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POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DE PROTEÇÃO INTEGRAL A CRIANÇAS E ADOLESCENTES POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DE PROTEÇÃO INTEGRAL A CRIANÇAS E ADOLESCENTES CADERNO PREFEITO CRIANÇA DIRETORIA EXECUTIVA Presidente: Sérgio E. Mindlin Vice-presidente: Antoninho Marmo Trevisan Tesoureiro: Synésio Batista da Costa CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO Presidente: Oded Grajew; Secretário: Hélio Mattar Membros efetivos: Alfredo Sette, Audir Queixa Giovanni, Carlos Antonio Tilkian, Celso Conti Dedivitis, Emerson Kapaz, Fernando Moreira Salles, Flávio Sehn, Hans Becker, José Eduardo P. Pañella, Marco Antônio Pucci, Percival Caropreso, Ricardo Vacaro, Roberto Gianetti da Fonseca, Sérgio Miletto e Valdir Rovai Membros suplentes: Edison Ferreira, Gilberto E. Vasconcelos, Maria Alice Setúbal e Sérgio Figueiredo Júnior CONSELHO FISCAL Membros efetivos: Charles Kapaz, Kátia Lavin Gamboa, Rubens Naves Membros suplentes: Hélio Pereira de Souza, Ismar Lissner, Márcio Ponzini CONSELHO CONSULTIVO Presidente: Maria Cecília Zilotto Vice-presidente: Isa Maria Guará Membros efetivos: Aldaísa Sposatti, Aloísio Mercadante Oliva, Ambar de Barros, Antônio Carlos Gomes da Costa, Araceli Martins Elman, Benedito Rodrigues dos Santos, Dalmo de Abreu Dallari, Edda Bomtempo, Fanny Abramovich, Helena M. O. Yazbeck, Hélio Bicudo, Ilo Krugli, Jette Bonaventure, João B. de Azevedo Marques, Joelmir Betting, Jorge Broide, Lélio Bentes Correia, Lídia Izecson de Carvalho, Magnólia Gripp Bastos, Mara Cardeal, Marcelo Goulart, Maria Cecília C. Aranha Lima, Maria Cristina de Carvalho, Maria Cristina S. M. Capobianco, Maria de Lourdes Trassi Teixeira, Maria Filomena Gregori, Maria Ignês Bierrenbach, Maria Machado Malta Campos, Marlova Jovchelovitch, Marta Silva Campos, Melanie Farkas, Munir Cury, Newton A. Paciulli Bryan, Norma Kyriakos, Oris de Oliveira, Pedro Dallari, Rachel Gevertz, Raquel Zumbano Altman, Ronald Kapaz, Rosa Lúcia Moysés, Ruth Rocha, Sandra Juliana Sinicco, Sílvia Gomara Daffre, Tatiana Belinky, Therezinha Fram, Valdemar de Oliveira Neto e Vital Didonet COMITÊ CONSULTIVO Attílio Fontana Neto, Edison Ferreira, Hans Becker, Helena Oliveira da Silva, Jorge Wilheim, Ladislau Dawbor, Magnólia Gripp Bastos, Mara Cardeal, Maria Cristina Gonçalves Vicentin, Marlova Jovchelovitch, Oswaldo Tanaka e Udo Bock PROJETO PREFEITO CRIANÇA CADERNO PREFEITO CRIANÇA POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DE PROTEÇÃO INTEGRAL A CRIANÇAS E ADOLESCENTES As informações contidas nesta publicação basearam-se nas experiências e palestras apresentadas nos encontros Prefeito Criança realizados em 1997, 1998 e 1999. Projeto Prefeito Criança tem por objetivo obter um compromisso dos governantes municipais com as questões da infância e adolescência, dando prioridade, em suas gestões, a ações que beneficiem a cri- ança e o adolescente. Este é um compromisso que se manifesta especialmente pela vontade política do prefeito e que, muitas vezes, se traduz no investimento em ações que não são visíveis a curto prazo, com resultados que podem aparecer somente depois do término do seu mandato. Ações que realmente plantem sementes para o futuro. Após a adesão ao Projeto, através de uma Carta-Compromisso, o Prefeito Criança recebe um guia de políticas públicas para a infância e um conjunto de informações práticas sobre o uso de indicadores sociais. A importância do uso de indicadores sociais para diagnosticar a realidade do município e acompanhar o desenvolvimento das metas propostas pela gestão municipal tem sido enfatizada pelo Projeto. Na vida práti- ca, usamos indicadores o tempo todo. Não se pode imaginar um elevador sem um painel indicativo dos andares ou um carro sem velocímetro ou mostrador do nível do tanque de gasolina. Assim também os resul- tados das ações públicas têm que ser medidos e acompanhados pela sociedade. Para possibilitar o acompanhamento do desempenho dos Prefeitos Criança, o Projeto está implemen- tando a Rede Prefeito Criança, que vai disponibilizar um banco de dados e informações sobre políticas públi- cas para a infância e adolescência, bem como ações referenciais voltadas para estes públicos nos municípios, além de propiciar aos prefeitos a troca de experiências entre si. O Informativo Prefeito Criança, veiculado men- salmente, é um dos instrumentos desta Rede, assim como o site na Internet, que está sendo desenvolvido. É através do Prêmio Prefeito Criança que o Projeto valoriza as realizações dos Prefeitos Criança e confere visibilidade pública às gestões municipais que de fato têm priorizado a infância. O Prêmio é con- cedido aos prefeitos que têm reafirmado seu compromisso com investimentos públicos em um conjunto de realizações nas diversas áreas sociais, que transformam qualitativamente a realidade das crianças e adoles- centes do município. Em 1999 ocorreu o primeiro ciclo de premiação e no ano 2000 acontece o segundo. Os Encontros estaduais reuniram Prefeitos Criança para debater políticas públicas, trocar experiên- cias e oferecer subsídios para que os municípios possam implementar planos de ação realmente eficazes. Esta publicação apresenta os temas e as experiências que impulsionaram reflexões, debates e intercâmbios entre os participantes dos seis encontros que já foram realizados, nos Estados de Mato Grosso do Sul, Piauí, Paraná, São Paulo, Pará e Minas Gerais. O Projeto Prefeito Criança não se realiza isoladamente, mas com a parceria dos prefeitos, dos gover- nos estaduais e dos Conselhos Estaduais e Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente. Para imple- 3 FUNDAÇÃO ABRINQ O mentá-lo, a Fundação Abrinq conta ainda com o apoio da Fundação David e Lucile Packard, empresa Sadia, Fundação Ford, e com o incansável apoio do Unicef, inclusive dando suporte técnico ao Projeto. Todo o nosso esforço é no sentido de contribuir para a construção de uma rede de governantes municipais que invistam com interesse, paixão, determinação e vontade política na defesa das crianças e adolescentes, para que tenhamos, neles, um futuro mais brilhante. E através desta publicação a Fundação Abrinq pretende dar um retorno para todos aqueles que atuam nesta Rede, seja na participação nos Encontros promovidos, na assinatura da Carta-Compromisso ou na divulgação de nossas ações. Esperamos que as realizações contidas neste Caderno dêem enorme contribuição para que a infância e a adolescência no Brasil sejam os núcleos de quaisquer investimentos políticos e sociais. 4 Sérgio Mindlin Presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança Oded Grajew Presidente do Conselho de Administração da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança elicitações à Fundação Abrinq, uma organização que, em curto espaço de tempo, conseguiu real- mente mobilizar a sociedade brasileira para dar às crianças e adolescentes a atenção de que necessitam. Há alguns anos, Oded Grajew, presidente da Fundação Abrinq, esteve no Unicef apresentando a idéia ini- cial do Projeto Prefeito Criança. Estávamos também com idéias em torno de um projeto semelhante, mas tínhamos claro que o importante não é quem está fazendo, mas que as coisas aconteçam. E isso a Fundação Abrinq fez de forma brilhante. Essa e outras iniciativas demonstram como o País está mudando. O nível de seriedade está aumentando significativamente em todos os setores. Muitos prefeitos procu- ram o Unicef em busca de apoio técnico, não para pedir dinheiro. O prefeito conhece a realidade do seu município e se quer melhorar a educação, por exemplo, tem que saber quantos professores precisam ser treina- dos, em quantas horas, que novos materiais são necessários e a que custo. O prefeito precisa ter todos os instrumentos práticos para concretizar a mudança. E todo o Brasil precisa contribuir oferecendo instrumen- tais de trabalho para que aqueles que estão tomando asdecisões possam transformar a realidade do País. A falta de seriedade era evidente quando o País apresentava níveis de vacinação iguais aos de El Salvador, que estava em guerra há 15 anos. Mas a organização da sociedade brasileira vem mostrando que, quando se quer, é possível fazer mudanças. Tanto assim, que é significativo o aumento da cobertura vacinal em todo o Brasil. Sabemos que não é fácil, pois requer não apenas investimentos financeiros, mas muita mobilização e organização. E o País conseguiu! Os exemplos são muitos. O Estado do Ceará reduziu a mortalidade infantil em 1/3, em quatro anos. Há inúmeros municípios onde todas as crianças estão na escola. Temos organizações não-governamentais, como a Pastoral da Criança, que tem uma década de vida e nasceu a partir do desafio feito pelo diretor exe- cutivo do Unicef ao Cardeal D. Paulo Arns, sobre a importância da vida, defendida pela Igreja. O convite à CNBB para que participasse ativamente na redução da mortalidade infantil não pôde ser negado. Muitos eventos que estão sendo realizados demonstram que a empresa privada também vem se mobi- lizando, assim como sindicatos de várias áreas, o que nos faz acreditar que a mentalidade do País mudou. Isso não significa que está tudo perfeito, mas a direção é a certa. Com certeza teremos muitos problemas, muitas discussões, desacordos e conflitos, mas isso é muito positivo também, é parte desse caminho em construção. O Pacto da Criança, celebrado em 1992, foi um momento importante. Pessoas que normalmente não se juntavam estavam unidas em torno do mesmo objetivo. Muitos achavam impossível reunir sindi- catos, diversos setores empresariais e governo e conseguir manter um ambiente de harmonia. Mas todos ficavam surpresos a cada resultado alcançado com o Pacto da Criança. 