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30º Encontro Anual da ANPOCS 24 a 28 de outubro de 2006 Gênero na contemporaneidade - GT 09 "Identidade e exclusão: a abordagem feminista das relações internacionais” Luara Landulpho Alves Lopes 2 Índice 1. Introdução 2. A disciplina de Relações Internacionais: a ortodoxia realista e a crise de identidade contemporânea 3. O silêncio das Relações Internacionais 4. A mulher e a economia internacional 5. A mulher e a Guerra 6. O rei está nu: desvios de gênero nos discursos realista e neorealista 7. Além da crítica: a alternativa feminista 8. Bibliografia 9. Notas 3 1. Introdução Para aqueles não iniciados no campo das relações internacionais e também para muitos estudantes e profissionais da área, incluir questões de gênero no estudo da política internacional pode parecer bem estranho. De fato, a abordagem feminista das relações internacionais enfrenta resistência considerável por parte da comunidade acadêmica em geral. No Brasil, o tema raramente aparece nas grades curriculares dos cursos de graduação em relações internacionais, e quando surge é muitas vezes tratado com desdém e rapidamente descartado como irrelevante. Assim, a abordagem feminista não fez parte dos meus estudos durante a graduação em Relações Internacionais: mesmo na pós-graduação o assunto foi tratado com visível ceticismo e indiferença. Apesar do curso fazer parte da faculdade de ciências sociais, não tivemos contato com literatura que tratasse do movimento feminista; tampouco conheço profundamente o desenvolvimento das questões de gênero fora do campo das relações internacionais. O presente trabalho, portanto, partiu mesmo da curiosidade a respeito de um assunto ainda pouco tratado, que pretende transformar o conhecimento das relações internacionais a partir de considerações sobre a experiência social da mulher. Se me faltam instrumentos teóricos para avançar na análise do movimento feminista, acredito que isso não prejudique o modesto objetivo deste artigo, qual seja, apresentar a abordagem feminista das relações internacionais para interessados em geral, sem pressupor nenhum conhecimento teórico sobre qualquer um dos assuntos. Creio que os estudiosos das relações internacionais devam aceitar sua natureza multidisciplinar, acolhendo novas leituras, bem como novos leitores. Apesar de ainda causar estranhamento, a abordagem feminista das relações internacionais tem ganhado espaço no debate acadêmico da área, especialmente a partir de meados da década de 1990. A eminente professora J. Ann Tickner pode ser considerada uma pioneira no estudo das mulheres nas relações internacionais: insistente, Tickner foi responsável pelo avanço do diálogo entre feministas e demais teóricos das RI, principalmente a partir do artigo publicado na prestigiosa International Studies Quarterly em 1997, que provocou alguma reação entre os acadêmicos da área. O diálogo, como veremos, ainda é marcado por preconceitos e equívocos que Tickner atribui, em parte, à ignorância dos estudiosos de relações internacionais quanto a questões de gênero, e - talvez em maior parte 4 - ao desejo de proteger os conceitos fundamentais da disciplina contra críticas demasiado ácidas. Com efeito, este trabalho procura contribuir para o debate sobre a legitimidade da abordagem feminista e a pertinência de suas críticas. Dirigido tanto àqueles que se interessam pela questão de gênero de forma geral quanto aos interessados nos debates contemporâneos das relações internacionais, procuramos incluir uma breve introdução à teoria das RI, com vistas a melhor apresentar o objeto das críticas feministas. 2. A disciplina de Relações Internacionais: a ortodoxia realista e a crise de identidade contemporânea Costuma-se atribuir a origem da disciplina de Relações Internacionais ao período imediatamente posterior à I Guerra Mundial. Segundo os professores João e Nizar: “O primeiro departamento de Relações Internacionais foi criado em 1917, na universidade escocesa de Alberystwyth, com uma preocupação normativa: os acadêmicos que se reuniram naquele departamento tinham como objetivo organizar uma disciplina em torno do estudo da questão da guerra e, mais precisamente, com a finalidade de livrar a humanidade de suas conseqüências nefastas. Era preciso, então, estudar o fenômeno da guerra e suas causas para poder evitar a repetição de tragédias similares às acontecidas na então chamada Grande Guerrai”. Os famosos “14 pontos” do presidente norte-americano Woodrow Wilson, que constavam da mensagem enviada ao Congresso em 1918, tentaram regular uma “paz sem vencedores nem vencidos”, inaugurando a Liga das Nações – organização internacional cuja função seria mediar desavenças internacionais para impedir que precipitassem um novo conflito. Outra manifestação de otimismo e (ou) ingenuidade foi o pacto Briand-Kellog de 1928: um tratado de renúncia à guerra como instrumento de política internacional, assinado, ironicamente, pelos próprios protagonistas da Guerra que se aproximava. Edward Carr, ex-diplomata britânico à época, acusou a “preocupação normativa” dos acadêmicos em evitar a guerra de impedir que percebessem a proximidade do novo conflito. Em vez de concentrarem seus esforços estudando os mecanismos da guerra, suas causas e 5 conseqüências, Carr dizia que os teóricos da recém-nascida disciplina distraíram-se em ponderações éticas e morais, e perderam os sinais que anunciavam a II Guerra. Esse espírito de otimismo que impregnou as relações internacionais do período entre guerras, Carr chamou-o utópico, ou idealista. Contrapondo-se ao idealismo, portanto, o diplomata se alinha a um grupo de teóricos que chamou realista: mais preocupado com as relações de poder entre os Estados, com os meios de destruição disponíveis e com a competição dos interesses do que com divagações sobre moralidade. “A caracterização feita por Carr desse debate como um confronto entre idealistas e realistas ficou conhecida na área acadêmica das relações internacionais como o primeiro grande debate da teoria das Relações Internacionaisii”. Assim, o início da II Guerra Mundial serviu de argumento para os realistas, que ainda obtiveram considerável