Buscar

GIANNATTASIO O Direito Internacional entre dois pós modernismos, a ressignifcação das relações entre Direito Internacional e Direito Interno

Prévia do material em texto

Titulo: O Direito Internacional Entre Dois Pós-Modernismos: A 
Ressignificação das Relações Entre Direito Internacional e Direito Interno 
Autor: Arthur Roberto Capella Giannattasio 
Publicado em: Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. 6, 2010, pp. 
Disponível em: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume6/ 
ISSN 1981-9439 
 
 
 
 
 
Com o objetivo de consolidar o debate acerca das questões relativas ao Direito e as Relações 
Internacionais, o Centro de Direito Internacional – CEDIN - publica semestralmente a Revista Eletrônica 
de Direito Internacional, que conta com artigos selecionados de pesquisadores de todo o Brasil. 
O conteúdo dos artigos é de responsabilidade exclusiva do(s) autor (es), que cederam ao CEDIN os 
respectivos direitos de reprodução e/ou publicação. Não é permitida a utilização desse conteúdo para 
fins comerciais e/ou profissionais. Para comprar ou obter autorização de uso desse conteúdo, entre em 
contato, info@cedin.com.br 
 
42 
 
O DIREITO INTERNACIONAL ENTRE DOIS PÓS-MODERNISMOS: A 
RESSIGNIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE DIREITO INTERNACIONAL 
E DIREITO INTERNO 
 
Arthur Roberto Capella Giannattasio 
 
RESUMO 
 
 Discute-se, a partir de um estudo de caso, a relação entre o Direito Internacional 
e o interno, para entender as explicações de duas diferentes chaves-cognitivas 
justificadoras da prevalência de um ou de outro. 
O Caso LaGrand aponta para o tema da relação da ordem jurídica interna com a 
internacional, questão de fundamental importância para o pensamento jurídico 
internacionalista, uma vez que, no momento da aplicação do Direito, deve-se optar pela 
aplicação das disposições do Direito Internacional ou do Direito interno 
A compreensão clássica, westfaliana, permeia concepções sobre as relações 
entre o Direito Internacional e interno e sobre a prevalência de um ou de outro. Fundada 
no instituto jurídico-político Moderno da Soberania, essa compreensão voluntarista do 
Direito Internacional remete à superada discussão entre o dualismo e o monismo. 
A inserção do Direito Internacional na Pós-Modernidade implicou a superação 
dessa percepção clássica, impondo a reconstrução do conceito de Direito Internacional, 
de seus princípios estruturantes e das soluções tradicionais. 
Dentro do Pós-Modernismo jurídico, existem dois modelos que explicam a 
relação entre o Direito Internacional e o interno. Neste Pós-Modernismo Transicional, 
os dois diferentes modelos buscam justificar, por motivos racionais de especialização 
funcional temática (Governança Global), ou por razões axiológicas (Direitos Humanos), 
a prevalência incondicional do Direito Internacional sobre o interno. Trata-se de 
ambiente de transição, em que o modelo novo convive com o antigo, persistindo a 
diferenciação entre ordem interna e internacional. 
 
Palavras-chave: Caso LaGrand; monismo; dualismo; Pós-Modernidade 
 
ABSTRACT 
 
The paper discusses, starting from a case study, the relationship between 
International Law and Domestic Law from the perspective of two main models. 
LaGrand Case points to a fundamental issue in international legal thought, as it 
is permeated by the discussion on the relationship between International Law and 
Domestic Law: when applying the law, one must choose between the provisions of 
International Law or those from Domestic Law. 
 
 
 Doutorando do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da 
Universidade de São Paulo (FADUSP); Graduando em Filosofia pela FFLCH/USP; pesquisador do 
NEV/USP e da DireitoGV-FGV/SP. 
 
43 
 
The classical westphalian explanation is the basis of conceptions about the 
relationship between International Law and Domestic Law, as well as of interpretations 
on the prevalence of one of them. Founded in the Modern political and legal institute of 
Sovereignty, this volitional apprehension of International Law refers to the surpassed 
debate between dualism and monism. 
The insertion of International Law in Post-Modernity surmounted this classical 
comprehension, since its juncture imposed the reconstruction of Law and International 
Law‟s conceptions, of their structuring principles, as well as of their traditional 
solutions. 
Within Legal Postmodernism, there are two understandings which explain the 
relationship between International Law and Domestic Law. This Transitional 
Postmodernism, due to rational motives of thematic functional specialization (Global 
Governance), or due to axiological reasons (International Human Rights), believes that 
International Law prevails unconditionally over Domestic Law, expressing a 
transitional context in which the new model coexists with the older one, remaining the 
difference between the two legal orders. 
 
Keywords: LaGrand Case; monism; dualism; Postmodernism 
 
 
44 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
[D]o jurista também se exige a capacidade de escolher e de aprimorar as 
instituições existentes, ou de criar outras novas, em função de objetivos que 
lhe são propostos pelas necessidades da vida quotidiana. (COMPARATO, 
1978, p. 470-1). 
 
O direito internacional pós-moderno tem de enfrentar os problemas da vida e 
do mundo. O mundo é o teatro no qual se faz o direito internacional pós-
moderno, como produto cultural e reflexo do tempo no qual se inscreve. Com 
toda a vastidão e complexidade que isso acarreta. (CASELLA, 2006, p. 831). 
 
O presente artigo trata, a partir de uma abordagem jusfilosófica, do clássico tema 
da relação entre o Direito interno e o Internacional, com base em um breve estudo de 
caso relacionado ao assunto. O objetivo de presente estudo consiste em apresentar e de 
propor conclusões e questões renovadas sobre o referido tema clássico, a fim de 
contribuir para o desenvolvimento do pensamento jurídico brasileiro. 
Nesse sentido, optou-se por apresentar, de maneira bastante breve, as principais 
questões em torno do Caso LaGrand, julgado pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), 
em que se discute principal, mas não exclusivamente, o tema do descumprimento de 
obrigação internacional, assumida por um Estado, de criar condições para haver a 
proteção consular de estrangeiros, presos em seu território, por parte de seus respectivos 
países de que são nacionais, nos termos da Convenção de Viena de Relações Consulares 
de 1961 (CVRC), seja por meio da comunicação dos órgão consulares de determinado 
país acerca da prisão de um de seus nacionais, seja por meio da informação da 
existência desse direito de assistência ao estrangeiro preso. 
Em outras palavras os Estados Unidos da América (EUA) deixaram de cumprir a 
obrigação constante de Tratado Internacional, a CVRC, desconsideraram mandamentos 
vinculantes emitidos pela própria CIJ, além de terem entendido não ter havido qualquer 
prejuízo ao Direito Internacional pela não alteração da ordem jurídica positiva 
processual interna em função de compromisso internacional assumido, na medida em 
que não existiria qualquer obrigação no sentido de modificação do Direito interno em 
razão do Direito Internacional. 
O Caso LaGrand, como nos casos BREARD e AVENA e outros Nacionais 
Mexicanos, toca o tema da relação da ordem jurídica interna com a internacional, 
questão de fundamental importância para o pensamento jurídico internacionalista, uma 
vez que, no momento da aplicação do Direito, deve-se optar pela aplicação das 
 
45 
 
disposições do Direito Internacional ou do Direito interno (ACCIOLY; NASCIMENTO 
E SILVA, 2002, p. 64-5). 
A dificuldade de aplicação conjunta e concomitante de mais de um ordenamento 
jurídico decorre do fato de que, porexigências típicas de um sistema do Direito, a saber, 
a identidade, a singularidade e a totalidade (FERRAZ JR., 1976), consubstanciadas na 
idéia de coerência e coesão sistêmico-funcionais (KELSEN, 2000, 2005; MÜNCH, 
1996), em determinados pontos em torno de questões específicas, os tratamentos de 
cada regime jurídico podem ser incompatíveis em razão de contradição ou de 
contraditoriedade entre as disposições (ALVES, 2003). 
Em outras palavras, nesses momentos de potencial aplicação de normas jurídicas 
oriundas de regimes jurídicos distintos, há que se decidir pela prevalência de um ou de 
outro para solucionar uma controvérsia sujeita àqueles dois regimes jurídicos 
(ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA, 2002, p. 64-5), a fim de que a decisão seja 
sistemicamente coerente e coesa – relação de homeostase dinâmica entre os elementos 
intra-sistêmicos -, de tal modo que o resultado possa ser previsível, estável e seguro 
(FARIA, J. H., 2004, p. 145-50; MÜNCH, 1996, p. 188-202). 
Deve-se notar, entretanto, que, se dentre o pensamento jurídico internacionalista, 
é possível identificar uma preferência pela prevalência do Direito Internacional sobre o 
Direito interno, não se pode se esquecer de que essa posição da literatura jurídica de 
Direito Internacional nem sempre foi, e nem é, de todo unânime entre os principais 
autores de Direito Internacional, como poderá ser verificado oportunamente. 
Ademais, não se pode deixar de mencionar que mesmo as práticas dos Tribunais 
nacionais - nem mesmo dos principais Tribunais brasileiros – seguiu aquela posição, 
devendo-se notar, nesse sentido, que essa postura de recusa da prevalência da ordem 
jurídica internacional sobre a interna se trata de opção político-jurídica de resistência ao 
Direito Internacional que não é exclusiva de países centrais no cenário político, 
econômico e jurídico internacional. 
Deste modo, o presente estudo examina, precisamente, sob uma perspectiva 
jusfilosófica, o tema da relação entre o Direito Internacional e o Direito interno, a fim 
de tentar compreender a sucessão histórica de modelos teóricos que tentaram explicar 
essa interação sistêmica entre duas ordens jurídico-positivas diversas. 
Não se pode deixar de perceber, inclusive, que cada um deles pretendeu fornecer 
uma resposta, de acordo com seus critérios e parâmetros específicos, à dificuldade de 
 
