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Isabelle Stengers na última audiência no julgamento da Monsanto by Isabelle Stengers Retirado do site: http://archive.indymedia.be/news/2003/11/77563.html Senhora Presidente, me expresso pessoalmente, por que cada um de nós tomou pessoalmente a decisão que nos colocou diante deste tribunal. Primeiro gostaria de lembrar, que no que me diz respeito, e aos outros acusados, esta decisão incluiu o depoimento que concordamos em fazer quando os militares nos interrogaram, e que constituem a única prova contra nós. Não se trata de designar duas categorias de suspeitos, certamente não, mas de sublimar que o delito de que somos acusados é inseparável das razões, para todos, que apresentamos perante este tribunal nestes depoimentos que a Senhora gentilmente ouve. A ação pela qual estamos sendo recriminados teve como primeira motivação chamar atenção da opinião pública e dos políticos, para que pensem no futuro que se prepara e que nos parece temível. Seria normal que nós aceitássemos um julgamento no qual se tornasse públicas as informações, eu digo as informações no sentido factual do termo, e não os argumentos que pertencem ao debate de ideias de onde iria se tornar a informação pública, digo as informações factuais, e não os argumentos que dão sustentação a essa ideia de futuro. Eu sou grata, Senhora Presidente, pela maneira pela qual a Sra. levou em conta esta singularidade ao aceitar ouvir nossos depoimentos. Minha profissão de professora, e os livros que escrevi são em grande parte dedicados à questão do papel da ciência e o argumento da autoridade científica, nas nossas sociedades modernas. Eu reivindico seu caráter crucial em uma democracia viva, onde aqueles que estão interessados em uma decisão são reconhecidos como interlocutores legítimos, tendo o poder de colocar objeções e para colocar à prova a confiabilidade dos peritos. Isso mostra a razão da confiabilidade das produções cientificas especializadas, precisamente o lugar onde toda a comunidade tem papel legítimo de colocar objeções e colocar esta produção à prova. Eu destaco o desequilíbrio que ocorre quando uma proposta resultante da ciência deixa os lugares da pesquisa, por que neste momento não há nenhum controle além daquelas objeções que possam surgir, e se forem levadas em conta, devem ser provadas. Se a URSS teve um quadro de desastres ecológicos terríveis, é por que os opositores foram perseguidos. A relativa segurança das nossas indústrias, da indústria nuclear, em particular, está diretamente relacionada com o fato de que no nosso país é possível, é ainda possível, se opor e as pessoas têm meio de fazer com que estas objeções sejam conhecidas, sem arriscar sua liberdade e até mesmo sua vida. Eu digo que é necessário tornar conhecidas as objecções, e por esta razão, ensinar e escrever livros é absolutamente insuficiente. Com efeito, isso é incapaz de questionar a diferença entre peritos reconhecidos como autoridade e aqueles ou aquelas, dos quais eu faço parte, para quem se pede para não se intrometer, ou seja, para parar de enxergar. É aqui que nós nos deparamos com os limites da democracia tal como ela funciona e atualmente trabalha. Como eu escrevi no meu livro “Ciência e poderes” (PP. 96-97), do ponto de vista de sua confiabilidade, as sociedades modernas têm a ciência que elas merecem, muito pouco confiáveis no caso onde as autoridades têm a liberdade para nomear seus peritos. Não no sentido de que, como indivíduos, eles seriam corruptos, mas porque a escolha de um determinado tipo de perito predetermina os problemas que serão levados em conta e aqueles que serão julgados secundários. É o que Jacques Van Helden confirmou no caso dos “organismos geneticamente modificados – OGM”: a expertise é dominada pelos biólogos de laboratório que não têm mais do que uma pouca experiência do que ocorre nos campos, e nenhuma experiência das consequências sócio-econômicas das inovações agrícolas, mas que por outro lado, julgam normais e legítimos seus “sucessos” biotecnológicos, como sendo sinônimo de progresso. Quando me chegou o convite para participar do encontro sobre os OGM, eu me considerei realizada, porque o engajamento de quem se opôs aos OGM corresponde exatamente ao que para mim continua a ser o privilégio dos regimes democráticos, um privilégio que, cada vez, deve ser reafirmado, diante dos riscos e perigos representados por aqueles que dominam os meios de fazer conhecidas as objeções. Ouve-se falar muito hoje dos fóruns de cidadãos, onde se pede para as pessoas não envolvidas escutarem os argumentos e contra-argumento especializados sobre uma inovação, e talvez esse tipo de movimento prometa um futuro mais democrático, onde os cidadãos não serão definidos como ignorantes. Hoje, o peso desde movimento é inseparável das ações mais diretas de oposição. É, por exemplo, por causa desta oposição, que objeções científicas que não tinham encontrado nenhum eco foram finalmente ouvidas, que questionamentos finalmente puderam ser colocados, que na Grã-Bretanha informações altamente significativas sobre o impacto negativo do cultivo dos sobre a biodiversidade puderam ser produzidas. Neste mesmo país se produziu um vasto debate público sobre os OGM nesta primavera. E a primeira lição que tiraram aqueles que seguiram estes debates é altamente significativa. Quando se reúnem pessoas inicialmente sem opinião e às quais é submetido o dossiê dos OGM, e o conjunto dos argumentos contraditórios, “quando mais elas aprendem menos elas são favoráveis aos OGM”. É isso que eu responderia para aqueles que dizem que as práticas das minorias não são democráticas, por que elas usurpam a grande voz