reforço teórico com a publicação, em 1948, do livro de Hans Morgenthau, A política entre as nações. A partir de então, os realistas dominaram o primeiro debate até a consolidação do regime bipolar da Guerra Fria. O segundo debate das relações internacionais, portanto, teve início quando a intensidade da Guerra Fria arrefecia, durante os anos 1960 e 1970. Com o impasse nuclear entre as duas superpotências, a “alta política” encontrava-se congelada e os teóricos das relações internacionais voltaram seu interesse para as relações econômicas, até então desconsideradas pela disciplina. Estando o conflito ideológico entre Leste e Oeste paralisado pelo overkill – a mútua capacidade de destruição – os acadêmicos das relações internacionais se viram obrigados a lidar com questões de economia internacional que ameaçavam a estabilidade do equilíbrio de terror: desde a emergência do Terceiro Mundo, chamando atenção para desigualdades econômicas que não dependiam de orientação ideológica, até a sucessiva demonstração de vulnerabilidade do sistema às questões do comércio internacional, como foram as crises do petróleo. O livro de Joseph Nye e Robert Keohane, de 1977, Power and Interdependence, critica a indiferença realista com relação a assuntos alémda segurança, e sua recusa em reconhecer atores não-estatais. Por estarem demasiadamente concentrados em temas de segurança e envolvidos nos seus “jogos de 6 soma zero”, os teóricos realistas deixaram de enxergar elementos de interdependência e de cooperação fundamentais para o sistema internacional. A resposta realista aos críticos do segundo debate (também chamado “debate neo x neo”) veio com a formulação do neorealismo, a partir da publicação do livro de Kenneth Waltz, Theory of International Politics, em 1979. Waltz reafirma a relevância da distribuição de poder para a teoria política internacional e expõe suas concepções acerca da estrutura anárquica do sistema internacional, e da sua natureza permanente. Se a anarquia, como argumenta Waltz, é a principal condição do sistema internacional, então a desconfiança é a regra, e as iniciativas de cooperação não se sustentam. “Com tantos Estados soberanos, sem um sistema jurídico que possa ser imposto a eles, com cada Estado julgando suas queixas e ambições segundo os ditames de sua própria razão ou de seu próprio desejo, o conflito, que por vezes leva à guerra, está fadado a ocorrer. A fim de alcançar um desfecho favorável nesse conflito, os Estados têm de confiar em seus próprios dispositivos, cuja relativa eficiência tem de ser sua constante preocupação. iii” Um outro grupo de teóricos apresentou desafios ainda maiores à teoria de RI: influenciados pela tradição marxista e pelo processo de descolonização, que trouxe novos Estados para o sistema, esses teóricos entendiam as relações internacionais pelo movimento de expansão do capitalismo e de seus padrões internacionais de exploração. Immanuel Wallerstein faz uso de alguns conceitos da tradição marxista para elaborar sua teoria do sistema-mundo, desenvolvendo sua própria concepção de estrutura do sistema internacional, que para ele obedece à lógica de exploração capitalista. Nos anos 1980 e 1990, a disciplina de relações internacionais esteve sujeita a ainda mais questionamentos: teóricos advindos de outras áreas das ciências sociais se engajaram em críticas à epistemologia positivista predominante no campo das RI: “O problema com as teorias positivistas é que partem de pressupostos (por exemplo, sobre a natureza humana) que são colocados fora de qualquer debate e tratados como dadosiv”. 7 O terceiro debate, portanto, contrapôs positivistas e pós-positivistas. O pós-positivismo procurou questionar a divisão entre sujeito e objeto e assim desacreditar a neutralidade do discurso tradicional da teoria das relações internacionais: “O questionamento dos pressupostos das teorias de Relações Internacionais é uma das principais contribuições do pós-modernismo para a redefinição da área a partir dos anos 80. Se, por exemplo, o pressuposto da anarquia como estado de natureza for colocado em dúvida a partir de uma análise das origens e dos contextos intelectuais em que é produzido, a força que adquiriu enquanto ‘realidade’ que condiciona inexoravelmente a qualidade da política mundial se verá bastante reduzida.v” De maneira geral, a abordagem feminista das relações internacionais pode ser corretamente identificada com o terceiro debate, e com muitos dos argumentos da teoria crítica e pós-moderna contra os pressupostos da teoria de relações internacionais preponderante até então. Ao desafiar a separação entre sujeito e objeto na formulação de teoria, os pós-positivistas levantam o tema da identidade nas relações internacionais, questionando sua neutralidade e buscando alternativas transformadoras: “Os pós-modernos denunciam essa naturalização dos pressupostos da atividade científica como um movimento para silenciar e excluir formas alternativas de produção de conhecimento e reproduzir relações de dominaçãovi” 3. O silêncio das Relações Internacionais “Nos últimos 25 anos, as questões de gênero e particularmente aquelas referentes ao lugar e ao papel das mulheres têm adquirido uma importância muito maior dentro das ciências sociais como um todo. Em resposta à ascensão dos movimentos de mulheres em algumas sociedades ocidentais e à produção de um corpo crescente de literatura analítica com relação à posição 8 da mulher, tem havido um desenvolvimento significativo na agenda e nos conceitos estudados em diversas disciplinas acadêmicas. Se isto tem sido especialmente percebido na história e na sociologia, também tem sido evidente na ciência política, na economia e na antropologia e vem adquirindo maior importância na literatura de humanidades mais ideologicamente constituída. Até o final dos anos 1980, existia, entretanto, uma exceção marcante nesta crescente conscientização das questões de gênero: as relações internacionaisvii”. O eminente Professor Fred Halliday dedica uma pequena parte do seu “Repensando as Relações Internacionais” ao tema da participação das mulheres na arena internacional - o título deste capítulo também foi emprestado de