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O direito constitucional da impunidade: uma (ré)análise da teoria do garantismo integral a partir do dever de proteção suficiente

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AGRADECIMENTOS 
 
Um dos grandes privilégios que a FA7 me proporcionou foi 
o de me lembrar todos os dias que se até aqui cheguei, foi porque tem 
me ajudado o Senhor1. Hoje dou mais um passo em minha carreira 
jurídica, carreira essa que foi sonhada e prometida pelo meu Deus 
muito cedo, e foi somente Nele que encontrei as forças necessárias 
para prosseguir. Em tuas mãos, Deus da minha esperança, coloco 
minha vida. 
À minha mãe, Rosana André Paz Barros, que ainda muito 
cedo teve de enfrentar dificuldades pelas quais jovem nenhuma 
deveria passar: a dor de, após uma tragédia, ver-se órfã, sozinha, com 
uma filha e uma irmã mais nova para criar, mas que pôde encontrar 
um Deus que tudo faz novo e, hoje, pôde construir, com amor e 
sabedoria uma família unida que a ama e a admira. 
Ao meu pai, Paulo Freire Barros, que devido às 
dificuldades e as faltas que a vida o impôs, muito cedo teve de 
trabalhar duro, e desde então o vem fazendo. Ah, quantas vezes vi o 
meu pai saindo às sete da manhã para chegar dez da noite, 
trabalhando para que nada faltasse em nossa casa e para que hoje eu 
pudesse estar aqui. Aproveito a oportunidade para deixar registrado o 
que nunca lhe disse pessoalmente: por mais distante e quieto que 
pudesse parecer, eu sempre o estive observando e aprendendo com 
seu exemplo; todo o aprendizado de trabalho duro, honestidade e 
seriedade, que levo para minha vida, aprendi com o senhor. 
 
1 Samuel 7:12 da Bíblia Sagrada; mensagem posta no pátio do 
segundo andar da Faculdade 7 de Setembro. 
À minha irmã, Fernanda Rafaela Barros, que mesmo sem 
ter tido as oportunidades que eu tive, que para cursar sua faculdade 
trabalhou como caixa de supermercado, pegando ônibus quase de 
madrugada, da Praia do Futuro até o Antônio Bezerra, teve sucesso 
em sua carreira profissional, construiu sua família e presenteou a 
minha casa com um dos nossos grandes amores, meu sobrinho Paulo 
André. 
À minha namorada, Letycia Filgueiras Forte, te digo que o 
Padre Antônio Vieira no Sermão do Mandato ensinou que só Jesus 
Cristo amou com perfeição porque só Ele seria capaz de atingir com 
plenitude os requisitos do amor perfeito: 1) conhecer a si mesmo, 2) 
conhecer a pessoa a quem se ama 3) e conhecer o fim ao qual se 
chegará amando. Sei que nunca chegarei sequer próximo a perfeição 
de Cristo, mas peço a Ele que a cada dia possa me aproximar desse 
amor e que eu possa ser tudo aquilo que você merece. 
Cada página de livro lida, cada tarde na biblioteca, não é 
para outra coisa senão que um dia eu possa orgulhar e honrar cada 
um de vocês. 
Aos meus amigos da faculdade, amigos da sala 20, que 
fizeram dessa caminhada um caminho mais leve, desejo a vocês duas 
coisas: inicialmente, que tenham sucesso em suas carreiras e, não o 
digo tão somente pela boa vontade de um amigo em querer ver o 
sucessos de seus colegas, mas também porque confio na 
competência e caráter de cada um para trabalhar e lutar por um país 
e uma realidade mais justa para o nosso povo; e também que nossas 
amizades não venham a se resumir em cinco minutos de conversa 
numa segunda-feira devido a um encontro esporádico nos fóruns, mas 
que continue sendo essa amizade de sábados à noite, do 
compartilhamento das alegrias e das dores, como tem sido até aqui. 
Tenho orgulho de afirmar que fui privilegiado durante 
minha experiência profissional nesses anos de graduação. Ainda no 
início da faculdade com o Dr. Tibério Augusto de Mello na Defensoria 
Pública do Estado do Ceará pude conhecer a realidade miserável de 
tantos cearenses e como um servidor público comprometido com o 
seu trabalho pode fazer a diferença na vida de pessoas; na Policia 
Federal com o Delegado Cid Sabóia vi como a corrupção destrói a 
sociedade brasileira, como o ser humano pode ser ruim e egoísta a 
ponto de tirar recursos essenciais daqueles que menos têm para 
simplesmente satisfazer caprichos pessoais; e as Desembargadora 
Maria Gladys Lima Vieira e Francisca Adelineide Viana e suas 
respectivas equipes, muitos dos quais se tornaram verdadeiros 
amigos, com elas pude aprender como a seriedade e qualidade 
profissional podem fazer a diferença para as vidas que existem por 
trás de cada número de processo. 
Agradeço ainda ao Procurador Regional da República 
Douglas Fischer pela atenção e pela disponibilidade em me ajudar na 
elaboração deste trabalho. 
E, por fim, aos meus professores, na pessoa de meu 
orientador George Marmelstein, que souberam cativar em nossas 
almas admiração e respeito. Certa vez, ouvi de um professor que ele 
amava a academia, porque dentro dela o direito sempre é bom e justo, 
ao contrário do que, muitas vezes, encontra-se na prática jurídica. 
Aprendi na graduação a amar o magistério e saio esperando, como 
uma das vertentes de atuação, um dia, voltar para ele. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
"O crime não vencerá a Justiça. Aviso 
aos navegantes dessas águas turvas 
de corrupção e das iniquidades: 
criminosos não passarão a navalha 
da desfaçatez e da confusão entre 
imunidade, impunidade e corrupção. 
Não passarão sobre os juízes e as 
juízas do Brasil. Não passarão sobre 
novas esperanças do povo brasileiro, 
porque a decepção não pode 
estancar a vontade de acertar no 
espaço público. Não passarão sobre 
a Constituição do Brasil” 
 
(Ministra Carmem 
Lúcia, no julgamento 
do ex-senador 
Delcídio do Amaral) 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 6 
EVOLUÇÃO HISTÓRICA .............................................................................. 12 
1 O DIREITO PENAL .................................................................................... 18 
1.1 Evolução histórica do direito penal ......................................................... 18 
1.2 A teoria do garantismo penal de luigi ferrajoli ......................................... 22 
1.3 As visões do direito penal ....................................................................... 30 
1.4 A teoria moderna do bem jurídico ........................................................... 35 
2 O DIREITO CONSTITUCIONAL ................................................................ 43 
2.1 Evolução histórica do direito constitucional ............................................ 43 
2.2 A teoria geral dos direitos fundamentais ................................................. 50 
2.3 O princípio constitucional do dever de proteção suficiente ..................... 57 
2.3.1 Dos princípios ....................................................................................... 57 
2.3.2 Do dever de proteção suficiente na doutrina e jurisprudência alemã. . 58 
2.3.3 Do reconhecimento do princípio do dever de proteção suficiente na 
jurisprudência nacional .................................................................................. 63 
2.4 O dever de proteção e os direitos humanos ........................................... 67 
3 O DEVER DE PROTEÇÃO SUFIENCIENTE EM QUESTÕES 
PRÁTICAS ..................................................................................................... 73 
3.1 A seletividade nos julgamentos de crimes de colarinho branco ............. 73 
3.2 A execução provisória da pena ............................................................... 92 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 114 
REFERÊNCIAS ........................................................................................... 120 
INTRODUÇÃO 
 
