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A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS MIGRANTES AMBIENTAIS À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS E DA PROTEÇÃO COMPLEMENTAR Bruno de Oliveira Biazatti* RESUMO: O deslocamento transfronteiriço de pessoas devido a degradação ambiental é um fenômeno preocupante. Estes migrantes, aqui chamados de "migrantes ambientais", precisam de proteção internacional, pois a sua vida e segurança podem estar sendo ameaçadas devido a deterioração das condições ambientais mínimas à sua subsistência. Nesse prisma, pretende-se analisar o instituto da perseguição, presente no Direito Internacional dos Refugiados, para saber se os migrantes ambientais podem receber o status internacional de refugiado, com todos os direitos que esta condição implica. Avaliar-se-á, também, a aplicabilidade da proteção complementar, a partir do princípio do non-refoulement (princípio da não-expulsão), a estes migrantes, destacando as circunstâncias onde esta proteção pode ser legalmente reclamada. PALAVRAS-CHAVE: Direito Internacional dos Refugiados; perseguição; migrantes ambientais; princípio do non-refoulement; proteção complementar. ABSTRACT: The transboundary movement of individuals due to environmental degradation is a worrying fact. These migrants, here called "environmental migrants", need international protection, because their lives and safety could be under threat due to the deterioration of minimum environmental conditions of subsistence. Taking this into account, this paper intends to analyze the element of persecution, which can be found in the International Refugee Law, aiming to determine if environmental migrants can receive international refugee status, with all the rights that this condition implies. Furthermore, it will evaluate the applicability of complementary protection from the non-refoulement principle (the principle of non-expulsion) to these migrants, highlighting the circumstances in which this protection can be legally claimed. KEYWORDS: International Refugee Law; persecution; environmental migrants; non- refoulement principle; complementary protection. * Estudante de graduação em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais. Monitor da disciplina Direito Internacional Público. Email: bbiazatti@gmail.com Bruno de Oliveira Biazatti Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 51 1 INTRODUÇÃO Desde os tempos mais remotos da civilização, os seres humanos se deslocam devido a motivações ambientais que tornam a subsistência e a segurança inviáveis. 1 Atualmente, esse fenômeno se mostra latente tendo em vista as mudanças climáticas planetárias que comprometem a estabilidade da biosfera. 2 As populações mais afetadas pelas vulnerabilidades ambientais estão localizadas em Estados insulares sob risco de desaparecer devido a elevação do nível do mar, como Tuvalu, Ilhas Marshall, Kiribati, Ilhas Maldivas e Vanuatu. 3 No continente americano, por sua vez, a população do El Salvador enfrenta grandes desafios envolvendo a deterioração do solo e das fontes de água potável 4 e Estados caribenhos frequentemente sofrem com ciclones, terremotos e os impactos da elevação oceânica. 5 Na Ásia, merece ser destacado Bangladesh, Sri Lanka e Índia, que lidam com terremotos, ciclones e as terríveis monções. 6 Povos africanos também enfrentam dificuldades devido a degradação ambiental, particularmente a desertificação no Sahel e no Chifre da África 7 e as severas enchentes no Quênia. 8 1 HANDAL, Laura. "La migration de main-d'œuvre temporaire: Ses causes et ses répercussions", Institut de Recherche et d’Informations Socio-économiques, 2011, p.15; EZZO, Joseph; JOHNSON, Clark e PRICE, Douglas. "Analytical Perspectives on Prehistoric Migration: A Case Study From East-Central Arizona", Journal of Archaeological Science, vol. 24, 1997, 447–466, p.449 e 464; VICENTINO, Cláudio. História Geral, 7ª ed., São Paulo: Scipione, 1997, p.10-38. 2 KÄLIN, Walter e SCHREPFER, Nina. "Protecting People Crossing Borders in the Context of Climate Change: Normative Gaps and Possible Approaches", Legal and Protection Policy Research Series, UNHCR, February 2012, p.6-7[KÄLIN e SCHREPFER]; BENISTON, Martin. "Climate change and its impacts: growing stress factors for human societies", International Review of Red Cross, v. 92, No. 879, September 2010, 557-568, p.562-566; ACNUR. "Climate change, natural disasters and human displacement: a UNHCR perspective", UNHCR, 14 August 2009, p.1-2[ACNUR]; KOLMANNSKOG, Vikram e TREBBI, Lisetta. "Climate change, natural disasters, and displacement: a multi-track approach to filling the protection gaps", International Review of Red Cross, v. 92, No. 879, September 2010, 713-730, p.713; MYERS, Norman. "Environmental Refugees in a Globally Warmed World", BioScience, v. 43, 1993, p.257. 3 OLIVER, Selma. "A New Challenge to International Law: The Disappearance of the Entire Territory of a State", International Journal on Minority and Group Rights, vol.16, 2009, p.209-243; BENISTON, Martin. "Climate change and its impacts: growing stress factors for human societies", International Review of Red Cross, v. 92, No. 879, September 2010, 557-568, p.562; MCADAM, Jane. “‘Disappearing States’, Statelessness and the Boundaries of International Law”, p.105. MCADAM, Jane (ed.) Climate Change and Displacement. Multidisciplinary Perspectives, Oxford: Hart Publishing, 2010; RAYFUSE, Rosemary e CRAWFORD, Emily. “Climate Change, Sovereignty and Statehood”, Legal Studies Research Paper No. 11/59, Sydney Law School, 2011, p.1-2; MYERS, Norma e KENT, Jennifer. Environmental Exodus: an Emergent Crisis in the Global Arena, Washington: Climate Institute, 1995, p.146[MYERS e KENT]. 4 MYERS e KENT, ibid, p.82-83. 5 Ibid, p.92-95. 6 Ibid, p.139-143 e 145-146; GUTERRES, António. Climate change, natural disasters, and human displacement: a UNHCR perspective, Geneva: UNHCR, 2008, p.6[GUTERRES]; ZETTER, Roger. "Protecting environmentally displaced people: Developing the capacity of legal and normative frameworks", Refugee Studies Centre of the University of Oxford, February 2011, p.29-31[ZETTER]. 7 MYERS e KENT, ibid, p.10 e 101-109. 8 Ibid, p.109-114; ZETTER, nota supra 6, p.39-41; ACNUR, nota supra 2, p.13. A proteção internacional dos migrantes ambientais à luz do Direito Internacional dos Refugiados e da proteção complementar Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 52 A doutrina jusinternacionalista cunhou um termo para caracterizar estas pessoas que se deslocam por motivações ambientais: migrantes ambientais (enviromental migrants). 9 Como elaborado pelo britânico Richard Black, esta expressão define o grupo de pessoas forçadas a abandonar seu local de origem devido ao declínio ambiental, ao ponto extremo de expor a sua segurança e integridade física a ameaça. 10 Diante desse alarmante e complexo movimento populacional, o Direito Internacional precisa providenciar a devida proteção a esses indivíduos. A priori, o Direito Internacional dos Refugiados seria o mais apropriado, pois se destina a proteger aqueles que se viram obrigados a abandonar seu país de origem. Todavia, faz-se necessário analisar os elementos jurídicos da definição de refugiado, a fim de determinar se os direitos assegurados por este subsistema jurídico internacional é passível de ser aplicável aos migrantes ambientais. No decurso do presente trabalho, pode-se perceber o uso dos termos "degradação ambiental natural" e "degradação ambiental provocada/intencional". Enquanto o primeirotermo diz respeito a deterioração do meio ambiente sem ações diretas, imediatas e intencionais pelo Estado, o segundo visa descrever a degradação ambiental gerada pelo Estado de forma direta, imediata e aplicando atos com a clara intenção e finalidade de destruir ou ao menos comprometer as condições ambientais de uma dada região sob sua jurisdição. Compreender o uso dessas expressões é fundamental aos propósitos do estudo aqui desenvolvido. 9 Também é comum o uso do termo "refugiados ambientais" (environmental refugees) para descrever esses indivíduos. Todavia, esta expressão é problemática, pois faz uso equivocado do termo jurídico "refugiado" (para maiores informações sobre esta questão, cf. o subtítulo 3 do presente trabalho). Em decorrência disso, o autor preferiu adotar a expressão "migrantes ambientais". 