lá. Para Halliday, o silêncio sobre os avanços feministas na área das relações internacionais durou até o fim dos anos 1980. No entanto, como citado no capítulo anterior, o chamado “terceiro debate”, iniciado na década de 80, já anunciava algumas das críticas presentes na abordagem feminista: a co-constituição entre sujeito e objeto; a relevância da análise do discurso para compreender a ação política; a crítica à reificação dos conceitos que informam a teoria das relações internacionais; a construção de teoria como meio de emancipação... Ainda que a diversidade das abordagens feministas para as relações internacionais não nos permita fazer generalizações, há que se reconhecer a convergência entre a agenda pós-positivista e muitas das críticas feministas posteriormente levantadas. De fato, a abordagem feminista das relações internacionais ganhou maior visibilidade após a emergência do debate entre positivistas e pós-positivistas: a crítica à epistemologia positivista inspirou vários autores a repensarem as relações internacionais e a questionarem seus pressupostos. Nesse sentido, a abordagem feminista trouxe diversas contribuições para o recém-inaugurado debate e assumiu formas variadas: há desde aquelas que defendem o “ponto de vista” feminino (feminist standpoint) e argumentam pelo aumento da participação de mulheres na arena internacional, até as feministas pós-modernas, que parecem concentrar sua crítica nos desvios de gênero escondidos no discurso dominante da teoria das relações internacionais. Há também feministas que se identificam com a abordagem construtivista e fazem uso dos seus instrumentos analíticos para tecerem considerações sobre gênero, e há ainda feministas da teoria crítica, que, por sua vez, procuram ressaltar o caráter emancipatório 9 da teoria e propõem maneiras alternativas de pensar as relações internacionais. Neste trabalho, no entanto, iremos tratar a abordagem feminista de maneira necessariamente simplificadora, com vistas a apresentar aquelas que consideramos suas contribuições mais originais e promissoras, sem maiores preocupações com relação à classificação das diversas correntes. Com efeito, a década de 1990 foi mais receptiva para os estudos feministas na área das relações internacionais: o silêncio experimentado até então deu lugar a uma esclarecedora comunicação entre autores engajados na abordagem feminista e os chamados “teóricos tradicionais” das relações internacionais, comunicação que se deu especialmente na forma de artigos publicados em periódicos internacionais especializados. Reconhecidos autores do campo das relações internacionais se dispuseram a responder aos apelosfeministas por diálogo: assim, ao artigo de Ann Tickner, de 1997, intitulado You just don’t understand, seguiu-se a réplica de Robert Keohane e a tréplica de Tickner. Até o célebre autor nipo-americano Francis Fukuyama publicou suas impressões a respeito do tema num ensaio para a revista Foreign Affairs, que também mereceu resposta de Tickner. O diálogo ao longo dos anos 1990 rendeu maior visibilidade aos argumentos feministas, mas também ajudou a disseminar alguns equívocos comuns. Entre eles, Ann Tickner destaca a freqüente suposição de que uma abordagem feminista defenda a “natureza” pacífica da mulher contra a também natural “belicosidade” masculina: para confrontar esse argumento, com o qual as feministas não concordam, muitos costumam citar mulheres que ascenderam na política internacional agindo “como homens”, e repetem sempre os mesmos exemplos. A “dama de ferro”, Margareth Thatcher, é talvez o mais freqüente. Para tentar evitar tantos mal-entendidos, há que se esclarecer a diferença entre gênero e sexo: “Quando se fala em sexo, se fala em biologia, e não em relações sociais e de poder. Quando se fala em gênero, se fala de uma construção social que define a masculinidade e a feminilidadeviii” Considerações sobre gênero, apesar de serem socialmente construídas, são tão persuasivas e poderosas que são muitas vezes consideradas naturais. O discurso tradicional 10 da teoria das relações internacionais, portanto, quando silencia sobre o gênero, não está sendo “neutro”, mas sim parcial, conservador e omisso. Francis Fukuyama, além de incorrer nos mesmos enganos de outros autores tradicionais quanto aos argumentos feministas, ainda desvia a discussão em direção ao pantanoso - e deslocado - debate entre natureza e cultura. Seu artigo faz uso de argumentos sócio-biológicos para chegar a conclusões assustadoramente conservadoras. No entanto, por ter sido publicado em uma revista de reconhecida tradição e credibilidade entre os profissionais e estudiosos da área, tem grande poder de alcance, e bastante potencial para espalhar seus equívocos sobre uma matéria já pouco tratada. Assim, a abordagem feminista das relações internacionais ainda tem muito que avançar, seja em suas próprias elaborações teóricas, seja no árduo trabalho de convencer os colegas da área da legitimidade de suas propostas. O presente trabalho tem como objetivo esclarecer algumas das contribuições da abordagem feminista, argumentando pelo reconhecimento do gênero como categoria válida de análise na área das relações internacionais. Mais do que isso, queremos estimular a leitura dos trabalhos feministas, em favor de um diálogo mais informado. Para tanto, o trabalho foi dividido de maneira a incluir, ainda que de forma ligeira, as principais preocupações feministas quanto às relações internacionais. Assim, as duas próximas partes tratam da ausência feminina em dois domínios muito caros ao campo das relações internacionais: o econômico e o militar. A parte seguinte tenta refutar a suposta “neutralidade” de gênero do discurso realista e neorealista, para assim expor a relação entre linguagem e poder, entre discurso discriminatório e prática discriminatória. A última parte tentará organizar algumas das alternativas propostas pelos teóricos feministas, freqüentemente acusados de paralisar o debate com lamentações improdutivas. A bibliografia serve como referência para aqueles que, depois desta breve exposição, quiserem conhecer a abordagem feminista de forma mais detida e menos superficial. 