Em um Estado democrático de direito, odireito penal 
estrutura-se sobre a égide da proteção aos bens jurídicos tidos 
como mais importantes para cada sociedade. De tal modo que, 
observando-se certas garantias e procedimentos, o dever de 
punir estatal deverá incidir sempre que houver afronta a esses 
valores sociais. 
A partir do desenvolvimento histórico do ideal 
constitucionalista e, mais precisamente na realidade brasileira, 
da atribuição de força normativa à Constituição Federal de 1988, 
grande parte dessas garantias, além da hermenêutica 
constitucional que influencia a legislação ordinária, encontra 
guarida na Carta Magna. 
No exercício do Direito, por mais árdua que seja a 
tarefa da interpretação dessas garantias, o intérprete penal 
constitucionalista não pode acreditar que a leitura do direito 
constitucional se contrapõe à do direito penal. Esses dois 
institutos devem ser lidos em consonância, a fim de se 
resguardar os direitos da sociedade e do indivíduo considerado 
em si. 
Ocorre que, a efetivação desses pressupostos que 
são, sim, legítimos e urgentes, não pode se prestar a afastar a 
aplicação do direito penal, nos estritos termos de sua teoria. 
Não se pode olvidar que o direito constitucional e, 
consequentemente, o surgimento de seus pressupostos 
7 
 
garantistas são intrínsecos à aplicação do direito penal em 
qualquer democracia. Todavia, urge uma necessidade de 
equilíbrio, que, muitas vezes, é esquecida. Afinal, não se 
corrobora com o estado meramente penalista, tampouco com as 
teses que se aproximam do abolicionismo. 
Assim, qualquer garantismo que constitua óbice à 
efetivação dos fins ao qual o direito penal se presta, 
consubstanciar-se-á exagero. 
Todavia, a experiência jurídica brasileira tem 
demonstrado que, nesse exercício, muitas vezes, encontram-se 
situações e defesas que tendem a atribuir às garantias 
constitucionais meio de perpetrar a impunidade penal. 
Tentativas essas, frequentemente, influenciadas por interesses 
estranhos à própria ciência penalista, conforme discorre a 
doutrina: “efeitos sociais não declarados na pena também 
configuram, nessas sociedades, uma espécie de '‘missão 
secreta’' do direito penal.” (BATISTA, 1999, p. 116) 
 
8 
 
Nesse sentido, pode-se mencionar um contexto fático 
que bem exemplifica essa situação, qual seja, a corrupção. 
Sobre a égide de um ordenamento penal que protege os bens 
jurídicos mais valorizados, as afrontas em face da administração 
pública deveriam ser evidenciadas, uma vez que esses crimes 
tendem a causar efeitos sobre um número indeterminado de 
pessoas. Afinal, como se mensurar os efeitos sobre a vida de 
crianças que deixam de ter uma educação de qualidade devido 
ao desvio de recursos públicos que deveriam ter sido destinados 
para suas escolas? Ou mesmo, quantos pacientes morrem por 
dia nos corredores dos hospitais brasileiros em decorrência da 
falta de atendimento de qualidade, muitas vezes ocasionada 
também por essa corrupção? 
Malgrado os crimes contra a vida e o patrimônio 
tenham o potencial de chocar bem mais, enquanto um homicida 
mata um indivíduo ou, no máximo, determinado grupo, o 
corrupto “é um verdadeiro ‘exterminador’, uma vez que, com o 
seu comportamento, pode produzir a morte de centenas de 
pessoas, pois não permite ao Estado cumprir com as funções 
sociais que lhe são constitucionalmente atribuídas.” (GRECO, 
2012, p. 393) 
É cediço que a corrupção já se consubstancia como 
um dos maiores problemas a ser enfrentado pelo povo brasileiro2 
 
2 Pesquisa Retratos da Sociedade Brasileira - Problemas e 
Prioridades para 2016, realizada pela Confederação Nacional da 
Indústria e divulgada em 26 de janeiro de 2016. Disponível em: 
9 
 
pois está disseminada no Executivo, Legislativo e Judiciário em 
nível Federal, Estadual e Municipal. Estima-se que cerca de 
duzentos bilhões de reais sejam desviados anualmente no 
Brasil3. Todavia, o seu combate, devido, muitas vezes, à 
utilização de garantias que não deveriam ser cabíveis, põem-se 
em um cenário desmotivador. 
A título de esclarecimento, cita-se o fato que, já sobre 
a égide da Constituição de 1988, mais de 500 parlamentares 
foram investigados pelo Supremo Tribunal Federal. Todavia 
somente após vinte e dois anos de estabilidade constitucional, 
em 2010, o povo brasileiro pôde vislumbrar a primeira 
condenação de um membro do Congresso Nacional4. 
Desde então, dezesseis parlamentares foram 
condenados no curso de seus mandatos por diferentes crimes. 
Desses, cinco foram beneficiados com a declaração da 
prescrição, três recorrem em liberdade, oito cumpriram ou ainda 
cumprem suas penas e um está na prisão. Não suficiente, pode-
se mencionar que de julho de 2013 até julho de 2015, sessenta 
 
<http://www.portaldaindustria.com.br/cni/publicacoes-e-
estatisticas/estatisticas/2016/01/ 1,80708/rsb-28-problemas-e-
prioridades.html>. Acesso em: 10 fev. 2016. 
3 Dado de pesquisa coletado na Palestra 10 Medidas Conta a 
Corrupção, proferida pelo Procurador da República Deltan Dallagnol, 
na Igreja Batista Central, em 27 de outubro de 2015. 
4 O então deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO) condenado 
a treze anos, quatro meses e dez dias de prisão por formação de 
quadrilha e peculato (Ação Penal 396/RO). Todavia, só veio a ter o 
mandando de prisão expedido em junho de 2013, devido à 
interposição de alguns recursos, como um agravo regimental e dois 
embargos de declaração, meramente protelatórios. 
10 
 