10 BLACK, Richard. “Environmental Refugees: Myth or Reality?”, New Issues in Refugee Research, UNHCR, Working Paper No. 34, 2001, p.2. Bruno de Oliveira Biazatti Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 53 2 OS MIGRANTES AMBIENTAIS E O DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS 2.1 A DEFINIÇÃO DO TERMO "REFUGIADO" A Convenção de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados (Convenção dos Refugiados ou Convenção de 1951) 11 foi adotada sob os auspícios da Organização das Nações Unidas, para regular e garantir proteção àqueles indivíduos que foram forçados a se deslocar por eventos ocorridos especialmente durante a Segunda Guerra Mundial, em países da Europa. Nos termos de seu artigo 1º, §1º, alínea "c" c/c artigo 1º, §2º, o termo "refugiado" se aplicará a qualquer pessoa: Que, em decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 [na Europa ou alhures] e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele. 12 (tradução livre) Devido ao fato desta ser uma definição muito restrita, ela logo se tornou obsoleta e insatisfatória para lidar com o problema dos refugiados. Para tanto, concluiu-se o Protocolo de 1967 Relativo ao Estatuto dos Refugiados (Protocolo de 1967), 13 cujo principal objetivo foi estabelecer uma emenda na definição de refugiado presente na Convenção de 1951, garantindo natureza global ao conceito. O artigo 1º, §2º do Protocolo de 1967 afirma in verbis: Para os fins do presente Protocolo, o termo “refugiado” [...] significa qualquer pessoa que se enquadre na definição dada no artigo primeiro da Convenção [de 1951], como se as palavras “em decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 [...]” e as palavras “[...] em consequência de tais acontecimentos” não figurassem no §1º, alínea "c" do artigo primeiro. 14 (tradução livre) O Protocolo também deixa claro que "será aplicado pelos Estados Membros sem nenhuma limitação geográfica", 15 de forma a revogar a restrição da Convenção de 1951 ao continente europeu. 11 Este tratado foi ratificado pelo Brasil em 19 de novembro de 1960. 12 Convention relating to the Status of Refugees, 22 April 1954, 189 UNTS 150, art.1º, §1º, "c" c/c artigo 1º, §2º. 13 Este tratado foi ratificado pelo Brasil em 7 de abril de 1972. 14 Protocol Relating to the Status of Refugees, 4 October 1967, 606 UNTS 267, art. 1º, §2º. 15 Ibid. A proteção internacional dos migrantes ambientais à luz do Direito Internacional dos Refugiados e da proteção complementar Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 54 Analisando a Convenção de 1951, em conjunto com o Protocolo de 1967, pode-se concluir que o refugiado é aquele indivíduo que se encontra fora do Estado de sua nacionalidade 16 e não pode ou não deseja valer-se da proteção desse país, em decorrência do fundado temor de ser alvo de perseguição por motivos de raça, 17 religião, 18 nacionalidade, 19 grupo social particular 20 ou opiniões políticas. 21 22 Não resta dúvida que este rol de motivos é 16 A extraterritorialidade é fundamental para a definição de refugiados, porque se este elemento não estiver presente, o indivíduo pode se enquadrar na categoria jurídica de deslocados internos. Esse status é definido como: "[...] pessoas ou grupos de pessoas que foram forçadas ou obrigadas a escapar ou fugir de suas casas ou locais de residência habitual, particularmente como resultado ou a fim de evitar os efeitos de conflitos armados, situações de violência generalizada, violações de direitos humanos ou de catástrofes naturais ou causados pelo homem, e que não cruzaram uma fronteira estatal internacionalmente reconhecida". [Guinding Principles on Internal Displacement, ECOSOC, Resolution No. E/CN4/1998/53/Add2, 11 February 1998, Introdução, para.2] A proteção das pessoas deslocadas internamente está organizada nos Princípios Norteadores sobre Deslocamento Interno (Guinding Principles on Internal Displacement), que foram aprovados pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Segundo o ACNUR, "[esses] princípios constituem um padrão mínimo para o tratamento de deslocados internos. Eles estabelecem os direitos dos grupos deslocados e as obrigações de governos, insurgentes e outros atores em relação a esses indivíduos. Os princípios não são juridicamente vinculantes per se, mas são derivados de tratados internacionais de direitos humanos e do direito humanitário. Desde a sua apresentação à Comissão das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, em 1998, [...] um número crescente de governos, organismos regionais, agências da ONU e ONGs começaram a usá-los." [ACNUR. The State of World's Refugees: human displacement in the new millennium, Oxford: Oxford University Press, 2006, p.165]. 17 O termo raça deve ser entendido, para fins do Direito Internacional dos Refugiado, de forma ampla, compreendendo todos os tipos de grupos étnicos. Também pode ser aplicado a grupos sociais específicos cujos membros possuem uma descendência comum e constituem uma minoria em relação a população geral do Estado. Cf. ACNUR. Handbook on Procedures and Criteria for Determining Refugee Status under the 1951 Convention and the 1967 Protocol relating to the Status of Refugees, UNDoc.HCR/IP/4/Eng/REV.1, Geneva, January 1992, paras.68-70 [Manual do ACNUR para Determinar o Estatuto de Refugiado]. 18 A perseguição por razões de religião pode assumir diversas formas, como por exemplo, proibição de culto em privado ou em público, de se tornar membro de um grupo religioso, de instrução religiosa ou outras medidas de discriminação impostas à indivíduos, devida as suas práticas religiosas ou o mero pertencimento a uma comunidade religiosa particular. Cf. Manual do ACNUR para Determinar o Estatuto de Refugiado, nota supra 17, para.72. 19 O termo nacionalidade, para fins do Direito Internacional dos Refugiados, deve ser interpretado de forma expansiva, não sendo limitado apenas aos cidadãos de um certo Estado. Compreende também os membros de um grupo étnico ou linguístico localizado num dado Estado. A perseguição por motivos de nacionalidade podem consistir, assim, em atos prejudiciais dirigidos a um destes grupos linguísticosou étnicos e a mera pertença a um desses grupos perseguidos pode configurar fundado temor de perseguição. Cf. Manual do ACNUR para Determinar o Estatuto de Refugiado, nota supra 17, paras.74-76. 20 Um grupo social particular compreende aquelas pessoas que compartilham uma mesma história, hábitos ou estatuto social. Normalmente, a perseguição contra o grupo social ocorre quando o Governo vê em seus membros uma ameaça e toma medidas injustificadas contra eles. Essa ameaça pode ser percebida por meio de ações ou visões políticas dos membros, os seus antecedentes, suas atividades econômicas ou até mesmo a própria existência do grupo social. Cf. Manual do ACNUR para Determinar o Estatuto de Refugiado, nota supra 17, paras.77-78. 21 No tocante as opiniões políticas, deve ficar claro que a mera crença ou externalização pública de uma opinião política divergente daquele alinhada ao Governo não é, per si, um fundamento para reivindicar o estatuto de refugiado. O indivíduo precisa demonstrar elementos reais que comprovam o fundado temor de perseguição devido a essas opiniões. Isto pressupõe que suas opiniões não são toleradas pelas autoridades e que estas tomaram conhecimento delas, antes ou depois dele abandonar o território do Estado de origem. Cf. Manual do ACNUR para Determinar o Estatuto de Refugiado, nota supra 17, paras.80-86. 22 Essa definição pode ser encontrada em: Manual do ACNUR para Determinar o Estatuto de Refugiado, nota supra 17, paras.37-53/66-100; GOODWIN-GILL, Guy S. e MCADAM, Jane. The Refugee in International Law, 3ª ed., Oxford: Oxford University Press, 2008, p.37[GOODWIN-GILL e MCADAM]. Bruno de Oliveira Biazatti Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 55 uma definição numerus clausus 23 e, consequentemente, apenas esses elementos podem ser considerados para o reconhecimento formal do estatuto de refugiado. 24 Mister destacar, ainda, que o dever de proteção dos refugiados recai principal e primeiramente ao Estado que os acolhe, como corolário de sua soberania e direito à não-intervenção. 25 Diante do exposto, o elemento chave para a atribuição do status internacional de refugiado é o fundado temor de perseguição, baseada em um ou mais de um dos cinco elementos supracitados (raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas). 26 Por sua vez, define-se fundado temor como o sentimento de insegurança e aversão causado por atos materiais de perseguição ou a sua possibilidade real de acontecer. 27 Constitui, então, um elemento subjetivo presente no foro íntimo daquele que reclama o estatuto de refugiado. 28 Todavia, este componente psicológico precisa encontrar fundamento em circunstâncias fáticas objetivas e reais que forçaram refugiado a abandonar o local de sua residência habitual. 29 O fundado temor possui, assim, uma constituição binária, composta pelos elementos subjetivo (o estado psicológico de insegurança) e objetivo (as circunstâncias fáticas que comprovam o temor de perseguição). 