46 
 
lidar com a complexidade e com a diversidade de possíveis regimes jurídicos incidentes 
sobre uma mesma situação juridicamente regulada, sempre com o objetivo de 
determinar a prevalência de um ou de outro, ora a ordem jurídica internacional sobre a 
interna, ora esta sobre aquela. 
Nesse sentido, será possível identificar dois grandes grupos de pensamento que 
tentam explicar a lógica de funcionamento da inter-relação entre Direito Internacional e 
Direito interno, com o objetivo de tentar encontrar uma possível prevalência de um 
regime jurídico positivo sobre outro. São eles, (i) o Modernismo Westfaliano; e o (ii) 
Pós-Modernismo Transicional. Cada um deles oferece uma matriz cognitiva dotada de 
aparato conceitual próprio, permitindo, segundo sua lógica e sua linguagem específicas, 
identificar uma espécie de padrão de legalidade prevalecente. 
Todavia, ao mesmo tempo em que se desenvolvem arsenais conceituais jurídicos 
renovados, com objetivos singularmente direcionados em função das contingências e 
das conjunturas histórico-sociais que perpassam e que alternam correntes de 
pensamento filosófico, político e econômico distintas, há a dificuldade de 
operacionalização desse aparato lingüístico constantemente re-criado pela literatura 
jurídica que busca contribuir para o desenvolvimento concreto (HEGEL, 1980, p. 340-
6) do pensamento jurídico. Afinal, 
 
a contemporaneidade não pode prescindir do estudo das bases do direito 
internacional dos tempos precedentes, sob pena de se perder a compreensão 
do papel e do alcance possível deste, na construção das normas e dos 
respectivos mecanismos de implementação. (ACCIOLY; NASCIMENTO E 
SILVA; CASELLA, 2009, p. 98). 
 
A impossibilidade de desdobrar praticamente em ato o potencial que reside nas 
diferentes soluções de cada modelo teórico (atualização: passagem da potência para o 
ato) (HEGEL, 1980, p. 341) pode ser diagnosticada como decorrendo da persistência de 
modelos explicativos e cognitivos anacrônicos, porque inviáveis e inaptos para lidar 
com os novos elementos constituintes da realidade jurídico-político-econômica e 
filosófica vigente. 
O presente trabalho, assim, estrutura-se em quatro partes. 
A primeira parte se destina à breve exposição dos principais aspectos do Caso 
LaGrand, com o objetivo de ressaltar as questões e os problemas pertinentes ao tema 
desta investigação. A insatisfação de juristas com relação às soluções práticas dadas 
 
47 
 
pelo Direito positivo apontará para o caráter intrinsecamente jurídico-filosófico da 
questão, justificando, inclusive metodologicamente, as abordagens de caráter histórico-
filosófico a serem feitas nas demais partes do texto. 
A segunda parte centra sua discussão em torno da tentativa de compreender o 
primeiro modelo explicativo das relações entre Direito Internacional e Direito interno, a 
partir do paradigma jusfilosófico tipicamente Moderno-westfaliano. Após o exame dos 
principais critérios que informam essa corrente, será possível apresentar, com finalidade 
puramente cognitiva, em linhas bastante gerais, as duas principais – e clássicas – 
vertentes desse modelo de pensamento, a saber, o monismo e o dualismo, com suas 
diferentes soluções e ramificações. 
Constatada a obsolescência do paradigma anteriormente tratado, tendo em vista 
a inserção do Direito Internacional em contexto jusfilosófico e econômico diverso, de 
caráter Pós-Moderno, será possível perceber, não apenas a superação do debate entre 
monismo e dualismo, tendo em vista a impossibilidade de continuar a discussão em 
termos Modernos dentro de ambiência em que não mais possuem a mesma significação, 
mas também o surgimento de novo arcabouço conceitual que pretende lidar com as 
mesmas questões. 
Nesse sentido, a terceira parte tratará das vertentes de Pós-Modernismo 
identificadas, a fim de tentar compreender de que maneira cada uma delas busca 
resolver a questão da relação entre Direito Internacional e Direito interno, no sentido de 
buscar pela prevalência de um sobre o outro. 
Cabe ressaltar que o presente trabalho não pretende ter exaurido a apresentação 
de modelos teóricos destinados a encaminhar para a solução do referido problema, visto 
que a exposição desses dois principais não significa que não possam existir outros 
modelos relevantes e pertinentes que dêem ao tema, a partir de perspectiva renovada, 
soluções ainda mais interessantes. 
Ademais, a apresentação dos modelos teóricos mais recentes especificamente 
diagnosticados não decorre de qualquer preferência explícita e a priori por um ou por 
outro, mas, sim, da intenção de tentar apresentar as diferentes tendências dos modos de 
pensar o mesmo tema, para além da tradicional e superada discussão entre o monismo e 
o dualismo. 
Por fim, a quarta parte discutirá a importância de se continuar a se re-propor, 
continuamente, e de modo insaciável, novas leituras de institutos e de temas jurídicos 
 
48 
 
clássicos, a partir de diferentes referenciais teóricos e filosóficos mais próximos das 
tendências mais recentes do pensamento e do conhecimento humanos contemporâneos. 
 
2 O PONTO DE PARTIDA CASUÍSTICO DA REFLEXÃO FILOSÓFICA: O 
CASO LAGRAND 
 
Por que se pára para pensar e quem pára para pensar? Quem pára para pensar 
são os juristas com interesses filosóficos em função dos problemascolocados 
pelo Direito Positivo – problemas que não encontram solução e 
encaminhamento no âmbito estrito do Direito Positivo. A Filosofia do Direito 
é, assim, o campo dos juristas com interesses filosóficos, instigados, na sua 
reflexão, pelos problemas para os quais não encontram solução do âmbito do 
Direito Positivo. (LAFER, 2004, p. 54) 
 
O presente tópico apresenta, de maneira sucinta, as principais questões 
envolvidas no Caso LaGrand que se mostram pertinentes à temática a ser desenvolvida 
no presente estudo, a saber, a necessidade de se escolher pela prevalência de uma das 
duas ordens jurídicas que mantêm relação entre si na regulamentação de conflitos de 
caráter internacional, a saber, o regime jurídico internacional e o interno. 
Nesse sentido, é importante frisar que o caso a ser examinado detém a função, 
neste estudo, de constituir ponto de partida de uma reflexão filosófica em torno do tema 
escolhido para este trabalho, o que justifica, metodologicamente, a abordagem, de 
caráter jusfilosófico internacional, a ser desenvolvida nos tópicos seguintes. 
Trata-se de uma postura típica de uma abordagem de Filosofia do Direito 
Internacional, uma vez que as dificuldades encontradas no desenvolvimento das práticas 
em torno do Direito Internacional positivo – entendido como o Direito Internacional 
vigente - convidam a parar para pensar, visando a encontrar o significado das coisas, 
atribuindo-lhes um significado global, a fim de que se possa agir (LAFER, 2004, p. 54), 
não apenas dentro do mundo, conforme as determinações da situação, mas também, 
sobre ele, de modo a o alterar. 
Há, dessa maneira, um desligamento provisório do mundo tangível, da realidade 
dos fatos, a fim de perquirir soluções, novas ou antigas, para os problemas surgidos da 
práxis (LAFER, 1979, p. 28, 93 e 98), ou seja, abandona-se, temporariamente, mas com 
a pretensão de retornar em breve, a realidade ontológica, para refletir, com o escopo de 
elaborar/encontrar uma solução, a partir dessa reflexão, para os problemas surgidos da 
prática, para atuar sobre o mundo transitoriamente abandonado, para tentar uma 
 
49 
 
transformação do mesmo a partir do pensamento e de seu resultado/produto, a solução 
do presente, teoricamente formulada, para fins práticos futuros. 
 
Apesar de invisível, a atividade do pensar irrompe no mundo das aparências. 
Sócrates, como lembra Hannah Arendt, valeu-se da metáfora do vento para 
explicar o seu impacto: os ventos são invisíveis, mas ainda assim o que eles 
fazem é manifesto para nós e de alguma maneira sentimos a sua 
aproximação. (LAFER, 1979, p. 86-7). 
 
Note-se, inclusive, que “as questões referentes à vida social e aos produtos 
culturais da atividade humana permeiam as ciências sociais e as humanidades”, não 
sendo de propriedade exclusiva de qualquer ramo do conhecimento humano, devendo-
se evitar qualquer dogmatismo decorrente da obsessão por uma única via teórica 
compreensiva (GIDDENS; TURNER, 1996, p. 7e 10). 
Nesse sentido, não basta uma singela análise calcada apenas nos pressupostos e 
nos conceitos jurídicos, devendo-se se utilizar de aparato auxiliar de outros ramos do 
conhecimento humano, naquilo que interessam à reflexão jurídica, na exata medida em 
que admitem, dentro de suas preocupações, um espaço para o estudo do Direito 
(FERRAZ JR., 2001, p. 39-44; ROESLER, 2002, p. 82). 
Assim, em outras palavras, a partir de determinadas questões suscitadas no caso 
estudado, diante da insatisfação do encaminhamento prático obtido, será iniciado um 
movimento de reflexão tipicamente filosófico em torno dos paradigmas jurídicos que 
informam a lógica de funcionamento da relação entre o Direito Internacional e o Direito 
interno, com a finalidade de expor a alternação histórico-filosófica de cada um dos 
modelos teóricos identificados que pretendem solucionar ou trabalhar a questão dentro 
de seu específico aparato conceitual. 
Por esse motivo, enfim, é que se mostra indispensável a apresentação breve do 
caso do qual a temática principal do presente estudo é depreendida de forma evidente, 
na medida em que expõe, emblematicamente, como se compreende, nas práticas 
internacionais, a relação entre Direito Internacional e o interno, de modo a se haver a 
decisão da prevalência de um ou de outro. 
Dentre os mais notórios episódios de descumprimento de normas jurídicas 
internacionais, convencionais e costumeiras, por um país, em razão da opção pela 
prevalência da aplicabilidade de sua norma jurídica interna, destacam-se as práticas 
 
