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EN 2806 – Tópicos experimentais em Materiais 3° Quadrimestre 2013 Roteiro originalmente elaborado pelos Professores Márcia e Humberto. Revisado: Prof. Alexandre. Experimento 2 -‐ Metalografia, medição de dureza, tratamento térmico e termoquímico de aço Introdução Neste experimento serão abordadas metodologias de preparação metalográfica, medição de macro e microdureza, tratamentos térmicos e termoquímicos e análise de microestruturas de aço. Parte 3 – Tratamentos termoquímicos de aços Tratamentos termoquímicos Tratamentos termoquímicos são processos de endurecimento superficial e são utilizados para aumentar a resistência ao desgaste de peças de aço sem afetar o núcleo mais mole e tenaz. A combinação de superfície dura e boa resistência à fratura por impacto do núcleo é utilizada em peças como cames(eixo do comando de válvulas) excêntricos e engrenagens. O endurecimento superficial de aços tem outras vantagens sobre o endurecimento em toda a peça, tais como: i) possibilidade de utilização de aços comuns de baixo e médio carbono, mais baratos do que aços ligados, embora estes aços também possam ser tratados por estes processos; e ii) minimização de ocorrência de distorções e trincamentos, geralmente associados com a têmpera de peças com seções grandes. Os tratamentos termoquímicos de aços consistem basicamente da alteração microestrutural da superfície pela introdução de elementos de liga, principalmente elementos intersticiais (carbono e nitrogênio), através da interface peça-‐ambiente. O mecanismo envolvido é a difusão atômica, que ocorre no sentido de eliminar o gradiente de composição química entre o ambiente com um alto potencial do elemento a ser difundido e o teor deste elemento no aço, cuja distância de difusão é dada aproximadamente por , onde t é o tempo e D é o coeficiente de difusão, que aumenta exponencialmente com a temperatura. Dentre os vários métodos envolvendo difusão, a cementação a gás é a mais utilizada, seguida pela nitretação a gás e carbonitretação. Processo de Cementação A cementação (carburizing) é o tratamento termoquímico de endurecimento superficial pela difusão do carbono. O tratamento consiste em: i) aquecer um aço de baixo carbono em um meio contendo alto teor (potencial) de carbono na faixa de temperatura dentro do campo austenítico (Fe-‐γ), geralmente entre 850 e 950 ºC, EN 2806 – Tópicos experimentais em Materiais 3° Quadrimestre 2013 onde o ferro apresenta elevada solubilidade de carbono (veja o diagrama de fases Fe-‐C, Figura 1 da Parte 2 – Tratamentos térmicos de aços); ii) manter o material nesta temperatura por um determinado tempo para ocorrer a difusão do carbono da superfície para o interior do material, que é determinado pela espessura (profundidade) da camada cementada (case depth) desejada; iii) realizar o tratamento térmico de têmpera para promover a transformação martensítica da camada cementada, com subseqüente tratamento térmico de revenido para ajustar as propriedades mecânicas da camada temperada. A Figura 1 apresenta fotomicrografias mostrando detalhes de uma engrenagem cementada. Figura 1 – Fotomicrografias de seções de uma engrenagem de 40 dentes de aço 12H2N4A (0,16% C, 0,6% Mn, 0,37% Si, 0,03% P, 0,025% S, 1,65% Cr, 3,65% Ni – teores máximos) cementada ionicamente (por processo a plasma) com difusão a 920 ºC, austenitizada a 830 ºC, temperada em óleo e revenida a 150 ºC mostrando: (a) profundidade uniforme da camada cementada; e (b) microestrutura da região superficial temperada com martensita revenida sem evidência de presença de carbonetos ou austenita retida (ataque Nital).1 Atualmente o processo de cementação mais empregado é a cementação a gás, que emprega, como fonte de carbono, atmosferas ricas em carbono produzidas por gases de hidrocarbonetos, como metano (CH4), propano (C3H3) e butano (C4H10). Estes gases misturados com o ar e outros gases geram uma atmosfera rica em monóxido de carbono. Outro processo é a cementação em caixa, empregada em casos específicos, que utiliza como fonte de carbono compostos sólidos como carvão mineral ou coque (carvão mineral beneficiado), que reagem com o ar para a formação de uma atmosfera rica em monóxido de carbono. Esta reação é facilitada com o uso de catalisadores, como carbonatos de bário (BaCO3), de cálcio (CaCO3), de potássio (K2CO3) e de sódio (Na2CO3). Em ambos os processos, o monóxido de carbono dissocia-‐se na superfície do aço, segundo a reação: (1) (a) (b) 2 mm 50 µm EN 2806 – Tópicos experimentais em Materiais 