4. A mulher e a economia internacional O campo das ciências econômicas raramente inclui em suas análises a divisão sexual do trabalho ou a produção predominante no ambiente doméstico, que acontece no interior da casa e entre os membros de uma família. O trabalho doméstico, de forma geral, não é remunerado, não consta dos índices nacionais que medem o desenvolvimento econômico de 11 um país, não está sujeito à regulamentação e é, salvo exceções, geralmente atribuído à mulher. A abordagem feminista pretende desafiar a “naturalidade” da relação entre a mulher e o trabalho doméstico, e problematizar a ausência feminina enquanto agente econômico. Como visto no capítulo 2, em meados dos anos 1970 as questões de economia voltaram a influenciar a agenda política internacional, quando os temas militares se encontravam paralisados pelo impasse nuclear. Com o desmantelamento da União Soviética e a ascensão de uma nova ordem “unipolar”, assim como a Inglaterra professava o liberalismo econômico durante seu período hegemônico no século XIX, os Estados Unidos tornaram-se os mais fortes defensores do neoliberalismo no pós-Guerra Fria. Para os fins a que este trabalho se propõe, cremos que seja bastante apresentar somente as críticas feministas ao liberalismo, dada sua preponderância contemporânea global (ainda que Ann Tickner dedique um capítulo inteiro do seu livro de 1992 à ausência feminina nas três principais tradições da economia política internacional: liberalismo, nacionalismo econômico e marxismoix). A teoria do liberalismo econômico vê o indivíduo como ser racional movido pelos próprios interesses (self-interested) e pela vontade de maximização do lucro. Seus defensores acreditam que, mesmo que os indivíduos ajam socialmente tendo em vista motivações egoístas, o resultado da interação social aumenta a riqueza relativa de todos. As críticas feministas desafiam justamente a suposição liberal que atribui ao indivíduo tal comportamento individualista: alegam que esse modelo de racionalidade não é compatível com a experiência feminina, ou com a experiência de indivíduos em sociedades não- capitalistas, e por isso não pode ser entendido como protótipo de racionalidade humana. A experiência da mulher no seu papel maternal, por exemplo, não condiz com a racionalidade liberal, autocentrada e individualista. Nos países não-capitalistas, a produção cooperativa e comunitária de homens e mulheres tampouco se encaixa no modelo de racionalidade liberal. Como o trabalho feminino geralmente acontece fora da economia de mercado, um modelo econômico baseado na racionalidade instrumental defendida pelo liberalismo exclui grande parte do trabalho geralmente executado por mulheres, naturalizando a desigualdade: “Globally, women are a disadvantaged group: they own one percent of the world’s property and resources, perform 60 per cent of the labour, are the 12 majority of refugees, illiterate and poor persons, and yet women are central to the social and material survival of families and communitiesx” As autoras da abordagem feminista argumentam que uma concepção mais justa de trabalho deveria incluir a produção e reprodução da vida, em vez de se restringir às atividades que geram mais-valia. No lugar de aceitar a divisão sexual do trabalho como algo “natural”, a perspectiva feminista defende o reconhecimento dos seus desvios de gênero, com vistas a transformar a divisão artificial (porque socialmente construída) que desvaloriza o trabalho feminino. A formulação de novos modelos de comportamento econômico que incluíssem a experiência econômica diferenciada das mulheres possibilitaria novas abordagens para os problemas econômicos globais. Revelar a ausência da mulher no discurso supostamente neutro das teorias econômicas pode contribuir para o desenvolvimento de políticas mais inclusivas, a fim de transformar as estruturas desiguais de gênero que atualmente marginalizam grande parte da população mundial. 5. A mulher e a guerra Como vimos, o período da Guerra Fria foi bastante influenciado por autores realistas, cuja principal preocupação é com assuntos relativosà segurança. Por isso, algumas autoras feministas resolveram atacar o núcleo teórico realista, investigando o tema da segurança por meio de uma abordagem alternativa aos pressupostos do realismo. No seu livro, Ann Tickner chama atenção para os problemas da concepção realista de segurança: como consideram o ambiente internacional perigoso e inóspito, os realistas aconselham os Estados a estarem sempre preparados para a guerra, e acrescentam que a segurança e a estabilidade do sistema dependeriam desse frágil equilíbrio entre Estados bem armados. Com o desenvolvimento das armas nucleares, a possibilidade de destruição total - tanto de vencedores como de vencidos - faz com que a idéia realista sobre o comportamento dos Estados baseada na auto-ajuda (self-help) se torne pouco confiável. De acordo com a ortodoxia realista, os Estados têm a obrigação de se armar para garantir sua própria proteção no sistema internacional anárquico; no entanto, a busca constante por armamentos pode ser 13 percebida pelos demais Estados como ameaçadora, o que leva os atores a uma corrida armamentista que pode desestabilizar o sistema como um todo. Recentemente, alguns autores (não só feministas) têm procurado desenvolver uma concepção alternativa de segurança que vá além do contexto militar interestatal. Esses autores questionam se a segurança do Estado, tradicionalmente considerada em termos militares, é compatível com a segurança dos seus residentes. Argumentam por exemplo que um Estado, ao buscar sua segurança por meio da corrida armamentista internacional, desvia recursos do seu tesouro para o orçamento militar, em prejuízo dos demais serviços públicos, ou seja, muitas vezes a busca de segurança do Estado provoca a insegurança do indivíduo aquém fronteiras. Um conceito de segurança definido mais amplamente, portanto, deve ter como referencial o indivíduo, não o Estado, e deve incluir ponderações sobre segurança econômica e outros temas relativos ao bem estar e à diminuição do sofrimento humano: “Arguing for an emancipatory vision of security, Ken Booth criticizes ‘unhelpful