50 
 
estadunidenses relacionadas a posicionamentos da Corte Internacional de Justiça (CIJ) 
nos casos BREARD, LaGrand e AVENA. 
O primeiro deles, de 1998, se encerrou com a desistência do Paraguai após a 
execução de BREARD sem que a Corte houvesse proferido decisão sobre o mérito. 
Quanto ao mais recente, o caso AVENA de 2004, as conseqüências alcançaram o 
extremo a ponto de levar os EUA a retirarem a aceitação de jurisdição da CIJ: “a 
rejeição de um tribunal internacional já estabelecido não é uma infração leve” 
(HABERMAS, 2006a, p. 97). 
Algumas das motivações a esta gravíssima retirada podem ser encontradas na 
combinação de uma pressão interna a um desprezo da administração da época em 
relação às instituições e ao Direito Internacional, bem como em uma distorcida 
interpretação da CIJ como interferência indevida ou ainda instância adicional a que se 
apelaria apenas após o esgotamento dos recursos internos. 
No entanto, o foco do presente trabalho se deterá no caso LaGrand, por 
considerá-lo mais sintomático para o tema em questão, consistindo também no principal 
precedente do caso que levaria a tal retirada da aceitação, bastante lembrar que “[o] caso 
LaGrand foi precedente direto do caso AVENA.” (CASELLA, 2008, p.1261). 
De nacionalidade alemã, Walter e Karl LaGrand foram morar ainda durante a 
infância nos EUA – sem jamais, porém, deixarem de ser cidadãos alemães. Foram 
detidos em Mariana (Arizona) em 7 de janeiro de 1982, sob acusação de roubo a banco 
que levou à morte de um gerente e graves lesões em outro funcionário. Após 
julgamento, foram condenados em 1984 por homicídio, tentativa de homicídio e roubo a 
mão armada. 
Oito anos após a condenação, os irmãos foram informados de que lhes era de 
direito contatar o serviço consular alemão e contar com a proteção do mesmo – a que as 
autoridades estadunidenses replicaram com a alegação de desconhecer a nacionalidade 
de ambos. Os LaGrand passaram então a solicitar revisões por diversas vezes, até 
mesmo à Suprema Corte, devido à violação do art. 36 da Convenção de Viena sobre 
relações consulares. 
Com fundamento na alegação de trânsito das sentenças em julgado, os pedidos 
na ordem jurídica interna foram negados, sob a justificativa de que a reabertura dos 
casos estaria impedida por vícios processuais. 
 
51 
 
Karl foi executado com injeção letal em 24 de fevereiro de 1999, mas a 
República Federal da Alemanha solicitou medida cautelar à CIJ a fim de impedir que o 
irmão tivesse o mesmo fim antes do julgamento do caso. 
Em 3 de março, o pedido foi aceito pela CIJ mas rejeitado pela Suprema Corte 
Americana, que acabou por executar Walter na câmara de gás naquele mesmo dia, 
conforme marcado. 
A não suspensão foi sustentada por alegações de que não fora dado aos EUA 
direito de defesa no que diz respeito ao pedido de medida cautelar, bem como que a 
CVRC seria inaplicável ao caso por se restringir a funcionários consulares e 
diplomáticos e finalmente que os obstáculos provenientes das divisões internas 
jurisdicionais e a solicitação tardia impediam que o caso fosse suspenso. 
Uma vez prevista pelo artigo 36 daConvenção de Viena a assistência consular 
pelas autoridades do estado do qual é nacional o estrangeiro em julgamento, não se 
mostra cabível a alegação de se querer criar “instância adicional de apelação” em 
benefício deste. 
Cabe apontar, ainda, que, além do descumprimento da medida cautelar, os EUA 
ignoraram a reparação e o pedido de garantia pleiteados pela República Federal da 
Alemanha, além de terem expressamente alegado perante a CIJ que não teriam a 
obrigação de alterar sua ordem jurídica interna em função de compromisso assumido 
internacionalmente. 
 
A atuação dos Estados Unidos se conta como péssimo precedente no cenário 
mundial e como retrocesso no esforço de implementação e aplicação 
consistentes do direito internacional. (CASELLA, 2008, p. 1262). 
 
Isso porque, enfim, os EUA deixaram de cumprir a obrigação constante de 
Tratado Internacional, a CVRC, mas também simplesmente desconsideraram 
mandamentos vinculantes emitidos pela própria CIJ, além de terem entendido não ter 
havido qualquer prejuízo ao Direito Internacional pela não alteração da ordem jurídica 
positiva processual interna em função de compromisso internacional assumido, na 
medida em que não existiria qualquer obrigação no sentido de modificação do Direito 
interno em razão do Direito Internacional. 
O caso LaGrand é remetido a duas ordens de direitos: tanto da parte do Estado, 
no sentido da proteção de seu nacional em território estrangeiro, quanto do indivíduo, 
 
52 
 
que, enquanto estrangeiro, pode valer-se da devida assistência consular. Não apenas 
constituições e sistemas nacionais podem assegurar os direitos fundamentais, mas 
especialmente os tratados internacionais que podem implementá-los por meio da CIJ. 
Uma vez signatário sem reservas da CVRC e de seu Protocolo facultativo, os 
Estados Unidos se comprometem a acatar as decisões de tal Corte. A violação desta 
norma internacional, portanto, “também fere e solapa as bases de direitos fundamentais 
em relação aos estrangeiros [...] sujeitos ao direito interno e à interpretação deste pelos 
tribunais nacionais [...]” (CASELLA, 2008, p.1259). 
A relevância do caso se mostra, portanto, evidente: 
 
[F]rom a purely juridical perspective, LaGrand is not primarly about the 
death penalty. The main points it stands for are the binding force of 
provisional measures indicated by the Court and the finding that consular 
access is an individual right” (RODLEY, 2002, p. 318). 
 
LaGrand deve também ser foco das atenções não apenas para que se evite novas 
infrações do tipo, mas para que sejam revelados na pena de morte estadunidense alguns 
“pequenos segredos sujos”, nas palavras de Joan FITZPATRICK: 
 
that it is largely restricted to marginalized elements in the community, and 
that the basic rights of capital defendants are often significantly violated 
during the investigative and Trial phases of their cases. They often do not 
raise timely objections to these deprivations, because their appointed counsel 
fails to act on their behalf (FITZPATRICK, 2002, p. 309). 
 
3 O PARADIGMA DO MODERNISMO WESTFALIANO: O VOLUNTARISMO 
SOBERANO 
 
Em uma época em que o nacionalismo é antiquado, os chamados movimentos 
de renovação nacional são, ao que tudo indica, particularmente sujeitos a 
práticas sádicas. (ADORNO, 2006, p. 137). 
 
O direito político ainda etá por nascer, e é de presumir que nunca venha a 
nascer. Grotius, o mestre de todos os nossos doutos nessa matéria, não passa 
de uma criança e, o que é pior, uma criança de má-fé. Quando ouço elevarem 
Grotius às nuvens e cobrirem Hobbes de execração, vejo quantos homens 
sensatos lêem ou compreendem esses dois autores. A verdade é que seus 
princípios são exatamente semelhantes; eles só diferem pela expressão. 
Diferem também pelo método. Hobbes apóia-se em sofismas, e Grotius, em 
poetas; tudo o mais lhes é comum. (ROUSSEAU, 1999, p. 646-7). 
 
 
53 
 
O Modernismo westfaliano consiste no padrão clássico de Direito Internacional, 
calcado no conceito típico de delimitação espacial de fronteiras estatais sujeitas a um 
poder Soberano. Esses caracteres foram delineados pelos Tratados de Münster e de 
Osnabrück, na Westfália, assinados em 24 de outubro de 1648, 
 
quando triunfa o princípio da igualdade jurídica dos estados, estabelecem-se 
as bases do princípio do equilíbrio europeu, e surgem ensaios de 
regulamentação internacional positiva. Podem ser apontados não somente o 
conceito de neutralidade na guerra, em relação aos estados beligerantes, 
como também fazer paralelo, entre o princípio então adotado, da 
determinação da religião do estado pelo governante, o que seria o ponto de 
partida do princípio contemporâneo da não-ingerência nos assuntos internos 
dos estados. (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2009, p. 
64-5). 
 
A Soberania, hoje anacronicamente defendida e protegida de modo 
incondicional, configura-se como poder absoluto que não reconhece outro acima de si 
(CAMPILONGO, 2007, p. VIII), remontando ao nascimento dos grandes Estados 
nacionais europeus, apesar de não ter sido consolidada completamente em sua dimensão 
externa (FERRAJOLI, 2007, p. 1-3), conforme um ainda persistente Projeto Moderno 
de organização política das sociedades no mundo (FERRAJOLI, 2006). 
Poder exclusivo e absoluto de alguma autoridade político-jurídica sobre 
determinada circunscrição territorial, englobando todos os recursos minerais, naturais, 
animais e humanos nela insertos, a Soberania se trata de uma potestas que se estende 
sobre um dominium, mas que não encontra algo além dela sobre aquele território, por 
ser a suprema potestas superiorem non recognoscens (FERRAJOLI, 2007, p. 1), dirige 
tudo o que se encontra dentro daquela delimitação geográfica espacial: ar, terras, povos, 
vegetação, animais, minérios, águas (rios e mares), etc., tudo de alguma forma, espécie 
de território de propriedade estatal (aéreo, terrestre, líquido, humano, etc.). 
Essa concepção ficou mais clara, e mais sincera/transparente, com a admissão, 
por Hugo GRÓCIO, o pai do Direito Internacional, da possibilidade de considerar como 
matáveis todos aqueles que se inserissem no território inimigo das colônias, inclusive 
mulheres, crianças e prisioneiros, visto violarem o direito natural – assimétrico – de os 
espanhóis poderem acessar os bens comuns (os recursos naturais, animais e vegetais) 
(FERRAJOLI, 2007, p. 17-8). 
De qualquer forma, a Soberania possui o caráter de ser poder absoluto, 
exclusivo, supremo, inalienável e independente, “sem igual ou concorrente, no âmbito 
 