5 UNICEF F Existe uma dimensão mágica nas crianças que faz com que as pessoas trabalhem por elas. O segredo está em colocar o interesse da criança acima de todos os outros, o que implica em uma mudança ética das pessoas e da sociedade. Quando colocarmos o interesse da criança acima dos interesses partidários, religiosos e econômicos, o Brasil vai estar bem com relação à infância. Hoje, existe um processo de mobilização social em curso, mas o País ainda precisa fazer muito esforço para colocar a criança em primeiro lugar. O dia em que conseguirmos isso, estaremos transformando a Constituição em realidade. A qualidade técnica dos profissionais que atuam na área da criança é outra grande mudança que está ocorrendo no País. Temos pessoas bem preparadas e Estados com inúmeras experiências a serem mostradas. Essa é uma área em que plagiar não é defeito. Se um prefeito vê que outro está fazendo um ótimo trabalho, que o copie! Não tem problema. Indicadores mostram que o nível de seriedade e compromisso dos governantes está mudando. Mas para o Unicef isso ainda não é satisfatório. Mesmo quando o indicador de mortalidade infantil chegar a 8 ou 9 por mil nascidos vivos, continuará alto. Mas, nesse momento em que estou deixando a direção do Unicef no Brasil, saio com a certeza de que o País está caminhando na direção certa. O grande desafio é ampliar, fortalecer e sustentar o que já vem acontecendo. 6 Agop Kayayan Representante do Unicef no Brasil até dezembro de 1998 7 stou no Brasil há menos de um ano e já sei que este é um País desafiador e deslumbrante. Uma das primeiras solenidades à qual compareci foi a entrega do Prêmio Prefeito Criança, no prédio do Congresso Nacional. Tive uma enorme satisfação em ver o auditório repleto. Eram deputados e senadores, ministros de Estado, trabalhadores de organizações não-governamentais, funcionários de órgãos públicos, jornalistas. Havia pessoas de todos os cantos do País. Eram amazonenses, paraenses, piauienses, paraibanos, pernambucanos, baianos, paulistas, mineiros, fluminenses, paranaenses, catarinenses, mato-grossenses do sul e gaúchos. Um retrato desse País de tão grandes dimensões. Um mosaico de belas experiências nas mais diferentes áreas com um único objetivo: tornar melhor a vida de crianças e adolescentes. Esse deve ser o objetivo de qualquer gestor municipal. No Brasil, desde 1988, com a nova Constituição, o município tem tarefas inadiáveis, grandes responsabilidades com a vida, o bem-estar e o desenvolvimento saudável de seus meninos e meninas. São muitas as tarefas: saúde, educação fundamental, saneamento, coleta e gerenciamento de lixo. E todas fundamentais, porque saúde e educação de qualidade, acesso a água limpa e saneamento adequados, vida em um meio ambiente saudável, são direitos das crianças. A descentralização das decisões e ações é um grande desafio. Com a descentralização, os municípios brasileiros recebem um volume inédito de recursos e têm mostrado que é possível desenvolver experiências bem-sucedidas. Para isso, em primeiro lugar, há que se tomar a decisão de priorizar a criança e o adolescente. E pri- orizar significa ter políticas públicas bem definidas para a infância. Investir recursos financeiros e humanos, conhecer a situação, planejar e executar com critério cada uma das atividades. Depois, há que se ter criatividade. O Projeto Prefeito Criança, da Fundação Abrinq, é um exem- plo do poder criador das pessoas desse País. Essa iniciativa mostra como é possível encontrar soluções eficientes e viáveis, sejam elas em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Teresina, no Piauí, ou Paranavaí, no Paraná. Essa publicação do projeto é mais um dos bem preparados subsídios que a Fundação Abrinq oferece às prefeituras e sociedades reunidas nos 5,5 mil municípios do Brasil para que debatam os temas relativos à infância e à adolescência, encontrem saídas para os problemas e melhorem as respostas a cada dia. UNICEF E Sabemos que a experiência de uma cidade não pode ser simplesmente reproduzida em outras cidades, mas a troca de dificuldades e soluções é sempre muito rica. Um projeto de arte-educação de um município pode inspirar um programa de atividades complementares à escola em outro. E vice-versa. O Unicef acredita ser essa a tarefa mais importante do Projeto Prefeito Criança: mais do que reco- nhecer administrações que tornam crianças e adolescentes seus focos principais, a iniciativa dá visibilidade a programas de promoção dos direitos dessas crianças e permite que outras cidades vejam como é possível criar uma realidade melhor para mulheres, meninas e meninos. Esse trabalho de cuidar das crianças e garantir seus direitos não tem fim. Desde que estão sendo ges- tadas, as crianças precisam de cuidados muito especiais, de atenção e estímulo. Bem cuidadas, elas respon- dem com o mesmo carinho e carregam em si a capacidade de transformação. Priorizá-las vale a pena. 8 Reiko Niimi Representante do Unicef no Brasil desde maio de 1999 APRESENTAÇÃO Encontros Prefeito Criança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . SUBSÍDIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA • O compromisso de todos com a proteção integral aos direitos da criança e do adolescente – Mário Volpi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • O processo de descentralização e municipalização no Brasil – Marlova Jovchelovitch . . . . • Sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente – Vera Debone . . . . . . . . . . . • Orçamento e Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente – Maurício Vian . . . . . . . • Dicas para o planejamento de ações municipais voltadas à infância – Renata Villas-Bôas . EXPERIÊNCIAS DE PARCERIAS: SOCIEDADE E PODER PÚBLICO • Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Fórum de empresáriosparaenses pelos direitos da criança e do adolescente . . . . . . . . . . • A nova atuação da Fundação Vale do Rio Doce . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Fundação de Educação Social e Comunitária da Prefeitura de Porto Alegre . . . . . . . . . . . • Unicef / Associação dos Municípios do Araguaia e Tocantins (Amat) . . . . . . . . . . . . . . . • Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Consórcio Intermunicipal Grande ABC - Movimento “Criança Prioridade 1” . . . . . . . . . . . • Pastoral do Menor - Ação Social Arquidiocesana de Teresina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 21 33 48 53 65 73 76 78 80 82 83 84 86 9 ÍNDICE EXPERIÊNCIAS DOS MUNICÍPIOS PREFEITO CRIANÇA • Altamira - PA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Bebedouro - SP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Belém - PA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Belo Horizonte - MG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Betim - MG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Camaragibe - PE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Campo Mourão - PR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Conceição do Araguaia - PA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Florianópolis - SC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Franca - SP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Juiz de Fora - MG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Marechal Cândido Rondon - PR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Paranavaí - PR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Parauapebas - PA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Santo André - SP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • São Sebastião - SP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Teresina - PI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • Tucumã - PA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . RELAÇÃO DE PARCEIROS E CONSULTORES DOS ENCONTROS PREFEITO CRIANÇA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 109 10 APRESENTAÇÃO PROJETO PREFEITO CRIANÇA 13 A publicação deste primeiro “Caderno Prefeito Criança” pretende responder ao compromisso de sistematizar e disponibilizar informações e conhecimentos desenvolvidos no Encontros Prefeito Criança, realizados nos Estados de Mato Grosso do Sul, Piauí, Paraná, São Paulo, Pará e Minas Gerais, entre o final de 1997 e o início de 1999, e que reuniram 384 municípios e 1332 participantes. Os textos apresentados oferecem subsídios para a atuação de técnicos e dirigentes municipais comprometidos com a construção de “políticas públi- cas municipais de proteção integral a crianças e adolescentes”, título deste caderno e eixo temático dos Encontros, sob o qual foram apresentados expo- sições, debates e experiências municipais editados para esta publicação. Inspirados no Workshop on Africa’s Urban Poor Child - Seminário de Gestores Públicos Africanos, realizado em Gana por iniciativa do Unicef, em 1997, em que a Fundação Abrinq esteve presente, os Encontros Prefeito Criança tiveram como objetivo: oferecer subsídios e informações básicas para a elaboração de planejamento participativo, planos de ação municipal e cons- trução de diagnósticos municipais sobre a população infanto-juvenil; pro- mover a troca de experiências municipais sobre as ações e políticas destinadas