Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIDADE IX – DA TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES INTRODUÇÃO Os direitos obrigacionais enquanto pertencentes aos direitos patrimoniais são transmissíveis. Logo é juridicamente possível haver a transferência de direitos (cessão de crédito) e de deveres (cessão de débito ou assunção de dívida) por atos inter vivos. O ato pelo qual se transmite as obrigações denomina-se cessão. Esta, portanto, vem a ser a transferência negocial, a título gratuito ou oneroso, de um direito ou de um dever, de modo que o adquirente, denominado cessionário, exerça posição jurídica idêntica à do antecessor, então designado de cedente. Há três espécies de cessão: a) Cessão de crédito: o credor transfere a outrem seus direitos na relação obrigacional; b) Cessão de débito ou assunção de dívida: constitui um negócio jurídico pelo qual o devedor transfere a outrem a sua posição na relação jurídica, sem novar, ou seja, sem acarretar a criação de obrigação nova pela extinção da anterior; c) Cessão de contrato: ocorre nos contratos bilaterais, onde o cedente ao transferir a sua posição na relação contratual para o cessionário cede a este os seus direitos e deveres. Ex: o substabelecimento sem reserva de poderes, no qual o advogado transfere para outro advogado o mandato para atuar em determinado processo, transferindo- lhe os direitos e os deveres do contrato. 1. CESSÃO DE CRÉDITO 1.1. Conceito e espécies Cessão de crédito é negócio jurídico bilateral, pelo qual o credor transfere, a título gratuito ou oneroso, a outrem, seus direitos na relação obrigacional, mantendo esta com o mesmo devedor. O credor que transfere seus direitos denomina-se cedente. O terceiro a quem são eles transmitidos, chama-se de cessionário. O outro personagem, devedor ou cedido, não participa necessariamente da cessão, que pode ser realizada sem a sua anuência. Deve ser, no entanto, notificado para que possa solver a obrigação ao legítimo detentor do crédito. Ex (1): X emprestou R$200.000,00 a Y, pelo prazo de dois anos, tendo a dívida afiançada por Z. Ocorre que após um ano, X tem inesperadamente necessidade de dinheiro. Como ainda não pode exigir a restituição da quantia emprestada, cede o seu crédito por R$150.000,00 a T, que não pensa duas vezes em aceitar pela confiança que deposita na solvabilidade do fiador. Ex (2): um comerciante X (cedente) transfere a uma instituição financeira Y (cessionário) os seus créditos referentes a três duplicatas no valor de R$100.000,00 cada uma, recebendo R$220.000,00. A instituição financeira Y posteriormente irá receber o valor dos créditos das três duplicatas. Tal exemplo é típico das factorings. Vale ressaltar que o crédito pode ser transferido como forma de pagamento de uma obrigação, o que nesse caso se dará uma dação em pagamento. Ex: Y deve R$200.000,00 a X. Este por sua vez deve R$180.000,00 a Z. X com o intuito de solver a sua dívida com Z lhe transmite o seu crédito que tem a receber de Y. O contrato de cessão é consensual, pois se aperfeiçoa pela simples vontade das partes, não exigindo a tradição do documento. Todavia, em alguns casos, a natureza exige a entrega, como sucede com os títulos de crédito, assimilando-se então aos contratos reais (Gonçalves, 2016, p.219). A cessão de crédito pode ser classificada quanto a origem, quanto as obrigações que gera, quanto a extensão e quanto a responsabilidade do cedente em relação ao cedido (Tartuce, 2014, p.284-285). a) Quanto à origem: a.1) Cessão legal: é aquela que decorre da lei. Exs: o devedor de obrigação solidária que satisfaz a dívida por inteiro, sub-rogando no direito de crédito (art.283 do CC); o fiador que pagou integralmente a dívida, ficando sub-rogado nos direitos do credor (art.831 do CC); a.2) Cessão judicial: oriunda de decisão judicial. a.3) Cessão convencional: é a que decorre de acordo firmado entre cedente e cessionário. Ex: factoring. b) Quanto às obrigações que gera: b.1) Cessão a título oneroso: tanto o cedente como