30 Com isso, um indivíduo só terá o seu pedido de refúgio regularmente deferido se for capaz de provar a presença de perseguição ou a probabilidade real dessa ocorrer em seu Estado de origem. Apesar de admitir que perseguição seja um conceito nebuloso, 31 o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) admite que uma série de violações dos direitos humanos ou ameaças à liberdade ou à vida de um indivíduo por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou pertencimento a um grupo social particular será considerada perseguição, desde que essas ameaças e violações sejam cometidas pelo Estado ou toleradas por ele quando cometidas por agentes privados.32 Para saber se o 23 DURÃES PEREIRA, Luciana Diniz. O Direito Internacional dos Refugiados: Análise Crítica do Conceito “Refugiado Ambiental”, Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2010, p.126 [DURÃES PEREIRA]; WILLIAMS, Angela. "Turning the Tide: Recognizing Climate Change Refugees in International Law", Law and Policy, v. 30, n. 4, 2008, 502-529, p.508. 24 DURÃES PEREIRA, ibid.; Manual do ACNUR para Determinar o Estatuto de Refugiado, nota supra 17, p.12; COOPER, Jessica B. "Environmental Refugees: Meeting the Requirements of the Refugee Definition", New York University Environmental Law Journal, vol.6, 1998, p.482-483[COOPER]. 25 GOODWIN-GILL e MCADAM, nota supra 22, p.481. 26 Convention relating to the Status of Refugees, 22 April 1954, 189 UNTS 150, art.1º, §1º, "c"; Manual do ACNUR para Determinar o Estatuto de Refugiado, nota supra 17, para.37. 27 Manual do ACNUR para Determinar o Estatuto de Refugiado, ibid. 28 Ibid. 29 Ibid., para.38. 30 Ibid. 31 Ibid. 32 Ibid., paras.51-53. A proteção internacional dos migrantes ambientais à luz do Direito Internacional dos Refugiados e da proteção complementar Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 56 elemento de perseguição se encontra presente, a autoridade competente deve se debruçar sobre todo o contexto ao qual o requerente de refúgio estava sujeito, pois a perseguição pode se manifestar por meio de um complexo de fatores cumulativos que ameaçam a integridade física do requerente. 33 Neste liame, os mais diversos aspectos podem ser relevantes, incluindo elementos etnológicos, geográficos e históricos. 34 2.2 OS MIGRANTES AMBIENTAIS E A DEFINIÇÃO LEGAL DE REFUGIADO: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA DEGRADAÇÃO AMBIENTAL NATURAL As mudanças climáticas 35 e desastres, 36 como formas de degradação ambiental natural, têm sido a causa do deslocamento transfronteiriço de milhões de indivíduos. 37 Fatores ambientais espontâneos são capazes de expor indivíduos a perigo à sua integridade física, em decorrência, principalmente, da escassez de água e de alimentos, da desertificação de terras cultiváveis, da elevação do nível oceânico, das tempestades etc. 38 Apesar disso, não é possível atribuir aos migrantes ambientais o status de refugiado, nos termos da Convenção de 33 Ibid., para.53. 34 Ibid. 35 A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (1992) define "mudança climática" como "[...] uma mudança de clima que é atribuída direta ou indiretamente à atividade humana, que altera a composição da atmosfera mundial e que é adicionada a outros variabilidades climáticas naturais que tem sido observadas ao longo de períodos de tempo comparáveis." [United Nations Framework Convention on Climate Change, 1771 UNTS 0822, 9 May 1992, art.1, §2º]. Além disso, o ACNUR apresenta como esse fenômeno afeta o planeta: "A mudança climática é um processo que se manifesta de diversas maneiras, incluindo: um aumento das temperaturas médias, muitas vezes referido como 'aquecimento global'; mudanças nos padrões pluviométricos, levando a inundações, secas e, em algumas áreas, a desertificação; padrões climáticos extremos e imprevisíveis que levam a mais numerosos e intensos desastres naturais; e o derretimento das geleiras e das calotas polares, resultando no aumento do nível do mar e erosão costeira, tornando áreas rebaixadas inabitáveis." [ACNUR, nota supra 2, p.1]. 36 De acordo com a Convenção de 1998 sobre a Provisão de Recursos de Telecomunicações para Mitigação de Desastres e Operações de Socorro,"'[d]esastre' significa uma perturbação grave do funcionamentoda sociedade, criando uma ameaça significativa e generalizada para a vida humana, a saúde, a propriedade ou o ambiente, causado por acidente, natureza ou atividade humana, e se desenvolvendo de repente ou como o resultado de processos complexos e de longo prazo." [Convention on the Provision of Telecommunication Resources for Disaster Mitigation and Relief Operations, 2296 UNTS 5, Tampere, 18 June 1998, art.1, §6º]. Além disso, o artigo 3 do Projeto Provisório de Artigos da Comissão de Direito Internacional sobre a Proteção de Pessoas em Caso de Catástrofes define desastre como "[...] um evento calamitoso ou uma série de eventos que resultam numa perda generalizada de vidas, grande sofrimento humano e ameaça a vida, ou danos materiais ou ambientais em larga escala, que perturbam seriamente o funcionamento da sociedade" [COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. Texts of draft articles 1, 2, 3, 4 and 5 as provisionally adopted by the Drafting Committee, UNDocA/CN.4/L.758, 24 July 2009, art.3º]. 37 MYERS e KENT, nota supra 3, p.24-26; CASTLES, Stephen. "Environmental change and forced migration: making sense of the debate", New Issues in Refugee Research, UNHCR, Working Paper No. 70, October 2002 , p.3. 38 KÄLIN e SCHREPFER, nota supra 2, p.31-32. Bruno de Oliveira Biazatti Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 57 1951, vez que essas pessoas não se encaixam na definição legal de refugiado. 39 O próprio ACNUR já demonstrou desaprovação ao uso do termo "refugiado ambiental", 40 considerando- o um uso indevido do termo jurídico "refugiado". 41 Primeiramente, não há como negar que o elemento da extraterritorialidade é satisfeito pelos migrantes ambientais, vez que estão num Estado diferente do seu de origem. 42 Todavia, seria incorreto alegar que a degradação ambiental natural, per se, constituiria elemento de perseguição a um grupo de indivíduos, vez que aquela está fora do controle direto e imediato das autoridades governamentais. 43 Não há um nexo de causalidade imediato entre as ações dos Estados e os danos sofridos pelo migrante ambiental. 44 A professora australiana Jane McAdam afirma que enquanto o refugiado foge de seu governo, o migrante ambiental se desloca para escapar da degradação ambiental que expõe a sua vida e segurança a risco, e não do governo em si. 45 Na verdade, diante da ocorrência de desastres naturais, é muito comum uma proatividade dos Estados para proteger os seus cidadãos que se encontrem em perigo. 46 Diante disso, o elemento da perseguição não se 39 Ibid., p.31; MCADAM, Jane. “Climate Change Displacement and International Law: Complementary Protection Standards”, Legal and Protection Policy Research Series, UNHCR, PPLA/2011/03, May 2011, p.12- 13[MCADAM (2011)]; HONG, Jeanhee. "Refugees of the 21st Century: Environmental Injustice", Cornell Journal of Law and Public Policy, vol.10, 2001, p.323; RÖHL, Katharina. "Fleeing violence and poverty: non- refoulement obligations under the European Convention of Human Rights", New Issues in Refugee Research, UNHCR, Working Paper No. 111, January 2005, p.5[RÖHL]; MCCUE, Gregory S. "Environmental Refugees: Applying International Environmental Law to Involuntary Migration", Georgetown International Environmental Law Review, v. 6, 1993, p.153; COMISSÃO EUROPEIA. "Climate change, environmental degradation, and migration", Communication from the Commission Staff Working Document to the European Parliament, EU Strategy on Adaptation to Climate Change, Brussels, 16 April 2013, p.17. 40 A primeira definição de "refugiado ambiental" foi desenvolvido na década de 1970 por Lester Brown. No entanto, o termo só se tornou popular em 1985, quando o professor do Centro Egípcio de Pesquisa Nacional, Essam El-Hinnawi, publicou o seu ensaio intitulado "Refugiados Ambientais". Cf. DURÃES PEREIRA, nota supra 23, p.116. 41 ACNUR, nota supra 2, p.8. Nas próprias palavras do próprio ACNUR: "Nos últimos tempos, um número crescente de organizações e juristas têm utilizado a noção de 'refugiados ambientais' ou 'refugiados climáticos', um conceito usado para se referir a pessoas que são obrigadas a deixar o seu local de residência habitual, como resultado de mudanças climáticas de longo prazo ou desastres naturais repentinos. O ACNUR tem sérias reservas com relação à terminologia e noção de refugiados ambientais ou refugiados climáticos. Esses termos não têm nenhuma base no direito internacional dos refugiados. O conceito 'refugiado' é um termo jurídico. Uma pessoa que foi determinada como refugiado satisfez os critérios previstos na Convenção de 1951 [...] ou o mandato do ACNUR. Por esta razão, da mesma forma que o termo 'refugiado econômico' não é uma referência a um termo reconhecido pelo Direito Internacional, nem o é 'refugiado climático' ou 'refugiado ambiental'. Embora muitas vezes utilizados, principalmente na mídia, seria incorreto dar as palavras um significado legal que não tenha sido aprovado pela comunidade jurídica." 