendido tenha capacidade para consentir; 
b) que o bem sobre o qual recaia a conduta do agente seja disponível; 
c) que o consentimento tenha sido dado anteriormente, ou pelo menos numa relação de simultaneidade à conduta do agente. 
Ausente um desses requisitos, o consentimento do ofendido não poderá afastar a ilicitude do fato. 
Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta ilícita do agente. São elementos integrantes da culpabilidade, de acordo com a concepção finalista por nós assumida: 
a) imputabilidade; 
b) potencial consciência sobre a ilicitude do fato; 
c) exigibilidade de conduta diversa. 
Assim, na precisa conceituação de Zaffaroni, "delito é uma conduta humana individualizada mediante um dispositivo legal (tipo) que revela sua proibição (típica), que por não estar permitida por nenhum preceito jurídico (causa de justificação) é contrária ao ordenamento jurídico (antijurídica) e que, por ser exigível do autor que atuasse de outra maneira nessa circunstância, lhe é reprovável (culpável)". 
Zaffaroni e Pierangeli querendo, figurativamente, demonstrar o conceito analítico de crime, o comparam a uma rocha. Aduzem que para que a rocha possa ser melhor estudada pelos geólogos é preciso que seja cortada em estratos, sem que com isso fique descaracterizada. Trazendo essa lição para o Direito Penal, surge, tomando de empréstimo da geologia, o chamado conceito estratificado de crime, que quer dizer o mesmo que conceito analítico, asseverando que o crime é composto pelos seguintes estratos: ação típica, ilicitude e culpabilidade. 
Muñoz Conde acrescenta, ainda, mais uma característica ao conceito analítico do crime, qual seja, a punibilidade. Para o renomado professor espanhol, a infração penal é, portanto, definida analiticamente como uma ação ou omissão típica, antijurídica, culpável e punível.
7. CONCEITO DE CRIME ADOTADO POR DAMÁSIO, DOTTI, MIRABETE E DELMANTO 
Damásio, Dotti, Mirabete e Delmanto entendem que o crime, sob o aspecto formal, é um fato típico e antijurídico, sendo que a culpabilidade é um pressuposto para a aplicação da pena. Mesmo considerando a autoridade dos defensores desse conceito, entendemos, permissa venia, que não só a culpabilidade, mas também o fato típico e a antijuridicidade são pressupostos para a aplicação da pena. Para chegarmos a essa conclusão, devemos nos fazer as seguintes indagações: 
- Se, por alguma razão, não houver o fato típico, poderemos aplicar pena? Obviamente que a resposta será negativa. 
- Se a conduta do agente não for antijurídica, mas, sim, permitida pelo ordenamento jurídico, poderemos aplicar-lhe uma pena? Mais uma vez a resposta negativa se impõe. 
Enfim, todos os elementos que compõem o conceito analítico do crime são pressupostos para a aplicação da pena, e não somente a culpabilidade, como pretendem os mencionados autores. 
O fundamento desse raciocínio se deve ao fato de que o Código Penal, quando se refere à culpabilidade, especificamente nos casos em que a afasta, utiliza, geralmente, expressões ligadas à aplicação da pena, a exemplo do art. 26, que, cuidando do tema relativo à inimputabilidade, inicia sua redação dizendo que é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento; ou a segunda parte do art. 21, caput, do Código Penal, que diz que o erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena. 
Vale ressaltar que o Código Penal também utiliza a expressão isento de pena, ou alguma outra com ela parecida, para afastar outras características do crime, ou mesmo apontar causas que impedem a punibilidade do injusto culpável, conforme podemos verificar pela redação do § 1º do art. 20 do Código Penal, que cuida do chamado erro de tipo permissivo, ou mesmo do art. 181, que ao prever as escusas absolutórias disse ser isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos no Título II (Dos Crimes contra o Patrimônio), da Parte Especial do Código Penal, em prejuízo: I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal; II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural. Nesta última hipótese, o Código não está lidando com causas que eliminam a culpabilidade, uma vez que o fato praticado pelas pessoas por ele elencadas é típico, ilícito e culpável. Somente por questões de política criminal é que a lei entendeu por bem não puni-los. Assim, embora o Código Penal utilize essas expressões quando quer se referir às causas dirimentes da culpabilidade, tal opção legislativa não nos permite concluir que o crime seja tão somente um fato típico e antijurídico. Estamos com a maioria da doutrina, nacional e estrangeira, que adota a divisão tripartida do conceito analítico, incluindo a culpabilidade como um de seus elementos característicos. 