e três procedimentos – dentre inquéritos e processos penais – 
foram arquivados por prescrição, beneficiando, ao menos, trinta 
e quatro dos cento e treze congressistas da atual legislatura5. 
Essa situação fática deve ser lida, a partir da ciência 
que muitos desses congressista se utilizam de técnicas de 
defesa processual, que não deveriam ser aceitas pelo 
ordenamento jurídico brasileiro, para se beneficiar de institutos 
como a prescrição. Como exemplo, pode-se citar o caso do ex-
deputado Eduardo Azeredo, réu por peculato e lavagem de 
dinheiro no STF no caso conhecido como mensalão tucano, que 
renunciou ao mandato em fevereiro de 2014, logo após o 
Procurador Geral da República denunciá-lo por desvios do 
Banco do Estado de Minas Gerais, da Copasa e da Cemig – 
estatais mineiras – para a sua campanha ao governo de Minas 
Gerais em 1998. De semelhante forma, o senador Clésio 
Andrade, réu no mesmo caso, renunciou ao seu mandato. Em 
ambos os casos, os processos retornaram a Justiça mineira, 
retardando o julgamento do feito e aproximando-se de uma 
eventual prescrição6. 
Nesse sentido, o presente trabalho tenciona, como 
objetivo geral, demonstrar que a tarefa do intérprete penalista se 
 
5 Deve-se frisar que esses números tendem a aumentar, uma vez 
que, nesses dados não foram contabilizados as investigações e 
processos decorrentes da Operação Lava Jato. 
6 SALCEDO, Gabriela; SARDINHA, Edson; RESENDE, Sara. 
Suprema Impunidade. Revista Congresso em Foco, Brasília, n.18 p. 
8-28, ago. 2015. 
11 
 
consubstancia no fim de aplicar proporcionalmente as garantias 
desenvolvidas e conquistadas pela sociedade, através do tempo 
sem, contudo, utilizá-las como óbice à efetivação da tutela penal 
para os fins aos quais se destina. Enquanto tem como objetivos 
específicos: a) pesquisar sobre a evolução histórica do direito 
penal e a teoria do garantismo; b) discorrer sobre a evolução 
histórica do direito constitucional e o surgimento do princípio do 
dever de proteção suficiente, a partir da jurisprudênciae doutrina 
alemã; c) analisar o aludido princípio na jurisprudência pátria; d) 
estudar e criticar casos concretos a partir da ótica do aludido 
princípio. 
O estudo foi realizado utilizando-se o método de 
abordagem dedutivo de pesquisa do tipo, por meio de 
levantamento bibliográfico e da respectiva seleção; leitura e 
análise dos textos legais e da pesquisa e estudo da 
jurisprudência nacional. 
Destarte, o trabalho inicia-se fazendo uma breve 
análise da natureza social humana e do surgimento do Estado 
com fim precípuo de garantir segurança ao indivíduo, passando 
pela evolução do direito penal e da teoria do garantismo até a 
construção histórica do direito constitucional e do princípio do 
dever de proteção suficiente na jurisprudência alemã, até se 
chegar à análise da aplicação do instituto no ordenamento 
jurídico nacional para, por fim, analisar-se e criticar casos 
práticos a partir da leitura do dever de proteção. 
EVOLUÇÃO HISTÓRICA 
 
Desde a antiguidade, diversos pensadores tentam 
explicar a natureza social humana. Aristóteles, em sua visão 
política, vislumbra um homem que tenciona seu interesse na 
projeção social em contraponto aos próprios objetivos 
individuais, sendo o homem, assim, um animal eminentemente 
político que tem sua natureza intrínseca à vida em sociedade 
(2000, p. 5). 
Já no fim da Idade Média, surge São Tomás de 
Aquino, que a partir de sua filosofia cristã, subdivide os preceitos 
normativos da conduta humana na lei de Deus e dos homens. 
Nesse sentido, ele discorre sobre a lei humana como espécie de 
um preceito natural, intrínseco a sua própria condição. 
Outrossim, preleciona que o indivíduo poderia ir de encontro a 
essa situação natural de vida em sociedade somente em 
hipóteses excepcionais, como nos casos de infortúnios – a 
exemplo de um naufrágio –, corrupção mental – na qual a própria 
deficiência retira do indivíduo sua capacidade de socialização – 
ou uma vocação natural – como nos casos de sacerdotes que 
buscam a solidão em razão de uma maior espiritualização 
pessoal (NARDER, 2014, p. 56). 
Em Hobbes, encontra-se o exponencial da defesa do 
absolutismo, que, ao contrário do pensamento aristotélico e 
tomista, refuta a tese de associação natural dos homens, uma 
vez que, somente um contrato, portanto, uma forma artificial de 
13 
 
conjectura política, seria capaz de constituir uma sociedade. 
Para o autor, o homem em um estado anterior à própria 
sociedade, que o denomina de natureza, viveria inclinado à 
satisfação de suas próprias vontades, busca essa que 
fatalmente entraria em conflito com a de seus semelhantes e, 
destarte, criaria um ambiente de incertezas e medos, pois, nem 
sempre seria possível se defender contra todos. Surge então a 
célebre frase de Hobbes: “Para falar imparcialmente, ambas as 
declarações são verdadeiras: que o Homem é um deus para o 
homem, e que o homem é lobo do próprio homem.” (2006, p. 9). 
Nesse sentido, para sua própria proteção, o indivíduo transferiria 
sua liberdade individual para um soberano que, em troca, 
garantiria seu bem-estar (HOBBES, 2006, p. 64-65). 
O absolutismo encontrou outra defesa na teoria de 
Maquiavel, que inovou ao elevar o patamar da existência e 
manutenção do Estado como o fim maior da busca do príncipe. 
Há uma desvinculação da política e moral, uma vez que, o 
soberano deverá usar de todos os meios necessários para se 
manter no poder. 
 
Pois um homem que, sob todos os aspectos, 
quiser levar adiante apenas o emprego da 
bondade, estará propenso a ficar arruinado em 
meio a tantos que são maus. Assim, um 
príncipe que queira se manter deve aprender a 
não ser sempre bom, mas, sê-lo ou não de 
acordo com a necessidade. (2008, p. 154-155) 
 