à infância e juventude, propiciando aos Prefeitos Criança o conhecimento de experiências inovadoras e bem-sucedidas. Para concretizar essa proposta, a Fundação Abrinq firmou uma parceria com o Unicef e contou com o patrocínio da empresa Sadia. O primeiro desses Encontros foi realizado em Mato Grosso do Sul, com o apoio do Governo Estadual e a colaboração do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), e contou com uma metodologia e um programa pensados conjuntamente pelos organizadores. Esse Encontro serviu como referência metodológica e programática para a realização de Encontros no Piauí, Paraná, Pará, São Paulo e Minas Gerais. Os Encontros foram inicialmente dimensionados com uma duração de três dias, divididos em duas partes, sendo a primeira voltada à apre- sentação de painéis e debates sobre políticas públicas de proteção integral ENCONTROS PREFEITO CRIANÇA REDE PREFEITO CRIANÇA Região Norte ACRE Xapuri AMAPÁ Amapá • Calçoene • Cutias Ferreira Gomes • Itaubal Laranjal do Jari • Macapá • Mazagão Oiapoque • Porto Grande • Pracuúba Santana • Serra do Navio Tartarugalzinho • Vitória do Jari AMAZONAS Maués São Gabriel da Cachoeira PARÁ Abel Figueiredo • Água Azul do Norte Almeirim • Altamira • Bannach Belém • Bom Jesus do Tocantins Brejo Grande do Araguaia Breu Branco • Canaã dos Carajás Conceição do Araguaia Cumaru do Norte • Curionópolis Curuá • Dom Eliseu Eldorado dos Carajás Floresta do Araguaia Goianésia do Pará • Itaituba Itupiranga • Jacundá • Marabá • Moju Monte Alegre • Nova Ipixuna Obidos • Oriximiná Ourilândia do Norte • Pacajá Parauapebas • Pau D’Arco • Piçarra Ponta de Pedras • Prainha • Redenção Rio Maria • Rondon do Pará Santa Maria das Barreiras Santana do Araguaia • Santarém Novo São Domingos do Araguaia São Félix do Xingu São Geraldo do Araguaia São João de Pirabas • Sapucaia Tucumã • Ulianópolis • Xinguara RONDÔNIA Costa Marques • Cujubim Pimenta Bueno • Presidente Médici São Felipe do Oeste RORAIMA São João da Baliza TOCANTINS Babaçulândia • Guaraí • Nova Olinda Ponte Alta do Tocantins Santa Terezinha do Tocantins Taguatinga Região Nordeste ALAGOAS Anadia • Arapiraca • Maceió Palmeira dos Índios BAHIA Angical • Camaçari • Canavieiras Capim Grosso • Catu Conceição do Jacuípe • Curaçá • Irecê Lafaiete Coutinho • Lauro de Freitas Lençóis • Maraú • Miguel Calmon Palmeiras • Pintadas • Salvador Sátiro Dias • Sobradinho • Tanhaçu Várzea da Roça • Vitória da Conquista CEARÁ Aracati • Aratuba • Baturité Fortaleza • Guaraciaba do Norte Guaramiranga • Icapuí • Maracanaú Monsenhor Tabosa • Pacoti Piquet Carneiro • Sobral MARANHÃO Anapurus • Apicum-Açu Barreirinhas • Bom Jardim Bom Jesus das Selvas • Chapadinha Cururupu • Davinópolis • Estreito Mirinzal • Nova Olinda do Maranhão Santa Rita • São Bento • São Luís Serrano do Maranhão para crianças e adolescentes e a segunda voltada à realização de oficinas específicas. Essa metodologia foi utilizada apenas no Mato Grosso do Sul e no Piauí, pois o grande número de inscritos e as dificuldades dosdiver- sos atores municipais para se ausentarem de seus municípios fez com que a programação fosse reduzida para dois dias. Com o objetivo de apresentar um cardápio de propostas e experiên- cias de políticas públicas municipais de caráter preventivo, que pudessem servir de exemplos aos municípios, foi incluído na programação o painel Dicas para atuação na área de educação, saúde e assistência social. No caso de Mato Grosso do Sul, esse painel foi desenvolvido por consultores do Unicef: especialistas nas áreas de saúde, educação, assistência social, direitos da criança, comunicação social, elaboração e avaliação de programas e pro- jetos, vindos de diversas partes do País. Para os outros Encontros privilegiou-se a apresentação de experiên- cias dos próprios municípios. Com esse objetivo a Fundação Abrinq, o Unicef e os organizadores locais selecionaram algumas consideradas exem- plares, que foram apresentadas por representantes de municípios Prefeitos Criança. Esta alternativa também mostrou um resultado satisfatório, na medida em que favoreceu a troca de experiências e o intercâmbio de soluções inovadoras. Além da apresentação de experiências, os seguintes temas foram desenvolvidos nos encontros: balanço das políticas públicas de proteção integral à criança e ao adolescente; a situação da criança e do adolescente no Estado; parcerias na implementação de políticas públicas para a infân- cia e adolescência; dicas para atuação nas áreas de educação, saúde e assistência social; parâmetros para a elaboração de planos de ação e metas dirigidos à infância. Os Encontros foram organizados de acordo com as demandas de cada região do País e, nesse sentido, buscou-se ampliar ao máximo o número de parceiros envolvidos na sua realização, para favorecer a participação dos mais diversos segmentos sociais. A Fundação Abrinq desempenhou o papel 14 PARAÍBA Alcantil • Algodão de Jandaíra Assunção • Barra de Santa Rosa Bernardino Batista • Camalaú Campina Grande • Capim • Cubati Frei Martinho • Jacaraú • João Pessoa Massaranduba • Monteiro Nova Palmeira • Paulista Pedra Lavrada • Piancó • Santa Luzia Santa Rita • Zabelê PERNAMBUCO Araçoiaba • Arcoverde • Barreiros Belém de Maria • Bom Conselho Camaragibe • Lagoa dos Gatos Lagoa Grande • Mirandiba • Olinda São Benedito do Sul • Tamandaré Vicência PIAUÍ Água Branca • Alagoinha do Piauí Alegrete do Piauí • Altos • Alto Longá Amarante • Arraial • Barras Beneditinos • Boa Hora Boqueirão do Piauí Cabeceiras do Piauí Cajazeiras do Piauí Cajueiro da Praia Caldeirão Grande do Piauí Campinas do Piauí • Caxingó Coivaras • Colônia do Piauí Corrente • Cristino Castro Demerval Lobão • Dirceu Arcoverde Dom Expedito Lopes Domingos Mourão • Eliseu Martins Fartura do Piauí • Floresta do Piauí Floriano • Francinópolis Francisco Macedo • Fronteiras Hugo Napoleão • Inhuma Ipiranga do Piauí • Jaicós José de Freitas • Júlio Borges Lagoa de São Francisco Lagoa do Piauí • Lagoinha do Piauí Marcolândia • Massapê do Piauí Miguel Alves • Monsenhor Hipólito Murici dos Portelas Novo Santo Antônio Palmeira do Piauí • Patos do Piauí Paulistana • Pedro II • Pimenteiras Porto • Prata do Piauí Redenção do Gurguéia • Regeneração Riacho Frio • Santa Cruz dos Milagres Santana do Piauí São Francisco do Piauí São Gonçalo do Piauí São João da Varjota São José do Divino • São José do Peixe São Julião • São Lourenço do Piauí São Miguel do Fidalgo São Pedro do Piauí • Tanque do Piauí Teresina • Uruçuí RIO GRANDE DO NORTE Acari • Apodi • Bodó • Brejinho Caraúbas • Itajá • Itaú Jardim do Seridó • Jucurutu Lajes Pintadas • Lucrécia • Macaíba Macau • Nova Cruz • Patu Pau dos Ferros • Poço Branco • Pureza Santana do Matos São Gonçalo do Amarante São Paulo do Potengi • Tibau • Touros Triunfo Potiguar • Umarizal SERGIPE Boquim • Itabaianinha Região Centro-Oeste GOIÁS Alto Paraíso de Goiás Aparecida de Goiânia • Araguapaz Britânia • Buriti Alegre • Caçu Caiapônia • Campinorte Corumbaíba • Crixás • Edealina Formosa • Goianésia • Goiás Hidrolândia • Itapaci • Jussara Mara Rosa • Minaçu • Mineiros Morrinhos • Mundo Novo • Paraúna Porangatu • Posse • Quirinópolis Rio Verde • Rubiataba de articuladora dos diversos parceiros, responsabilizando-se pela metodolo- gia, indicação de consultores e produzindo material pedagógico, de comu- nicação e de divulgação do evento. O resultado esperado com a realização dos Encontros é que fossem criadas as condições para o aumento da eficácia e dos resultados dos pro- gramas implementados pelos governos municipais. Para isso, foram dirigidos aos Prefeitos Criança, secretários municipais, primeiras-damas, conselheiros de direitos e tutelares, representantes do Poder Judiciário e de organizações não-governamentais da área infância. A análise do perfil dos participantes dos Encontros (quadro abaixo) mostra a diversidade de público atingido, incluindo dirigentes e técnicos de administrações municipais e representações da sociedade civil. Em alguns Estados, os Encontros reuniram pela primeira vez os diferentes segmentos sociais da sociedade civil e do poder público que trabalham com crianças e adolescentes nos municípios. Perfil dos participantes 15 Santa Fé de Goiás São Miguel do Passa Quatro • Uruaçu MATO GROSSO Alto Araguaia • Alto Boa Vista Glória do Oeste • Juína • Juscimeira Nova Brasilândia Porto Alegre do Norte • Rosário Oeste São José do Rio Claro MATO GROSSO DO SUL Água Clara • Alcinópolis • Amambaí Anastácio • Anaurilândia • Angélica Antônio João • Aparecida do Taboado Bandeirantes • Bataguassu • Bataiporã Bela Vista • Bodoquena • Bonito Brasilândia • Caarapó • Camapuã Campo Grande • Caracol • Cassilândia Chapadão do Sul • Corguinho Coronel Sapucaia • Corumbá Costa Rica • Coxim • Deodápolis Dois Irmãos do Buriti • Douradina Eldorado • Fátima do Sul Glória de Dourados Guia Lopes da Laguna • Iguatemi Itaquiraí • Ivinhema • Japorã Jardim • Jateí • Ladário Laguna Carapã • Maracaju • Miranda Mundo Novo • Naviraí • Nioaque Nova Alvorada do Sul Nova Andradina Novo Horizonte do Sul • Paranaíba Paranhos • Pedro Gomes • Ponta Porã Porto Murtinho • Ribas do Rio Pardo Rio Brilhante • Rio Negro Rio Verde de Mato Grosso • Rochedo Santa Rita do Pardo São Gabriel do Oeste • Selvíria Sete Quedas • Sidrolândia • Sonora Tacuru • Taquarussu • Terenos Três Lagoas • Vicentina Região Sudeste ESPÍRITO SANTO Água Doce do Norte • Alfredo Chaves Aracruz • Atilio Vivacqua Barra de São Francisco Boa Esperança Cachoeiro de Itapemirim • Colatina Conceição