o cessionário têm desfalque patrimonial, que corresponde a uma vantagem econômica proporcional. Nesta o cedente garante a existência e a titularidade do crédito no momento da transferência, embora não garanta a solvabilidade do devedor, art.295 do CC. b.2) Cessão a título gratuito: somente o cedente tem desfalque patrimonial, haja vista transferir para o cessionário o seu crédito sem nenhuma contraprestação deste. Nesta o cedente garante a existência e a titularidade do crédito no momento da transferência, só se tiver agido de má-fé, art.295 do CC. c) Quanto à extensão: c.1) Total: o cedente transfere totalmente o seu crédito ao cessionário. c.2) Parcial: o cedente transfere parte do seu crédito, permanecendo na relação obrigacional. d) Quanto à responsabilidade do cedente em relação ao cedido: d.1) Cessão pro soluto: o cedente apenas garante a existência do crédito, sem responder, pela solvência do devedor. d.2) Cessão pro solvendo: o cedente obriga-se a pagar se o devedor cedido for insolvente. 1.2. Cessão de crédito e institutos afins. A cessão diferencia de alguns institutos jurídicos: a) Cessão de crédito X contrato de compra e venda: este tem por objeto bens corpóreos, além do que as partes participantes são apenas duas, o comprador e o vendedor. Já a cessão de crédito, tem por objeto bem incorpóreo (crédito) e necessariamente há três personagens, o cedente, o cessionário e o cedido; b) Cessão de crédito X novação subjetiva ativa: nesta, quando em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este. Aqui os acessórios, garantias e privilégios do crédito são extintos. Ex: João deve R$200,00 a Paulo, que deve igual importância para Maria. Por acordo entre os três, a obrigação entre João e Paulo é extinta, pois João irá pagar diretamente a Maria. Já na cessão de crédito todos os acessórios, garantias e privilégios da obrigação primitiva são mantidos. 1.3. Requisitos da cessão de crédito: objeto, capacidade e legitimação. Conforme o art.286 do CC, todos os títulos podem ser objeto de cessão, salvo se isso se opuser a: a) natureza da obrigação; b) lei; c) convenção com o devedor. a) Natureza da obrigação: é o caso da natureza da obrigação ser incompatível com a cessão, como no caso do direito aos alimentos. Um alimentando não pode ceder a terceiro o crédito que tenha em face do seu alimentante. Porém, ressaltam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, que o crédito alimentar vencido pode ser objeto de cessão, haja vista já ter se integrado ao patrimônio do alimentado, que sobreviveu até aquela data sem ele. b) Lei: não pode ser objeto de cessão os casos proibidos por lei, tais como, a cessão do direito de preferência (art.520 do CC), o benefício da gratuidade da justiça, o direito à herança de pessoa viva (art426 do CC), o crédito já penhorado em processo de execução, de modo que se houver cessão configurará fraude à execução (art.774, I do NCPC); c) Convenção com o devedor: a cessibilidade pode ser afastada pela vontade das partes. Todavia, essa cláusula proibitiva (pacto de non cedendo) só poderá ser oposta ao terceiro de boa-fé a quem se transmitiu o crédito (cessionário), se constar expressamente do instrumento da obrigação. Dessa forma, se o título da obrigação for silente a respeito, presume-se que a cessão seria possível (Gagliano e Pamplona Filho, 2014, p.290). Por ter natureza negocial, a cessão pressupõe a observância dos pressupostos gerais de validade,sobretudo da capacidade e da legitimidade das partes. É necessário que as partes envolvidas sejam plenamente capazes. Ocorre que, mesmo sendo capazes, algumas pessoas carecem de legitimação para adquirir certos créditos. É o caso do tutor e do curador, que não podem constituir-se cessionários de créditos, respectivamente, do pupilo e do curatelado. O falido e o inventariante judicial não têm qualidade para efetivar cessão de crédito, salvo mediante autorização judicial (Gonçalves, 2016, p.221-222). 