14 
 
Em face do absolutismo e em defesa da burguesia, 
no contexto da Revolução Gloriosa de 1688, que pôs fim ao 
Absolutismo na Inglaterra, urge John Locke. Este, contratualista, 
também vislumbra o homem em um estado de natureza anterior 
à sociedade; todavia, difere do pensamento hobbesiano, pois, 
para ele, o homem teria modos de compreensão de sua lei 
natural e não viveria em uma conjectura bélica. Em sua 
concepção, malgrado a violência fosse uma exceção, que se 
apresentasse como uma quebra a lei natural humana, ela seria 
possível e, justamente devido à sua probabilidade, o indivíduo 
escolheria viver em a conjectura social buscando proteção 
(2001, p. 83-84). 
Ou seja, para ele, há direitos naturais inerentes ao 
homem e preexistentes ao próprio Estado que, a seu turno, 
surge justamente a fim de protegê-los, evidenciando a defesa da 
propriedade que, em sua visão, assume abrangência ampla, 
tutelando a própria vida, a liberdade e os bens. 
Destarte, contratualmente, o indivíduo transferiria sua 
liberdade para o Estado, o qual, inclusive para garantir maior 
proteção à sociedade, deveria ser dividido entre os poderes 
legislativo, executivo e federativo, dos quais deveria se 
sobressair o legislativo, como representante primordial do povo 
(2001, p. 170). Vidal explica: “o pactum societatis deixa de ser 
atribuído a um único homem (soberano), como na teoria 
hobbesiana, e passa para um corpo político (Parlamento), que 
15 
 
deverá organizar o governo de acordo com os interesses 
sociais.” (2009, p. 34) 
Rousseau também confere à propriedade papel 
primordial no surgimento do Estado. Todavia, ao contrário do 
que preleciona Locke, constrói seu discurso tecendo-lhe críticas, 
uma vez que, para ele, o homem seria naturalmente bom no 
estado de natureza pois não almejaria nada além de suas 
necessidades; todavia, no surgimento da propriedade privada, 
residiria o fundamento da infelicidade humana, verbis: 
 
O primeiro que, tendo cercado um terreno, 
atreveu-se a dizer: Isto é meu, e encontrou 
pessoas bastantes simples para o acreditar, foi 
o verdadeiro fundador da sociedade civil. 
Quantos crimes, guerras, assassínios, 
misérias e horrores não teria poupado ao 
gênero humano aquele que, arrancando as 
estacas ou enchendo o fosso, houvesse 
gritado aos seus semelhantes: “Livrai-vos de 
escutar esse impostor; estareis perdidos se 
esquecerdes que os frutos são de todos, e a 
terra de ninguém!". Parece, porém, que as 
coisas já tinham chegado ao ponto de não 
mais poder ficar como estavam: porque essa 
ideia de propriedade, dependendo muito de 
ideias anteriores que só puderam nascer 
sucessivamente, não se formou de repente no 
espírito humano: foi preciso fazer muitos 
progressos, adquirir muita indústria e luzes, 
transmiti-las e aumentá-las de idade em idade, 
antes de chegar a esse último termo do estado 
de natureza. Retomemos, pois, as coisas de 
mais alto, e tratemos de reunir, sob um só 
ponto-de-vista [sic], essa lenta sucessão de 
acontecimentos e de conhecimentos na sua 
ordem mais natural. (ROUSSEAU, 1989, p. 
16 
 
29-30) 
 
Na verdade, a partir da propriedade, aqueles que 
deteriam o poder prometem de forma enganosa aos pobres a 
garantia da ordem política como instrumento de proteção a 
todos, quando na verdade serviria primordialmente para a 
manutenção das estruturas de desigualdade. Mascaro explica: 
“O Estado e o direito daí então se levantam, como enganação 
coletiva possibilitada por um contrato social feito em face da 
guerra que arruinava os homens.” (2014, p. 192) 
Rousseau vislumbra o Estado com temeridade, pois 
a própria exploração da qual nasce a sociedade afeta a 
conjectura política de tal forma que corrompe o homem de forma 
quase irreparável (1989, p. 45). 
Em resumo, a partir de uma leitura conjunta das 
teorias que tentam explicar a formação e a manutenção do 
Estado, pode-se delas extrairuma conclusão em comum, qual 
seja: tenham se formado as sociedades, por força inerente ao 
caráter humano ou em decorrência de fatores externos, certo é 
que a existência humana está intrinsecamente vinculada à vida 
em sociedade. 
Em segundo lugar, percebe-se que o Estado surge, 
primordialmente, para garantir proteção ao indivíduo. Nesse 
sentido, Jorge Neto preleciona: “a segurança é a primeira razão 
de ser do Estado. Se não tivesse condições de fornecer outros 
17 
 
serviços públicos, o Estado deveria dar ao cidadão pelo menos 
a segurança.” (2016, p. 80) 
Contudo, justamente dentro desse convívio, há de se 
mencionar que, por ser a vivência do indivíduo potencialmente 
conflituosa, e justamente como forma de efetiva essa função 
estatal, faz-se necessário o surgimento do direito penal como 
instrumento necessário para apaziguar as relações sociais. 
18 
 
1 O DIREITO PENAL 
 
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL 
 
O direito penal surge de forma naturalmente tirânica, 
pautando uma estrutura social que sempre se prestou a 
defender o domínio dos mais poderosos sobre os mais fracos. 
Todavia, com o passar das épocas, nas sociedades, o que se 
muda é o conceito de poder. Neste ponto, Foucault defende que, 
na verdade, esse ideal se relaciona com os modos de produção 
da economia, verbis: 
 
Nessa linha, Rusche e Kirchheimer 
estabeleceram a relação entre os vários 
regimes punitivos e os sistemas de produção 
em que se efetuam: assim, numa economia 
servil, os mecanismos punitivos teriam como 
papel trazer mão de obra suplementar – e 
constituir uma escravidão "civil" ao lado da que 
é fornecida pelas guerras ou pelo comércio; 
com o feudalismo, e numa época em que a 
moeda e a produção estão pouco 
desenvolvidas, assistiríamos a um brusco 
crescimento dos castigos corporais – sendo o 
corpo na maior parte dos casos o único bem 
acessível; a casa de correção – o Hospital 
Geral, o Spinhuis ou Rasphuis – o trabalho 
obrigatório, a manufatura penal apareceriam 
com o desenvolvimento da economia de 
comércio. Mas como o sistema industrial exigia 
um mercado de mão de obra livre, a parte do 
trabalho obrigatório diminuiria no século XIX 
nos mecanismos de punição, e seria 
substituída por uma detenção com fim 
19 
 
corretivo. (2012, p. 28) 
 
Nas sociedades ditas primitivas, nas quais inexistiam 
qualquer tutela estatal, o direito penal perfazia-se na vingança 
privada. Ou seja, quando do cometimento de crimes, a resposta 
dava-se pela própria vítima, por seus familiares, ou pela 
comunidade, inexistindo qualquer parâmetro de 
proporcionalidade ou retributividade, mas tão somente o senso 
de justiça pessoal do ofendido e o poder do mais forte. 
Quando da codificação do direito e do 
estabelecimento de padrões de respostas punitivas, observa-se 
uma evolução natural do direito criminal. Esse fenômeno é 
comumente celebrado no Código de Hamurabi, há 1800 a.C., na 
Mesopotâmia, uma das primeiras formas de se estabelecer 
procedimentos de punição do qual se tem notícia 
(MARMELSTEIN, 2013, p. 27-28). 
Na Idade Média e Moderna, sob a égide do 
Feudalismo e posteriormente do Absolutismo, evidencia-se a 
figura dos suplícios: 
 