42 KÄLIN e SCHREPFER, nota supra 2, p.31. 43 Ibid.; MCADAM, Jane. "From Economic Refugees to Climate Refugees? Review of International Refugee Law and Socio-Economic Rights: Refuge from Deprivation", Melbourne Journal of International Law, vol.31, 2009, p.579[MCADAM (2009)]. 44 KÄLIN e SCHREPFER, nota supra 2, p.31. 45 MCADAM (2009), nota supra 43, p.579. 46 Ibid.; KÄLIN e SCHREPFER, nota supra 2, p.32. A proteção internacional dos migrantes ambientais à luz do Direito Internacional dos Refugiados e da proteção complementar Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 58 encontra nessas circunstâncias, sendo impossível, assim, outorgar aos migrantes ambientais a condição de refugiado. 47 Ademais, a degradação natural afeta a todos de forma geral, e não a um grupo específico de forma proposital, devido a raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas dos membros desse grupo. 48 De fato, pode haver situações onde um grupo específico sofre com a degradação de forma isolada ou mais intensa do que outros, mas isso, normalmente, ocorre devido a mera localidade do grupo e não devido a motivações persecutórios pelas autoridades governamentais. Jessica Cooper alega que a simples omissão governamental em assegurar aos cidadãos a infraestrutura necessária para prevenir ou minimizar os efeitos dos desastres ambientais potenciais poderia ser considerada um ato de perseguição. 49 Todavia, os Estados que são afetados pela degradação ambiental, normalmente, sofrem de uma falta generalizada de infraestrutura e orçamento em relação a população como um todo, e não contra um grupo específico. 50 Desse modo, esse fato não pode ser qualificado como um ato de perseguição. Além disso, nada na prática subsequente dos Estados partes da Convenção de 1951 51 aponta para uma ampliação da tradicional definição jurídica de refugiado com o intuito de estender esse conceito às pessoas deslocadas por motivos ambientais 52 . A prática estatal demonstra o contrário, vez que decisões judiciais envolvendo a Convenção de 1951 negam proteção a esses indivíduos. 53 Já houve casos perante cortes na Nova Zelândia envolvendo 47 KÄLIN e SCHREPFER, ibid, p.31-32. 48 Convention relating to the Status of Refugees, 22 April 1954, 189 UNTS 150, art.1º, §1º, "c"; Manual do ACNUR para Determinar o Estatuto de Refugiado, nota supra 17, para.37. 49 COOPER, nota supra 24, p.502. 50 HARMELING,Sven e ECKSTEIN, David. Global Climate Risk Index 2013: Who Suffers Most from Extreme Weather Events? Weather-Related Loss Events in 2011 and 1992 to 2011, Bonn: Germanwatch, 2013, p.6. 51 De acordo com o artigo 31, §3º, alínea "b" da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, a interpretação dos tratados deve considerar qualquer prática estatal estabelecida posteriormente que forneça algum sentido específico aos termos do tratado [Vienna Convention on the Law of Treaties, 23 May 1969, 1155 UNTS 331, art.31, §3º, alínea "b"]. Esta norma também encontra respaldo na jurisprudência da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte Internacional de Justiça: CPJI. Brazilian Loans case, PCIJ (1929), Series A, No. 21, p.119; CPJI Competence of the ILO to Regulate Agricultural Labour, PCIJ (1922), Series B, No. 2, p.39; CPJI. Interpretation of Article 3, paragraph 2, of the Treaty of Lausanne, PCIJ (1925), Series B, No. 12, p.24; CIJ. Corfu Channel (United Kingdom v. Albania), Judgment, ICJ Rep.1949, p. 4, p.25. 52 MCADAM, Jane. Climate Change, Forced Migration and International Law, Oxford: Oxford University Press: 2012, p.46. 53 AUSTRÁLIA. Minister for Immigration v. Haji Ibrahim (2004) 204 CLR 1 (High Court of Australia), p.48; CANADÁ. Canada (Attorney General) v. Ward (1993) 2 SCR 689 (Supreme Court of Canada), p.732; AUSTRÁLIA. Applicant A v. Minister for Immigration and Ethnic Affairs (1997) 190 CLR 225 (High Court of Australia), p.248. Bruno de Oliveira Biazatti Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 59 migrantes oriundos de Tuvalu 54 e Kiribati 55 solicitando o status de refugiado devido a impactos provocados pela elevação do nível do mar. Há também decisões sobre migrantes de Tonga requerendo a proteção internacional dos refugiados na Austrália, tendo como base os desastres naturais ocorridos naquele Estado (terremotos e ciclones). 56 Todos eles tiveram os pedidos negados pelos tribunais. Ainda quanto a prática estatal, destaca-se também a Convenção sobre a Regulação do Status dos Refugiados no Mundo Árabe, adotada em 1994, pela Liga Árabe. Esse tratado apresenta uma definição de refugiado única no Direito Internacional, pois expressamente garante a proteção dos refugiados aos migrantes ambientais. Essa definição se encontra no artigo 1º, §2º desse tratado, nos seguintes termos: Para os efeitos da presente convenção entende-se como refugiado: [...] qualquer pessoa que involuntariamente se refugia em um país diferente do seu país de origem ou de sua residência habitual, devido a agressão contínua, ocupação e dominação estrangeira de tal país ou em decorrência de desastres naturais ou eventos graves, resultando em grande perturbação da ordem pública em todo o país ou qualquer parte dele. (grifo nosso) Assim, a Convenção Árabe é paradigmática, porque é o primeiro documento internacional que estende a proteção internacional dos refugiados para pessoas forçadas a migrar por eventos ambientais. O progresso alcançado pela Liga Árabe demonstra o contínuo desenvolvimento do Direito Internacional, a fim de aumentar cada vez mais a proteção da pessoa humana em circunstâncias nas quais a tutela legal é claramente necessária. Apesar de relevante, esse tratado não teve, até o momento, nenhuma ratificação, fato que lhe priva de qualquer efeito jurídico vinculante em face dos Estados da região. Além disso, a ausência de ratificações num prazo de mais de vinte anos torna inviável qualquer alegação de que essa convenção codifica um costume regional entre os membros da Liga Árabe. Christopher Kozoll indica que essa resistência dos Estados em assegurar a proteção especial dos refugiados à migrantes ambientais fundamenta-se, inter alia, no fato desses indivíduos alegadamente poderem retornar para seus próprios Estados, a fim de gozar da proteção providenciada por estes. Essa possibilidade de retorno não ocorre com os refugiados 54 NOVA ZELÂNDIA. Refugee Appeal No.72313/2000, RSAA (19 October 2000); NOVA ZELÂNDIA. Refugee Appeal No. 72314/2000, RSAA (19 October 2000); NOVA ZELÂNDIA. Refugee Appeal Nos 72179– 72181/2000, RSAA (31 August 2000). 55 NOVA ZELÂNDIA. 800413, [2013] NZIPT(25 June 2013). 56 AUSTRÁLIA. 1004726 [2010] RRTA 845 (30 September 2010). A proteção internacional dos migrantes ambientais à luz do Direito Internacional dos Refugiados e da proteção complementar Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 60 da Convenção de 1951, precisamente devido ao elemento da perseguição governamental contra eles. 57 Nesse prisma, o regime jurídico criado pela Convenção de 1951 e pelo Protocolo de 1967 não pode ser aplicado para tutelar migrantes ambientais que se deslocaram devido a degradação ambiental natural. A principal e mais evidente limitação dos argumentos que defendem o contrário é a não qualificação técnica dos migrantes ambientais na definição clássica de refugiado presente no artigo 1º, §1º, alínea "c" da Convenção de 1951, conforme emendado pelo Protocolo de 1967. 2.3 OS MIGRANTES AMBIENTAIS E A DEFINIÇÃO LEGAL DE REFUGIADO: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA DEGRADAÇÃO AMBIENTAL INTENCIONAL A Convenção dos Refugiados de 1951 não estabelece nenhum modus operandi específico para realizar a perseguição. Este tratado somente determina as cinco motivações listadas no artigo 1º, §1º, alínea "c" (raça, religião, nacionalidade, grupo social e opiniões políticas). 58 Em decorrência disso, se um governo intencionalmente degrada o ambiente de uma região determinada a fim de lesionar um grupo, devido a uma (ou mais de uma) das razões listadas na Convenção de 1951, tal situação é base para o status convencional de refugiado? Acredita-se que sim. 59 O mesmo pode se dizer de um governo que nega assistência e apoio, de forma proposital, a um grupo listado na Convenção de 1951 que foi alvo de um desastre natural ou outra forma de degradação ambiental, os levando a atravessar a fronteira internacional para buscar refúgio. 