54 
 
de um território, capaz de estabelecer normas e comportamentos para todos seus 
habitantes.” (FARIA, 2004, p. 17). Ela se consolida internamente pela progressiva 
monopolização dos instrumentos de violência e de Poder decisório e nomogenético pelo 
Estado, por meio da eliminação dos particularismos locais, extinguindo a fragmentação 
política medieval. Concentra-se o Poder nas mãos de um vértice único, dentro de uma 
hierarquia piramidal rígida. (FARIA, 2004, p. 18-21). 
Segundo este modo de compreensão de mundo, o Direito Internacional é produto 
das manifestações de concordância dos Estados, ou ainda, da mera vontade (voluntas) dos 
Estados, que assentem a regras jurídicas, de tal modo que a Soberania pode optar pela 
limitação voluntária dela mesma (FARIA, 2004, p. 150-6) – assentimento que, tão quão 
foi voluntariamente dado, pode ser retirado, um comportamento típico de um modelo 
clássico “de um poder imperial que se esquiva de normas do direito internacional porque 
estas limitam o seu próprio espaço de ação (HABERMAS, 2006a, p. 189) -. 
Este modelo de compreender a formaçãodo Direito Internacional decorre da 
indevida subjetivação do fenômeno estatal, ou seja, da não acertada aplicação dos 
preceitos da filosofia subjetivista (do sujeito), tipicamente Moderna, inaugurada por 
René DESCARTES (GIANNATTASIO, 2009b), ao Estado. A Filosofia do sujeito 
propõe que o ser cognoscente, para compreender o mundo, deve partir de seu próprio 
ego, interpretando o mundo de acordo com a vontade e conforme a idéia do sujeito: o 
sujeito (Estado) se mostra como o verdadeiro ponto de partida, o centro único, exclusivo 
e Soberano do mundo jurídico (KELSEN, 2005, p. 549). 
Não é sem motivo, inclusive, haver a atribuição, pelo Discurso Jusfilosófico 
Político Moderno, de uma vontade ao Estado, qualificada, classicamente, de vontade 
geral (ROUSSEAU, 2006). Mas não se deve se esquecer de que 
 
o Estado não é uma unidade biofisiológica, e nem mesmo uma unidade 
sociológica. A relação entre Estado e Direito é radicalmente diversa da 
relação entre indivíduo e Direito. [...]. Acredita-se que o Estado seja um 
objeto de regulamentação apenas porque a personificação antropomórfica 
dessa ordem nos leva, primeiro,a equipará-lo a um indivíduo humano e, 
então, a tomá-lo erroneamente por um indivíduo suprahumano. (KELSEN, 
2005, p. 536) 
 
Bastaria, nesse sentido, mencionar como interessante exemplo, não único, o 
entendimento de Dionisio ANZILOTTI (1923, p. 39-40), que afirma serem fonte do 
Direito Internacional Público os acordos das vontades manifestadas pelos Estados, de 
 
55 
 
modo expresso (Tratados Internacionais) ou tácito (costume), mas sempre o acordo 
entre as vontades estatais. 
Essa concepção permite compreender de duas maneiras distintas as relações 
entre Direito Internacional e Direito interno, na medida em que é possível, com base em 
divisão de fronteiras, distinguir dois regimes jurídicos, um nacional e outro 
internacional. Podem eles ser ordenamentos independentes, sem quase contato algum 
entre eles, ou ramos de um mesmo sistema jurídico, em que se mantém alguma relação: 
a primeira escolha é apresentada pelos seguidores da visão dualista, enquanto que a 
segunda é pregada pelos da corrente monista (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; 
CASELLA, 2009, p. 210-1). 
Em apertada síntese, um interessante exemplo da visão dualista é a conclusão 
apresentada por Carl TRIEPEL que, ao examinar as características do direito interno e 
do direito internacional, entende que eles constituem sistemas jurídicos distintos, 
passíveis de serem configurados como dois círculos que não se sobrepõem, mas que se 
tangenciam, na medida em que regem relações diversas, não havendo concorrência, nem 
conflitos, entre as fontes dos dois sistemas jurídicos: o direito interno regeria relações 
intra-estatais e o direito internacional regularia relações interestatais (ACCIOLY; 
NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2009, p. 212; CASELLA, 2007c, p. 18). 
Por outro lado, Hans KELSEN é um dos maiores defensores da visão monista, 
entendendo não ser possível admitir a existência de dois sistemas jurídicos, igualmente 
válidos e independentes, visto que, conforme sua concepção de Direito, as relações 
entre o direito interno e o Direito Internacional convergem e se superpõem, havendo a 
necessidade de se encontrar uma maneira que discipline essas duas categorias e a 
relação entre elas, dentro de uma única ordem jurídica, com nuances e subdivisões, a 
partir da imagem da pirâmide kelseniana de normas, em cujo vértice se coloca o 
princípio pacta sunt servanda (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 
2009, p. 211; CASELLA, 2007c, p. 19-20). 
Assim, entre as duas possíveis relações entre Direito Internacional e direito 
interno, o conflito entre as normas de ambas apenas surgirá, ou deverá ser cogitado, a 
partir do momento em que se concebe a interação entre ambas de acordo com a 
concepção monista, porque a unidade científica do sistema jurídico demanda que não haja 
a possibilidade de contradições e de conflitos: a solução deve ser dada, entendendo-se que 
uma, ou outra, deve prevalecer (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA, 2002, p. 64-5). 
 
56 
 
É neste ponto que se subdividem os seguidores da corrente monista, visto que, 
(i) para alguns, há a prevalência das normas de Direito Internacional sobre as de direito 
interno (Hans KELSEN, p. ex., por motivos práticos); enquanto que, (ii) para outros, 
prevalecem as normas de direito interno sobre as de Direito Internacional. (ACCIOLY; 
NASCIMENTO E SILVA, 2002, p. 65; ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; 
CASELLA, 2009, p. 211) 
Há ainda aqueles que seguem uma posição intermediária, entendendo que a 
supremacia de uma, ou de outra, depende de utilização de critérios temporais (the later 
time rule), visto que possuiriam o mesmo status jurídico e hierárquico (monismo 
moderado), conhecida também como teoria da legalidade ordinária dos tratados 
internacionais. (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2009, p. 213) 
A Corte Internacional de Justiça tem sido invariável ao reconhecer o caráter 
preeminente do direito internacional. Em parecer de 1930, a Corte Permanente de 
Justiça Internacional declarou ser princípio geralmente reconhecido, do direito 
internacional, que, nas relações entre potências contratantes de um tratado, as 
disposições de uma lei interna não podem prevalecer sobre as do tratado. Além disso, a 
própria Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados adotou em seu artigo 27 a 
mesma regra: uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para 
justificar o inadimplemento de um tratado. (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA, 
2002, p. 65) 
No direito brasileiro, por sua vez, em relação ao conflito entre fontes vê-se certo 
descompasso entre a doutrina, alinhada pela concepção do monismo kelseniano, 
segundo a qual o tratado sempre deve prevalecer sobre a lei interna, ainda que se trate 
da Constituição (Clóvis BEVILAQUA, Haroldo VALLADÃO, Vicente Marotta 
RANGEL, Pedro LESSA, Philadelpho AZEVEDO, Vicente RÁO, Hildebrando 
ACCIOLY e Carlos MAXIMILIANO), com algumas exceções com relação apenas a 
este último aspecto (Oscar TENÓRIO, Francisco REZEK), e a interessante evolução da 
jurisprudência pátria, com avanços e retrocessos, onde, por caminhos tortuosos, 
equipara-se o tratado à lei interna, sujeitando estes às modificações supervenientes 
decorrentes de alterações posteriores do ordenamento nacional, privando a norma de 
direito internacional positivo de seu sentido e alcance. (CASELLA, 2007c, p. 22-7). 
Essa situação configura descumprimento de obrigação pelo Estado contratante, 
enquanto sujeito de direito internacional, em relação aos demais signatários do mesmo 
 
57 
 
instrumento: de fato, como lembra Haroldo VALLADÃO, a norma internacional tem 
sua forma própria de revogação, a denúncia, que não toma forma de norma jurídica 
interna, podendo-se cogitar de responsabilidade internacional do Estado em razão de 
descumprimento de norma por força de ato de órgão interno (insegurança no plano 
internacional). (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2009, p. 215-6). 
O julgamento que sedimentou a posição do STF com relação a esse tema foi o 
RE 80.004 (1978), classificado pela doutrina como exemplo de monismo moderado, 
momento, inclusive, do surgimento dessa terminologia. Nesse caso, o STF decidiu que 
uma lei interna superveniente poderá afetar um tratado em vigor, com exceção daqueles 
referentes à matéria tributária, em face do que dispõe o artigo 98 do CTN. Depois de 
incorporado o tratado à legislação interna, encontra-se em iguais condições às demais 
leis ordinárias (hierarquicamente inferior à Constituição, portanto), e todas as 
contradições temporais que se apresentarem serão solucionadas com base em critérios 
temporaisde solução de antinomias aparentes (ver, ainda, entre outros, ADIN 1.480, CR 
8.279 e HC 72.131); essa posição, ainda, foi seguida, em 1994, pelo STJ, em decisão 
que expressamente faz referência ao RE 80.004. (ACCIOLY; NASCIMENTO E 
SILVA; CASELLA, 2009, p. 213-4; CASELLA, 2007c, p. 27). 
Esse julgamento consubstanciava falha técnica e distorção conceitual que parece 
ter sido corrigida, porque nenhum país civilizado, e com pretensões de maior projeção 
internacional, como o Brasil, pode aceitar uma interpretação nesse sentido. Aliás, deve-
se lembrar que a doutrina criticou essa posição, seja de forma sutil (Jacob DOLINGER, 
José Carlos de MAGALHÃES e Hildebrando ACCIOLY), seja de maneira mais 
incisiva (Celso Albuquerque de MELLO). 
De uma forma, ou de outra, entendeu-se que o RE 80.004 representa um 
retrocesso no tratamento jurisprudencial da matéria, visto estar fundamentada em 
autores antigos e dualistas, como TRIEPEL: o STF, segundo Celso de MELLO, errou, e 
não tem coragem de admitir seu erro, nem de o corrigir, constituindo uma orientação 
restritiva e obsoleta. (CASELLA, 2007c, p. 28-30). 
Há indícios de uma eventual tendência de reorientação da jurisprudência do 
STF, ao menos se for analisado o fundamentado voto proferido pelo Ministro Gilmar 
Ferreira MENDES, no RE 466.343-1/SP, no qual, em linhas gerais, assinala o 
entendimento de como deve ser feita a inserção dos tratados na ordem jurídica interna, 
após a Constituição de 1988, afirmando a necessidade de se revisitar a orientação 
 