3° Quadrimestre 2013 onde o carbono liberado é prontamente dissolvido pela fase austenita e difunde-‐se para o interior do aço. A difusão de carbonoda superfície para o interior da peça causa um perfil (gradiente) de concentração de carbono (CC), que varia com a distância (x) e o tempo (t), e pode ser descrita pela Segunda Lei de Fick para o caso de difusão no estado não-‐estacionário: (2) onde, D é o coeficiente de difusão, que é expressa como: (3) onde, D0 é uma constante, Qd é a energia de ativação para a difusão, R é a constante universal dos gases e T é a temperatura absoluta. A solução da Equação 2 para o caso da cementação em aços pode ser descrita como: (4) onde, CC é a concentração de carbono a uma distância x da superfície após um tempo t de tratamento de cementação, CS é a concentração de carbono na superfície mantida pelo potencial de carbono da atmosfera, C0 é a concentração inicial de carbono na liga Fe-‐C, e D é o coeficiente de difusão do carbono na austenita. A “função erro” de Gauss, erf(z), é dada por: (5) A Tabela 1 apresenta alguns valores para esta função (Eq. 5). Tabela 1 – Alguns valores para a função erro de Gauss, erf(z). z 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0 erf(z) 0 0,11 0,22 0,33 0,43 0,52 0,60 0,68 0,74 0,80 0,84 A Figura 2 apresenta exemplos de perfis de concentração de carbono calculados com a Equação 4 para o caso da cementação de um aço com 0,15% C. Note que aumentando o tempo a uma dada temperatura de cementação (Fig. 2a) ou aumentando a temperatura a um dado tempo de cementação (Fig. 2b), aumenta-‐se a profundidade da camada cementada. EN 2806 – Tópicos experimentais em Materiais 3° Quadrimestre 2013 Figura 2 – Concentração de carbono em uma liga Fe-‐C como função da distância calculada para: (a) vários tempos (2, 4, 8 e 16 h) de cementação a 925 ºC; e (b) várias temperaturas (870, 925 e 980 ºC) por 8 h de cementação, assumindo que o coeficiente de difusão seja independente da composição.2 Como a temperabilidade do aço aumenta com o aumento do teor de carbono,ℜ o tratamento térmico de têmpera de um aço baixo-‐carbono cementado resulta em uma variação microestrutural a partir da superfície para o centro da peça. Além disso, a taxa de resfriamento é maior na região próxima à superfície do que no centro da peça, o que também atua na variação microestrutural. A Figura 3 mostra os efeitos destas duas características na variação da microestrutura em um aço cementado, onde se pode observar a camada superficial constituída de martensita, uma região intermediária constituída de microconstituintes finos de ferrita, perlita e bainita e a região interna constituída de uma microestrutura ferrítico-‐perlítica. ℜ Nos diagramas TTT (tempo-‐temperatura-‐transformação) e TRC (transformação em resfriamento contínuo), as regiões de transformação envolvendo difusão deslocam-‐se para maiores tempos com o aumento do teor de carbono. (a) (b) EN 2806 – Tópicos experimentais em Materiais 3° Quadrimestre 2013 Figura 3 – A textura de uma peça cementada e submetida à têmpera varia da superfície para o interior, não só porque o teor de carbono diminui, como também porque a velocidade de esfriamento é menor no núcleo (ataque Nital). Os gráficos ao lado explicam os resultados obtidos, com o auxílio de curvas de transformação em resfriamento contínuo.3 Os aços para cementação geralmente têm teor de carbono em torno de 0,2% e o teor da camada cementada deve ter no máximo ~0,9% C, pois teores de carbono muito altos podem resultar em austenita retida e microestrutura frágil, devido à formação de carbonetos pró-‐eutetóides nos contornos de grão da austenita. A dureza da camada cementada pode variar entre 50 e 63 HRC e a profundidade desta camada varia, dependendo da aplicação e do método de cementação, em geral, entre 75 µm e 1,5 mm. A profundidade da camada cementada, que é função da temperatura, do tempo e do potencial de carbono na superfície, pode ser determinada tanto por meio de análise química (Fig. 4a) como por meio da medição da dureza (Fig. 4b), pois a variação da microestrutura causa um perfil de dureza através da camada (Fig. 5). 