60 57 KOZOLL, Christopher. “Poisoning the Well: Persecution, the Environment, and Refugee Status”, Colorado Journal of International Environmental Law and Policy, v.15, 2004, 271, p.272. 58 GOODWIN-GILL e MCADAM, nota supra 22, p.93-94. 59 MCADAM (2009), nota supra 43, p.579; GUTERRES, nota supra 6, p.7; KÄLIN e SCHREPFER, nota supra 2, p.32-33; KOLMANNSKOG, Vikram. "To what extent can existing forms of legal protection apply in climate change-related cross-border displacement?", paper presented at the Oxford University Workshop on Environmental Change and Migration, 2009, p.5[KOLMANNSKOG]; MCADAM, Jane. "Environmental Migration Governance", University of New South Wales Faculty of Law Research Series, Paper 1, 2009, p.13; ACKETOFT, Tina. "Environmentally induced migration and displacement: a 21st-century challenge", Report of the Committee on Migration, Refugees and Population, Council of Europe, Doc.11785, 23 December 2008, para.82 [ACKETOFT]; MARCS, Carly. "Spoiling Movi's River: Towards Recognition of Persecutory Environmental harm Within the Meaning of the Refugee Convention", American University International Law Review, vol.24, 2008, 31-71, p.34[MARCS]. 60 KÄLIN e SCHREPFER, nota supra 2, p.32. Bruno de Oliveira Biazatti Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 61 Nessas circunstâncias, a degradação ambiental motivada ou intencional é usada como instrumentopara a perseguição estatal de um certo grupo e, por isso, o estatuto dos refugiados se torna relevante. A degradação ambiental intencional nada mais é do que a forma na qual a perseguição se materializa 61 e, por isso, vem sendo chamada pela doutrina jusinternacionalista de “perseguição ambiental” (“environmental persecution”).62 Esta forma peculiar de realização dos atos persecutórios já pôde ser identificada em duas situações: a perseguição dos Árabes dos Pântanos no Iraque e a perseguição de certos grupos étnicos em Darfur, no Sudão. 2.3.1 A PERSEGUIÇÃO AMBIENTAL CONTRA OS ÁRABES DOS PÂNTANOS, NO IRAQUE Os Árabes dos Pântanos, também conhecidos como Maadans, são um povo constituído por cerca de 500 mil pessoas 63 e que habitam, por mais de 5 mil anos, os Grandes Pântanos da Mesopotâmia, região sul do Iraque, onde os Rios Tigre e Eufrates formam uma grande planície alagada. 64 Os Árabes dos Pântanos, crentes do islamismo xiita, desenvolveram um estilo de vida e subsistência únicos, ambos firmemente enraizados no seu ambiente aquático. 65 Desde os Anos 1970, os Grandes Pântanos têm sido drenados para nutrir projetos de irrigação nas áreas desérticas próximas. Contudo, a drenagem alcançou níveis alarmantes depois de 1991, ano em que os xiitas que habitavam o sul do Iraque, inclusive os Árabes dos Pântanos, se revoltaram contra o regime do ditador iraquiano Saddam Hussein. 66 A revolta foi abafada pelo governo central iraquiano e, em represália, a política de bombeamento da água superficial e subterrânea foi intensificada de forma exponencial, a fim de extirpar os meios de subsistência dos Árabes dos Pântanos e tornar a região inóspita, para que nenhum outro grupo oposicionista ali se refugiasse. 67 O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente descreve, ainda, que em vários locais a água foi envenenada por agentes do governo iraquiano. 68 61 ACKETOFT, nota supra 58, para.82. 62 Ibid.; MARCS, nota supra 58, p.1; COOPER, nota supra 24, p.483. 63 PNUMA. "The Mesopotamian Marshlands: Demise of an Ecosystem", Report by Hassan Partow, Early Warning and Assessment Technical Report, UNEP/DEWA/TR.01-3 Rev.1, Nairobi, 2001, p.8. 64 Ibid., p.15. 65 Ibid., p.16. 66 Ibid., p.21-22. 67 Ibid., p.23-24. 68 Ibid., p.33. A proteção internacional dos migrantes ambientais à luz do Direito Internacional dos Refugiados e da proteção complementar Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 62 O resultado foi desastroso. Em 2000, mais da metade da superfície dos pântanos fora drenada e desertificada. 69 O modus videndi dos Maadans, que dependia da água, da faina e da flora dos pântanos, foi extirpado. A sua sobrevivência na região se tornou insustentável, os levando a procurar refúgio em outras partes do Iraque e no Irã. 70 Aproximadamente, 40 mil Árabes dos Pântanos vivem em campos de refugiados na província iraniana de Kuzestão e cerca de 250.000 deles são deslocados internos no próprio território iraquiano. 71 Esse episódio demonstra que a degradação ambiental intencional pode assumir a forma de perseguição nos termos da Convenção de 1951, garantindo àqueles que atravessam a fronteira internacional em busca de refúgio o status legal de refugiado. 2.3.2 A PERSEGUIÇÃO AMBIENTAL CONTRA OS FUR, OS MASALIT E OS ZAGHAWA EM DARFUR, NO SUDÃO A perseguição ambiental também já ocorreu em Darfur, no Sudão, como pode se identificar nos autos do processo perante o Tribunal Penal Internacional (TPI), em desfavor do Presidente sudanês em exercício, Omar Hassan Ahmad Al-Bashir. O processo foi iniciado pela Promotoria do TPI sob a alegação de que Al-Bashir cometeu genocídio contra três grupos étnicos de Darfur (os Fur, os Masalit e os Zaghawa) por meio da degradação ambiental da região, a fim de submetê-los intencionalmente a condições de existência que lhes ocasionassem a destruição física. 72 Para fundamentar a sua tese, o Promotor demonstrou que tropas fiéis a Al-Bashir atacaram vilas e cidades por toda a região de Darfur com o objetivo específico de destruir os meios de subsistência destes três grupos. 73 Na petição é possível ler que "[...] forças [fiéis a Al-Bashir] destruíram alimentos, poços, bombas d'água, residências, colheitas e gado, bem como qualquer estrutura física capaz de sustentar vida ou comércio". 74 O Promotor alegou que devido ao clima desértico e a falta de infraestrutura em Darfur, populações locais se desenvolveram historicamente em pequenas vilas, porque seria 69 Ibid., p.32. 70 Ibid., p.33-34. 71 Ibid. 72 TPI. "Public Redacted Version of the Prosecutor’s Application under Article 58: Situation in Darfur", Office of the Prosecutor, submitted to the Pre-Trial Chamber I, No.: ICC-02/05, 14 July 2008, para.172-176. 73 Ibid., para.174. 74 Ibid. Bruno de Oliveira Biazatti Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 63 praticamente impossível sobreviver foram destas comunas. 75 Para exemplificar a sua tese, é apresentado o acesso à água: Para facilitar o acesso à água por seres humanos e animais, muitos moradores escavaram poços comunitários ou mantinham outras fontes comuns de água. A Milícia/Janjaweed e as Forças Armadas [do Governo sudanês] repetidamente destruíram, poluíram ou envenenaram esses poços para privar os moradores da água necessária à sobrevivência. Em vários casos, as instalações de água foram bombardeadas. 76 Em decorrência destes ataques, no mínimo 2.700.000 pessoas foram forçadas a abandonar a região, sendo que grande parte desses deslocados são membros dos Fur, dos Masalit e dos Zaghawa. 77 Mister destacar que a Câmara de Instrução I do TPI, primeiramente rejeitou estes argumentos sobre a alegação de genocídio. 78 Conduto, a Câmara modificou seu entendimento em 12 de julho de 2010 e aceitou a verossimilhança da denúncia. 79 Atualmente, Al-Bashir está com um mandado de prisão em força emitido pelo TPI. Diante de todo o exposto, pode-se concluir que os migrantes ambientais que se viram obrigados a se deslocar por uma degradação ambiental provocada pelo Estado, com vistas a prejudicar direitos e com base numa das motivações do artigo 1º, §1º, alínea "c" da Convenção de 1951, podem gozar da proteção jurídica outorgada aos refugiados. Esse é precisamente o caso dos grupos étnicos em Darfur e dos Árabes dos Pântanos. Deve ficar claro, por fim, que a aplicação da Convenção de 1951 àqueles que atravessaram a fronteira internacional por motivo de degradação ambiental intencional não constitui uma expansão arbitrária do Direito Internacional dos Refugiados. Ao contrário, trata- se de simples exegese que se coaduna com os institutos jurídicos já existentes deste subsistema normativo internacional. Em outras palavras, ainda sustenta-se que o instituto do refúgio só é cabível na ocorrência de perseguição, mas o modo como o indivíduo é perseguido pode assumir a forma de uma devastação ambiental provocada pelas autoridades estatais. 75 Ibid., para.175. 76 Ibid., para.176. 77 Ibid., para.15. 78 TPI. The Prosecutor v. Omar Hassan Ahmad Al Bashir ("Omar Al Bashir"), Decision on the Prosecution's Application for a Warrant of Arrest against Omar Hassan Ahmad Al Bashir, ICC-02/05-01/09, 04 March 2009, paras.162-208. 