da Barra Domingos Martins • Ecoporanga Fundão • Guarapari • Iconha • Irupi Itaguaçu • Iúna • Jaguaré Jerônimo Monteiro • João Neiva Laranja da Terra • Linhares Mantenópolis • Mimoso do Sul Muniz Freire • Pedro Canário Santa Leopoldina Santa Maria de Jetibá • Santa Teresa São Gabriel da Palha • São Mateus Serra • Vargem Alta • Viana Vila Valério • Vitória MINAS GERAIS Águas Formosas • Aiuruoca • Araçuaí Arapuá • Araxá • Argirita • Arinos Astolfo Dutra • Baependi • Baldim Barra Longa • Bela Vista de Minas Belo Horizonte • Betim Boa Esperança • Bocaiúva Bom Jardim de Minas Bonfinópolis de Minas Brasilândia de Minas • Caeté Camacho • Camanducaia Campos Gerais • Candeias Capela Nova • Capim Branco Caraí • Carbonita Carmo da Cachoeira Carmo do Paranaíba Carmópolis de Minas • Carneirinho Cláudio • Comendador Gomes Conceição da Aparecida Conceição do Rio Verde Conselheiro Lafaiete Conselheiro Pena • Cordisburgo Coronel Xavier Chaves • Cristina Desterro do Melo • Divisa Alegre Dona Euzébia • Dores do Turvo Elói Mendes • Felisburgo • Felixlândia Franciscópolis • Fronteira • Frutal Prefeitos 140 Vice-prefeitos 17 Primeiras-damas 27 Secretários municipais227 Conselheiros municipais (saúde, educação, assistência social, direitos da criança e tutelares) 149 Técnicos de secretarias municipais 516 Profissionais de órgãos estaduais 27 Profissionais de órgãos federais 6 Técnicos de ONGs 36 Vereadores e assessores parlamentares 38 Empresários 10 Função/cargo Total (continua) Avaliação dos participantes dos Encontros Prefeito Criança Ao final de cada Encontro os participantes realizaram uma avali- ação sobre as atividades realizadas. A análise das respostas revelou vários aspectos positivos, tais como: o cumprimento dos objetivos, o desempe- nho da coordenação, a estrutura organizativa dos eventos e a escolha do local onde se realizaram. Do total dos entrevistados, 63% afirmaram que os objetivos do Encontro foram alcançados e apenas 1% discordou desta avaliação. A ficha de inscrição dos participantes registrou também os cinco principais problemas que atingem crianças e adolescentes nos municí- pios. Essas informações possibilitaram maior conhecimento sobre os municípios participantes, trazendo subsídios para o desenvolvimento de cada Encontro. Além disso, a sistematização posterior do conjunto des- ses dados tornou possível obter um retrato da realidade social dos municípios Prefeito Criança, oferecendo pistas importantes para dire- cionar a atuação do Projeto. (continuação) 16 Funilândia • Gameleiras • Goiabeira Gouvêa • Guapé • Guarani Guarda-Mor • Guaxupé • Iapu Indaiabira • Indianópolis • Inimutaba Iraí de Minas • Itabira • Itacambira Itacarambi • Itamarandiba • Itamonte Itanhandu • Itapagipe • Ituiutaba Iturama • Jacuí • Japonvar Jenipapo de Minas • Jequitaí João Monlevade • João Pinheiro Juiz de Fora • Ladainha • Lagamar Limeira do Oeste • Luisburgo Luislândia • Machado • Mariana Mathias Lobato • Matutina Mendes Pimentel • Moema Monte Carmelo Morada Nova de Minas Muzambinho • Nacip Raydan Nanuque • Nova Lima • Nova Módica Ouro Preto • Ouro Verde de Minas Paiva • Papagaios • Paracatu Paraopeba • Passa Vinte • Paulistas Pavão • Pedralva • Pedrinópolis Pequeri • Piedade do Rio Grande Pirajuba • Piranguçu • Pitangui • Poté Pouso Alegre • Presidente Olegário Prudente de Morais • Recreio Rio Manso • Rio Pardo de Minas Rubelita • Sabará Santa Cruz de Salinas Santa Cruz do Escalvado Santa Rita de Minas Santana de Pirapama Santana do Garambéu Santana do Paraíso Santo Antônio do Grama Santo Antônio do Itambé São Domingos do Prata São Francisco de Sales São Geraldo do Baixio São Gonçalo do Rio Preto São João da Ponte São João Evangelista São José da Barra São José do Divino São José do Jacuri • São Lourenço São Pedro da União São Sebastião da Vargem Alegre São Sebastião do Oeste • Sardoá Sem-Peixe • Serra Azul de Minas Serra dos Aimorés • Soledade de Minas Tapira • Tiros • Tocantins • Tombos Três Marias • Tumiritinga • Uberaba Uberlândia • Unaí • União de Minas Varjão de Minas • Varzelândia Verdelândia • Virgem da Lapa Virginópolis • Virgolândia RIO DE JANEIRO Barra Mansa • Casimiro de Abreu Macaé • Parati • Resende • Rio Claro Sapucaia SÃO PAULO Agudos • Altinópolis • Apiaí Araraquara • Araras • Balbinos Batatais • Bauru • Bebedouro Bernardino de Campos • Bilac Brodósqui • Caçapava • Cajuru Catanduva • Cruzeiro • Cubatão Diadema • Estiva Gerbi Ferraz de Vasconcelos • Franca Gavião Peixoto • Guaimbê • Guapiara Guará • Guarani do Oeste Guaratinguetá • Guarujá Hortolândia • Ibiúna • Ilha Solteira Ilhabela • Indaiatuba • Itapira • Itu Jaboticabal • Jales • Júlio Mesquita Juquiá • Lençóis Paulista • Lins Lucélia • Macatuba • Macaubal Mairiporã • Manduri • Marília Matão • Mauá • Miracatu Mirandópolis Mirante do Paranapanema Moji-Mirim • Monte Aprazível Monteiro Lobato • Olímpia Orlândia • Osvaldo Cruz • Ourinhos Pedro de Toledo • Peruíbe Pindamonhangaba • Pontal Porto Ferreira • Praia Grande Presidente Prudente Presidente Venceslau • Restinga Perfil dos participantes Estudantes 32 Profissionais autônomos 16 Juristas 4 Técnicos de associações de município 4 Não responderam 77 TOTAL 1326 Função/cargo Total Esta publicação organizou as principais palestras e experiências apresen- tadas nos Encontros do Piauí, Pará, São Paulo, Paraná e Minas Gerais em três capítulos. No primeiro estão as palestras de consultores que fundamentam e instrumentalizam a implementação de políticas públicas para crianças e ado- lescentes nos municípios, destacando questões como os novos paradigmas apre- sentados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o sistema de garantia de direitos, a descentralização das políticas públicas, orçamento municipal e o plane- jamento de ações. No segundo capítulo são apresentadas experiências de parce- rias entre instituições que enriqueceram ações municipais em favor da infância. No último capítulo estão sintetizadas as experiências nas áreas de saúde, educação e assistência social apresentadas pelos municípios Prefeito Criança. Esperamos, com a produção deste caderno, inspirar o desenvolvi- mento de novas iniciativas nos municípios brasileiros e contribuir com as reflexões e as práticas voltadas à consolidação dos direitos de cidadania das crianças e dos adolescentes do nosso País. 17 Principais problemas dos municípios (apontados pelos participantes) Ribeirão Pires • Ribeirão Preto Sabino • Salesópolis • Sandovalina Santa Adélia • Santa Albertina Santa Fé do Sul • Santa Isabel Santana de Parnaíba • Santo André Santo Antônio do Pinhal • Santos São Bernardo do Campo São Joaquim da Barra São José dos Campos • São Sebastião São Vicente • Severínia • Sud Mennucci Tabatinga • Taboão da Serra • Torrinha Trabiju • Ubatuba • Valparaíso Várzea Paulista • Viradouro • Zacarias Região Sul PARANÁ Agudos do Sul • Alto Paraná Amaporã • Antonina • Apucarana Boa Esperança do Iguaçu • Cambé Campo Mourão • Cascavel • Castro Clevelândia • Cornélio Procópio Cruzeiro do Sul • Diamante do Norte Dois Vizinhos • Farol • Floresta Foz do Iguaçu • Francisco Alves Guairaçá • Guarapuava • Inajá • Iporã Itaúna do Sul • Jardim Olinda • Lapa Loanda • Mandaguaçu • Mandaguari Marechal Cândido Rondon • Marilena Mariluz • Medianeira • Mirador Nova Aliança do Ivaí Nova Esperança Nova Esperança do Sudoeste Nova Londrina • Ourizona Paraíso do Norte • Paranacity Paranapoema • Paranavaí Pato Branco • Paula Freitas • Pinhais Pinhal de São Bento • Piraí do Sul Pitanga • Planaltina do Paraná Ponta Grossa • Porto Rico Quedas do Iguaçu Querência do Norte • Quitandinha Rio Azul • Rio Branco do Sul Rio Negro • Santa Amélia Santa Cruz de Monte Castelo Santa Isabel do Ivaí Santa Izabel do Oeste • Santa Mariana Santa Mônica Santo Antônio do Caiuá São Carlos do Ivaí São Jerônimo da Serra São João do Caiuá São Pedro do Paraná • São Tomé Tamboara • Terra Rica • Toledo Umuarama • União da Vitória • Uraí RIO GRANDE DO SUL Antônio Prado • Arambaré • Aratiba Balneário Pinhal • Barão de Cotegipe Boa Vista das Missões • Braga Campo Bom • Campos Borges Candelária • Caxias do Sul Charqueadas • Condor Coqueiros do Sul • Entre-Ijuís Estância Velha • Faxinal do Soturno Fontoura Xavier • Garibaldi • Ijuí Lajeado • Lavras do Sul • Maratá Marau • Nonoai • Osório Pântano Grande • Parobé Porto Alegre • Quaraí • Ronda Alta Santa Bárbara do Sul Santa Vitória do Palmar Santo Ângelo Santo Antônio das Missões São Francisco de Assis São João da Urtiga São Miguel das Missões • Sapiranga Tavares • Três Coroas • Três de Maio Três Palmeiras • Três Passos • Vanini Viamão SANTA CATARINA Águas de Chapecó Balneário Camboriú • Caçador Calmon • Correia Pinto • Criciúma Dionísio Cerqueira • Florianópolis Galvão • Jaborá • Joinville Lacerdópolis • Lages • Mondaí Palmeira • Papanduva Rancho Queimado • Seara• Taió Três Barras Drogadição Educação (evasão/acesso/qualificação) Prostituição infanto-juvenil Família (desagregação/violência/desestruturação) Trabalho infanto-juvenil Violência contra crianças e adolescentes Adolescentes em conflito com a lei Falta de recursos (financiamento/implementação programas/projetos) Condições de vida (desemprego/baixa renda familiar) Falta de programas de esporte e lazer (espaços/atividades recreativas) Análises e subsídios elaborados por especialistas em gestão municipal e em políticas públicas voltadas à população infanto-juvenil, referenciadas no Estatuto da Criança e do Adolescente. SUBSÍDIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA PROJETO