75 µm EN 2806 – Tópicos experimentais em Materiais 3° Quadrimestre 2013 Figura 4 – (a) Gradiente de carbono e (b) perfil de microdureza Vickers em barras de aço 8620 cementadas a 925 ºCe temperadas (adaptado da referência 4). Figura 5 – Fotomicrografia de um aço 1020 com camada superficial de martensita e núcleo ferrítico-‐perlítico mostrando indentações de microdureza Knoop (losangos pretos), distantes 0,08 mm uma da outra, ilustrando a diferença de dureza entre a camada e o núcleo.1 Se definirmos como meia distância de difusão, x0,5, na condição CC=½(CS+C0) (mostradas na Figura 4a), isto é, quando a concentração de carbono (CC) é o valor médio entre a concentração de carbono na superfície (CS) e a concentração inicial de carbono na liga Fe-‐C (C0), esta distância pode ser aproximada segundo a Equação 4 por: (a) (b) x0,5 ½(CS+C0) ½(HVS+HV0) ~x0,5 100 µm EN 2806 – Tópicos experimentais em Materiais 3° Quadrimestre 2013 (6) pois, neste caso erf(0,5) ≅ 0,5 (Tabela 1). De forma similar, se considerarmos o valor médio da dureza entre a dureza da superfície (HVS) e a dureza inicial da liga Fe-‐C (HV0), pode-‐se determinar de forma aproximada a meia distância de difusão, x0,5, ilustrada na Figura 4b. Em termos tecnológicos há duas profundidades de camada cementada de interesse: a profundidade total, que é a distância da superfície a partir da qual não há variação química ou de propriedades mecânicas em relação às características do aço; e a profundidade efetiva, que é a distância da superfície até o ponto em que se alcança um valor de dureza especificado, usualmente 50 HRC. EN 2806 – Tópicos experimentais em Materiais 3° Quadrimestre 2013 Microdureza O ensaio de microdureza, também chamado de ensaio de dureza por microindentação, pode ser definido como sendo o ensaio de dureza por indentação que envolve a impressão com um indentador de diamante com geometria específica na superfície da amostra com cargas (forças) variando de 1 a 1000 gf. 5 Em decorrência deste ensaio gerar uma impressão diminuta, ele pode ser aplicado para medição de dureza de amostras finas ou pequenas, de regiões próximas à superfície de uma peça, de recobrimentos (coatings), de camadas cementadas (Fig. 5) e de microconstituintes individualmente (Fig. 6). Figura 6 – Fotomicrografia de uma liga cobre-‐berílio mostrando indentações Vickers (50 gf) na matriz “mole” (regiões escuras) e na fase intergranular “dura” (regiões claras).5 Os dois principais métodos de ensaio de microdureza são Knoop e Vickers. Ambos os métodos empregam um indentador de diamante piramidal, mas que varia na geometria, sendo que a indentação Knoop apresenta uma imagem projetada de um losango (Fig. 5), enquanto a indentação Vickers apresenta uma imagem projetada de um quadrado (Fig. 6). Os dois métodos podem ser realizados em um mesmo equipamento (Fig. 7), bastando trocar o tipo de indentador. 40 µm EN 2806 – Tópicos experimentais em Materiais 3° Quadrimestre 2013 Figura 7 – Imagem de um microdurômetro.5 Microdureza Vickers O ensaio de microdureza Vickers utiliza um indentador de diamante piramidal com ângulo entre as faces opostas de 136º (Fig. 8a), cuja impressão resulta em uma imagem projetada de um quadrado (Fig. 8b). Figura 8 – (a) Representações esquemáticas do indentador e da indentação Vickers e (b) indentações Vickers realizadas na fase ferrita de um aço inoxidável com cargas de 500, 300, 100, 50 e 10 gf (da esquerda para a direita).5 Seletor de carga Ocular com micrômetro para medição da diagonal de indentação Indentador Lentes objetivas Manivela de focalização Base com movimentos micrométricos 40 µm EN 2806 – Tópicos experimentais em Materiais 3° Quadrimestre 2013 O método de dureza Vickers também pode ser utilizado para medição de macrodurezas com cargas variando entre 1 e 120 kgf. O número de dureza Vickers (HV) é calculado como a razão entre a carga aplicada pelo indentador e a área da superfície da indentação (área de contato), que é dado por: (7) onde, P é a carga (força) aplicada em kgf, D é o valor médio entre as duas diagonais da indentação (medidas no microscópio) em mm e θ é o ângulo entre as faces opostas do indentador de diamante (136º). A Equação 7 também pode ser expressa como: (8) Embora a dureza Vickers (HV) seja calculada em kgf/mm2, não se emprega a unidade para expressar o número de dureza Vickers. Como o número da dureza Vickers pode variar com a carga utilizada no ensaio, é comum expressar o valor da carga empregada junto com o valor medido. Por exemplo, para um valor médio de dureza Vickers de 513 medido com carga de 0,1 kgf, pode se expressar o númerode dureza Vickers como 513 HV0,1 ou 513 HV 100 gf. Em geral, as mesmas considerações apresentadas para a medição de macrodureza são aplicáveis à medição de microdureza, como: i) planicidade da amostra; ii) espessura mínima de cerca de dez vezes a profundidade da indentação, que no caso da indentação Vickers é de cerca de D/7 (onde D é a diagonal de indentação); e