79 TPI. The Prosecutor v. Omar Hassan Ahmad Al Bashir ("OmarAl Bashir"), Second Warrant of Arrest for Omar Hassan Ahmad Al Bashir, ICC-02/05-01/09, 12 July 2010, p.7. A proteção internacional dos migrantes ambientais à luz do Direito Internacional dos Refugiados e da proteção complementar Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 64 3 A PROTEÇAO COMPLEMENTAR DOS MIGRANTES AMBIENTAIS Como acima exposto, 80 enquanto os migrantes ambientais alvos de degradação ambiental motivada podem solicitar o status de refugiado, com fulcro na Convenção de 1951/Protocolo de 1967, aqueles que atravessam a fronteira internacional devido a degradação ambiental natural não o podem, pelos motivos também já descritos. Diante disso, os migrantes ambientais que se deslocaram compelidos por uma degradação ambiental natural não gozam de nenhuma proteção internacional? Eles caem num vácuo jurídico? Acreditamos que não. Para proteger esses migrantes ambientais específicos, a atual arquitetura jurídica internacional apresenta o conceito da proteção complementar, que objetiva proteger a pessoa humana por meio da complementariedade entre o Direito Internacional dos Refugiados e o Direito Internacional dos Direitos Humanos, de forma que quando o primeiro não garante proteção a um certo indivíduo ou grupo de indivíduos, o segundo o faz. 81 O instituto da proteção complementar presume que os direitos humanos penetram e se infiltram em todos os capilares do sistema normativo tanto internacional, quanto interno, impedindo que os seres humanos sejam expostos a riscos graves à sua integridade física. A proteção complementar demonstra que o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional dos Refugiados não são dois sistemas legais hermeticamente estanques, mas, na verdade, são conexos, coordenados e interdependentes. Essa complementariedade entre esses dois sistemas normativos visa efetivar o propósito maior e comum de ambos, qual seja proteger a pessoa humana. Como afirma Gervase Coles, “[…] os direitos humanos devem ser reconhecidos como fundamentais para toda a questão dos refugiados.”82 Na mesma linha, ele atesta que “[…] os objetivos de separação e alienação, que tanto influenciaram os estudos no passado, devem ser reconhecidos como contrários tanto para o interesse humano individual, quanto para o bem-estar das sociedades, particularmente nas condições de hoje.”83 Assim, o paradigma jurídico internacional de nossos dias se funda numa análise do Direito Internacional dos Refugiados como um "corpo normativo dinâmico" 84 e como um 80 Cf. subtítulo 4. 81 MCADAM (2005), nota supra 83, p.6-7. 82 COLES, Gervase J. L. "Refugees and Human Rights", Bulletin of Human Rights, v.1, 1991, p.63. 83 COLES, Gervase J. L. "The Human Rights Approach to the Solution of the Refugee Problem: A Theoretical and Practical Enquiry”, p.216-217. In NASH, Alan Eric (ed.). Human Rights and the Protection of Refugees under International Law, Nova Scotia: Institute for Research, 1988. 84 ACNUR. Conclusion on the Provision on International Protection Including Through Complementary Forms of Protection No. 103 (LVI) – 2005, EXCOM Conclusions, UNHCR, 7 October 2005, alínea "c". Bruno de Oliveira Biazatti Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 65 regime especializado dos direitos humanos. 85 O próprio ACNUR tem sido categórico no sentido de que a falta de proteção pelo Direito dos Refugiados não impede a proteção sob o universo dos direitos humanos. 86 Essa interconectividade se encontra latente no princípio do non-refoulement, 87 pedra angular do sistema internacional do refúgio, 88 vez que proíbe a rejeição na fronteira e a expulsão ou retorno dos indivíduos para territórios onde sua vida ou liberdade estaria ameaçada. 89 Apesar do princípio do non-refoulement ter se originado historicamente no seio do Direito Internacional dos Refugiados, como uma garantia de que os refugiados não seriam expulsos de volta ao Estado que os perseguiam, este princípio sofreu uma expansão hermenêutica e é hoje parte integrante do sistema geral de proteção dos direitos humanos. 90 Por meio deste princípio torna-se inadmissível o retorno de uma pessoa a um local onde sua integridade física estaria em risco, seja por motivos de perseguição, na acepção da Convenção de 1951, ou por qualquer outra fonte de perigo. Em suma, a expansão do princípio do non- refoulement para o Direito Internacional dos Direitos Humanos maximiza e universaliza o escopo de proteção deste princípio, vez que abrange qualquer pessoa que não goza de 85 ACNUR. “Note on International Protection”, UNDOc A/AC.96/951, 13 September 2001, p.4; HATHAWAY, James C. The Rights of Refugees under International Law, Cambridge: Cambridge University Press, 2005, p.110; MCADAM, Jane. "The Refugee Convention as a rights blueprint for persons in need of international protection", New Issues in Refugee Research, UNHCR, Research Paper No. 125, July 2006, p.6-9[MCADAM (2006)]; MCADAM, Jane. "'Complementary' or 'Subsidiary' Protection? The Convergence of International Refugee and Human Rights Law", paper presented at the 13 th Annual Conference of the Australian and New Zealand Society of International Law ‘International Institutions in a Uni-Polar World’, Canberra, 16–18 June 2005, p.6[MCADAM (2005)]. 86 ACNUR, Advisory Opinion on the Extraterritorial Application of Non-Refoulement Obligations under the 1951 Convention relating to the Status of Refugees and its 1967 Protocol, Geneva, 26 January 2007, para.11. 87 Termo francês que significa "não-repulsão" ou "não-expulsão". 88 SANTIAGO, Jaime Ruiz de. “El Derecho Internacional de los Refugiados en su Relación con los Derechos Humanos y en su Evolución Histórica”, In IRIGOIN, Jeannette (ed.). Derecho Internacional de los Refugiados, Santiago: University of Chile, 1993, p.67. 89 United Nations Declaration on Territorial Asylum, UNGAOR, UNDoc.A/RES/2312(XXII), 14 December 1967, art.3º, §1º; ACNUR. Conclusion No. 6 (XXVIII) on Non-Refoulement, UNHCR Executive Committee, 1977, alínea “c”; ACNUR. Conclusion No. 19 (XXXI) on Temporary Refuge, UNHCR Executive Committee, 1980, alínea “b”; ACNUR. Conclusion No. 22 (XXXII) on Protection of Asylum-Seekers in Situations of Large- scale Influx, UNHCR Executive Committee, 1981, parte II(A)(2); ACNUR. Conclusion No. 25 (XXXIII) on International Protection, UNHCR Executive Committee, 1982, alínea “b”. 90 Declaration of States parties to the 1951 Convention and/or its 1967 Protocol Relating to the Status of Refugees, Ministerial Meeting of States Parties, UN Doc. HCR/MMSP/2001/09, Geneva, 2002, Preâmbulo, para.4; LAUTERPACHT, Elihu e BETHLEHEM, Daniel. “The scope and content of the principle of non- refoulement”, UNHCR, 20 June 2001, para.216; ACNUR. The situation of migrants and asylum-seekers fleeing recent events in North Africa, Report of the United Nations High Commissioner for Human Rights, UNDoc. A/HRC/18/54, 1 September 2011, para.29; San Remo Declaration on the Principle of Non-Refoulement, IIHL, San Remo, Italy, September 2001. A proteção internacional dos migrantes ambientais à luz do Direito Internacional dos Refugiados e da proteção complementar Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 66 segurança em seu Estado de origem, independentemente do exaurimento ou não dos critérios da definição de refugiado. 91 A proteção complementar, através de obrigações oriundas do princípiodo non- refoulement, se evidencia quando da análise de tratados cujo objeto da tutela primária são os direitos humanos e têm obrigações de não expulsão como ferramenta preventiva de proteção. 92 Pode-se apontar, inter alia: 93 o artigo 3º da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Convenção contra Tortura); 94 o 91 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A Humanização do Direito Internacional, Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2006, p.335-341 [CANÇADO TRINDADE]; ACNUR. ‘Executive Committee Conclusion 103 (LVI)’ (2005) UN Doc EC/56/SC/12, alínea "c". 92 Ibid.; CANÇADO TRINDADE, nota supra 89, p.340. 