58 
 
jurisprudencial do STF, sendo anacrônica a tese da legalidade ordinária dos tratados 
internacionais, por haver uma tendência mundial do constitucionalismo contemporâneo 
de prestigiar as normas internacionais, principalmente as que inserem o homem como 
centro de suas preocupações (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA, 2009, p. 214; 
CASELLA, 2007c, p. 33-8). 
De qualquer modo, deve-se notar, por fim, que a discussão diferenciadora entre 
monismo e dualismo apenas remete a algum sentido dentro de um discurso jurídico-
filosófico e político tipicamente moderno westfaliano, na medida em que nos dois 
modos de pensamento e de compreensão Pós-Modernos, a serem expostos a seguir, o 
exclusivismo estatal voluntário, fundado na Soberania, perde seu sentido, restando 
superado, ou infrutífero, o debate, ao menos nos termos clássicos do pensamento 
moderno westfaliano, entre monismo e dualismo. 
 
Pode a reflexão sobre o papel histórico, que poderia ter a desempenhado o 
dualismo, no contexto da Alemanha e da Itália, o final do século XIX e início 
do século XX, ensejar a superação da visão e da aplicação deste – embora 
sob a suposta forma mitigada de dualismo moderado, tal como se anunciava 
não faz muito – e ensejar revisão do corte epistemológico entre conceitos 
universais e expedientes específicos no Brasil, preparando o caminho para a 
adoção mais ampla do direito internacional pós-moderno em nosso 
ordenamento e na ordenação das relações do estado com os seus pares, na 
ordem externa, bem como em relação aos demais agentes (não estatais) 
internacionais. (CASELLA, 2006, p. 838). 
 
4 O CONTEXTO DA PÓS-MODERNIDADE NO DIREITO INTERNACIONAL 
 
[A]quele que segue estes singulares caminhos não encontra ninguém, o que é 
próprio destes “singulares caminhos”. Ninguém vem em nosso auxílio; é 
preciso livrar-nos de todos os perigos, de todos os azares, de todas as ciladas, 
de todos os temporais. [...]. 
Desde que o mundo é mundo, nenhuma autoridade permitiu tornar-se objeto 
de crítica [...]. (NIETZSCHE, 2008, p. 9-10). 
 
O mundo não vai se dobrar ante a vontade daqueles que venham impor 
fórmulas prontas, sem discussão: o progresso intelectual da humanidade se 
faz na medida em que se formularam indagações críticas; é preciso 
questionar o mundo e o estado deste (CASELLA, 2007b, p. 14). 
 
Maurice MERLEAU-PONTY (2004), em 1948, ao contrapor o pensamento 
tradicional ao que se encontrava em gestação em sua época, acenara para a 
impossibilidade de se perpetuar um arcabouço conceitual, cognitivo e perceptivo 
tipicamente calcado nos moldes do clássico mundo da ciência, exatamente por ele não 
 
59 
 
ser capaz de fornecer uma representação do mundo que seja completa, na medida em 
que, ao primar pela inteligência, desprezava a dimensão da percepção dos sentidos. 
Seu Discurso Filosófico é arquitetado em direção a uma crítica ao Discurso 
Filosófico Moderno, iniciado pelo movimento deflagrado pela Filosofia de René 
DESCARTES (GIANNATTASIO, 2009b), por ele entendido como clássico, mas não 
pretende negar “o valor da ciência como instrumento do desenvolvimento técnico ou 
como escola de precisão e de verdade.” (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 5). Na verdade, 
o autor aponta para a insuficiência dos critérios norteadores da reflexão da Ciência e do 
Discurso Filosófico Moderno, tendo em vista que o mundo percebido, captado pelos 
sentidos, é por ele ignorado como fonte do engano, do não-saber. 
A breve menção à reflexão de Maurice MERLEAU-PONTY se mostra relevante 
para o presente estudo, não tanto em razão dos pressupostos fenomenológicos ou das 
conclusões construídas pelo pensamento deste autor, mas, sim, pelo fato de apontar para 
um específico dado, muitas vezes ignorado, de caráter metafísico, porque primeiro, no 
direcionamento da arquitetura da concepção de Direito, a saber, a medida em torno do 
qual são constituídos todos os princípios estruturantes do Direito – inclusive do Direito 
Internacional -, toda a base reflexiva e conceitual relacionada em torno do fenômeno 
jurídico, bem como todo a repertório instrumental operacional. 
 
É preciso estudar e tratar o direito, e especificamente o direito internacional, 
como parte de fenômenos mais amplos e que tem relação direta e necessária 
com o tempo e contexto no qual se inscrevem e do qual derivam. 
(CASELLA, 2009a, p. 68). 
 
A medida, como fundamento hipotético do pensamento – hipótese de início do 
pensamento -, e em função da qual todo o arcabouço teórico e prático do Direito é 
concebido, é o critério que deve ser adequadamente compreendido para que se possa 
conhecer, de modo mais completo possível, o Direito, seus ramos, seus institutos e suas 
respostas práticas às demandas que se lhe apresentam. Mas se deve tentar entender a 
idéia de medida, e de que modo ela influencia da formação do Direito Internacional. 
A continuidade da reflexão de Maurice MERLEAU-PONTY permite apreender 
a noção do campo semântico de medida. De certa forma, o pensamento clássico pode 
ser visto limitado, por outros motivos, uma vez que não considerava, para a formação de 
seu instrumento de busca do conhecimento, bem como do próprio conhecimento, a 
dimensão da animalidade, ou melhor, a existência de outros modos de compreender o 
 
60 
 
mundo, residente nos animais, nos homens primitivos, nas crianças e nos loucos, em 
desacordo com o padrão tipicamente Moderno e artificial do homem civilizado, maduro 
e são (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 29-40). 
Em outras palavras, o pensamento Moderno estava desprovido da escala de 
conhecimento, enquanto método de aproximação do mundo, de sua constituição, e de 
construção do saber, fornecido pelos outros modos de existência que não o padrão 
artificialmente construído por um Discurso Filosófico específico. Em outros termos, 
faltava-lhe, por preconceito, a medida de perspectiva cognitiva dos outros serem que 
“habitam [o mundo] à sua maneira” (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 30). 
Há que se notar, nesse sentido, a existência de diferentes padrões de mensuração 
do mundo, com o objetivo de o conhecer. Mais do que isso, a inúmeras escalas 
constitutivas do pensamento, dos modos de pensar, bem comodo próprio saber, variável 
de acordo com as condições subjetivas do ser cognoscente, ou mesmo conforme as 
condições objetivas que o envolvem. 
O uso de uma única régua para apreender a realidade, ou mesmo para construir o 
conhecimento sobre a mesmo, sempre será limitado, com resultados incompletos, 
insuficientes e insatisfatórios, motivo pelo a medida não pode ser universalizada, sob 
pena de se inviabilizar o processo de conhecimento e o de explicação da realidade, ou 
mesmo de operacionalização da mesma. 
Essa constatação da existência de diferentes medidas deve ser aplicada para o 
objeto do presente estudo no seguinte sentido: não há como compreender o fenômeno 
jurídico inserto na crise da Pós-Modernidade a partir do aparato conceitual puramente 
Moderno. Se se pretende conhecer o Direito Internacional na Pós-Modernidade, de 
modo a aperfeiçoar os conceitos clássicos para serem operacionalizados nessa nova 
(des)ordem, deve-se entender, minimamente, a que se propõe a Pós-Modernidade, 
desvencilhando-se dos preconceitos e das premissas tipicamente Modernas. 
Em outros termos, não há como conceber a operacionalização de uma chave-
cognitiva e operacional típica de construção de acordo com o paradigma do discurso da 
filosofia jurídico-política Moderna em um contexto em que se constatam os 
descaminhos do Projeto Moderno (HABERMAS, 1987b, 1992). 
Deve-se notar que a Pós-Modernidade é um fato que não pode ser negado, e com 
o qual se deve buscar lidar, na medida em que ele se instalou de modo definitivo 
(BITTAR, 2005a, p. 100; CASELLA, 2009a, p. 168), 
 
61 
 
 
a pós-modernidade não se põe como escolha, mas como fato da vida: o 
mundo mudou, e as percepções culturais têm de enxergar o mundo e tentar 
captá-lo, a sua operação se porá como necessidade: é preciso entender o 
mundo, tal como o temos, hoje (CASELLA, 2007b, p. 10). 
 
A característica primeira da Pós-Modernidade é sua incapacidade de gerar 
consensos (BITTAR, 2005a, p. 99), na medida em que insere a variável da incerteza em 
todos os elementos constituídos sob a égide do pensamento Moderno, de modo a 
questionar sua validade, ou ainda, de modo a desnaturalizar, a superar e a destruir as 
“doces ilusões e confortos” das certezas do conhecimento obtido pela reflexão anterior 
da modernidade (CASELLA, 2007b, p. 13, 2009b, p. 9). 
 