dichotomies’ which have characterized the way we study international politics. According to Booth, the language in which security has been framed is one of division and exclusion; unless we cast off these old images and begin to think more interdependently, our images of the future will tend to replicate the past. Booth argues for a position that sees security from a holistic perspective rather than one that privileges the state and its military powerxi” A abordagem feminista também prefere definições ampliadas de segurança, que privilegiem o bem estar dos indivíduos mais do que a simples proteção do Estado. De fato, essa preocupação com novas formas de definir segurança vai ao encontro de outro argumento bastante presente nas críticas feministas: a crítica às dicotomias - no caso, àquela que distingue o ambiente nacional do sistema internacionalxii. Quando a segurança nacional é definida negativamente, contrapondo a “ordem interna” à “desordem externa”, ela revela a necessidade realista de afirmar a anarquia do sistema para legitimar a soberania e a identidade nacional. 14 Segundo Jacqui True, o Estado moderno foi formado ao longo de dois eixos constituintes, que distinguiam interno de externo e público de privado: para ela, as duas dicotomias serviram também para naturalizar pressuposições desiguais de gênero. “Otherness within (women, femininity) and others outside (barbarians, foreigners, other states) threaten the coherent identities of men and states, whose security rests on the establishment of fixed, gendered boundariesxiii” Quando procuram tratar de temas de segurança, as feministas entram num domínio visivelmente dominado por considerações e simbologias de gênero: a guerra. A simbologia associada aos conflitos é bastante esclarecedora, e repleta de conteúdos de gênero: a imagem do soldado (homem) cuja função é proteger a nação e seus compatriotas “indefesos” (mulheres, crianças), é largamente utilizada e esconde concepções exclusivistas baseadas no gênero, ao mesmo tempo em que desvaloriza a capacidade das mulheres como agentes de sua própria proteção: “Excluded from military combat in almost all societies, women have, therefore, been perceived as second-class citizens or victims who lack agency in matters of their own protection. By questioning this protector/protected relationship and by seeing how these political identities are constructed in terms of gender inequalities, we can begin to understand how they, and other social relations of domination and subordination, can be obstacles to a comprehensive definition of security.xiv” Não é difícil observar como os valores tradicionalmente associados à idéia ocidental de masculinidade são sistematicamente invocados nos treinamentos militaresxv. Como essas características tradicionalmente associadas ao mundo masculino são construções sociais, nem todo indivíduo do sexo masculino se identifica com elas: por isso, o serviço militar faz uso de uma linguagem que apela para a afirmação da masculinidade enquanto dever patriótico. “To be a soldier is to be a man, not a woman; more than any other social institution, the military separates men from women. Soldiering is a role into which boys are socialized in school and on the playing fields. A soldier must be a protector; he must show courage, 15 strength, and responsibility and repress feelings of fear, vulnerability, and compassion. Such feelings are womanly traits, which are liabilities in time of warxvi” A glória do soldado herói, celebrada desde a Antigüidade, a honra de morrer pela pátria, imortalizada em inúmeros símbolos nacionais, e outras exaltações do valor em combate têm sido sistematicamente negadas às mulheres. A participação feminina no serviço militar tem avançado significativamente, mas está longe de superar representações de gênero ainda bastante rígidas: a imagem de uma mulher na frente de batalha é tão perturbadora porque subverte a simbologia à qual estamos condicionados, segundo a qual é dever do homem provar sua masculinidade defendendo nacionais indefesos dos perigos externos. A guerra, como outros aspectos da teoria política internacional, está repleta de suposições sobre gênero que contribuem para a reprodução do discurso exclusivista que legitima e naturaliza a desigualdade entre homens e mulheres. Questionar essas pressuposições ajuda a desconstruir o discurso dominante e abre espaço para novas formas de enxergar o objeto de estudos predileto dos realistas. 6. O rei está nu: desvios de gênero nos discursos realista e neorealista Esta parte do trabalho procura analisar a hierarquia de gênero presente nos discursos dominantes das relações internacionais. Com especial atenção à vertente pós-moderna da abordagem feminista, partimos da influência de Michel Foucault com relação à importância da análise do discurso para o conhecimento da prática política. Para o filósofo francês, “toda forma de dominação depende de uma articulação entre conhecimento e poderxvii”. Assim, ao revelar os conteúdos de gênero presentes nos discursos realista e neorealista, procuraremos expor também a desigualdade de gênero que contamina a prática dominante. “Para os pós-modernos, toda verdade é a afirmação de uma posição de poder e reflete estruturas de dominação que pretendem, por meio do discurso científico, apresentar-se como neutras e naturaisxviii” Ainda que os teóricos realistas pretendam que sua teoria seja objetiva e tenha validade universal, as ferramentas teóricas que eles utilizampara analisar e explicar o comportamento dos Estados no sistema internacional são visivelmente imbuídas daquilo que, no ocidente, 16 convencionou-se associar à masculinidade. O modo como os realistas descrevem o indivíduo, o Estado e o sistema de Estados é construído levando em conta a experiência do homem, melhor, de alguns homens, e é, portanto, parcial e limitado. A seguir tentaremos exemplificar a presença de conteúdos de gênero no discurso realista examinando as interpretações mais comumente utilizadas na retórica internacional. 