1.4. A formalidade na cessão de crédito Em regra, a cessão convencional não exige forma especial para valer entre as partes, salvo, art.288 do CC: a) se a escritura pública for necessária a constituição do ato; b) para a cessão valer contra terceiros. a) Se a escritura pública for necessária a constituição do ato: dessa forma se a cessão não for realizada por escritura pública será nula. É o caso da cessão de crédito hipotecário e dos direitos hereditários. O cessionário de crédito hipotecário tem o direito de fazer averbar a cessão no registro do imóvel, art.289 do CC. b) Para a cessão valer contra terceiros: em regra, a cessão tem eficácia inter partes. No entanto, para ter eficácia perante terceiros é necessário que a cessão seja realizada mediante instrumento público ou instrumento particular revestido das solenidades do §1º do art.654 do CC (o instrumento particular deve conter, assim, a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do cedente e do cessionário, a data e o objetivo da cessão com a designação e a extensão dos direitos cedidos e ser registrado no Cartório de Títulos e Documentos). Transmitindo o crédito, os acessórios (cláusula penal e juros) e garantias da dívida também serão cedidos, se não houver estipulação expressa em sentido contrário, em virtude de que o acessório segue o principal, art.287 do CC. 1.5. Notificação do devedor Não obstante o devedor não precisar autorizar a cessão de crédito, deve ser notificado da mesma, até para saber que, a partir daquela comunicação, não pagará mais o credor primitivo (cedente), mas sim ao novo (cessionário). Logo a comunicação da cessão ao devedor não é pré-requisito de validade ao ato, mas sim de sua eficácia, art.290 do CC. Tal determinação corresponde a um dos deveres anexos da boa-fé, que deve estar presente nas relações obrigacionais. Assim, se o devedor “ignorado da cessão”, pagar ao credor primitivo, em consonância com o princípio da boa-fé, estará exonerado da obrigação. Porém, como a cessão é válida entre as partes, independentemente de notificação ao devedor, o cessionário, terá o direito de exigir do antigo credor (cedente) tudo quanto indevidamente recebeu, haja vista que recebeu prestação de direito alheio, enriquecendo ilicitamente à custa deste (Gonçalves, 2016, p.225). Dessa forma, tanto o cedente como o cessionário, poderão notificar judicial ou extrajudicialmente o devedor, da realização da cessão. Se não for notificado, a cessão é inexistente para o devedor e válido se tornará o pagamento feito ao cedente. Mas não se desobrigará se a este pagar depois de cientificado da cessão. Ficará desobrigado, também, no caso de lhe ter sido feita mais de uma notificação, se pagar ao cessionário que lhe apresentar o título comprobatório da obrigação, art.292 do CC. Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece a que se completar com a tradição do título do crédito cedido, art.291 do CC. Ex: se o credor X, maliciosamente, fizer a cessão do mesmo crédito a Y, Z e T, entregando a este último o título que representa a dívida, será T o novo credor, devendo o sujeito passivo da obrigação a ele pagar. Se a cessão tiver caráter oneroso poderão Y e Z voltar-se contra X, aplicando-se as regras previstas para o pagamento indevido (art.876 do CC) e o enriquecimento sem causa (art.884 do CC) (Tartuce, 2014, p.281). Adverte o art.293 do CC, que independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o cessionário exercer os atos conservatórios do direito cedido. Assim, a ausência de notificação do devedor não obsta a que o cessionário exerça todos os atos necessários à conservação do crédito objeto da cessão, como a ação de cobrança ou de execução por quantia certa, como também os atos inerentes ao domínio, como inclusive ceder o crédito a outrem (Tartuce, 2014, p.282). Notificado, o devedor vincula-se ao cessionário, podendo opor a este as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o credor, art.294 do CC. Se o devedor, notificado da cessão, não opõe, nesse momento, as exceções pessoais que tiver contra o cedente, não poderá mais