[Damiens fora condenado, a 2 de março de 
1757], a pedir perdão publicamente diante da 
porta principal da Igreja de Paris, [aonde devia 
ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, 
de camisola, carregando uma tocha de cera 
acesa de duas libras; [em seguida], na dita 
carroça, na praça de Greve, e sobre um 
patíbulo que aí será́ erguido, atenazado nos 
mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, 
sua mão direita segurando a faca com que 
20 
 
cometeu o dito parricídio, queimada com fogo 
de enxofre, e às partes em que será atenazado 
se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, 
piche em fogo, cera e enxofre derretidos 
conjuntamente, e a seguir seu corpo será 
puxado e desmembrado por quatro cavalos e 
seus membros e corpo consumidos ao fogo, 
reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao 
vento. Finalmente foi esquartejado [relata a 
Gazette d'Amsterdam]. Essa última operação 
foi muito longa, porque os cavalos utilizados 
não estavam afeitos à tração; de modo que, 
em vez de quatro, foi preciso colocar seis; e 
como isso não bastasse, foi necessário, para 
desmembrar as coxas do infeliz, cortar-lhe os 
nervos e retalhar-lhe as juntas. Afirma-se que, 
embora ele sempre tivesse sido um grande 
praguejador, nenhuma blasfêmia lhe escapou 
dos lábios; apenas as dores excessivas 
faziam-no dar gritos horríveis, e muitas vezes 
repetia: “Meus Deus, tende piedade de mim; 
Jesus, socorrei-me”. (FOUCAULT, 2012, p. 9) 
 
Na realidade, em um contexto de poder máximo 
atribuído ao governante, há uma confusão entre a figura do 
príncipe e o Estado, de tal modo que, ao cometer um delito, o 
criminoso não iria ao encontro, tão somente, da sociedade e do 
Estado, mas também da própria pessoa do rei. Nesse sentido, a 
cerimônia dos suplícios não deve ser vista meramente como 
uma reparação do dano, mas principalmente na demonstração 
da força do príncipe (FOUCAULT, 2012, p. 48). 
Essa ideia pode ser melhor percebida em todo o 
contexto que cerca a cerimônia, qual seja o aparato militar, os 
arqueiros e sentinelas que atuam na manutenção da ordem, 
21 
 
para evitar uma rebelião popular, seja a favor ou contra o 
condenado. Uma vez que, um levante desse porte fatalmente 
seria uma demonstração de enfraquecimento do poder real 
(FOUCAULT, 2012, p. 50). 
Destarte, a melhor forma desse Estado absoluto, 
personificado na figura do Rei, demonstrar sua força seria sobre 
o próprio corpo do condenado, através das cicatrizes, que 
serviriam para marcar a vítima, tornando-a infame, além de 
desestimular o desrespeito às leis, trazendo à lembrança da 
sociedade o sofrimento pelo qual aquele indivíduo passou 
(FOUCAULT, 2012, p. 36). 
Com o surgimento do iluminismo e o consequente 
declínio do absolutismo, que encontra seu apogeu na Revolução 
Francesa, ao final do século XVIII, urgem diversos pensadores 
que se tornaram os precursores dos ideais constitucionais e, 
destarte, do garantismo penal. 
Dentre eles se evidencia Beccaria, que ainda no 
século XVII inovou no ordenamento jurídico em um contexto 
social ainda intrínseco àqueles suplícios estudados por 
Foucault, trazendo ao direito criminal vários princípios e ditames 
que hoje passam a ser fundamento de validade para as 
vertentes material e processual dessa ciência. 
Beccaria condena veementemente os suplícios, pois 
em sua visão, o homem não pode ser considerado culpado antes 
da sentença do juiz. Ademais, quando discorre sobre a tortura, 
preleciona que devido à sua dor, até o inocente gritaria que é 
22 
 
culpado, contrariando, assim, toda a finalidade do processo 
penal que deve ser a busca da verdade (2012, p. 34-35). 
No tocante à duração do processo, ele distingue os 
crimes hediondos, que englobariam os homicídios, e os não 
hediondos, nos quais inclui os crimes menos graves, aduz que 
para aqueles se deve diminuir o tempo da instrução, 
prolongando-se o tempo da prescrição, pois: “por tal modo, que 
apressa a sentença definitiva, tira-se dos maus a esperança de 
uma impunidade tanto mais perigosa quão maiores são os 
crimes.” (2012, p. 41) 
Ao discorrer sobre a inevitabilidade das penas, 
Beccaria assevera que na prevenção dos crimes, a certeza da 
punição é mais eficaz do que o rigor da pena (2012, p. 59), e 
conclui seu livro com o célebre trecho que hoje é adotado em 
quase todos os ordenamentos jurídicos dos estados 
democráticos de direito: 
 
É que para não ser um ato de violência contra 
o cidadão, a penadeve ser, de modo 
essencial, pública, pronta, necessária, a menor 
das penas aplicáveis nas circunstâncias 
dadas, proporcionadas ao delito e 
determinadas pela lei. (2012, p. 99) 
 
1.2 A TEORIA DO GARANTISMO PENAL DE LUIGI 
FERRAJOLI 
 
23 
 
Em 1989, Ferrajoli – à época magistrado italiano e 
professor da faculdade de Direito da Universidade de Camerino 
– através da consolidação de suas pesquisas em direito penal, 
consagradas em sua obra “Direito e Razão: Teoria do 
Garantismo Penal”, firmou uma nova ótica jurídica tida pelos 
ordenamentos modernos como baliza para a efetivação daquilo 
que se entende por garantismo. 
Sua obra pode ser entendida como uma condensação 
do pensamento de matriz liberal e iluminista dos séculos XVI, 
XVII e XVIII que, ao modo de Beccaria, debruçou-se sobre os 
pressupostos do direito penal em um estado de direito. 
 
Nos séculos XVI e XVII o direito penal foi o 
terreno principal sobre o qual vem se 
delineando o modelo do Estado de direito. É 
com referência ao despotismo punitivo que o 
jusnaturalismo iluminista desenvolveu suas 
batalhas contra a intolerância política e 
religiosa e contra o arbítrio repressivo do 
ancién régime. E é sobretudo através da crítica 
dos sistemas penais e processuais que se vem 
definindo, como veremos, os valores da 
civilização jurídica moderna: o respeito da 
pessoa humana, os valores “fundamentais” da 
vida e da liberdade pessoal, o nexo entre 
legalidade e liberdade, a separação entre 
direito e moral, a tolerância, a liberdade de 
consciência e de expressão, os limites da 
atividade do Estado e a função de tutela dos 
direitos dos cidadãos como sua fonte primária 
de legitimação. (2014, p. 17) 
 