6.1 Maquiavel: a fortuna é uma mulher O florentino Nicolau Maquiavel é geralmente citado com um dos “pais” do realismo nas relações internacionais. Sua obra mais lembrada pela tradição realista é “O Príncipe”, um manual escrito no exílio, dirigido ao “magnífico Lorenzo, filho de Piero de Médici”, que oferece conselhos bastante práticos para o governante que deseja conquistar e manter principados. Escrito de forma direta, o livro trata da prática política sem rodeios, sem preocupações religiosas ou morais: “E deve-se entender o seguinte: que um príncipe, e sobretudo um príncipe novo, não pode seguir todas as coisas a que são obrigados os homens tidos como bons, sendo muitas vezes obrigado, para conservar o governo, a agir contra a caridade, a fé, a humanidade, a religiãoxix” O estilo de Maquiavel atraiu os teóricos realistas, que, a partir da leitura de sua obra- prima, postularam a separação entre a moral e a política como fundamento da razão de Estado. Assim, nos seus conselhos para o Príncipe, Maquiavel elogia o governante engenhoso, capaz de calcular seus passos políticos com prudência, sem se perder em elucubrações éticas ou religiosas, mas recorrendo a elas quando conveniente para os fins que elegeu. Essa qualidade de ser flexível e de não se deixar amarrar por constrangimentos morais é relevante porque prepara o Príncipe para a mudança imprevisível das circunstâncias. Nas palavras do autor, o Príncipe deve contar com a virtù para melhor enfrentar os caprichos da fortuna. Algumas autoras feministas têm sugerido que a distinção entre fortuna e virtù esconde suposições de gênero, multiplicadas pela tradição realista descendente do florentino. Segundo a abordagem feminista, a construção do conceito de virtù exigiu a elaboração de um conceito que se opusesse ao primeiro: a valorização da autonomia, característica tradicionalmente 17 associada à natureza masculina, contrapunha-se à alteridade feminina, caprichosa e imprevisível. “Estou convicto de que é melhor ser impetuoso do que circunspecto, porque a fortuna é uma mulher e, para dominá-la, é necessário bater-lhe e contrariá-laxx”. Para Tickner, a formulação política de Maquiavel reflete e reproduz desigualdades de gênero quando valoriza qualidades políticas geralmente atribuídas aos homens, e também quando sugere que as características consideradas femininas devam ser dominadas em nome do bom governo: “The most dangerous threat to both a man and a state is to be like a woman because women are weak, fearful, indecisive, and dependent – stereotypes that still surface when assessing women's suitability for the military and the conduct of foreign policy todayxxi”. 6.2 Hobbes: o homem é o lobo do homem O trabalho do filósofo inglês Thomas Hobbes, especialmente sua obra “Leviatã”, também é considerado fundamental para a teoria realista. Hobbes não escreveu especialmente sobre o sistema internacional, mas a leitura realista ampliou suas considerações sobre a formação do Estado para pensar as relações internacionais. De fato, o “estado de natureza” hobbesiano é a metáfora mais utilizada para descrever as relações políticas – anárquicas – no sistema internacional: “De Hobbes, os realistas destacaram o conceito de estado de natureza que comparam com o estado de anarquia no sistema internacional. Para os realistas, a falta de um soberano que tenha o monopólio do uso legítimo da força nas relações internacionais é comparável ao estado de natureza de Hobbes. A impossibilidade de estabelecer um Leviatã no plano internacional – pela própria admissão de Hobbes – torna a anarquia internacional uma característica definitiva das relações internacionaisxxii”. 18 Para Hobbes, um contratualista, a vida dos indivíduos no estado de natureza é embrutecida e breve, porque insegura. Na ausência de um poder soberano com o monopólio do uso da força, cada um conta com seus próprios recursos para sobreviver e para competir numa sociedade sem regras e sem poder centralizado de sanção, onde impera a “guerra de todos contra todos”. A crítica do feminismo à leitura realista da obra de Hobbes argumenta que a descrição do estado de natureza também está fundada em uma visão do comportamento humano essencialmente masculina. Afinal, se a vida sem o Estado era tão competitiva e bruta, como ela se reproduzia? Ann Tickner também trata do assunto, afirmando que a concepção realista do estado de natureza ignora a experiência feminina de cooperação e de reprodução da vida: “As a model of human behavior, Hobbes's depiction of individuals in the state of nature is partial at best; certain feminists have argued that such behavior could be applicable only to adult males, for if life was to go on for more than one generation in the state of nature, women must have been involved in activities such as reproduction and child rearing rather than in warfare. Reproductive activities require an environment that can provide for the survival of infants and behavior that is interactive and nurturingxxiii”. Assim, a abordagem feminista das relações internacionais desafia os cânones da tradição realista revelando as suposições hierárquicas de gênero que sustentam seus pressupostos. O que essa visão seletiva, denunciada por Tickner e outros autores, revela? Sobre o que ela silencia? Para Tickner, essa visão limitada da natureza humana privilegia estereótipos masculinos de comportamento competitivo e predatório: uma concepção mais inclusiva e sensível à experiência feminina veria a natureza humana como sendo ao mesmo tempo competitiva e cooperativa, adicionando características de interdependência e reprodução social àquelas de dominação e separação. 