arguir contra o cessionário as exceções que eram cabíveis contra o primeiro, como pagamento da dívida, compensação, etc. Poderá, no entanto, alegar contra o cedente como também contra o cessionário, a qualquer tempo, mesmo não tendo arguido as exceções ao ser notificado, vícios que, por sua natureza, afetam diretamente o título ou ato, tornando-o nulo ou anulável, como a incapacidade do agente, erro, dolo etc. (Gonçalves, 2016, p.226). Mas, se o cedido não foi notificado, poderá opor ao cessionário as exceções que tinha contra o cedente, antes da transferência. Já as exceções oponíveis diretamente contra o cessionário podem ser arguidas a todo tempo, tanto no momento da cessão como no de sua notificação (Gonçalves, 2016, p.226). Vide o seguinte julgado: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CESSÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. I MPROVIMENTO. 1.- A cessão de crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada. Isso não significa, porém, que a dívida não possa ser exigida quando faltar a notificação. 2.- O objetivo da notificação é informar ao devedor quem é o seu novo credor, isto é, a quem deve ser dirigida a prestação. A ausência da notificação traz essencialmente duas conseqüências (grifo nosso): Em primeiro lugar dispensa o devedor que tenha prestado a obrigação diretamente ao cedente de pagá-la novamente ao cessionário. Em segundo lugar permite que devedor oponha ao cessionário as exceções de caráter pessoal que teria em relação ao cedente, anteriores à transferência do crédito e também posteriores, até o momento da cobrança (artigo 294 do Código Civil). 3.- A falta de notificação não interfere com a existência ou exigibilidade da dívida, sendo de se admitir, inclusive, a inscrição indevida em cadastros de inadimplentes em caso de não pagamento, observadas as formalidades de estilo (artigo 43, § 2°, Código de Defesa do Consumidor). 4.- O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar o decidido, que se mantém por seus próprios fundamentos. 5.- Agravo Regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no REsp: 1408914 PR 2013/0331677-7, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 22/10/2013, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/11/2013). 1.6. Responsabilidade do cedente Por força do art.295 do CC, na cessão a título oneroso, pro soluto, o cedente fica responsável, tão somente, pela existência do crédito, à época que lho cedeu e não pela solvabilidade do devedor. Se a cessão tiver sido gratuita, responderá pela existência do crédito, o cedente que tiver agido de má-fé. Dessa forma, não havendo estipulação expressa no título da cessão, o cedente não responde pela insolvência do devedor (cessão pro soluto) (art.296 do CC). Porém, nada obsta que as partes convencionem que o cedente seresponsabilizará pela solvabilidade do devedor (cessão pro solvendo). Nesse caso a responsabilidade do cedente limitar-se-á ao que recebeu do cessionário, com os respectivos juros, mais as despesas da cessão e as efetuadas com a cobrança, art.297 do CC. Ex: se o crédito era de R$20.000,00 e foi cedido por R$16.000,00, o cessionário só terá direito de exigir do cedente até esta última importância, com os referidos acréscimos e não ao valor do crédito (Gonçalves, 2016, p.228). Vale registrar, ainda, que, uma vez penhorado um crédito, este não mais poderá ser transferido pelo credor que tiver conhecimento da penhora. No entanto, se o devedor não tiver conhecimento da penhora e pagar o crédito, ficará desobrigado, restando apenas ao terceiro prejudicado entender-se com o credor, art.298 do CC (Gagliano e Pamplona Filho, 2014, p.294). Assim, só após a intimação, é que o devedor fica obrigado a fazer o pagamento conforme a ordem judicial. 