93 American Convention on Human Rights, "Pact of San Jose", OAS Treaty Series No. 36, San José, 22 November 1969, art.22, §8º; Inter-American Convention to Prevent and Punish Torture, OAS Treaty Series No. 67, Cartagena de Indias, 9 December 1985, art.13, §4º; International Convention for the Protection of All Persons from Enforced Disappearance, 2715 UNTS, UNDoc.A/61/448, New York, 20 December 2006, art.16; Charter of Fundamental Rights of the European Union, Official Journal of the European Communities, 2010/C 83/02, 7 December 2000, art.19, §2º. 94 United Nations Convention against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment, 1465 UNTS 113, 10 December 1984, art.3º, §1º. O texto integral do artigo 3º, §1º segue: "Nenhum Estado-parte procederá à expulsão, devolução ou extradição de uma pessoa para outro Estado, quando houver razões substanciais para crer que a mesma corre perigo de ali ser submetida a tortura." Cf. CCT. Elif Pelit v. Azerbaijan, Communication No. 281/2005, CAT/C/38/D/281/2005, UN Committee Against Torture, 5 June 2007, paras.11-12; CCT. Uttam Mondal v. Sweden, Communication No. 338/2008, CAT/C/46/D/338/2008, UN Committee Against Torture, 23 May 2011, para.7.7; CCT. Nirmal Singh v. Canada, Communication No. 319/2007, CAT/C/46/D/319/2007, 30 May 2011, para.8.1; CCT. Balabou Mutombo v. Switzerland, Communication No. 13/1993, 27 April 1994, para.9(4). Bruno de Oliveira Biazatti Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 67 artigo 7º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP); 95 e os artigos 3º 96 e 6º 97 da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos (CEDH). No atual estágio do Direito Internacional, o direito à vida também implica uma obrigação de não-expulsão 98 e "engloba a existência com dignidade humana e com as necessidades mínimas de vivência." 99 Em especial, de acordo com a Corte Internacional de Justiça, 100 a Corte Europeia de Direitos Humanos (CtEDH), 101 a Assembleia Geral da ONU, 102 a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos 103 e também a doutrina 95 International Covenant on Civil and Political Rights, 19 December 1966, 999 UNTS 171, art.7º. O texto integral do artigo 7º segue: "Ninguém será submetido a tortura ou a tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes. Em particular, ninguém será submetido, sem o seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas." Sobre as obrigações de não-expulsão decorrentes deste dispositivo, Cf. CNUDH. General Comment No. 20: Prohibition of Torture, or Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment (art.7), CCPROR, UNDoc.HRI/GEN/1/Rev., 1994, para.9; CNUDH. ARJ v Australia, Communication No. 692/1996, 28 July 1997, CCPR/C/60/D/692/1996, para.6(8); CNUDH. Kindler v. Canada, Communication No. 470/1991, 30 July 1993, para.6(2); CNUDH. Ahani v. Canada, Communication No. 1051/2002, 24 March 2004, para.10(7). 96 European Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental Freedoms, 4 Nov.1950, ETS 5, art.3º[Convenção Europeia sobre Direitos Humanos]. O texto completo do artigo 3º é: "Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou punição desumano ou degradante". Sobre as obrigações de não expulsão decorrentes deste dispositivo, Cf. CtEDH. Soering v United Kingdom, Application no. 14038/88, ECtHR, judgment of 7 July 1989, para.91[Soering v United Kingdom]; CtEDH. Makhmudzhan Ergashev v. Russia, Application no. 49747/11, ECtHR, judgment of 16 October 2012, para.64; CtEDH. Iskandarov v. Russia, Application no. 17185/05, ECtHR, judgment of 23 September 2010, para.125; CtEDH. Hirsi Jamaa et al. v. Italy, Application No. 27765/09, ECtHR, judgment of 23 January 2012, para.114; CtEDH. Chahal v. United Kingdom, Application no. 70/1995/576/662, ECtHR, judgment of 11 November 1996, paras.73-74; CtEDH. Cruz Varas and Others v Sweden, Applicant No. 15576/89, ECtHR, judgment of 20 March 1991, para.69; CtEDH. Vilvarajah and Others v United Kingdom, Application no. 13163/87, ECtHR, judgment of 30 October 1991, para.103; CtEDH. Ahmed v Austria, Application no. 25964/94, ECtHR, judgment of 17 December 1996, paras.39 - 41; CtEDH. N v Finland, Application no. 38885/02, ECtHR, judgment of 26 July 2005, para.158; CtEDH. Saadi v Italy, Application no. 37201/06, ECtHR, judgment of 28 February 2008, para.125. 97 Convenção Europeia sobre Direitos Humanos, nota supra 95, art.6º. O texto do artigo 6º é: "Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela." Sobre as obrigações de não expulsão decorrentes deste dispositivo, Cf. Soering v United Kingdom, nota supra 95, para.113; CtEDH. Drozd and Janousek v. France and Spain, Application no. 12747/87, ECtHR, judgment of 26 June 1992, para.110; CtEDH. Mamatkulov and Askarov v Turkey, Applications nos. 46827/99 and 46951/99, ECtHR, judgment of 4 February 2005, paras.84-91; CtEDH. Ismoilov and Others v Russia, Application no. 2947/06, ECtHR, judgment of 24 April 2008, para.156. 98 CNUDH. Ahani v. Canada, Communication No. 1051/2002, 24 March 2004, para.10(7); CNUDH. General Comment No. 31: The Nature of the General Legal Obligation Imposed on States Parties to the Covenant, CCPROR, UNDoc.CCPR/C/21/Rev.1/Add.13, 2004, para.12; MCADAM (2011), nota supra 39, p.18-19. 99 ComNUDH. Human Rights and Extreme Poverty, UN Commission on Human Rights, Human Rights Res. 2005/16, para.1(b). 100 CIJ. Gabcikovo-Nagymaros Project (Hungary v. Slovakia), Judgment, ICJ Rep.1997, paras.53 e 112; CIJ. Legality of the Threat or Use of Nuclear Weapons, Advisory Opinion, ICJ Rep.1996, p. 226, para.59. 101 CtEDH. Öneryildiz v. Turkey, Application No. 48939/99, ECtHR, Judgment of 30 November 2004, para.64; CtEDH. Budayeva v. Russia, Applications No. 15339/02, 21166/02, 20058/02, 11673/02 and 15343/02, ECtHR, Judgment of 20 March 2008, para.133. 102 Humanitarian Assistance to Victims of Natural Disasters and Similar Emergency Situations, GARes 45/100, UNGAOR, 1990, UNDoc.A/45/PV.68, Preâmbulo. 103 African Charter on Human and Peoples' Rights (Banjul Charter), OAUDoc.CAB/LEG/67/3 rev.5, 27 June 1981, art.24. Esta disposição diz: "Todos os povos têm o direito a um meio ambiente geral satisfatório propício A proteção internacional dos migrantes ambientais à luz do Direito Internacional dos Refugiados e da proteção complementar Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 68 internacionalista, 104 o dever de proteger a vida das pessoas pode incluir a segurança contra danos ambientais.Como uma simples questão de fato, em certas situações, as mudanças ambientais não apenas diminuem o padrão de vida das populações, mas criam condições capazes de produzir danos contra elas. Se o declínio ambiental configura um nível de destruição tal qual as condições mínimas para o desenvolvimento de uma vida segura e digna são extirpadas, o princípio do non-refoulement precisa ser aplicado. Nesse prisma, a extensão da proteção complementar à migrantes ambientais exige cautela e análise factual dessas condições, com o objetivo de verificar a própria necessidade de tal proteção. Isso porque, sem o elemento de risco à integridade física, não há que se falar em aplicação do princípio do non- refoulement aos migrantes ambientais. 105 Uma decisão emblemática para ilustrar este ponto é aquela dada no caso D v. Reino Unido, em 1997, pela CtEDH. O autor do processo, um nacional da Federação de São Cristóvão e Nevis, uma nação insular caribenha, foi condenado no Reino Unido por tráfico de drogas e, depois que sua pena foi totalmente cumprida, as autoridades britânicas decidiram retorná-lo ao seu país de origem. 106 Todavia, ele estava, a época, altamente contaminado pelo vírus HIV. 107 As evidências perante a CtEDH demonstraram que não haviam instalações médicas na Ilha de São Cristóvão capazes de continuar o tratamento de maneira apropriada 108 e, ainda, o autor não possuía nenhum familiar naquele país para lhe dar o devido suporte. 109 Assim, a CtEDH concluiu que, em vista das circunstâncias excepcionais do caso, incluindo a fase crítica da doença fatal do requerente, a sua remoção para São Cristóvão equivaleria a um tratamento desumano pelo Reino Unido. 110 Esta decisão é muito importante porque, pela primeira vez, uma corte internacional admitiu que as condições sociais e econômicas do Estado de origem podem ser levadas em conta na análise de uma reivindicação ao seu desenvolvimento". Esse dispositivo é a primeira obrigação internacional vinculante concernindo um direito a um ambiente seguro. In VAN DER LINDEN, Morné e LOUW, Lirette. “Considering the Interpretation and Implementation of Article 24 of the African Charter of Human and Peoples’ Rights in light of the SERAC communication”, African Human Rights Law Journal, v.3, 2003, 167, p.169. 104 ZETTER, nota supra 6, p.16-17; CIJ. Gabcikovo-Nagymaros Project (Hungary v Slovakia), Judgment, ICJ Rep.1997, p. 7 (Separate Opinion of Vice-President Weeramantry), p.91-92; CtEDH. Öneryildiz v. Turkey, Application No. 48939/99, ECtHR, Judgment of 30 November 2004 (Partly Dissenting Opinion of Judges Türmen and Maruste). 105 MCADAM (2011), nota supra 39, p.26-28. 106 CtEDH. D v. United Kingdom, Application no. 30240, ECtHR, Judgment of 21 April 1997, para.7. 107 Ibid., paras.8-10. 108 Ibid., paras.16-17. 109 Ibid., para.18. 110 Ibid., para.53. Bruno de Oliveira Biazatti Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 69 envolvendo o princípio do non-refoulement. 111 Os professores noruegueses Vikram Kolmannskog e Finn Myrstad vão mais além e afirmam que a ratio decidendi do caso D v. Reino Unido é a prova de que uma pretensão de não-expulsão, baseada nas condições ambientais lesivas do Estado de destino, pode obter sucesso. 