6.3 Waltz e os caçadores O proeminente professor Kenneth Waltz elaborou, no seu livro “Theory of International Politics”, de 1979, os princípios do neorealismo. Como já foi brevemente explicado na 2º parte 19 deste trabalho, Waltz elabora o conceito de estrutura para descrever o elemento constante do sistema internacional: a anarquia. Para ele, essa estrutura anárquica constrange o comportamento dos Estados nas relações internacionais, que deve ser orientado pelo princípio da auto-ajuda e de acordo com a divisão internacional de poder. Para ilustrar a condição anárquica que define o sistema internacional, Waltz utiliza a parábola do cervo e do coelho desenvolvida por Rousseau: “Suponha que cinco homens que adquiriram uma capacidade rudimentar de falar e de compreender uns aos outros se reúnam num momento em que todos estão famintos. A fome de cada um será saciada por um quinto de um cervo, de modo que eles ‘concordam’ em cooperar no projeto de apanhar um cervo numa armadilha. Mas, do mesmo modo, a fome de cada um será satisfeita por um coelho, de modo que, como um coelho está ao alcance, um dos homens o apanha. O traidor obtém o meio de satisfazer sua fome, mas, ao apanhar o coelho, permite que o cervo escape. Seu interesse imediato prevalece sobre a consideração pelos companheiros.xxiv” Se a anarquia, como argumenta Waltz, é aprincipal condição do sistema internacional, então a desconfiança é a regra, e as iniciativas de cooperação não se sustentam: há sempre a possibilidade de haver um coelho por perto, que servirá ao mais astuto, prejudicando seus pares. Por isso, na anarquia as alianças são frágeis e os interesses imediatos são dominantes. A abordagem feminista, mais uma vez, questiona o ambiente pré-social no qual se dá a caça ao cervo e investiga o significado dessa parábola para a desigualdade de gênero na teoria das relações internacionais. Os cinco caçadores são autônomos, egoístas e desconfiados: características comumente associadas ao homem. A parábola de Rousseau, reproduzida por Waltz, parece ocorrer em um mundo povoado por homens órfãos, onde não há a menor evidência de ligações familiares: a experiência feminina de interdependência e de cuidado com a prole é, de novo, desconsiderada. 20 7. Além da crítica: a alternativa feminista Fred Halliday termina seu capítulo sobre as mulheres avaliando as contribuições do “pós-modernismo e suas abordagens associadas” para o debate das relações internacionais. “No contexto de um interesse disseminado pelo pós-modernismo, a teoria feminista tem sido crescentemente influenciada pelo último e isto tem um impacto nas RI com resultados previsíveis. Enquanto a autoridade das abordagens tradicionais tem sido enfraquecida, a alternativa proposta tornou- se uma nova ortodoxia, de um tipo vago e, freqüentemente, autoderrotista.xxv” O professor britânico argumenta que a crítica pós-moderna não avança em direção a construções alternativas, e quando o faz, acaba se perdendo em “um frenesi de prolixidade e de rodeios”. Há que se dar alguma razão a Halliday: as considerações feministas são incômodas, às vezes panfletárias e bastante pretensiosas, principalmente quando propõem mudar radicalmente os pressupostos tradicionais das relações internacionais. No entanto, essa má-vontade com a abordagem feminista muitas vezes impede que se conheça mais sobre o assunto. No seu artigo de 2005, Ann Tickner reafirma a perspectiva feminista sobre a associação entre conhecimento e poder: “Since many feminists do not believe it is possible to separate thought from action and knowledge from practice, they claim that feminist research cannot be separated from the historical movement for the improvement of women’s lives out of which it emerged.xxvi” A abordagem feminista, ao contrário do que pensam seus críticos mal-informados, está visivelmente preocupada com a repercussão prática de suas demandas teóricas. Para ela, o objetivo da teoria é a emancipação humana, é essa sua preocupação normativa. Freqüentemente identificada com o pós-positivismo, a abordagem feminista não procura oferecer uma maneira neutra de estudar as relações internacionais: pelo contrário, afirma que o reconhecimento da subjetividade do pesquisador de fato aumenta a objetividade da pesquisa. 21 “What Reinharz refers to as ‘reflexive attitude’ has developed in reaction to androcentric research with its claims to value neutrality.xxvii” De modo geral, pode-se dizer que a abordagem feminista está preocupada em superar as estruturas de gênero que desvalorizam a experiência feminina. No entanto, ela não tem como objetivo simplesmente libertar as mulheres dessa estrutura excludente: ela também espera libertar os homens das expectativas acerca da masculinidade, superando a reificação das construções sociais de gênero. Redefinir conceitos que informam domínios afetos às relações internacionais (econômicos, militares, metodológicos) abre espaço para novas possibilidades de construção de teoria. Transformações no nível teórico se refletem na “realidade lá fora”. Transformar o conhecimento é transformar a realidade: “Since knowledge about the behavior of states in the international system depends on assumptions that come out of men's experiences, it ignores a large body of human experience that has the potential for increasing the range of options and opening up new ways of thinking about interstate practices.xxviii” A alternativa proposta pela abordagem feminista, contra a “neofobia” realista, é a transformação. Concordemos: às vezes, o terceiro debate se parece demais com o primeiro, com o de sempre. 22 8. Bibliografia FUKUYAMA, Francis. Women and the evolution of World Politics Foreign Affairs – 1998 # 77 p 22-40 HALLIDAY, Fred. Repensando as Relações Internacionais. Editora da UFRGS - 1999 KEOHANE, Robert O. Beyond dichotomy: conversations between international relations and feminist theory International Studies Quarterly – 1998 # 42 KRAUSE, Jill. Gendered Identities in International Relations. in. RENWICK, Neil. Identities in International Relations. Macmillan Press Ltd - 1996 MARCHAND, Marianne. Different Communities / Different Realities / Different Encounters: a Reply to J. Ann Tickner. International Studies Quarterly – 1998 # 42 NOGUEIRA, João Pontes e MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. Editora Elsevier - 2005 PITKIN, Hanna Fenichel. Fortune Is a Woman : Gender and Politics in the Thought of Nicollo Machiavelli University of California Press, 1984 TICKNER, Ann. Gender in International Relations: Feminist Perspectives on Achieving Global Security - 1992 http://www.ciaonet.org/book/tickner/index.html 23 IDEM. Re-visioning Security. in: BOOTH, Ken and SMITH, Steve. International Relations Theory Today; The Pennsylvania State University Press - 1997 IDEM. Continuing the Conversation… International Studies Quarterly - 1998 # 42 IDEM. You