2. DA CESSÃO DE DÉBITO – DA ASSUNÇÃO DE DÍVIDA 1. CONCEITO E REQUISITOS A assunção de dívida é um negócio jurídico bilateral pelo qual o devedor (cedente), com a anuência expressa do credor (cedido), transfere a um terceiro (cessionário ou assuntor) a posição de sujeito passivo da relação obrigacional, o qual passará a partir de então se responsabilizar pela dívida, que subsiste com os seus acessórios. Ex: fusão de duas ou mais pessoas jurídicas e venda de estabelecimento comercial. Vale ressaltar que a lei não permite a exoneração do devedor se o terceiro, a quem se transmitiu a obrigação, era insolvente e o credor ignorava. Por isso, é de boa cautela dar ciência ao credor do estado de solvabilidade do novo devedor, art.299 do CC (Gonçalves, 2016, p.230 e Tartuce, 2014, p.285 e Gagliano e Pamplona Filho, 2014, p.296). A importância do consentimento expresso do credor é de tal monta, que o seu silêncio importará recusa da assunção, contrariando, pois, a máxima do cotidiano de que “quem cala consente” (parágrafo único do art.299 do CC). No entanto, há uma única situação em que o Código Civil permite a aceitação tácita do credor. Esta, que está descrita no art.303 do CC, se refere ao credor hipotecário, haja vista que a segurança do seu crédito reside muito mais na garantia, cujo valor seja superior ao débito, do que na pessoa do devedor. Porém, se o valor da garantia for inferior ao débito, haverá interesse do credor em impugnar a transferência de débito nos trinta dias de sua ciência, para a manutenção do devedor primitivo na relação obrigacional (Gonçalves, 2016, p.240). Logo os requisitos da cessão de débito são: É importante informar que o novo devedor (assuntor) não poderá opor ao credor as exceções pessoais que competiam ao devedor primitivo, a exemplo dos vícios de consentimento. Em contrapartida, as defesas comuns podem ser arguidas, dentre estas a prescrição, a hipótese de pagamento, etc, art.302 do CC (Figueiredo e Figueiredo, 2014, p.252). Vide julgado a seguir: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CESSÃO DE DÉBITO. CONSENTIMENTO EXPRESSO. ART. 209 CC. INOBSERVÂNCIA. INEFICÁCIA DA TRANSMISSÃO DA OBRIGAÇÃO EM RELAÇÃO AO CREDOR. ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. SUSPENSÃO. IMPOSSIBILIDADE POR NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS CONSTANTES NO ART. 739-A, § 1º DO CPC. EFEITO SUSPENSIVO REVOGADO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. 1. Tratando-se de transmissão de obrigação através da cessão de débito, ou como também chamada assunção de divida, para que esta opere o efeito de substituir o devedor principal perante o credor, é indispensável o consentimento expresso deste. 2. Não se vale para tanto, o silêncio do Requisitos da Cessão de débito Existência de uma relação jurídica obrigacional originária Anuência expressa do credor, com exceção do art.303 do CC Substituição do devedor, sem que haja extinção da obrigação original e nem criação de uma nova. credor conforme se infere de uma interpretação conjunta dos art. 209 do CC e seu parágrafo único. 3. Assim, a cessão de débito sem a anuência do credor não impossibilita a propositura da ação de execução contra o devedor inicial. 4. Por seu turno, para que seja reconhecida a suspensão da ação de execução, indispensável se faz a presença cumulativa dos requisitos especificados no art. 739-A, § 1º do CPC: relevância dos fundamentos defensivos; fundado receio de que a continuação da execução possa gerar grave dano de difícil ou incerta reparação ao executado; garantia do juízo por meio da penhora, caução ou depósito. 5. Restando afastada a ilegitimidade passiva e, consistindo este, em um dos fundamentos defensivos da agravante, infundada se faz a concessão de efeito suspensivo aos embargos à execução. 6. Recurso conhecido e não provido. (AI n. 0803136-06.2013.8.02.0900 TJAL. 3ª Câmara Cível. Juiz Conv. Maurício César Brêda Filho. 