112 Ademais, nessa mesma linha de argumentação, os juízes da CtEDH, Françoise Tulkens (ex-vice-presidente), Giovanni Bonello e Dean Spielmann (atual presidente) também acreditam que fatores sociais e ambientais são capazes de caracterizar risco para a saúde do indivíduo ao extremo de configurar uma violação do artigo 3º da CEDH. 113 Contudo, recai sobre os migrantes ambientais o ônus de fundamentar suas pretensões de não-expulsão, demonstrando a existência de um risco real a sua vida no local de destino. A simples alegação de que a situação dos direitos humanos no seu país de origem é pior do que aquela no país a qual eles estão não é suficiente. 114 Também não é suficiente afirmar que a expulsão dos migrantes meramente os sujeitará a condições menos favoráveis. 115 In suma, a aplicação do princípio do non-refoulement à migrantes ambientais exige a comprovação da existência de um risco real para a segurança e a dignidade dos afetados, pois, caso contrário, não haveriam fundamentos fáticos para apoiar a implementação do proteção complementar no caso. Conclusivamente, a obrigação de não-expulsão (non-refoulement) não pode ser entendida como uma interpretação ampliada das causas de perseguição do artigo 1º, §1º da Convenção dos Refugiados. Seu objetivo é construir, de forma independente, uma base jurídica para a não-remoção de pessoas que enfrentariam riscos no local de destino. A Convenção contra Tortura, o PIDCP e a CEDH são reconhecidas fontes de proteção complementar através da não-expulsão, sendo originárias do universo jurídico dos direitos humanos e independentes da Convenção de 1951. Estes tratados de direitos humanos 111 Ibid., para.54. 112 KOLMANNSKOG, nota supra 58, p.6; KOLMANNSKOG, Vikram e MYRSTAD, Finn. "Environmental Displacement in European Asylum Law", European Journal of Migration and Law, v. 11, n. 4, 2009, 313, p.325. Para uma análise crítica desta conclusão, Cf. MCADAM (2011), nota supra 39, p.26. 113 CtEDH. N. v. United Kingdom, Application no. 26565/05, ECtHR, Judgment of 27 May 2008 (Joint Dissenting Opinion of Judges Tulkens, Bonello and Spielmann), para.54[TULKENS, BONELLO e SPIELMANN]. 114 RÖHL, nota supra 39, p.8. 115 CtEDH. Bensaid v. United Kingdom, Application no. 44599/98, ECtHR, judgment of 6 February 2001, para.38; CtEDH. Arcila Henao v. The Netherlands, admissibility decision, Application no. 13669/03, ECtHR, judgment of 24 June 2003. A proteção internacional dos migrantes ambientais à luz do Direito Internacional dos Refugiados e da proteção complementar Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 70 fornecem apenas o fundamento legal para a proteção complementar e não criam um novo status jurídico internacional, similar ou equiparável ao dos refugiados. 116 Expor pessoas a condições de inanição e degradação profunda através de sua expulsão à Estados sem condições ambientais mínimas para desenvolver uma vida segura e digna não pode ser aceitável, se tornando um ato ilícito internacional à luz do princípio do non- refoulement. A proteção destes migrantes é uma demanda da humanidade e os Estados não podem fazer uso de obscuridades jurídicas ou formalidades improfícuas para negar tal proteção. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS É inegável que o Direito Internacional atual não é o mesmo daquele identificável na metade do século passado. 117 As normas internacionais passaram e continuam a passar por um processo de intensa e profunda humanização, 118 que questiona o paradigma estatocêntrico e também os próprios fundamentos do sistema legal internacional. 119 Neste novo paradigma, o Direito Internacional se torna, em última instância, o instrumento de realização das necessidades da pessoa humana, tendo como ultima ratio a sua incondicional proteção. 120 Essas novas considerações mínimas de humanidade, que se propagam por toda a ordem legal, produzem consequências práticas na interpretação e aplicação dos instrumentos jurídicos de proteção da pessoa humana já existentes. 121 Contudo, a humanizaçãodas normas internacionais jamais pode ser confundida ou usada como método para expandir de forma arbitrária os institutos legais. Essa conclusão é 116 MCADAM (2005), nota supra 83, p.4; MCADAM (2006), nota supra 83, p.3; MCADAM, Jane. Complementary Protection in International Refugee Law, Oxford: Oxford University Press, 2007, p.32-33. 117 CANÇADO TRINDADE, nota supra 89, p.399. 118 Ibid., p.119-128; CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. "International Law for Humankind: Towards a New Jus Gentium - General Course on Public International Law", vol.II, Collected Courses of the Hague Academy of International Law, vol. 317, The Hague, 2005, p.27. 119 CtIADH, The Right to Information on Consular Assistance in the Framework of the Guarantees of the Due Process of Law, Advisory Opinion OC-16/99, requested by the United Mexican States, October 1, 1999, Concurring Opinion of Judge A. A. Cançado Trindade, para.14. 120 Ibid., paras.3-4; TPIEI. Prosecutor v. Furundzija, Judgment, Trial Chamber, Case No. IT-95-17/I-T, 10 December 1998, para.183. 121 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Co-Existence and Co-Ordination of mechanisms of International Protection of Human Rights, The Hague: Martinus Nijhoff, 1987, p.94-98. Bruno de Oliveira Biazatti Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 71 notável no estudo dos migrantes ambientais, principalmente no tocante ao fato de que estes, na maioria das vezes, não gozam da proteção aplicável aos refugiados. 122 O Direito Internacional dos Refugiados possui seus próprios institutos normativos que foram criados para assegurar proteção àquele que cruzou a fronteira internacional para procurar proteção em outro Estado, devido a perseguição ou fundado temor de perseguição por seu próprio governo. A proteção pelo instituto do refúgio depende destas condições, de forma que os migrantes ambientais que fugiram de uma degradação ambiental natural não as exaurem, especialmente em decorrência da inexistência do elemento da perseguição estatal. Argumentar em favor de uma tese que extrapole tais parâmetros exporia o Direito Internacional e seus institutos de proteção à abusos inaceitáveis. Todavia, o Direito dos Refugiados não impõe qual o modo específico que a perseguição deve ser efetuada. Diante disso, a degradação ambiental, quando provocada intencionalmente para impedir o pleno exercício dos direitos humanos, tendo em vista uma das motivações listadas na Convenção de 1951, pode ser considerada uma forma de perseguição. Assim, especificamente esses migrantes ambientais podem ser considerados refugiados nos termos daquele tratado e de seu Protocolo de 1967. Ainda, mister destacar que aqueles que se deslocaram em decorrência da degradação ambiental natural, apesar de não serem refugiados, possuem certos direitos a serem respeitados. Como evidência da derrocada das barreiras normativas entre o Direito Internacional dos Refugiados e o Direito Internacional dos Direitos Humanos, 123 o princípio do non-refoulement deve ser entendido como ferramenta de proteção geral dos seres humanos, independentemente das condições para ser um refugiado. A expansão do non-refoulement para o direito à vida, por exemplo, proíbe os Estados de realizar a expulsão de migrantes ambientais quando houver evidências de risco à integridade física destes indivíduos. Isso se deve ao fato de que em circunstâncias de risco de vida, considerações humanitárias não são apenas moralmente aconselháveis, mas são legalmente imperativas e o Direito deve ser suficientemente flexível para acomodá-las. 124 Entretanto, é impossível estabelecer uma regra universal e prévia onde um migrante ambiental sempre deve gozar da proteção complementar. Deve-se averiguar a magnitude dos efeitos deletérios provocados por eventos naturais condicionantes ao deslocamento 122 Cf. subtítulo 3. 123 CANÇADO TRINDADE, nota supra 89, p.281-352. 124 TULKENS, BONELLO e SPIELMANN, nota supra 112, p.29. A proteção internacional dos migrantes ambientais à luz do Direito Internacional dos Refugiados e da proteção complementar Revista Eletrônica de Direito Internacional, ISSN 1981-9439, vol.17, jan./jun., 2016, pp.50-80. 72 transfronteiriço. O usufruto da proteção complementar depende da impossibilidade factual do desenvolvimento de uma vida digna e segura dos deslocados em seu lugar de origem a tal ponto que o Estado receptor é obrigado a não negar a entrada e a permanência do migrante ambiental em seu território até que o risco seja efetivamente extirpado. 5 REFERÊNCIAS 5.1 TRATADOS INTERNACIONAIS African Charter on Human and Peoples' Rights (Banjul Charter), OAUDoc.CAB/LEG/67/3 rev.5, 27 June 1981. 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