PREFEITO CRIANÇA Da “roda dos enjeitados” à “escola do crime” Estudar a história da atenção à infância e à adolescência no Brasil implica ter coragem de mergulhar num mundo de injustiças, violência, maus-tratos, discriminação e negação de direitos. Começa com o tratamento dado aos indígenas, passa pelo truculento processo de escravidão do povo negro e vem até a tor- tura e o confinamento arbitrário de meninos e meninas de rua de nossos dias. A Lei do Ventre Livre (1871), que permitia aos negros nascidos após aquela data serem livres, reme- teu às ruas milhares de crianças, pois não interessava mais ao senhor da casa-grande mantê-las ou susten- tá-las, uma vez que o processo de abolição da escravatura era iminente e, portanto, quando atingissem a idade produtiva, os senhores não poderiam usufruir gratuitamente de sua força de trabalho. As “hordas de desvalidos”, que perambulavam pelas ruas, chamaram a atenção, principalmente, de grupos das igrejas que buscaram se aproximar deles para assisti-los e catequizá-los. Uma iniciativa em seu favor parte de um sa- cristão que envia à Câmara dos Vereadores um pedido para que fosse autorizado a pedir esmolas para matar a fome destes pequeninos. Surge por todo o País a ASA (Ação Social Arquidiocesana) que, a partir de uma visão caritativa, orga- niza diferentes tipos de ação, com o objetivo de prestar assistência aos desvalidos e desamparados. Nascem orfanatos, associações de recuperação, internatos, enfim, uma série de serviços marcados por uma visão assistencialista e executados de forma abnegada por muitos voluntários, companhias e irmandades. É desse período a “roda dos enjeitados”, um grande cilindro à porta dos orfanatos em que se colo- cavam as crianças rejeitadas; rodava-se, e no outro lado alguém as recebia sem identificar quem as tinha abandonado, sua origem, as condições de vida ou os motivos que haviam feito com que lá chegassem. Segundo Bataglia e Côrtes Alves, em sua obra Infância e desenvolvimento – desafios e propostas, “as casas dos expostos, conhecidas como casas da roda, forma típica de atendimento nos séculos XVIII e XIX, tinham como propósito maior a salvaguarda dos padrões de moral pública e familiar da época. Acolhiam no anonimato ‘filhos de mães solteiras’, de ‘mulheres de má conduta’, crianças abandonadas pelos pais devi- do à extrema pobreza, filhos de escravos (entregues na esperança de que pudessem crescer como cidadãos livres), entre outros enjeitados.” 1 Consultor para a área de Direitos da Criança do Unicef 21 O COMPROMISSO DE TODOS COM A PROTEÇÃO INTEGRAL AOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Mário Volpi 1 Em 1902, Mello Mattos2 propõe um projeto de proteção ao menor que é transformado em Lei em 1926. Um ano depois, em 12 de outubro de 1927, é promulgado o Código de Menores. Somente no go- verno populista de Getúlio Vargas é que o Estado organiza algumas políticas públicas e cria o Departamento Nacional da Criança (1940), com o objetivo de coordenar, em âmbito nacional, as atividades de atenção à infância. Visando desenvolver atividades de amparo aos “menores desvalidos e infratores”, é criado, em 1941, o SAM (Serviço de Assistência ao Menor). A característica desse serviço era considerar crianças e ado- lescentes pobres marginais em potencial. Tinha-se a idéia de que a sociedade era um todo “harmônico”, com setores e funções diferenciadas. Se algo não funcionasse, precisava ser retirado do meio social, recuperado e reintegrado. A existência de crianças e adoles- centes pobres era vista como uma disfunção social, e, para corrigi-la, o SAM aplicava a fórmula do seqüestro social: retirava das ruas crianças e adolescentes pobres, abandonados, órfãos, infratores, e confinava-os compulsoriamente em internatos isolados do convívio social nos quais passavam a receber um tratamento extremamente violento e repressivo. Essas instituições tinham na própria denominação um indicador de suas funções: patronatos, centros de recuperação, reeducação… A promiscuidade, a violência, o tratamento desumano, a atuação repressiva dos “monitores”, as grades e os muros altos, enfim, o distanciamento imposto pela organização interna das instituições garantia a arbitrariedade e o desconhecimento por parte da população do que acontecia “intramuros”. A revolta dos meninos, as fugas e os motins começaram a ter repercussão fora das instituições, pro- movendo uma onda de protestos de cidadãos e grupos que passaram a denunciar as atrocidades cometidas internamente. “Já em 1954, um ex-diretor do SAM denunciava: sangue da mocidade, lama da corrupção e vergonha da incúria residem na sociedade brasileira enquanto perdura a tragédia dos menores abandonados.” Retrocedendo um pouco no tempo, outro fato a ser registrado é o surgimento da LBA (Legião Brasileira de Assistência), em 1942. Inicialmente voltada à assistência dos filhos e esposas dos expedi- cionários da FEB (Força Expedicionária Brasileira), a instituição passa a incorporar também a assistência à maternidade e à infância. Em 1944, já atuava em 1.556 municípios. Mantida, no início, pela parceria go- verno/empresários, a partir da década de 50 a LBA começa a ser sustentada por verbas públicas oriundas dos recolhimentos sobre o salário dos trabalhadores. No início da década de 60, a sociedade já tinha a forte convicção de que o SAM era uma escola do crime. Acreditava-se que os adolescentes que de lá saíam não tinham outra opção, senão retribuir a enorme carga de violência a que haviam sido submetidos. Na esteira das reformas de base, buscava-se a produção de uma política de atenção à infância que lhes desse tratamento mais digno. 22 2 José Cândido de Mello Matos, primeiro Juiz de Menores do Rio de Janeiro, foi autor do projeto que estabeleceu as bases do primeiro Código Sistemático de Menores do País e da América Latina, conhecido como Código Mello Matos. Da doutrina da situação irregular à política de proteção integral O golpe militar de 1964 abortou, entre os muitos sonhos, o de modificar o tratamento à infância e à ado- lescência. A idéia de acabar com o SAM e produzir uma política para atender dignamente os direitos infanto- juvenis foi substituída pela PNBEM (Política Nacional de Bem-Estar do Menor). Nascida no interior da ESG (Escola Superior de Guerra), a PNBEM contemplava aspectos de uma política assistencialista, na linha do Welfare State, e reproduzia uma prática de repressão que deu continuidade ao tratamento desumano. Sob novas fachadas, os internatos continuaram funcionando e transformaram-se numa rede nacional de FEBEM (Funda- ção Estadual de Bem-Estar do Menor). Existente ainda hoje, a FEBEM resiste em muitos Estados ao reordena- mento institucional e continua com a política do regime militar. Com um discurso assistencial, essas instituições tentavam esconder a ausência de qualquer proposta pedagógica, o despreparo dos técnicos, as arbitrariedades dos monitores e a violência. Casos como o do quadrilátero, em São Paulo, em que constantes motins, fugas e revoltas trouxeram à opinião pública as mesmas condiçõesjá denunciadas no SAM: “agentes de segurança liberavam as meninas detentas para que fossem a deter- minadas boates prostituir-se. No regresso, repartiam com eles o dinheiro conseguido. Meninos eram liberados para pequenos roubos, que eram repassados aos agentes, que se encarregavam de vendê-los e privilegiar os meni- nos no atendimento”. A agravante deste depoimento é que ele foi dado pela presidente da FEBEM de São Paulo. O abuso sexual, o tratamento humilhante, os milhares de relatos de situações de extrema violência evidenciam que a PNBEM, embora tivesse um discurso mais assistencial, escondia uma prática inaceitável. As denúncias na imprensa, livros, documentários, grupos de defesa do menor, geraram uma mobilização social que se contra- punha a essa prática e exigia mudanças radicais. Com o processo de abertura, o fim do regime militar, o ressurgimento dos movimentos populares, ganha força o movimento em defesa dos direitos do “menor”. As práticas predominantes no atendimento a esta área reduziam-se a uma visão repressiva ou a uma visão assistencialista. Estado, Igreja e sociedade debati- am-se entre estes dois modelos, conseguindo como resultado a estigmatização dos meninos, a desaprovação da sociedade, a ineficiência das ações e o desrespeito à dignidade humana e aos direitos mais fundamentais. Diferentes grupos de técnicos, educadores e agentes sociais que se contrapunham a esse modelo pas- saram a discutir alternativas. O caminho encontrado foi a rua. Era preciso sair das instituições e conhecer ao vivo a realidade de onde vinham esses meninos e meninas. Ao mergulhar no mundo da rua, eles perceberam um mundo absolutamente distinto: sem horários, com valores diferentes, linguagens diferentes, diversões diferentes; com novidades, dinâmico, e com outros padrões morais. Estar na rua, para os meninos, significava viver em seu campo de domínio, com seus códigos, 23 estratégias de sobrevivência, aliados e inimigos, enfim, sua “casa”. Mas significava também se expor a um con- junto de interesses e de exploração que vai do tráfico de drogas até o abuso sexual. Mesmo sobrevivendo nesse paradoxo, parecia mais suportável do que ter de conviver na favela com núcleos familiares desmontados, fa- mintos, explorados, e por isso violentos. “Os pais apanham da vida e os filhos apanham dos pais”, e vão às ruas... O êxodo rural, o desenvolvimentismo exacerbado, o arrocho salarial, as crises econômicas e uma série de outras variáveis começaram a mostrar que não eram a “índole má” nem o caráter perverso que remetiam às ruas milhares de crianças e adolescentes. Educadores põem-se a caminho das ruas, estabelecem relações com esses meninos e meninas e colocam-se a seguinte questão: “É possível educar na rua?”