silenciosa da maioria: é graças a tal prática que uma inovação supostamente aceita sem problemas, em nome do progresso, se tornou imaginável e discutível, quase pública, e que nós podemos saber hoje que, devidamente informados, a maioria dos cidadãos muito provavelmente a recusaria. Eu mesma, que acreditava estar mais ou menos consciente, eu ainda aprendi durante este processo de conhecimento público. Com efeito, no começo eu acreditei, ingenuamente, que o campo de experimentos deveria responder às questões relativas os riscos ecológicos, e minha oposição veio pelo fato de eu não confiar em quem tem interesse sobre uma inovação para interrogar sobre suas inconveniências. Mas não é essa, globalmente, a função da disseminação voluntária dos OGM, que respondem somente às praticas usuais dos semeadores que devem selecionar as sementes, verificando sua produtividade. Nós conhecemos hoje o relatório da Royal Society, que, de fato, responde a algumas das perguntas e objeções contra os OGM, quer dizer, os confirma, mas ele não pode fazê-lo por que os meios para isso estão nas mãos de uma instituição oficial, devido à oposição pública manifestada contra os OGM. Em outras palavras, é por que houve uma oposição que temos respostas para as perguntas às questões que os semeadores, eles, nunca se deram ao trabalho e tiveram meios de perguntar. Já se disse e repetiu, as multinacionais que concentram hoje a produção de sementes, de herbicidas e pesticidas nos pedem que aceitemos ser cobaias. Mas a situação é pior. É porque eu falei de informações factuais e não de argumentos. Nós não somos nem mesmo cobaias, porque se usa cobaias para descobrir o desconhecido. Mas aqui estamos lidando com os fatos conhecidos que pertencem ao passado, ou que, no que diz respeito aos OGM, são a partir de agora estabelecidas. O Sr. deputado Lannoye lhes falou sobre as consequências previsíveis para o Terceiro Mundo. Eu frequentemente ensinei os danos ecológicos e sociais relacionados com o que se chamou a “revolução verde”. Eles são não-contestáveis, e eu acreditei que a memória estavapreservada, que não recomeçaríamos, ou no caso de discutir novas inovações tecno- industriais, sua memória estaria presente. Sem que nenhuma lição seja trazida do passado, propõe-se recomeçar, para se lançar num tipo de inovação cujas consequências, no entanto, já são bem conhecidas e descritas. Mas o impacto social e ecológico dos OGM também diz respeito a nosso país. E neste caso, o futuro é já e aqui: é suficiente ver o que acontece no Canadá. Percy Schmeiser descreveu as consequências penais, no Canadá, de contaminação dos campos, nos processos iniciados pela Monsanto contra os agricultores que são, de fato, suas vítimas. Há alguns anos, os biólogos especialistas argumentaram que os OGM ficariam confinados/restritos. Mas hoje eles reconhecem que é impossível e que a coexistência entre culturas está condenada. Mas as consequências dessa impossibilidade não se volta para os produtores de OGM: todos recusam a possibilidade de assumir a menor responsabilidade. Cabe ao Estado decidir sob a pressão de quem nos intimida, sob a acusação de entravar o progresso que promete gerar empregos. Enquanto isto é dito e repetido, o único benefício “descontável” desses OGM é de diminuir ainda mais o emprego agrícola. Sabemos também que as consequências ecológicas serão graves, já são graves no Canadá, com a notável aparição de ervas daninhas resistente a herbicidas e insetos resistentes a pesticidas. A resposta das multinacionais é simplesmente encontrar novos herbicidas e pesticidas. Mas talvez (e até mesmo provavelmente) eles serão mais nocivos para o ambiente, mas também para a saúde humana, do que aqueles que dispomos hoje. Nós seremos, contudo, forçados a aceitá-los, apesar de suas consequências nocivas, porque não teremos então a escolha, nós seremos colocados contra a parede: é isso ou um desastre agrícola. Tal futuro não inquieta as indústrias que foram responsáveis pela ineficácia do que nós utilizamos atualmente. E do seu ponto de vista, eles tem razão pois é um futuro onde nós nos tornaremos inteiramente dependentes dos produtos que eles oferecem, da corrida pela inovação da qual nós nos tornaremos reféns. Fala-se muito de “desenvolvimento sustentável” hoje, mas se trata aqui de um exemplo de desenvolvimento NÃO sustentável, de uma corrida que já se sabe sem fim, cada vez mais cara e provavelmente mais destrutiva. Mas extremamente rentável para as indústrias sob o poder das quais nós estaremos de pés e mão atados. Estas indústrias para as quais este futuro gravemente ameaçado é sinônimo de lucro. Senhora Presidente, ao afirmar minha participação na ação nos campos da Monsanto, eu não reivindico uma ação que teria um propósito ou uma intenção de “destruição maldosa”. Se trata de uma ação com o único propósito de participar do que é, eu tenho a íntima convicção, a única forma de defesa, ligeiramente eficaz, disponível para aqueles e aquelas que se dão conta da séria ameaça que pesa sobre o nosso futuro comum. Eu sou o que se chama uma acadêmica, eu escrevo e falo sobre esta ameaça, estes são meus métodos de ação habitual, mas eu conheço os seus limites. É por isso que eu me sinto honrada e orgulhosa de estar diante da Senhora e ter o grande privilégio de estar associada a uma ação que faz parte um movimento amplo e profundo, do qual quem sabe, é preciso ser otimista, se falará no futuro como aquele que permitiu que o desenvolvimento dito sustentável, parasse de ser um voto piedoso, uma palavra vazia, para se tornar uma questão de obrigue a pensar, a imaginar e a ser levado a sério. Isabelle Stengers.
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