24 
 
Frise-se que, devido à forte influência do pensamento 
liberal que sofre Ferrajoli, toda sua concepção de garantismo 
parte do mesmo pressuposto do qual partiram os iluministas, 
qual seja, uma concepção de atuação estatal em sentido 
negativo. 
Afinal, esses pensadores se levantaram justamente 
para combater as arbitrariedades e excessos, vistos 
principalmente no âmbito do direito penal, razão pela qual a 
concepção de liberdade desenvolvida por eles parte do 
pressuposto de limitação do poder estatal, através de um 
comportamento omissivo, diante das liberdades do indivíduo 
(STRECK, 2008, p. 21). Desta feita, Norbeto Bobbio, no prefácio 
da obra de Ferrajoli, entende que o foco do garantismo atua na 
“tutela das liberdades do indivíduo frente as variadas formas de 
exercício arbitrário do poder, particularmente odioso no direito 
penal.” (2014, p. 7) 
Quanto à sua concepção de garantismo propriamente 
dita, Ferrajoli traça uma tabela na qual elenca dez axiomas, os 
quais formariam, em sua observância, um sistema penal 
perfeito, que deveriam atuar nos dois principais momentos do 
processo de criminalização, quais sejam, a prática legislativa 
(criminalização primária) e a aplicação da lei ao caso concreto 
(criminalização secundária). 
Os princípios são: 1) Nulla poena sine crimine, 2) 
Nullum crimen sine lege, 3) Nulla lex (poenalis) sine necessitate, 
4) Nulla necessitas sine injuria, 5) Nulla injuria sine actione, 6) 
25 
 
Nulla actio sine culpa, 7) Nulla culpa sine judicio, 8) Nullum 
judicium sine accusatione, 9) Nulla accusatio sine probatione, 
10) Nulla probatio sine defensione7 (FERRAJOLI, 2014, p. 91). 
Faz-se pertinente salientar que o próprio autor 
reconhece que dentro de uma sociedade complexa, a 
observância plena, em um plano abstrato e concreto, desses 
princípios se perfaz como uma utopia, afinal: “Trata-se de um 
modelo-limite, apenas tendencialmente e jamais perfeitamente 
satisfazível.” (FERRAJOLI, 2014, p. 91) 
Ferrajoli explica ainda que esses princípios estão 
sistematizados e relacionados entre si (2014, p. 89) e o seu grau 
de observância em cada sistema penal pode ser analisado a 
partir de subtrações sucessivas desses axiomas (2014, p. 95), 
resultando, assim, em sistemas penais que podem ser 
resumidos em nove, quais sejam: 1) sem prova e defesa, 
resultado da subtração dos princípios do ônus da prova e do 
direito de defesa (2014, p. 95); 2) sem acusação separada, fruto 
da retirada dos princípios da imparcialidade do juiz e de sua 
separação da acusação (2014, p. 96); 3) sem culpabilidade, 
 
7 Esses axiomas representariam para Ferrajoli, respectivamente, o 
princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em 
relação ao delito; princípio da legalidade; princípio da necessidade ou 
da economia do direito penal; princípio da lesividade ou da 
ofensividade do evento; princípio da materialidade ou da 
exterioridade da ação; princípio da culpabilidade ou da 
responsabilidade pessoal; princípio da jurisdicionariedade; princípio 
acusatório ou da separação entre juiz e acusação; princípio do ônus 
da prova ou da verificação e o princípio do contraditório ou da 
defesa. 
26 
 
resultante da desnecessidade de intencionalidade do delito 
(2014, p. 97); 4) sem ação, que carece da garantia da 
materialidade da ação (2014, p. 97-98); 5) sem ofensa, privado 
da lesividade do fato (2014, p. 97-98); 6) sem necessidade, que 
não se atém ao princípio da economia do direito penal (2014, p. 
99); 7) sem delito, que carece do primeiro axioma (2014, p. 99-
100); 8) sem juízo, no qual se olvida a jurisdicionariedade (2014, 
p. 99-100) e 9) sem lei, que não observa o princípio da legalidade 
(2014, p. 99-100). 
Ademais, evidencia a importância em subdividir as 
garantias em substanciais e instrumentais, nos termos de que, 
“ao subordinar a pena aos pressupostos substanciais do crime – 
a lesão, a conduta e a culpabilidade –, são tanto efetivas quanto 
mais estes forem objetos de um juízo em que sejam 
assegurados ao máximo a imparcialidade, a verdade e o 
controle.” (2014, p. 432) 
Por fim, vale mencionar que o garantismo é entendido 
sob três óticas, inicialmente, como modelo normativo pertinente 
ao próprio Estado democrático de direito que: 
 
Sob o plano epistemológico se caracteriza 
como um sistema cognitivo ou de poder 
mínimo, sob o plano político se caracteriza 
como uma técnica de tutela idônea a minimizar 
a violência e maximizar a liberdade e, sob o 
plano jurídico, como um sistema de vínculos 
impostos à função punitiva do Estado em 
garantia dos direitos dos cidadãos. 
(FERRAJOLI, 2014, p. 786) 
27 
 
 
Parte então para o analisar como teoria do direito, no 
qual explica: 
 
Neste sentido, a palavra garantismo exprime 
uma aproximação teórica que mantém 
separados o “ser” e o “dever ser” no direito; e, 
aliás, põe como questão teórica central a 
divergência existente nos ordenamentos 
complexos entre modelos normativos 
(tendentementes garantistas) e práticas 
operacionais (tendentementes 
antigarantistas). (FERRAJOLI, 2014, p. 786) 
 
E continua: 
 
Uma aproximação tal não é nem puramente 
“normativa” nem puramente “realista”: a teoria 
que esta é hábil a fundar, precisamente, é uma 
teoria da divergência entre normatividade e 
realidade, entre direito válido e direito efetivo, 
um e outro vigentes. (FERRAJOLI, 2014, p. 
786) 
 
Em arremate, expõe o garantismo como filosofia 
política que: 
 
[...] requer do direito e do Estado o ônus da 
justificação externa com base nos bens e nos 
interesses dos quais a tutela ou a garantia 
constituem finalidade. Neste último sentido, o 
garantismo pressupõe a doutrina laica da 
separação entre direito e moral, entre validade 
e justiça, entre ponto de vista interno e ponto 
de vista externo na valoração do ordenamento, 
28 
 
ou mesmo entre o “ser” e o “dever ser” do 
direito. E equivaleà assunção, para os fins da 
legitimação da perda da legitimação ético-
política do direito e do Estado, do ponto de 
vista exclusivamente externo. (2014, p. 787) 
 