. As instituições e os modelos assistencialista e repressivo mostraram seu fracasso ao ignorar as causas da marginalização das cri- anças; não seria mais prudente partir dessa realidade e atuar considerando as diferentes variáveis? Surgem assim, no Brasil todo, diversas iniciativas de atendimento a meninos e meninas de rua e pro- duz-se a educação social de rua. Fundamentado em princípios da pedagogia do oprimido e em discussões mais avançadas da educação histórico-crítica, este processo desenvolveu diferentes metodologias. Aparecem associações de engraxates, cooperativas de picolezeiros, grupos comunitários, entre muitas outras iniciativas. No início da década de 80, é criado o Projeto Alternativas de Atendimento aos Meninos e Meninas de Rua, com o objetivo de colocar em contato as diferentes experiências, intercambiar idéias, analisar processos e somar esforços no atendimento a esse público. Em 1985, um grupo de pessoas e alguns programas decidem criar um movimento de luta pelos direi- tos desses meninos e meninas, com uma diferença fundamental em relação aos demais grupos existentes até então: com a participação dos próprios meninos e meninas. O MNMMR (Movimento Nacional de Me- ninos e Meninas de Rua) nasce como espaço de articulação entre os programas de atendimento, os edu- cadores comprometidos com a área e a organização de meninos e meninas de rua. O Código de Menores estava inserido nas causas do processo de violação dos direitos. Originado na Doutrina da Segurança Nacional, o código considerava o “menor” em situação irregular sempre que estivesse fora dos padrões sociais estabelecidos. A ele atribuía tratamento indiferenciado (não importava se fosse pobre, abandonado, infrator, carente), com caráter punitivo e extremamente arbitrário. Em seu artigo 5, dispunha o seguinte: “Na aplicação desta lei, a proteção aos interesses do menor sobrelevará qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado” (Código de Menores, Lei nº 6.697, 1979). Juntamente com outras entidades, o MNMMR impõe-se o desafio de alterar o panorama legal. Tem início um intenso processo de articulação, que alcança seu ponto alto na Constituinte de 1988, com a primeira vitória: insere-se na Constituição Federal o artigo 227, baseado na Política da Proteção Integral, que se consubstancia na Declaração Universal do Direitos da Criança da ONU. Depois de aprovada a 24 Constituição, começa o processo de regulamentação por meio de legislação complementar. O Código de Menores acaba sendo derrubado, e o Estatuto da Criança e do Adolescente é escrito “a mil mãos”. Repudia- se o termo “menor”, cujo caráter é estigmatizante e discriminador; altera-se a concepção de infância e de adolescência: meninos e meninas passam a ser entendidos como cidadãos, sujeitos de direitos, que pre- cisam ser considerados pessoas em desenvolvimento e tratados com prioridade absoluta. Altera-se também o conteúdo da Lei, que é ampliado para contemplar os diferentes direitos básicos e fundamentais; altera-se o método, retirando o caráter punitivo e atribuindo responsabilidades às políticas públicas e a uma intervenção socioeducativa; e altera-se a gestão, ampliando a participação popular por meio dos conselhos de direitos e tutelares. A partir dessas mudanças, podemos dizer que o direito da crian- ça e do adolescente passa a ser tema obrigatório em todos os debates, que têm como objetivo transformar a realidade de injustiças e desigualdades sociais na qual estamos todos envolvidos. Fazer uma avaliação das mudanças geradas pelo Estatuto implicaria um estudo profundo de dife- rentes variáveis que interferem no processo de implementação da nova concepção de políticas para a infân- cia e a adolescência, consignado no Estatuto da Criança e do Adolescente, vigente desde 1990. Como tal tarefa é um desafio que demanda tempo, apresentamos a seguir um conjunto de reflexões para a análise desse tema. Vamos começar pelos Conselhos de Direitos, analisando os parcos dados disponíveis sobre sua implementação. Na União e nos Estados já estão em funcionamento o CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) e os Conselhos Estaduais. Nos 5.508 municípios, segundo levantamento feito pelo CONANDA em novembro de 1996, havia 1.983 Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. Não existe uma pesquisa sistemática que possa indicar alguma tendência. Ao apresentar esse número, queremos apenas dar uma idéia de escala, isto é, os conselhos não foram implantados nem em 50% dos municípios. Mesmo esse dado não esclarece em que tipo de município foram instalados (se são pequenos, médios ou grandes), o que poderia nos dar a dimensão da abrangência, pelo menos em termos populacionais (quadro 1). Assim sendo, nossa avaliação se baseia nas demandas apresentadas pelos conselhos existentes às diferentes instâncias nas quais atuamos (INESC – Instituto de Estudos Sócio-econômicos, Unicef, MNMMR/DF – Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua/Comissão Local do Distrito Federal, POMMAR/ USAID – Programa de Apoio aos Meninose Meninas de Rua da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional, CCLF – Centro de Cultura Luiz Freire, DCI – Defense for Children International). É possível observarmos alguns problemas que precisamos enfrentar: 1) A já mencionada inexistência de um sistema de monitoramento e apoio à implementação dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. 25 2) A tradição centralizadora da cultura política brasileira que impõe limites à participação popular nas instâncias de decisão, prevalecendo, no poder público, o exercício solitário do poder. Uma pesquisa recente aponta: “Desarticulação entre deliberação e execução das políticas; debilidade nas deliberações: falta de cumprimento das políticas pelo Executivo; falta de entendimento do Executivo sobre a função dos conselhos; falta de participação da sociedade na definição da legislação; retarda- mento nas decisões tomadas; falta de apoio do Executivo; clientelismo com falta de critérios técni- cos e articulação entre programas; relações centralizadoras dos presidentes”. 3) A falta de capacitação técnica dos membros ou futuros membros dos conselhos para a tarefa com- plexa de formular a política. No geral, há muita mobilização, interesse e capacidade reivindicativa, mas carece-se de conhecimentos mais específicos para a produção da política. 4) Falta de clareza sobre os processos de municipalização, notadamente no que se refere à constitui- ção de uma rede de serviços articulados e estruturados. Há ainda grande expectativa em destinar recursos e criar programas e projetos isolados. Reclama-se também da incompatibilidade da muni- cipalização com a reforma tributária. 5) Indefinição em relação aos fundos. 6) Diminuição da participação dos cidadãos, o que leva as mesmas pessoas a representar diferentes instituições em diferentes conselhos. 7) Redução significativa de investimentos nas políticas sociais básicas. Apontamos inicialmente os problemas para dedicarmos maior atenção aos avanços. Entendemos que mesmo este processo incompleto e contraditório apresenta grande vantagem em relação às políticas ante- riores, que poderia ser sintetizada em três grandes mudanças: 1) A idéia de que os direitos da criança não devem ser preocupação apenas de uma área, setor ou se- cretaria de governo, mas sim um compromisso de todo o governo em parceria com a sociedade civil. 2) Houve mudança no controle dos mecanismos de distribuição de recursos para a área. Embora na maioria dos municípios os poucos recursos investidos na área ainda sofram influência de caráter fisio- lógico e clientelista, observa-se que pouco a pouco a sociedade civil organizada vai conhecendo me- lhor os caminhos pelos quais o poder público realiza suas prioridades. 3) Um amplo processo de mobilização social em torno da exigência dos direitos infanto-juvenis via- biliza a abertura de espaços democráticos de interlocução entre os governos e a sociedade, de forma a buscar a produção de consensos que possam assegurar ações concretas na garantia dos direitos. As conferências, audiências públicas e reuniões ampliadas dos conselhos demonstram que essa nova etapa é importante na história da consolidação dos direitos. 