16/12/2015) 2.1. Diferenças entre a assunção de dívida e alguns institutos afins Segundo Gonçalves (2016, p.233-236) é importante diferenciar a cessão de divida de alguns institutos jurídicos, dentre estes: promessa de liberação do devedor, novação subjetiva por substituição do devedor e a fiança. a) Assunção de dívida e promessa de liberação do devedor: nesta, uma pessoa denominada promitente, se obriga perante ao devedor a desonerá-lo da obrigação, efetuando a prestação em seu lugar. Ex: o locatário que se compromete em pagar o IPTU do imóvel no lugar do locador. Porém, se o locatário não pagar o IPTU, o fisco irá cobrar do locador, o qual ao pagar o débito entrará com uma ação regressiva contra o locatário, que descumpriu a obrigação. A semelhança entre a assunção de dívida e a promessa de liberação do devedor está no ponto em que, em ambas as situações, uma pessoa se compromete a efetuar uma prestação devida por outrem. No entanto, são diferentes, pois, na promessa de liberação o credor não terá nenhum direito de exigir o cumprimento da obrigação ao promitente, mas tão somente ao devedor, uma vez que foi com este acordou. Já na assunção de dívida, o terceiro (assuntor) ao assumir a dívida do devedor se obriga perante o credor, que adquire o direito de exigir daquele a realização da prestação devida. b) Assunção de dívida e novação subjetiva por substituição do devedor: nesta a dívida anterior se extingue, para ser substituída por outra, com um novo devedor; enquanto que aquela é a mesma obrigação que subsiste, havendo mera alteração na pessoa do devedor. c) Assunção de dívida e fiança: nestas, tanto o assuntor, como o fiador, se obrigam ao credor a adimplir dívida de outrem. Porém, o fiador não é devedor, mas sim um mero responsável obrigacional pelo débito de outrem. Tendo sido conferido o benefício de ordem ao fiador, a sua responsabilidade será subsidiária, de modo que, será executado primeiro o patrimônio do devedor para solver a dívida e somente se este for insolvente ou insuficiente é que o patrimônio do fiador será executado. Além disso, o fiador pagando a dívida sub-roga-se no direito de credor. Já o assuntor é o único obrigado pela dívida que assumiu. 2.2. Espécies de assunção de dívida Para Farias e Rosenvald (2014, p.371-372), a cessão de débito em uma primeira classificação pode ser: a) liberatória, primitiva ou exclusiva; b) cumulativa. a) Liberatória, primitiva ou exclusiva: quando o devedor originário se exonera, por ter sido transmitido a sua obrigação a outrem, art.299 do CC; b) Cumulativa: o devedor originário permanece conjuntamenteobrigado com o novo devedor. O que ocorre na realidade é a ampliação do pólo passivo, havendo um reforço do débito. Desde que acordem previamente, os devedores em tese, estão obrigados solidariamente. Esta classificação tem como base o Enunciado16 da I Jornada de Direito Civil, do Conselho de Justiça Federal, a qual expressa que o “art.299 do CC não exclui a possibilidade da assunção cumulativa da dívida quando dois ou mais devedores se tornam responsáveis pelo débito com a concordância do credor”. Em uma segunda classificação a cessão de débito pode ser: (Figueiredo e Figueiredo, 2014, p.253-254): a) delegação; b) expromissão. a) Delegação: consiste em um negócio jurídico realizado entre o devedor originário (delegante) e um terceiro (delegado), que assume a obrigação daquele, com o devido consentimento expresso do credor (delegatário), art.299 do CC. Tal delegação poderá ser liberatória ou cumulativa. Será liberatória, quando não subsistir nenhuma obrigação para o devedor originário. Já na delegação cumulativa, o devedor originário se responsabilizará pela inadimplência do novo devedor; b) Expromissão: nesta o terceiro assume o débito sem a necessária concordância do devedor primitivo. É um negócio jurídico bilateral realizado entre o credor e o novo devedor (expromitente). Ex: um filho que assume a dívida de um pai, que por orgulho, jamais concordaria. A expromissão pode ser liberatória ou cumulativa. Nesta o novo devedor passará a ser responsável pela obrigação conjuntamente com o primitivo. Na expromissão liberatória, o devedor primitivo é exonerado da obrigação, a qual é assumida na integra pelo novo devedor. 