Inscreve-se o direito como produto do tempo histórico e do contexto cultural. 
O direito há de ser entendido não como mera técnica, mas como parte de 
construção humana, entre história e cultura, como entre política e moral: 
produto do seu meio e do seu tempo, o direito internacional põe a nu a 
fragilidade que os direitos internos tentam disfarçar sob a aparência de 
coerência dos sistemas nacionais, coerência essa muito mais ilusória que 
efetiva. (CASELLA, 2009b, p. 2). 
 
Em Direito internacional, deste modo, vive-se em período em que vigem 
constelações pós-nacionais que questionam os frutos das lições da Modernidade 
(HABERMAS, 2001, 2002, 2006a). A forma de organização política da sociedade 
internacional em torno de Estados nacionais, de acordo com as diretrizes do modelo da 
Paz de Westfália de 1648 (CASELLA, 2007a; FERRAJOLI, 2007, p. 40), mostra estar 
esgotando toda a sua capacidade de lidar com a complexidade que se coloca a sua frente 
(HABERMAS, 1993, p. 82), fruto das inúmeras desconstruções operadas no âmbito da 
Filosofia Política (HABERMAS, 2001), da Filosofia do Direito (FERRAJOLI, 2006, 
2007; KELSEN, 1989, p. 469 apud FERRAJOLI, 2007, p. 4), do Direito Internacional 
Público (CASELLA, 2006) e da Sociologia (SANTOS, 1995, 2003), entre outros ramos 
do conhecimento e da atividade cultural humana, como as Ciências (SANTOS, 1988) e 
as Artes (CASELLA, 2007b). 
Enfim, encontra-se em um momento de transição, em que os paradigmas da 
Teoria Geral do Estado sofrem uma crise de degenerescência epistemológica (TOJAL, 
1997). Nesse sentido, há a flexibilização da tipicamente Moderna e rígida noção de 
Soberania estatal, associada à progressiva desconsideração dos limites estabelecidos 
pelas fronteiras nacionais, bem como o surgimento de novas arenas de Poder e de 
 
62 
 
produção de normas jurídicas para além do fenômeno estatal (CASELLA, 2009b, p. 10; 
FARIA, 2004; HABERMAS, 2006a, p. 183-4). 
 
No direito internacional, a configuração, estritamente estatal, vigente durante 
séculos, deu lugar ao contexto pós-moderno, no qual claramente os estados 
não mais conseguem fazer operar o sistema internacional como todo. Assim o 
tempo histórico e o contexto cultural obrigam a rever os fundamentos do 
direito internacional pós-moderno, para que este não se desligue da realidade, 
mas alcance a necessária efetividade de sua implementação como mecanismo 
regulador da convivência entre sujeitos e agentes do contexto internacional. 
(CASELLA, 2009a, p.168). 
 
Dessa forma, deve-se notar que o Direito Internacional, em ambiente Pós-
Moderno, não mais se apresenta de modo tão internacional – entre nações, ou melhor, 
entre Estados-nações – como pretendia o clássico pensamento jusfilosófico político 
Moderno. (CASELLA, 2006, p. 838). Há, de fato um pluralismo de fontes do Direito, e 
mesmo um pluralismo de sujeitos de Direito Internacional (CASELLA, 2009b, p. 7) que 
desestabiliza a ordem internacional anterior, entendida de acordo com as concepções 
superadas tipicamente Modernas, inserindo a variável da desordem internacional, 
fragmentada, uma perspectiva ínsita ao Direito Internacional no século XXI (ACCIOLY; 
NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2009, p. 97; CASELLA, 2007b, p. 13). 
Foi possível identificar a emergência de duas principais correntes Pós-
Modernistas no Direito Internacional, cada uma fornecendo respostas diferentes para a 
questão da relação entre Direito Internacional e o Direito interno, de modo a determinar 
a prevalência de um regime jurídico sobre o outro conforme seus específicos critérios, a 
serem examinadas a seguir. 
As duas correntes identificadas se inserem dentro de um Pós-Modernismo de 
caráter Transicional, qual seja, um que articula suas respostas em critérios racionais, 
ainda que diferentes entre si (especialização funcional temática e setorial de caráter 
técnico ou axiológico-finalístico), que justificam, apriorística e incondicionalmente, a 
prevalência do Direito Internacional sobre o interno. 
Ambas partem do pressuposto de não mais ser o Estado o único sujeito de 
Direito Internacional, nem sua vontade o único e exclusivo centro produtor de normas 
jurídicas e tomador de decisões políticas fundamentais, exatamente por abandonar o 
monismo estatal Soberano de detenção do Poder (FARIA, 2004). 
 
 
63 
 
E talvez se possa aposentar o dualismo, como visão de dicotomia entre uma 
ordem interna e outra ordem estanque, esta internacional, concepção 
superada pela evolução do direito internacional pós-moderno. (CASELLA, 
2006, p. 838). 
 
4.1 O Pós-Modernismo Transicional e as Razões de sua Solução 
 
[N]a medida em que colocamos o direito do Estado acima do de seus 
integrantes, o terror já passa a estar potencialmente presente. (ADORNO, 
2006, p. 137). 
 
Obviamente, nenhum processo histórico instaura uma nova ordem, ou uma 
nova fonte de inspiração de valores sociais, do dia para a noite, e o viver 
transitivo é exatamente um viver intertemporal, ou seja, entre dois tempos, 
entre dois universos de valores, enfim, entre passado erodido e presente 
multifário. (BITTAR, 2005a, p. 100, grifos do autor). 
 
O Pós-Modernismo transicional pode ser entendido como uma vertente que 
compreende a Pós-Modernidade como um contexto sócio-histórico bastante singular, 
caracterizado pela transição (BITTAR, 2005a,p. 96; CASELLA, 2007b, p. 16). 
Enquanto período contemporâneo, não mais totalmente Moderno, porque não 
mais se pauta exclusivamente pelo Discurso Filosófico-Político Moderno, mas também 
não inteiramente um modelo completamente novo e alternativo, trata-se de momento 
específico de transição, em que o modernismo clássico e o pós-modernismo novo 
coexistem, persistindo cada um deles nos discursos e nas práticas jurídicas nacionais e 
internacionais (BITTAR, 2004). De fato, 
 
[a] pós-modernidade chega para se instalar definitivamente, mas a 
modernidade ainda não deixou de estar presente entre nós, e isto é fato. Suas 
verdades, seus preceitos, seus princípios, suas instituições, seus valores [...] 
ainda permeiam grande parte das práticas institucionais e sociais, de modo 
que a simples superação imediata da modernidade é ilusão [...]. (BITTAR, 
2005a, p. 100). 
 
Há, desse modo, a constatação da obsolescência do modelo anterior, que, por 
força do contexto cultural, passa a sofrer um processo de desconstrução, apesar de 
continuar a ser aprendido, ensinado, reproduzido, e até aplicado, exatamente por não ter 
havido a consolidação do novo sistema de princípios, de normas e procedimentos 
culturais (CASELLA, 2007b, p. 15). Alguns autores preferem denominar esse período 
de transição, por isso mesmo, de neomodernidade, em que inúmeras adaptações dos 
 
64 
 
preceitos da Modernidade devem sofrer adaptações (KESSEDJIAN, 2002, p. 290 apud 
CASELLA, 2009b, p. 10-1). 
 
A transição paradigmática envolve, necessariamente um processo de 
resistência contínua e conjugada contra os fortes, complexos, arraigados e 
enraizados valores da modernidade que se insculpiram com ares de 
eternidade no horizonte da sociedade ocidental; (BITTAR, 2005a, p. 100). 
 
No Direito Internacional, a variável transicional da Pós-Modernidade implica o 
reconhecimento da não-exclusividade do Estado como sujeito do Direito Internacional, 
na medida em que partilha tal condição com Organizações Internacionais (OIs) e com 
os seres humanos. Percebe-se, deste modo, que a ordem jurídica internacional não mais 
se fundamenta nos parâmetros westfalianos do consenso estatal voluntário e, nesse 
sentido, haveria outros centros nomogenéticos jurídicos internacionais para além dos 
Estados, como as OIs e fóruns multilaterais (CASELLA, 2006, 2009b; CANÇADO 
TRINDADE, 2006a, 2006b, 2006c; FARIA, 2004; KUNTZ, 2003). 
Diante da constatação da não exclusividade, ou mesmo da perda de centralidade, 
do Estado nas dinâmicas políticas e jurídicas internacionais, o pensamento Pós-
Moderno transicional reconhece haver a prevalência do Direito Internacional sobre o 
Direito interno, tendo em vista que ainda é possível diferenciar dois regimes jurídicos 
distintos (Estado não desapareceu da arena jurídica internacional, mas também não é 
único ou exclusivo, sendo, assim, mais um), mas coordenados sistêmica e 
funcionalmente a partir da ordem internacional, que passa a pautar a Agenda Jurídica 
nacional (FARIA, 2004, p. 178 e 25-9) – inclusive, propondo a desconsideração integral 
dos limites jurídicos e físicos estabelecidos pelas fronteiras por sistemas de regulações 
jurídicas funcionais que penetram no território, apesar das fronteiras, por meio do 
Direito privado! -. 
Estados e demais global players de caráter não-estatal, como corporações 
multinacionais, organizações não-governamentais, fóruns multilaterais, mecanismos de 
concertação não institucionalizados, e OIs, convivem na arena jurídico-política 
internacional, cada um buscando sua própria política, mas se influenciando 
reciprocamente. 
Se os Estados não mais se mostram mais capazes de assegurar, por si, as 
fronteiras do próprio território, os meios de subsistência da própria subsistência ou 
mesmo a independência no processo de deliberação de sua política interna, em razão da 
 