Mais uma vez, vale ressaltar, como clara 
demonstração das influências iluministas, em Ferrajoli a 
concepção de garantismo que pressupõe o distanciamento entre 
direito e moral (2014, p. 788). Na realidade, a concepção de 
garantismo deve-se fundar na crítica do direito positivo no que 
diz respeito aos seus parâmetros de legitimação, sejam externos 
ou internos, e das ideologias políticas e jurídicas que o 
fundamentam (2014, p. 799). 
O modelo garantista de Ferrajoli deve ser lido como 
objetivo a ser alcançado pelos Estados a fim de se atingir uma 
democracia substancial plena, embora se deva saber que sua 
efetivação perfeita se torna impossível em sociedades 
complexas, malgrado isso não sirva de óbice para o seu 
estabelecimento, mormente no plano legislativo, e na busca 
cotidiana de sua efetivação. Nesse sentido, afirmou Noberto 
Bobbio ao prefaciar a obra “Direito e Razão”: “para constituir uma 
meta, o modelo deve ser definido em todos os aspectos. 
Somente se for bem definido, poderá servir também de critério 
de valoração e de correção do direito existente.” (FERRAJOLI, 
2014, p. 9) 
As ideias do ilustre autor constituem inegável avanço 
para a seara penal, embora em alguns pontos não seja imune a 
29 
 
críticas8. Todavia, observando o seu ponto máximo, qual seja, 
os axiomas de efetivação de sistemas penais garantistas, 
observa-se que por mais dotados de um conteúdo de abstenção 
estatal que são, nenhum deles podem ser confundidos com a 
legitimação para a impunidade. 
Um modelo ideal de processo penal deve buscar a 
tutela desses axiomas mediante uma leitura proporcional e 
racional. Desta feita, assevera Douglas Fischer: 
 
Segundo Ferrajoli, a sujeição do juiz à lei 
já não é, como no velho paradigma 
positivista, sujeição à letra da lei, 
qualquer que seja seu significado, mas 
sim sujeição à lei enquanto válida, vale 
dizer, coerente com a Constituição. 
Deflui daí ser imperioso ao juízo que faça 
uma análise crítica das leis, 
(re)interpretando-as sob o filtro dos 
conteúdos axiológicos da Constituição. 
Precisamente por intermédio dessa 
análise crítico-valorativa é que, de modo 
eficaz, se estará utilizando de meio 
adequado para o controle da 
legitimidade constitucional – ou não - das 
regras de grau inferior, como corolário de 
um sistema que ancora seus pilares em 
 
8 PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Para além do Garantismo - uma 
proposta hermenêutica de controle da decisão penal. Porto Alegre: 
Livraria do Advogado, 2012. 
QUEIROZ, Paulo. A justificação do direito de punir na obra de Luigi 
Ferrajoli: algumas considerações críticas. In: SANTOS, Rogério 
Dultra dos. Introdução crítica ao estudo do sistema penal. 
Florianópolis: Diploma Legal, 2001, p. 117-127. 
FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luiz. (Orgs.). Garantismo, 
hermenêutica e (neo)constitucionalismo. Porto Alegre: Livraria do 
Advogado, 2012. 
30 
 
um Estado Social e Democrático de 
Direito. (2006, p. 199) 
 
O direito penal nunca poderá se satisfazer com a 
apenação de um provável culpado – nisso as garantias 
constitucionais têm importância primordial, a fim de estabelecer 
padrões mínimos na busca e na consolidação dessas certezas 
– pois, a condenação de um provável culpado potencialmente 
deságua na apenação de um inocente e na impunidade do 
criminoso, culminando no descrédito da Justiça e no próprio 
enfraquecimento da proteção (DAMASCENO, 2005, p. 75). 
Todavia, quando se observando o devido processo 
legal, chegar-se a certeza dos fatos e ao, consequente, 
estabelecimento de pena, deve-se poder efetivá-la de forma 
essencial e proporcional ao delito, pois qualquer outra solução 
constituirá a impunidade. 
 
1.3 AS VISÕES DO DIREITO PENAL 
 
A partir do que preleciona a hermenêutica existencial, 
da qual se sobressaem os alemães Heidegger e Gadamer como 
seus defensores, não há como se dissociar qualquer tipo de 
interpretação, mormente as textuais, da própria forma de ver o 
mundo individual do intérprete. Nesse sentido, conforme expõe 
Magalhães Filho, a compreensão do texto condiciona-se a 
preconceitos e prejuízos intrínsecos a qualquer individualidade 
humana (2011, p. 40-41). 
31 
 
Destarte, a fim de melhor se entender as discussões 
que envolvem diversos temas atinente ao direito penal material 
e processual, faz-se pertinente compreender as duas principais 
formas de visão dessa ciência: as correntes do abolicionismo 
penal e do direito criminal máximo. 
A primeira vertente, idealizada por Filippo Gramatica, 
surgiu após a Segunda Guerra Mundial em Gênova no ano de 
1945, a partir da ideia de deslegitimação do direito penal, nos 
termos de Greco, em razão do que se expõe: 
 
A crueldade do Direito Penal, a sua natureza 
seletiva, a incapacidade de cumprir com as 
funções atribuídas às penas (reprovação e 
prevenção), a característica extremamente 
estigmatizante, a cifra negra correspondente 
às infrações penais que não foram objeto de 
persecução pelo Estado, a seleção do que 
deve ou não ser considerado como infração 
penal, bem como a possibilidade de os 
cidadãos resolverem, por meio dos outros 
ramos do ordenamento jurídico (civil, 
administrativo, etc.), os seus conflitos 
interindividuais […]. (2010, p. 8) 
 
A crítica dos abolicionistas parte da desconstrução do 
direito criminal a partir da própria ideia de crime, conforme 
asseveram Hulsman e Celis: 
 
Não se costuma perder tempo com 
manifestações de simpatia pela sorte do 
homem que vai para a prisão, porque se 
acredita que ele fez por merecer. "Este homem 
cometeu um crime'' – pensamos; ou, em 
32 
 
termos mais jurídicos, "foi julgado culpável por 
um fato punível com pena de prisão e, 
portanto, se fez justiça ao encarcerá-lo". Bem, 
mas o que é um crime? O que é um “fato 
punível”? Como diferenciar um fato punível de 
um fato não punível? Por que ser 
homossexual, se drogar ou ser bígamo são 
fatos puníveis em alguns países e não em 
outros? Por que condutas que antigamente 
eram puníveis, como a blasfêmia, a bruxaria, a 
tentativa de suicídio, etc., hoje não são mais? 
As ciências criminais puseram em evidencia a 
relatividade do conceito de infração, que varia 
no tempo e no espaço, de tal modo que o que 
é "delituoso" em um contexto é aceitável em 
outro. Conforme você tenha nascido num lugar 
ao invés de outro, ou numa determinada época 
e não em outra, você é passível – ou não – de 
ser encarcerado pelo que fez, ou pelo que é. 
Não há nada na natureza do fato, na sua 
natureza intrínseca, que permita reconhecer se 
se trata ou não de um crime – ou de um delito. 
(1993, p. 63-64) 
 