26 Poderíamos acrescentar outros aspectos, mas achamos interessante lembrar que, mesmo nesse cenário limitado da implementação dos Conselhos de Direito, o produto mais importante é esta nova cultura em relação aos direitos infanto-juvenis que se funda no Estado Democrático de Direito. Transformar o princí- pio de prioridade absoluta em diretrizes de governo é ainda um desafio, porém a garantia de que a criança apareça com destaque em todos os planos de governo já é uma conquista. Outro aspecto que devemos considerar é a diversidade de novas abordagens produzidas para o enfrentamento das questões mais cruciais de violação dos direitos. As iniciativas de educação social de rua que partiam exclusivamente da sociedade civil hoje ganham status de política em muitos governos; o enfrentamento de maus-tratos, abuso e exploração sexual encontra respaldo em diversas instâncias do poder público; o combate à exploração do trabalho infantil também. Assim, toda uma agenda que até bem pouco tempo era cumprida apenas por organizações não-governamentais vem sendo assumida progressivamente pelos diferentes níveis de governo. Em muitos municípios, iniciativas, ainda que tímidas, de interlocução entre as políticas de saúde, edu- cação e assistência social tiveram sua origem no Conselho de Direitos. A participação de representantes de dife- rentes áreas do Executivo num mesmo órgão estimulou o diálogo intersetorial e em muitas situações evidenciou distorções e superposição de esforços e serviços, apresentando perspectivas de atuação conjunta e integrada. Vale também destacar o papel de guardião ético que os conselhos têm desempenhado em muitos municí- pios, enfrentando autoritarismos de gestores; as sempre presentes “operações arrastão” determinadas por juízes arbitrários que se outorgam o direito de disciplinar o direito de ir e vir; as investidas preconceituosas da impren- sa sensacionalista distorcendo direitos; e todas as iniciativas reacionárias à doutrina da proteção integral. Quanto aos Conselhos Tutelares, as avaliações realizadas até o momento são aproximativas e incom- pletas. Segundo a publicação Conselhos Tutelares no Brasil 3 foram cadastrados 1.457 Conselhos Tutelares e identificaram-se desde problemas como a falta de infra-estrutura até questões de fundo conceitual, eviden- ciando-se um embate permanente entre a doutrina da situação irregular e a doutrina da proteção integral. Necessariamente posterior ao Conselho de Direitos, a implantação dos Conselhos Tutelares está ainda em fase inicial e, por operar com situações mais complexas das violações dos direitos, torna-se necessário inaugurar ao mesmo tempo um modelo institucional, uma pedagogia, uma metodologia e uma prática de defesa de direitos diferenciada das práticas historicamente desenvolvidas no País. Essa novidade toda justifica uma série de críticas que vêm sendo feitas a distorções presentes nesse processo. Já se fala em Conselho Tutelar policialesco (que substituiria a polícia); em modelo funcionário 27 3 Conselhos Tutelares no Brasil, publicação organizada pela ANCED - Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente e pelo MNMMR - Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua. público estigmatizado (mais preocupado consigo de que com os usuários); em programa de atendimento (que não requisita serviços, executa-os); em ativista (que faz de tudo, menos sua especificidade). Se por um lado essas distorções podem ser atribuídas à composição dos conselhos, por outro é importante analisar, a partir da própria experiência e de muito estudo, avaliação e aprofundamento, como esse novo modelo irá se consolidar. Aqui registramos a importância das múltiplas iniciativas de capacitação. Se pudéssemos sugerir alguma correção, assinalaríamos apenas que essas carecem de maior sistematização; se, no período ini- cial, isso implicaria engessar iniciativas criativas, no momento seguinte, a partir das experiências desen- volvidas, apontaria caminhos mais seguros. Tanto o Conselho de Direitos quanto o Conselho Tutelar são espaços fundamentais de garantia da execução de políticas sociais articuladas. Nos municípios que não tenham conselhos, haverá maior dificul- dade no desenvolvimento de um conjunto de serviços em rede devido à inexistência de um órgão respon- sável por uma articulação que congregue governo e sociedade civil. Poderíamos pensar que nos locais onde os conselhos existem essa articulação estaria mais avançada. No entanto, percebemos que, por algumas razões, essa perspectiva ainda não se consolidou. A idéia de que o Conselho de Direitosdeveria operar somente numa “Política de Proteção Especial”, por exemplo, vem ressuscitando a Política de Bem-Estar do Menor, pois em muitos casos há uma limitação de deliberação em programas ligados à assistência. A partir do debate das diferentes intervenções, produzimos um quadro, bus- cando situar os serviços das diferentes áreas que são ligados à criança e ao adolescente (quadro 2). Depois de montarmos um quadro de serviços existentes e identificarmos a demanda, torna-se possível elaborar uma proposta de política mais coerente e articulada. Não queremos entrar em detalhes operacionais do fun- cionamento em rede, mas apenas apresentar a necessidade de o Conselho de Direitos ser este espaço privi- legiado de integração de serviços. Para isso, um amplo programa de capacitação teórico-operativo precisa ser desenvolvido, visando aproveitar as iniciativas e as estruturas já existentes dos conselhos como forma de potencializá-los na consolidação de uma política integral de garantia e atendimento aos direitos da criança e do adolescente. Nesse contexto, a missão de um Prefeito Criança desenha-se como o desafio de romper com uma cul- tura assistencialista, de ações paliativas e pontuais, para produzir um conjunto de políticas sociais capaz de colocar a criança e o adolescente no centro do processo de desenvolvimento social e econômico do município. O bom prefeito é aquele que tem a habilidade de descobrir a vocação econômica de seu município e que se mostra capaz de atrair investimentos para potencializar suas qualidades, promovendo o desenvolvimento social e melhorando a qualidade de vida da população. Com isso, ele se destaca no cenário regional e estadual. 28 O Prefeito Criança vai além, pois não só potencializa os recursos existentes no município, mas prepara sua riqueza mais importante: os recursos humanos, sem os quais nenhum valor é agregado a produto algum. O desenvolvimento tecnológico conseguiu substituir muitas tarefas humanas, porém nenhuma máquina substitui a capacidade criativa e de gerar soluções adequadas para diferentes tipos de circunstâncias novas como a capacidade do ser humano. Por isso, um prefeito que se contenta em gastar o potencial econômico de seu município sem inves- tir no futuro pode ser comparado ao agricultor que devora todo o produto de sua primeira colheita sem se preocupar em deixar sementes para as próximas safras. Já aquele que compreende sua tarefa de promotor do desenvolvimento social, econômico, político e cultural não entende os recursos aplicados na área social como um gasto e sim como um investimento. Alia, portanto, investimento econômico com investimento social, estabelecendo uma base sólida para a consoli- dação de uma sociedade mais justa e humanitária. Dois princípios são fundamentais para que o investimento social em crianças e adolescentes tenha um resultado efetivo e contribua para o desenvolvimento do município: a indivisibilidade dos direitos da criança e o respeito ao interesse superior da criança. O primeiro implica o desenho de uma política que integre ações dos diferentes setores das políticas sociais, sem setorizar a criança como se ela fosse um armário cheio de gavetas, no qual cada gaveta com- porta um direito. De nada adianta um grande programa de distribuição de leite, por exemplo, se esse não estiver inserido numa política de atenção integral à criança. O insucesso da maioria dos programas sociais está ligado ao fato de atenderem apenas a uma necessidade imediata (seja de matar a fome ou eleger deter- minado candidato) e não representar um investimento consistente, sistemático e estruturado no desen- volvimento social da comunidade. Já o princípio do interesse superior da criança implica entendê-la como um agente capaz de partici- par ativamente de seu próprio desenvolvimento – fazendo opções, dando sugestões, sendo respeitado em sua condição peculiar de pessoa em crescimento – e como portador de esperanças e expectativas da sociedade. Só uma política social em que prevaleça o interesse superior da criança é capaz de superar dis- putas mesquinhas de grupos de interesse e promover ampla adesão dos diferentes atores sociais da comu- nidade para promover seu desenvolvimento integral. São estes os desafios apresentados aos Prefeitos Criança. Para enfrentá-los, além do espírito empreendedor, da capacidade criativa e da vontade política de promover transformações, torna-se funda- mental um compromisso ético que coloque nossas crianças acima de qualquer interesse e lhes prepare um futuro que começa agora. 29 30 Centro-Oeste GO 69 40 DF —4 03 MT 15 60 MS 43 44 Total 127 147 Sul PR 172 157 RS 193 157 SC 225 125 Total 590 439 Sudeste MG 230 127 ES 49 39 RJ 62 12 SP 304 102 Total 645 280 Norte TO 18 03 AC 05 01 AM 11 01 PA 32 23 RO 17 22 RR N/R N/R Total 83 50 Nordeste PI 51 15 AL 20 05 RN 36 13 CE 129 44 PB 21 01 BA 130 44 SE 55 23 MA 37 16 PE 59 15 Total 538 176 TOTAL GERAL 1.983 1.092 Quadro 1 Conselhos Municipais e Tutelares no Brasil Região Estado Conselhos Municipais Conselhos Tutelares Fonte: CONANDA/1996. 