65 
 
existência e da atuação desses outros entes não-estatais, por outro lado, os Estados 
continuam a ser os agentes políticos e econômicos mais importantes, na medida em que 
apenas eles possuem o mínimo necessário de legitimidade internacional para atuar sobre 
as esferas da vida individual (HABERMAS, 2006a, p. 183-4). 
Convivem elementos Modernos e Pós-Modernos nesse ambiente em transição, e 
que determinam um específico direcionamento para a questão da relação entre o Direito 
Internacional e o interno, no sentido de determinar qual deve prevalecer sobre o outro 
(tensão estabilidade e mutabilidade). Há o abandono definitivo do debate entre uma 
concepção monista e, outra de caráter dualista, por parecer prevalecer, por motivos de 
ordem racional, e não mais voluntaristas, o entendimento de que se trata de uma única 
ordem jurídica, pautada sempre pelos mandamentos normativos do Direito Internacional. 
Desconsidera-se o discurso dualista (CASELLA, 2006, p. 838) por se perceber 
haver a coexistência da fonte de Direito Internacional estatal com a fonte oriunda de 
outros centros, como OIs e fóruns multilaterais, todas não propriamente voluntárias, 
mas de fundamento racional técnico, temático ou finalístico, mas que, exatamente por 
esse motivo, sobrepõem-se aos resultados da atividade nomogenética estatal quando há 
incompatibilidade entre uma e outra ordem jurídica. 
Deste modo, apesar se poder encontrar explicações teóricas que mostrem a 
insuficiência da continuidade da aplicação e da execução do modelo Moderno para a 
condução das questões da vida cotidiana, persiste a utilização de seu arcabouço 
conceitual e de seus institutos jurídicos (BITTAR, 2005a, p. 102), não apenas para 
explicar, mas também para movimentar processos novos das práticas jurídico-políticas 
internacionais que se mostram incompatíveis com a lógica clássica. 
Foi possível diagnosticar a existência de dois modelos de sistema de Direito que, 
em ambiente de transição pós-moderno, tentam lidar com o tema da relação entre o 
Direito Internacional e o direito interno, em ambos havendo a prevalência das normas 
jurídicas da ordem internacional sobre a de origem interna. 
Os dois modelos se articulam em torno de critérios racionais, a saber, (i) 
Regimes Jurídicos de Governança Global, em que a razão da prevalência do Direito 
Internacional sobre o interno é de caráter técnico-funcional, especializado setorial e 
tematicamente; e (ii) Direito Internacional dos Direitos Humanos, em que o motivo 
de prevalência do Direito Internacional sobre o interno decorre de razões finalísticas de 
 
66 
 
prevalência axiológica dos Direitos Humanos. Cada um deles será brevemente 
examinado, a seguir. 
 
4.1.1 Regimes Jurídicos de Governança Global 
 
A postmodern approach to institution‐building (and not nation‐building) 
should adapt itself to the logic of plural legal regimes and try to establish 
“rules of collision” for the management of different legal regimes. 
(LADEUR, 2009, p. 1359-60). 
 
[A]s fronteiras se tornam permeáveis - ou mais permeáveis - a decisões 
tomadas no exterior. O que importa, para caracterizar a nova situação, é a 
incapacidade crescente do Estado, por seus processos interiores, de 
neutralizar os efeitos de fatores externos. Desde o início da era moderna, essa 
vulnerabilidade nunca foi tão ampla quanto hoje, em tempos de paz. 
(KUNTZ, 2003, p. 49). 
 
Os Regimes Jurídicos de Governança Global se constituem a partir da 
constatação do fenômeno da fragmentação (FISCHER-LESCANO; TEUBNER, 2004) a 
partir da expansão e do aprofundamento do fenômeno da globalização (KUNTZ, 2003). 
Essa concepção de regime jurídico global, fundada na percepção da entrada do 
Direito Internacional na Pós-Modernidade (LADEUR, 2009, p. 1357), possui 
fundamentos bastante precisos emtorno de ideais tipicamente liberais, a tal ponto que 
foi possível inclusive, aos “neoliberais nos anos 90, através da rápida globalização 
econômica, deixar[em]-se inspirar pelo sonho da extinção do Estado.” (HABERMAS, 
2006a, p. 175): tratava-se, a final, do vislumbre da potencial imagem do regime jurídico 
global/transnacional sem o Estado (TEUBNER, 2006). 
De fato, a integração, em alta velocidade, dos mercados, intensificando a 
circulação de bens, de serviços, de tecnologias, de capitais, de culturas e de informações 
globalmente, implicou profundas transformações na ordem mundial ocorridas no último 
quarto do século XX. Houve a erosão, ou ainda, a relativização, dos principais conceitos 
do modelo jurídico tipicamente Moderno, como a Soberania estatal e o Poder de o 
Estado determinar, por si só, políticas econômicas e sociais internas, por meio da 
desconcentração, da descentralização e da fragmentação de seu Poder decisório e 
nomogenético (FARIA, 2004, p. 7-8). Há uma verdadeira reordenação do “tabuleiro 
global” em dimensões econômica, política e militar (KUNTZ, 2003, p. 46-7). 
 
 
67 
 
“No nível internacional”, segundo David Held, “ocorrem disjunções entre a 
idéia de Estado como em princípio capaz de determinar o próprio futuro e a 
economia mundial, as organizações internacionais, as instituições regionais e 
globais, a lei internacional e as alianças militares que operam para conformar 
e restringir as opções dos Estados-nações individuais.” (KUNTZ, 2003, p. 
50). 
 
A fragmentação do Direito Internacional em regimes jurídicos globais 
setorialmente específicos está relacionada à complexificação da sociedade, em que o 
Direito Global tematicamente especializado é reflexo da diferenciação sistêmico-
funcional da sociedade global em diferentes racionalidades (econômica, político, social, 
comercial, ....) mais ou menos institucionalizadas (FISCHER-LESCANO; TEUBNER, 
2004, p. 1004). 
Em razão dessa fragmentação intensa, há uma crescente complexificação da 
sociedade, de tal modo que há o incremento de incerteza e de riscos, exigindo a 
necessidade de mais regimes regulatórios circunstacialmente destinados para cada 
tema/setor especializado, por meio de normas jurídicas flexíveis para regular as “micro-
estruturas” de cada um desses setores especializados, dotados de racionalidade social 
específica, da sociedade funcionalmente diferenciada (KJAER, 2009, p. 484-5): “The 
law must therefore adapt itself to the existence of a wide variety of overlapping and 
multi-level networks, which are not only profoundly a-hierarchical, but also encompass 
a wide variety of actors, both public and private.” (KJAER, 2009, p. 484-5). 
Aplica-se, desta forma, como pressuposto de entendimento deste modelo de Direito, 
um específico padrão de organização social que informa a estrutura geral do contexto dentro 
do qual o novo modelo de Direito se estrutura (KJAER, 2009, p. 483), qual seja 
 
an adequate pattern of social organization for a radically fragmented and 
globalized society in a “network of networks” of heterarchical social 
relationships generating collective order as a secondary transsubjective effect 
of individual cooperation and coordination under conditions of uncertainty. 
(VIELLECHNER, 2009, p. 517-8). 
 
Para essa concepção, a Pós-Modernidade no Direito Internacional deve ser 
entendida como estando caracterizada pela lógica de fragmentação heterárquica e 
relacional, ínsita à Globalização (VIELLECHNER, 2009, p. 527). Há, nesse sentido, a 
transformação das estruturas organizacionais, despedaçando as concepções tipicamente 
Modernas de hierarquia, as distinções ente público e privado (KJAER, 2009, p. 483), e 
 
68 
 
de existência de um único centro detentor do Poder decisório dotado de capacidade 
nomogenética (FARIA, 2004, p. 53-5). 
Assim, o regime jurídico global consiste em uma rede (cadeia de redes) maior de 
série de regulações jurídicas em rede de origem privada, pública não-estatal e estatal de 
caráter nacional, transnacional, internacional, intergovernamental e supranacional, que 
devem se coordenar harmonicamente (VIELLECHNER, 2009, p. 528) por critérios 
diferenciação sistêmico-funcional em linhas setoriais especializadas (FISCHER-
LESCANO; TEUBNER, 2004), em que a ordem é gerada de modo acêntrico, por meio 
de racionalidade relacional entre redes jurídicas globais de regulação temática 
(VIELLECHNER, 2009, p. 518). 
A globalização produz, dessa forma, um efeito no modelo de Direito em que 
acompanha processos maiores de auto-organização societal no sentido de constituir 
redes não-estatais, desterritorializadas, auto-organizadas (VIELLECHNER, 2009, p. 
524-5), em que o Direito é constituído por estruturas legais heterárquicas e 
policêntricas: “The rise of networks is taking place at all levels – locally, nationally, 
regionally, and globally; the result is the emergence of a system of multi-level 
networks.” (KJAER, 2009, p. 488). 
 
Beyond the traditional forms of territorial separations, a new “sectoral 
principle of differentiation,” which deploys its eigen‐rationality (specific 
rationality), is emerging. The new legal system follows a logic of 
networking: more and more transnational legal regimes come to the forefront 
that generate, observe, and manage their own rules. The reflexive potential of 
private “regimes” for the management of rules differs from the normative 
systems of the past. This evolution corresponds to the above‐mentioned rise 
of network‐like hybrid organisations and inter‐relationships (“flat 
hierarchies”) in the economy. (LADEUR, 2009, p. 1358, grifos do autor). 
 
Deste modo, em suma, essa concepção percebe uma sociedade internacional 
globalizada, articulada reticularmente, sem vértices ou centros únicos de Poder, porque 
heterárquica e acêntrica, onde a regulação jurídica deixa de se orientar por critérios de 
soberania territorial, mas, sim, por critérios sistêmico-funcionais, temática e 
setorialmente funcionalmente especializados (LADEUR, 2009, p. 1358-9, 1362 e 1365). 
 