2.3. Efeitos da assunção de dívida O principal efeito da assunção de dívida é a substituição do devedor na relação obrigacional, que permanece a mesma. Há modificação apenas no pólo passivo, com liberação em regra, do devedor primitivo, art.299 do CC. Vale ressaltar que essa liberação pode não ocorrer, caso em que se presencia a assunção de dívida cumulativa. Conforme já explicado o novo devedor (assuntor) não poderá opor ao credor as exceções pessoais que competiam ao devedor, porém as defesas comuns podem ser arguidas, art.302 do CC. Outro efeito importante da assunção de dívida é a extinção das garantias especiais (fiança) dadas em atenção à pessoa do devedor primitivo ao credor, de modo que, só subsistirão se houver concordância expressa do devedor primitivo e dos demais terceiros que garantiam a dívida. No entanto, as garantias reais prestadas pelo próprio devedor originário não são atingidas pela assunção e continuam válidas, a não ser que o credor abra mão delas expressamente (Gonçalves, 2016, p.239).1 O art.301 do CC adverte que, se anulada a assunção de dívida, restaura-se o débito com relação ao devedor primitivo, com todas as suas garantias, salvo aquelas prestadas por terceiros, exceto se estes conheciam o vício da obrigação. Ex: X cede o débito a Y, que é garantido por uma fiança prestada por Z. O credor é T. A cessão é anulada por ação judicial, pela presença de dolo de X. Em regra, a dívida original é restabelecida, estando exonerado o fiador. Entretanto, se este tiver conhecimento do vício, continuará responsável. Tal determinação legal tem como base o princípio da boa-fé. 1 Enunciado n.422 da V Jornada de Direito Civil. A V Jornada de Direito Civil, por meio do seu Enunciado n.423, determina que “o art.301 do CC deve ser interpretado de forma a também abranger os negócios jurídicos nulos e a significar a continuidade da relação obrigacional originária, em vez de “restauração”, porque, envolvendo hipótese de transmissão, aquela relação nunca deixou de existir.” 3. CESSÃO DE CONTRATO OU CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL? 3.1. Conceito Não obstante este tipo de cessão ser de uso corriqueiro no âmbito civil, o Código Civil de 1916 e de 2002 não o disciplinou. Consiste a cessão de posição contratual, em um negócio pelo qual um dos contratantes (cedente), de um contrato bilateral, cede a um terceiro (cessionário), com a devida anuência do outro contratante (cedido), a sua posição no contrato. O cessionário ao assumir a posição do cedente, contrai os direitos (os créditos) e as obrigações (os débitos) deste na relação contratual. Ex (1): o locatário ao ceder a sua posição no contrato de locação a um terceiro, com o necessário consentimento do locador, estará lhe transferindo os direitos – dentre estes de usar e fruir temporariamente do imóvel – como também os deveres – pagar o aluguel ao locador. Ex (2): o advogado que substabelece, sem reserva de poderes, o contrato de mandato para outro advogado. Como se pode perceber o que se transfere é a posição de um dos contratantes de um contrato bilateral e não o contrato em si, uma vez que este permanece o mesmo, o que denota ser a expressão cessão de contrato, utilizada em parte pela doutrina, não apropriada. Dessa forma a denominação mais coerente para esse tipo de negócio é cessão de posição contratual. Mas afinal, o que diferencia a cessão da posição contratual da cessão de crédito e cessão de débito? Na cessão de crédito, o que se transfere é unicamente o crédito. Da mesma forma na cessão de débito, ou seja, o que se cede é unicamente o débito. Já na cessão da posição contratual é cedido tanto os créditos como os débitos de um dos contratantes em um contrato bilateral. A falta de disciplina desse instituto em muitas legislações, levou a doutrina a questionar se a cessão da posição contratual seria uma nova modalidade de transmissão das obrigações ou somente a soma das cessões de crédito e de débito. Com base nestas discussões surgiram duas teorias: a) Teoria atomística ou analítica: defende que a cessão da posição contratual nada mais é do que a soma das cessões de crédito e de débito e