4 Como o Distrito Federal não possui municípios, os Conselhos Tutelares foram criados pelo Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente. 31 Quadro 2 Síntese dos serviços Saúde Educação Assistência Social Justiça e Cidadania Cultura, Esporte e Lazer Saúde Educação Assistência Social Justiça e Cidadania Cultura, Esporte e Lazer 0 a 6 anos 7 a 11 anos Postos de saúde Pronto-socorro Centro de reabilitação Creches Cesta básica para gestantes Abrigos Centro de convivência Postos de saúde Pronto-socorro Centro de reabilitação Escolas Programas socioeducativos Abrigos Atendimento a meninos(as) de rua Ampliar o atendimento na área de saúde mental Ampliar a capacidade de atendimento e melhorar a qualidade dos serviços Passar para a área de educação Integrá-la ao programa de controle nutricional Capacitar educadores e reformar unidades Capacitar os agentes de saúde Assegurar o atendimento prioritário a crianças e adolescentes Assegurar o trabalho preventivo às deficiências Melhorar os salários e promover a qualificação dos professores Diminuir a reprovação e a evasão Adaptar o currículo à realidade Ampliar o atendimento Ampliar o atendimento Reorganizar o atendimento, tendo em vista a articulação com as áreas de educação, saúde, trabalho e cultura Programa de prevenção de maus-tratos e abuso; controle nutricional de gestantes e neonatos Criação de um hospital infantil Criação de um programa de prevenção de deficiências Controle de creches Aumento do nº de unidades Desenvolvimento de um programa de apoio sociofamiliar Criação de unidades na comunidade Programa de prevenção de maus-tratos e abuso; controle nutricional Apoio à criação de programas de complementação educacional Criação de programas de apoio sociofamiliar Organização de retaguarda de serviços para garantir o retorno à família, à comunidade e à escola Faixa etária Área de intervenção Serviços existentes Melhorias necessárias Novos serviços 32 12 a 18 anos Saúde Educação Assistência Social Trabalho Justiça e Cidadania Cultura, Esporte e Lazer Postos de saúde Pronto-socorro Centro de reabilitação Escolas Internatos Programas socioeducativos em meio aberto Abrigos Pré-profissionalização Profissionalização Guarda mirim/ Patrulheiros Clube dos Escovinhas Melhorar a qualidade e ampliar a capacidade do atendimento Garantir a prioridade no atendimento Melhorar os salários e promover a qualificação dos professores Diminuir a reprovação e a evasãoAdaptar o currículo à realidade e incluir a questão da cidadania Promover o reordenamento institucional Ampliar e qualificar o atendimento Promover o reordenamento institucional Qualificar os que ingressam no mercado de trabalho Desenvolver programas de acordo com as necessidades do mercado Promover o reordenamento institucional Promover o reordenamento institucional Desenvolvimento de programas de prevenção (gravidez, dst – doenças sexualmente transmissíveis –, aids, outras) Apoio à criação de programas socioeducativos em meio aberto Desenvolvimento de programas de nivelamento para assegurar o retorno à escola Criação do plantão de apoio psicopedagógico Criação do programa de apoio familiar Criação do programa de geração de renda e profissionalização para os pais Faixa etária Área de intervenção Serviços existentes Melhorias necessárias Novos serviços Observação: este quadro é apenas uma referência para debate e aprofundamento. Quadro 2 Síntese dos serviços (continuação) Com este trabalho pretendemos discutir o processo de descentralização e municipalização a partir dos fatos mais recentes da história político-administrativa do Brasil, especialmente após a Constituição de 1988. Nossa intenção é fornecer elementos que permitam desvelar parte do processo descentralizador e suas impli- cações para a sociedade brasileira. Algumas categorias estão presentes nesse marco de análise. São elas: a democracia, a autonomia e a participação. Quando falamos em descentralização no Brasil, não nos parece excessivo lembrar que somos prati- camente um continente. Um País com 5.508 municípios, distribuídos em 26 estados e um Distrito Federal. Fica evidente, portanto, que muitas são nossas disparidades regionais e também as diversidades locais. Entretanto, cada município, ainda que diverso, precisa ser visto como único. Peculiares, e somente suas, são sua história política, sua geografia, sua atividade sócio-econômica, sua população. Reconhecer o múltiplo e o único, o local e o diverso nos municípios brasileiros é condição essencial para que possamos nos debruçar sobre o processo de descentralização e municipalização no Brasil. Acrescente-se a isso o fato de que, dos 5.508 municípios brasileiros, cerca de 4.077 têm até 20 mil habitantes. Entender a realidade dessas pequenas loca- lidades e seus determinantes históricos e políticos torna-se imperativo na discussão da municipalização. Municípios: uma primeira visão O município pode ser visto sob três aspectos: o sociológico, o político e o jurídico. Do ponto de vista sociológico, é o agrupamento de pessoas de um mesmo território, com interesses comuns e afetividades recíprocas, reunidas para a satisfação de necessidades e o desempenho de atribuições coletivas. Um grupo celular básico. Como ente político, é entidade estatal de terceiro grau na ordem política, com atribuições próprias e governo autônomo, ligado ao membro por laços constitucionais indestrutíveis. E, sob a visão jurídica, é pessoa jurídica de direito público interno, com capacidade civil para exercer direitos e contrair obrigações. Os aspectos político e jurídico é que são objeto de regramento constitucional e legal. A personalidade jurídica (de direito civil, Código Civil, art. 14, III) interessa à prática de atos nessa órbita: contratos, aquisição de direitos, atuação em juízo, responder como civil, etc. Como regra, nesse caso, o município atua paralelamente a qualquer cidadão. Faz contrato de locação, de serviços, relação de servidores celetistas, mas precisa cumprir requisitos específicos de sua condição. 33 O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO E MUNICIPALIZAÇÃO NO BRASIL Marlova Jovchelovitch 1 1 Oficial de Projetos do Unicef até 1999. Como entidade estatal (aspecto político), está investido de poder público, de imperium. Por isso, atua nos dois campos – direito público e direito privado –, mantendo sempre sua única personalidade de direito público. É como entidade estatal que vai desfrutar de autonomia político-administrativa, atuando paralelamente à União e aos Estados. Um pouco de história A Constituição Federal de 1988 reconheceu o município como ente da Federação. Essa foi uma importante conquista para os municípios brasileiros. Entretanto, gerou-se aí um suposto clima de eufo- ria. Suposto porque o exacerbado centralismo federal nas decisões políticas e na questão tributária con- tinua retirando o protagonismo dos nossos governos municipais e mantendo-os como meros admi- nistradores de carências. Um poder supletivo que se encarrega da ambulância, da creche, do transporte escolar, do poste de luz, mas que ainda não encontrou espaço para gerir as políticas públicas que resistem a ser municipalizadas. Entretanto, já é consenso que os programas básicos de atenção aos cidadãos sejam geridos pelo go- verno municipal, com ampla participação de seus munícipes, isto é, da comunidade. É consenso também que a democracia só chegará plenamente à vida de nossos cidadãos quando o exercício democrático acon- tecer no cotidiano da vida pública desses mesmos cidadãos, quer dizer, na vida pública municipal. É somente nessa esfera – no município – que a indignação cidadã pode, além de se expressar, obter respostas. Somente nessa esfera a cultura da subalternidade, a submissão aos ditames do senhor, pode mudar. Somente nessa esfera a transparência das ações públicas locais pode ser exigida, conhecida e alterada. Na década de 80, a descentralização do Estado aparece como exigência praticamente compulsória. Essa exigência é fruto do avanço democrático da sociedade brasileira, que pôs em questão a forma de go- verno autoritário e centralizador. É também fruto da crise fiscal do governo federal. O Estado do pós-guerra se agigantou, assumiu fortes características intervencionistas no plano da economia, nos padrões de reprodução social de seus cidadãos e, fundamentalmente, na manutenção de relações de dominação. Em outras palavras, o Estado vinha se comportando como o único protagonista econômico e social do mundo contemporâneo. Assim, a centralização do Estado impôs-se à sociedade, dificultando ou esvaziando a sociedade civil e neutralizando o exercício da cidadania. O cidadão foi convertido em usuário dos serviços oferecidos e pro- duzidos pelo Estado. Na medida em que a sociedade civil reclama e luta pelo resgate da cidadania, elaboran- do estratégias de contraposição ao controle exercido pelo Estado, novos espaços de atuação são constituídos. 34 Posto isso, reconhecemos a descentralização como uma pedra angular nas estratégias de desenvolvi- mento da justiça social nos países do Terceiro Mundo, por meio da implementação das ações em nível local. Cabe refletir, também, que os municípios brasileiros tiveram sua formação e desenvolvimento por via “extrínseca”, isto é, por meio da ação tradicionalmente clientelista, cartorial e paternalista do poder central, marcas da herança lusitana, ao contrário do que acontece na prática americana e européia, onde os municí- pios se originaram por um processo de coesão social intrínseco. Explica-se, dessa forma, o caráter distorci- do e assimétrico de nossa Federação, ao contrário do federalismo municipalista de outros países. Na gênese dos municípios do Brasil, e no decorrer de sua trajetória de formação e busca de autono- mia, esteve sempre presente o binômio centralização/descentralização. Podemos entender descentralização sob dois enfoques: • intragovernamental, compreendendo o deslocamento de poder do governo federal para as esferas subnacionais (estadualização ou municipalização) ou de uma esfera subnacional (Estado) para outra (município); • relacionado com a democratização do País, envolvendo o deslocamento de poder do Estado para a sociedade, isto é,
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