just don’t understand: Troubled engagements between feminists and IR theorists International Studies Quarterly - 1997 # 41 IDEM. What is your research program? Some feminist answers to international relations methodological questions. International Studies Quarterly - 2005 # 49 TRUE, Jacqui. Feminism. in: BURCHILL, Scott and LINKLATER, Andrew. Theories of international relations. Macmillan Press Ltd – 1996 WALTZ, Kenneth. O Homem, o Estado e a Guerra. Editora Martins Fontes, 2004 IDEM. Theory of International Politics McGraw-Hill, 1979 ZALEWSKI, Marysia e ENLOE, Cynthia. Questions about identity. in: BOOTH, Ken and SMITH, Steve. International Relations Theory Today The Pennsylvania State University Press - 1997 24 Notas i NOGUEIRA, João Pontes e MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. p 3 ii IBIDEM p 4 iii WALTZ, Kenneth. O homem, o Estado e a Guerra. p 197 iv NOGUEIRA, João Pontes e MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. p 189 v IBIDEM p. 190 vi IBIDEM p. 189 vii HALLIDAY, Fred. Repensando as Relações Internacionais. p. 161 viii NOGUEIRA, João Pontes e MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. p 227 ix TICKNER, Ann. Gender in International Relations. capítulo 3 x TRUE, Jacqui. Feminism. p 217 “Globalmente, as mulheres formam um grupo em desvantagem: elas possuem 1% dos recursos e propriedades mundiais, executam 60% do trabalho, formam a maioria dos refugiados, analfabetos e pobres, e ainda assim, são fundamentais para a sobrevivência material de famílias e comunidades.” (tradução livre) xi TICKNER, Ann. Re-visioning Security. p. 188 25“Argumentando em favor de uma visão emancipadora de segurança, Booth critica as ‘dicotomias enganosas’ que caracterizaram o modo com que estudamos a política internacional. De acordo com Booth, a linguagem com a qual tem-se tratado a segurança é uma de inclusão e exclusão; a menos que possamos superar essas velhas imagens e começar a pensar de forma mais independente, nossas imagens do futuro tenderão a replicar o passado. Booth defende uma posição que considere segurança sob uma perspectiva holística, em vez da que privilegia o Estado e o poder militar.” (tradução livre) xii Sobre este assunto, ver também WALKER, R. B. J. Inside/Outside: International Relations as Political Theory. xiii TRUE, Jacqui. Feminism. p.231 “A alteridade interna (mulher, feminilidade) e os outros externos (bárbaros, estrangeiros, outros Estados) ameaçam as identidades coerentes do homem e dos Estados, cuja segurança reside no estabelecimento de fronteiras fixas, permeadas pelo gênero.” (tradução livre) xiv TICKNER, Ann. Re-visioning security. p. 192 “Excluídas do serviço militar em quase todas as sociedades, as mulheres têm sido, então, percebidas como cidadãos de segunda classe ou como vítimas sem capacidade de agir em sua própria proteção. Ao questionar essa relação entre protetor e protegido e ao examinar como essas identidades políticas são construídas em termos de desigualdades de gênero, podemos começar a entender como essas e outras relações sociais de dominação e subordinação podem ser obstáculos para uma definição ampliada de segurança.” (tradução livre) xv �ZALEWSKI, Marysia e ENLOE, Cynthia. Questions about identity. p.291 xvi TICKNER, Ann. Gender in International Relations. p.45 26 “Ser um soldado é ser um homem, e não uma mulher; mais do que qualquer outra instituição social, o serviço militar separa os homens das mulheres. Ser soldado é um papel para o qual os meninos são socializados desde a escola e nos parquinhos. Um soldado deve ser um protetor, ele deve mostrar coragem, força e responsabilidade e deve reprimir sentimentos de medo, vulnerabilidade e compaixão. Esses sentimentos são traços femininos, considerados deficiências em tempo de guerra.” (tradução livre) xvii NOGUEIRA, João Pontes e MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. p 194 xviii IBIDEM p. 188 xix MACHIAVELLI, Niccolò. O Príncipe. p. 100 xx IBIDEM. p.146 xxi TICKNER, Ann. Gender in International Relations. p.45 “A ameaça mais perigosa tanto para o homem como para o Estado é agir como mulher, porque as mulheres são fracas, medrosas, indecisas e dependentes – estereótipos que ainda hoje aparecem quando se discute a capacidade feminina de participar do serviço militar e de conduzir as relações exteriores” (tradução livre) xxii NOGUEIRA, João Pontes e MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. p. 22 xxiii TICKNER, Ann. Gender in International Relations. p.45 “Como modelo de comportamento humano, a descrição hobbesiana dos indivíduos no estado de natureza é, no mínimo, parcial; algumas feministas têm argumentado que tal comportamento poderia ser atribuído somente a adultos do 27 sexo masculino, porque se a vida tivesse que continuar por mais de uma geração no estado de natureza, as mulheres teriam que estar envolvidas em atividades de reprodução e criação dos filhos, e não em jogos de guerra. Atividades de reprodução requerem um ambiente que permita a sobrevivência de crianças e um comportamento interativo e acolhedor.” xxiv WALTZ, Kenneth. O homem, o Estado e a Guerra p 208 xxv HALLIDAY, Fred. Repensando as Relações Internacionais. p. 184 xxvi TICKNER, What is your research program? Some feminist answers to international relations methodological questions. p. 9 “Como muitas feministas não acreditam ser possível separar pensamento e conhecimento de ação, elas afirmam que a pesquisa feminista não pode ser separada do movimento histórico pela melhora da vida das mulheres de onde surgiu a pesquisa.” (tradução livre) xxvii IBIDEM p. 8 “Aquilo a que Reinharz se refere como ‘atitude reflexivista’ se desenvolveu em reação à pesquisa androcêntrica e a suas alegações de neutralidade.” (tradução livre) xxviii IDEM. Gender in International Relations. p.22 “Como o conhecimento sobre o comportamento dos Estados no sistema internacional depende de suposições que vêm de experiências masculinas, ele ignora uma grande parte da experiência humana que tem potencial para aumentar o leque de opções e para abrir novas maneiras de pensar sobre as práticas estatais.” (tradução livre)
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