que, portanto, não tem autonomia; b) Teoria unitária: a cessão da posição contratual é um instituo autônomo, pois transfere a posição contratual como um todo, sendo impossível a sua fragmentação. Esta teoria é a prevalente. Figueiredo e Figueiredo (2014, p.258) especificam os requisitos necessários para a concretização da cessão da posição contratual: a) Ser um contrato bilateral: ambas as partes da relação contratual tem direitos e obrigações; b) Celebração de um negócio jurídico entre o cedente e o cessionário, onde este irá ocupar a posição daquele na relação contratual; c) Integralidade da cessão: deve ser cedido tanto os direitos como os deveres do cedente ao cessionário; d) Concordância expressa da outra parte contratante (cedido); e) Informal: pode ser constituído sobre qualquer forma, porém para ter eficácia contra terceiros dever ser registrado. OBS: não se deve confundir a cessão da posição contratual com o contrato derivado ou subcontrato. Neste o contratante mantém a sua posição contratual, limitando-se a criar um novo contrato da mesma natureza com terceiro, como ocorre na sublocação de imóvel. Já no primeiro, o cedente sai da avença, transmitindo a sua posição ao cessionário (Gonçalves, 2016, p.246). Como o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vem tratando do assunto? No Recurso Especial 627.424/PR, entendeu a Corte Especial ser possível, para os contratos envolvendo o Sistema Financeiro de Habitação, a cessão de obrigações e direitos através do denominado "Contrato de Gaveta". Este pacto gera a transferência de financiamento e pode acontecer, inclusive, sem a anuênciado mutuante, conforme precedentes jurisprudenciais. ln verbis: "A notificação sempre foi tida como algo necessário para que a cessão passasse a produzir efeitos relativamente ao devedor, inclusive para que este a impugnasse, se fosse este o caso. Mas a doutrina já aceitava (cf. Sílvio de Salvo Venosa, p. 337) que o cessionário conservasse os direitos cedidos anteriormente à notificação, até porque, como já ressaltara Orlando Gomes (p. 209), a notificação não é elemento essencial à validade da cessão, mas tão-só elemento essencial para que ela seja eficaz relativamente ao devedor. Esta lição do saudoso autor foi, aliás, acolhida pelo legislador quando este substitui no art. 290, a expressão “não vale”, do art. 1.069, por não ter eficácia” (Figueiredo e Figueiredo, 2014, p.260). 3.2. Efeitos da cessão da posição contratual A cessão da posição contratual gera uma série de conseqüências jurídicas, envolvendo os três personagens: cedente, cessionário e cedido (Gonçalves, 2016, p.246). 3.2.1. Efeitos entre o cedente e o contratante cedido A regra é que na cessão da posição contratual, o cedente ao ceder a sua posição na relação contratual ao cessionário se desligue do contrato. Porém, pode acontecer que o cedido ao dar o seu consentimento à cessão, não libere o cedente, mantendo este como garantidor do cumprimento do contrato. Gonçalves (2016, p.248) afirma que nesse caso, será estabelecido entre o cedente e o cessionário um vínculo de solidariedade. Já para Venosa (2003, p.357) a relação entre estes dois será subsidiária, ou seja, o cedente só se responsabilizará a cumprir determinado dever, se o cessionário não o cumprir, haja vista que a solidariedade não se presume, decorre da lei ou da vontade das partes. 3.2.2. Efeitos entre o cedente e o cessionário A transferência da posição contratual, do cedente para o cessionário, implicará para aquele a perda dos créditos e em regra a exoneração dos deveres, pois nesta última, as partes podem acordar que o cedente ainda continuará responsável pela solvência da obrigação, caso o cessionário não a cumpra. 3.2.3. Efeitos entre o cessionário e o contratante cedido Em regra as exceções pessoais do cedido em face do cedente não poderão ser arguidas contra o cessionário. Do mesmo modo, o cessionário não poderá alegar contra o contratante cedido, as exceções pessoais que caberiam ser alegadas pelo cedente ao cedido.
Compartilhar