8. DOGMÁTICA DO DELITO 
Conforme lições de Esíquio Manuel Sánchez Herrera, "hoje, a maioria dos códigos penais do mundo moderno reproduzem na definição de delito a grande conquista dogmática: o delito é um comportamento típico, antijurídico e culpável. Sem embargo, isso nem sempre foi assim; foi necessário um longo processo de desenvolvimento dogmático que concretizou somente em 1906 esse conceito tripartido de delito. Desde esse momento dito progresso é irreversível". 
A partir de 1906, uma vez consolidado o conceito analítico do crime, com suas três características fundamentais (fato típico, ilícito e culpável), a dogmática penal vem sofrendo modificações ao longo dos anos. Essa base, no entanto, permanece firme, com algumas pequenas variações de nomenclatura e a inserção ou mesmo retirada de alguns elementos que integram essa composição. 
Em uma análise sintética, podemos visualizar essa evolução tendo como ponto de partida o primeiro sistema, formado em 1906, que passou a ser reconhecido como o sistema clássico, cuja concepção original é atribuída a Franz von Liszt e a Ernst von Beling. Em seguida, por causa das críticas que esse primeiro sistema recebeu e com o fim de aperfeiçoá-lo, surgiu um segundo, que se denominou sistema neoclássico, tendo como seus precursores Reinhard Frank e Edmund Mezger. Em continuidade a essa evolução, outro sistema foi criado, sendo batizado de sistema finalista, de autoria de Hans Welzel. No momento atual, discutem-se as chamadas teorias funcionalistas, subdivididas em funcionalismo teleológico (ou moderado), tendo como seu protagonista Claus Roxin, e também outra modalidade de funcionalismo, reconhecido como sistêmico (ou radical), cujo precursor é Günther Jakobs. 
Quando do estudo da evolução histórica da culpabilidade, faremos a análise de cada um desses sistemas, apontando suas características fundamentais. 
São precisas as palavrasde Esíquio Manuel Sánchez Herrera quando afirma: "A conceituação do delito, sua comprensão analítica e sistemática é o que permite reconhecer a dogmática certas vantagens e benefícios. Entre eles cabe destacar que o estudo dogmático do delito diferencia o profano do científico do Direito Penal; a dogmática é limite ao poder punitivo do Estado, é garantia da realização dos direitos fundamentais do processado dentro do processo penal e, sobretudo, torna mais segura a aplicação proporcional, igualitária e justa do Direito Penal. O conhecimento sistemático garante domínio sobre a matéria penal, e com isso contribui para o sucesso da segurança jurídica, fundamento essencial do Estado Social e democrático de Direito". 
O estudo da dogmática penal e a sistematização dos elementos que integram a infração penal fazem que o intérprete e/ou aplicador da lei tenham um roteiro seguro a seguir, a fim de que, a final, possam concluir se determinada pessoa levou a efeito, realmente, um fato que possa ser assim reconhecido, ou seja, que possa ser considerado uma infração penal (crime/contravenção penal), sendo, portanto, merecedor de uma resposta à altura do Estado, que poderá, inclusive, culminar com sua privação de liberdade. 
Assim, o estudo desse "roteiro" do crime, obrigará a análise de cada um de seus elementos, passo a passo, seguindo uma ordem lógica, conforme veremos mais adiante, que variará de acordo com o sistema adotado (clássico, neoclássico, finalista, funcional). 
Quanto mais desenvolvida a dogmática, mais segurança haverá no que diz respeito a decisões judiciais, pois deixaremos de ficar sujeitos a fatores incertos e inseguros que poderão conduzir à absolvição ou à condenação de alguém acusado de ter praticado uma determinada infração penal.

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