“Transnational communities,” or autonomous fragments of society, such as, 
the globalized economy, science, technology, the mass media, medicine, 
education and transportation, are developing an enormous demand for 
regulating norms which cannot, however, be satisfied by national or 
international institutions. Instead, such autonomous societal fragments satisfy 
their own demands through a direct recourse to law. Increasingly, global 
 
69 
 
private regimes are creating their own substantive law. They have recourse to 
their own sources of law, which lie outside spheres of national law-making 
and international treaties. (FISCHER-LESCANO; TEUBNER, 2004, p. 
1010). 
 
Segundo tais critérios, estariam as regulamentações jurídicas não-estatais 
fundadas em razões técnicas advindas de fóruns multilaterais e de OIs que, 
definitivamente, determinariam as diretrizes de conduta dos indivíduos e dos Estados 
(Regime Jurídico Global Financeiro, Bancário, Comercial, Trabalhista, Penal, 
Econômico, de Direitos Humanos, de Propriedade Intelectual, Lex Mercatoria, Lex 
Digitalis,...) (BRAITHWAITE; DRAHOS, 2004; FARIA, 2004, p. 39; FISCHER-
LESCANO; TEUBNER, 2004, p. 1010-1; SLAUGHTER, 2004; VIELLECHNER, 
2009, p. 519-20). 
Nesse sentido, os problemas do Direito inserto em Economia Globalizada, cada 
vez mais extravasam os limites do Estado (KUNTZ, 2003, p. 53; LADEUR, 2009, p. 
1357), que passa a ter sua orientação nomogenética orientada por arenas que se 
encontram em ambiente estranho ao modelo jurídico tradicional tipicamente Moderno. 
Trata-se de um Projeto Pós-Moderno de uma ordem descentralizada, para além do 
Estado (VIELLECHNER,2009, p. 526), e acima dele: transnacional, significa a 
desconsideração e a sujeição do Direito interno com relação ao Direito não interno, não-
estatal, Internacional, classificado como transacional ou global. 
Nesse ambiente Pós-Moderno, portanto, permanece a figura do Estado-nação 
Soberano (persistência de elementos tipicamente Modernos no ambiente de transição) 
(VIELLECHNER, 2009, p. 526), mas ele detém menor autonomia com relação à 
ambiência externa, exatamente por seus poderes legais terem sido esfacelados em muito 
(HABERMAS, 2006a, p. 184; KUNTZ, 2003, p. 52). 
 
[A]s condições de operação da economia, [...] limitam a eficácia dos meios 
tradicionais da política econômica e, portanto, da autoridade formal do 
Estado. Isso não quer dizer que as políticas fiscal e monetária tenham perdido 
utilidade, nem que as políticas de desenvolvimento se tenham tornado 
inócuas. Significa apenas que a integração cada vez mais estreita dos vários 
mercados sujeita as economias, cada vez mais amplamente, às conseqüências 
de decisões tomadas fora do território nacional. Nesse novo quadro, podemos 
acrescentar, direitos associados à regulação dos mercados – trabalhistas por 
exemplo – tendem a perder eficácia, porque se alteram as condições de 
proteção de seus detentores formais. (KUNTZ, 2003, p. 50-1). 
 
 
70 
 
Este Direito Global está, dessa forma, fragmentado em linhas setoriais sociais 
temáticas, e não territoriais, sendo que a colisão de regimes jurídicos não mais seria 
entre a ordem jurídica interna e a Internacional, visto haver a incondicional supremacia 
da regulação jurídica transnacional diferenciada tematicamente, mas, sim, entre os 
setores da regulação jurídica temática (Comércio versus Meio-Ambiente, ...) 
(FISCHER-LESCANO; TEUBNER, 2004, p. 999-1000). 
Esse modelo de sistema legal impõe que se pense a reelaboração da concepção 
de conflitos entre regimes jurídicos, bem como dos critérios destinados a os solucionar, 
na medida em que não mais se trata da contraposição entre Direito Internacional e 
Direito interno (debate do tradicional monismo), mas, sim, de choques de 
racionalidades setorialmente especializadas (FISCHER-LESCANO; TEUBNER, 2004). 
Nesse sentido, a solução não deve seguir a resposta tipicamente Moderna de 
caráter hierárquico, à imagem e semelhança das respostas dadas pelo Estado-nação, mas, 
sim, de acordo com a supramencionada lógica de rede (FISCHER-LESCANO; 
TEUBNER, 2004, p. 1002 e 1004; LADEUR, 2009, p. 1358): heterarquia acêntrica, em 
que a integração possua “natureza eminentemente sistêmica, acima de tudo alicerçada na 
especialização e „mercantilização‟ do conhecimento, na eficiência, na tecnologia, na 
competitividade, na produtividade e no dinheiro.” (FARIA, 2004, p. 52, grifos do autor). 
De qualquer maneira, para não extrapolar os objetivos do presente estudo, deve-
se notar que este modelo de sistema legal constata que sempre há a prevalência da 
regulação jurídica não-estatal, elaborada para além das fronteiras do Estado, em âmbito 
transnacional, em razão de especialização sistêmico-funcional temática e setorial, sobre 
a pretensa regulamentação jurídica, sobre os mesmo temas, realizada por meio do 
Direito positivo interno do Estado. 
O Direito passa a existir e a ser produzido em esferas diversas da estatal, para 
além de seus limites, desenvolvido de acordo com a lógica de diferenciação funcional, 
global, com a rápida expansão de OIs e de regimes regulatórios temáticos que se 
estabelecem como ordenamentos jurídicos autônomos, de origem setorialmente 
especializada (fragmentação setorial). 
Formam-se, assim, regimes jurídicos transterritoriais que possuem um alcance 
definido por questões temáticas, e não em razão de limites ou de fronteiras territoriais 
(não mais de acordo com o paradigma do Modernismo westfaliano), havendo, dessa 
forma, uma validade global que ignora – e que até despreza, além de desconsiderar – as 
 
71 
 
fronteiras estabelecidas pelos ordenamentos jurídicos estatais por seu Direito positivo: 
global law without a State (FISCHER-LESCANO; TEUBNER, 2004, p. 1007-9; 
TEUBNER, 2006). 
O comportamento particular dentro dos Estados, e mesmo a ação estatal, é 
completamente orientado “de fora” por um regime jurídico não-estatal, superior a seus 
limites – transterritorial, global, ou mesmo, internacional -, ainda que a figura do Estado 
Soberano persista (FARIA, 2004, p. 29 e 37): o Moderno (não mais) e o Pós-Moderno 
(não ainda) convivem neste período de transição. 
 
[T]he rise of global forms of co‐ordination beyond public international law 
can no longer be regarded as anomalous deviation from the right way of 
statebased law, but as the expression of an evolutionary step towards new 
forms of the self‐organization of societal norms which go beyond the official 
legal system. (LADEUR, 2004, p. 7 apud VIELLECHNER, 2009, p. 520). 
 
4.1.2 Direito Internacional dos Direitos Humanos 
 
Exprimir a dimensão do humano, como sujeito de direito internacional é a 
grande transformação em curso no direito internacional pós-moderno. Assim 
se pode reescrever a relação do indivíduo com o estado, e deste com a 
dimensão social, da gestão pública. Esta se inscreve, como necessidade e 
como imperativo de ação, e norteador de rumos: de nada adianta falar em 
governabilidade, em escala nacional, ou governança global, se não se tiver 
conteúdo que faça da dignidade humana o valor central da gestão e do 
governo, local, estadual, federal, ou mundial Serão somente discursos vazios. 
(CASELLA, 2009b, p. 5, grifos do autor). 
 
A sistemática internacional, como garantia adicional de proteção, institui 
mecanismos de responsabilização e controle internacional, acionáveis quando 
o Estado se mostra falho ou omisso na tarefa de implementar direitos e 
liberdades fundamentais. (PIOVESAN, 2003, p. 61). 
 
O Direito Internacional dos Direitos Humanos surge como resposta às 
atrocidades ocorridas durante o Pós-Segunda Guerra mundial (BITTAR; ALMEIDA, 
2006, p. 544; CASELLA, 2007a, p. 17; MIRAGEM, 2005, p. 308 e 311-2; PIOVESAN, 
2003, p. 59), de certa forma buscando superar a conclusão de Hannah ARENDT de que 
de nada adianta conservar a condição de homem no Estado, porque ela não impede o 
cometimento das maiores atrocidades contra aqueles que se encontram desprovidos da 
qualidade de cidadão (ARENDT, 2004, p. 333-4). 
Constatada a obsolescência do modelo de Direito Internacional legado e herdado 
fundado na voluntariedade estatal – um Direito Internacional interestatal, porque 
 
72 
 
constituído à imagem e semelhança dos Estados, e para estes exclusivamente -, o 
contexto Pós-Moderno percebe o Direito Internacional como fruto racional da sociedade 
civil internacional, com o objetivo de o tornar mais próximo possível de uma dimensão 
humana (CASELLA, 2006, p. 1290-1), de modo a evitar o recometimento das barbáries 
experienciadas pela humanidade na Segunda Guerra Mundial (BITTAR; ALEMIDA, 
2006, p. 546). 
 
Direito internacional pós-moderno não mais somente como emanação dos 
estados e da vontade destes, projetada para o plano externo, mas construindo 
dimensão humana mais abrangente. Que venha o ser humano a ocupar papel 
e espaço de atuação específicos no direito internacional pós-moderno é 
necessário e desejável, mas, todavia, não se tem os modelos específicos para 
a canalização e a veiculação de tal atuação. (CASELLA, 2006, p. 1291). 
 
Segundo esta específica concepção de encaminhamento do Direito Internacional 
no ambiente da Pós-Modernidade, a inserção do homem como exercendo um papel 
central na formação do Direito Internacional é o valor fundante e fim deste contexto 
Pós-Moderno, no qual

Continue navegando