iii) distância mínima entre a borda e o centro da indentação ou entre os centros de duas indentações adjacentes de 3 vezes a diagonal de indentação. Excetua-‐se a condição da superfície de medição, que, regra geral, deve ser polida, para uma boa definição das bordas da indentação Vickers, e sem encruamento sub-‐superficial, para não afetar a medida, que é relativamente rasa. A qualidade do acabamento superficial é tanto mais crítica quanto menor é a carga empregada. EN 2806 – Tópicos experimentais em Materiais 3° Quadrimestre 2013 2. Objetivos do Experimento 1. Conhecer a prática de cementação em caixa (tratamento termo-‐químico) e realizar a análise metalográfica da camada cementada; 2. Conhecer o método de microdureza Vickers e determinar o perfil de dureza da camada cementada. 3. Roteiro experimental O experimento desta aula compreende duas etapas principais: (a) Tratamento termo-‐ químico de cementação e metalografia; e (b) Determinação do perfil de dureza da camada cementada. Cada uma das etapas é descrita em detalhes a seguir: (a) Tratamento termo-‐químico de cementação e metalografia a1. Acompanhar a demonstração da prática de cementação em caixa de aços; a2. Realizar a análise metalográfica de uma amostra de aço cementada e submetida aos tratamentos térmicos de têmpera seguida de revenido. Registre as imagens das diferentes regiões da camada cementada e do interior da peça. (b) Determinação do perfil de dureza da camada cementada b1. Posicionar a amostra cementada na base-‐suporte do microdurômetro de forma a realizar as indentações em uma linha reta perpendicular à superfície da amostra. Utilize a lente de menor aumento para visualizar a amostra e os micrômetros de deslocamento x e y da base-‐suporte; b2. Focalizar a amostra inicialmente com a borda centralizada na objetiva de maior aumento e anotar a posição no micrômetro. Deslocar a amostra para que o centro da objetiva fique a uma distância, por exemplo, de 100 µm da superfície. Acertar o foco e, então, trocar no revólver para o indentador Vickers. b3. Acionar o indentador e esperar o término do ciclo de indentação. Após o retorno do indentador para a posição inicial (confirme se ele está a uma certa distância da superfície da amostra), trocar no revólver para a objetiva. Nota: Geralmente a medição das diagonais da indentação é realizada no próprio microdurômetro, mas nesta aula a medição será realizada nas fotomicrografias que serão obtidas no microscópio óptico. b4. Deslocar novamente a amostra, focar, trocar para o indentador e realizar nova indentação. Repita esta operação até obter pelo menos três indentações sem variação do tamanho da diagonal, isto é, até indentar toda a camada cementada e alcançar a região interna do material. EN 2806 – Tópicos experimentais em Materiais 3° Quadrimestre 2013 b5. Para o relatório, determinar a meia distância de difusão, x0,5, pelo perfil de dureza (Fig. 4b) e comparar com o valor calculado por meio da Equação 6. (Nota: Para o cálculo, é necessário obter na literatura os parâmetros da Equação 3 que possibilitarão calcular o coeficiente de difusão, D, do carbono na austenita, além dos dados sobre a cementação: temperatura e tempo.) Condições gerais para a realização do ensaio de microdureza: i) Utilizem amostras polidas (e atacadas); ii) Anotem a carga utilizada; iii) Respeitem a distância mínima entre a indentação e a borda da amostra e entre duas indentações adjacentes, conforme indicada na Introdução; iv) Muito cuidado para a manipulação do microdurômetro, pois é um equipamento sensível; v) Muito cuidado para a manipulação do indentador de diamante, pois ele é frágil! vi) Não movimente o indentador ou o revólver enquanto a operação de indentação estiver em andamento; vii) Não movimente a amostra ou a base-‐suporte enquanto a operação de indentação estiver em andamento; viii) Evite mexer ou trepidar a bancada enquanto a operação de indentação estiver em andamento. Referências 1. ASM Handbook, v. 9 – METALLOGRAPHY AND MICROSTRUCTURES. Ed. K. Mills et al. Materials Park: ASM International, 1985. 2. George Krauss. PRINCIPLES OF HEAT TREATMENT OF STEEL. Materials Park: ASM International, 1980. 3. Hubertus Colpaert. METALOGRAFIA dos produtos siderúrgicos comuns. São Paulo: Ed. Edgard Blücher, 1974. 4. ASM Handbook, v. 4 – HEATTREATING. Ed. T. Arai et al. Materials Park: ASM International, 1991. 5. ASM Handbook, v. 8 – MECHANICAL TESTING AND EVALUATION. Ed. H. Kuhn & D. Medlin. Materials Park: ASM International, 2000.
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