Em síntese, pode-se afirmar que a teoria abolicionista 
eleva a dignidade da pessoa humana do preso ao ponto de se 
abolir o próprio direito penal, deixando os conflitos sociais para 
serem tutelados pelos demais ramos do ordenamento jurídico. 
Contrapondo-se, advém o direito penal máximo 
conhecido pelo movimento Lei e Ordem, que advoga caber ao 
direito penal a resolução de todos os males sociais, vendo na 
ciência criminal uma tutela global, independentemente de sua 
importância. Nesse sentido: “procura-se educar a sociedade sob 
a ótica do Direito Penal, fazendo com que comportamentos de 
33 
 
pouca monta, irrelevantes, sofram as consequências graves 
desse ramo do ordenamento jurídico.” (GRECO, 2010, p. 15) 
Seus ideais podem ser vistos claramente nas 
palavras de Dahrendorf, um dos defensores dessa visão, in 
verbis: 
 
Uma teoria penalque abomina a detenção a 
ponto de substituí-la totalmente por multas e 
trabalho útil, por ‘restrições ao padrão de vida’, 
não só contém um erro intelectual, pois 
confunde lei e economia, como também está 
socialmente errada. Ela sacrifica a sociedade 
pelo indivíduo. Isso pode soar a alguns como 
incapaz de sofrer objeções, até mesmo 
desejável. Mas também significa que uma tal 
abordagem sacrifica certas oportunidades de 
liberdade em nome de ganhos pessoais 
incertos. Ser gentil com infratores poderá 
trazer à tona a sociabilidade escondida em 
alguns deles. Mas será um desestímulo para 
muitos, que estão longe do palco criminoso, de 
contribuir para o processo perene de liberdade, 
que consiste na sustentação e na modelagem 
das instituições criadas pelos homens. (1997, 
p. 109) 
 
Ou seja, o direito penal passa a exercer a prima ratio 
do ordenamento jurídico, não corroborando com qualquer 
conduta contrária aos bens sociais entendidos de maneira 
ampla, uma vez que, em qualquer afronta deverá incidir o direito 
penal, entendido restritamente como o encarceramento. 
Atualmente, uma das críticas que se faz ao uso do 
direito penal mínimo, entendido como desdobramento do 
34 
 
abolicionismo, é o uso ideológico que se faz dele, segundo 
Moraes apud Damasceno: 
 
É uma curiosa coincidência que esse 
movimento da intervenção mínima tenha 
ganho incremento exatamente na fase em que 
o Direito Penal está se democratizando, 
exatamente na fase em que o Direito Penal 
está deixando de alcançar tão somente 
aqueles delinquentes [sic] etiquetados 
seletivamente, que constituem a clientela 
tradicional do sistema repressivo. Na hora em 
que o Direito Penal começa a se voltar contra 
uma outra clientela, a que pratica crimes contra 
a ordem econômica e contra a economia 
popular, fala-se em descriminalização, 
despenalização, desjudicialização. (2005, 
p.29) 
 
Na realidade, a leitura que o intérprete fará do direito 
penal se relaciona com a ótica de sua construção ideológica, 
seja ela mais afeta ao direito penal máximo ou mínimo. Não há 
qualquer problema nessa divergência, ao contrário, ela é salutar 
para a construção e o aprimoramento de um direito penal 
democrático. Todavia, a partir do momento que se entende que 
o direito criminal deve servir a sociedade, é necessário que se 
tenha cuidado para não se corroborar com discursos jurídicos 
que tendem a tutelar interesses particulares em detrimento do 
verdadeiro interesse social9. 
 
9 Por exemplo, data maxima venia, não há como se concordar com o 
Procurador da República e Ex-Ministro da Justiça Eugênio Aragão 
quando defende que a Operação Lava Jato poderia constituir um 
risco à economia do país e que, em muitos casos, a corrupção é boa. 
35 
 
 
1.4 A TEORIA MODERNA DO BEM JURÍDICO 
 
Greco entende como bem jurídico, em um estado 
democrático, a seleção que o povo – através de seu parlamento 
– faz dos valores mais importantes para o convívio social (2012, 
p. 2). A seu turno, Streck preleciona que: “o conceito de bem 
jurídico seria, assim, a categoria jurídica utilizada para explicitar 
os valores sociais protegidos pelo Direito Penal.” (2001, p. 56) 
Essa concepção deve ser lida em consonância com o 
fato de a Constituição garantir proteção aos próprios bens 
jurídicos sociais, destarte: “o direito penal não pode mais ser 
visto tão somente como um conjunto de normas tendentes a 
limitar o poder punitivo estatal, mas também como um 
instrumento dirigido à proteção dos direitos fundamentais.” 
(DAMASCENO, 2005, p. 32-33) 
É de se frisar que a sociedade, justamente por ser 
mutável, tende a transformar suas concepções inclusive sobre 
aquilo que entende por bens jurídicos. Nesse sentido, a título 
exemplificativo, pode-se citar a edição da Lei nº 11.106, de 28 
de março de 2005, que revogou os crimes sedução, rapto e 
adultério, tipos penais intrínsecos a uma sociedade patriarcal, na 
qual foi editado o Código Penal na década de 1940, e em que a 
 
Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/revista/923/essa-
garotada-do-mpf-nao-tem-a-minima-nocao-de-economia> Acesso 
em: 23 out. 2016. 
36 
 
mulher assumia um papel social diferente do visto 
hodiernamente (GRECO, 2012, p. 2-3). 
Todavia, não se pode olvidar que – mormente em um 
contexto de Estado norteado por um ordenamento jurídico que 
finca suas bases no constitucionalismo – a tarefa de escolha 
desses bens jurídicos não é dotada de discricionariedade ampla 
conferida aos legisladores, uma vez que, deve transpassar duas 
fronteiras, quais sejam: o princípio da ultima ratio do direito e 
penal e as balizas constitucionais efetuadas pela própria 
Constituição Federal. 
Inicialmente, no que atine ao princípio da ultima ratio 
(também conhecido como da intervenção mínima) é de se 
verificar que sua relevância diz respeito à própria força da qual 
é dotada o direito penal. 
Afinal, é cediço que de todos os meios coercitivos dos 
quais o direito é dotado, o encarceramento – expressão máxima 
do penalismo – é o mais nefasto para o indivíduo, por melhores 
condições que apresente. Justamente, por esse motivo, o direito 
penal deve atuar tão somente quando bens jurídicos de 
relevância sejam atingidos, devendo-se evitar a criminalização 
de condutas que possam ser tuteladas por outros ramos do 
direito (GRECO, 2012, p. 48). 
Damasceno segue o mesmo sentido quando defende 
que: 
 
Tomando a sanção penal como a mais severa 
37 
 
restrição de direitos que pode o Estado 
submeter o indivíduo, correspondendo em 
grave limitação ao direito à liberdade, o recurso 
a ela só se faz legítimo se se der com o escopo 
de preservar outros bens tão relevantes contra 
agressões também consideradas graves. 
(2005, p. 25) 
 
Portanto, o princípio da intervenção mínima deverá 
atuar em dois momentos, inicialmente no campo legislativo, 
quando da escolha dos bens que realmente necessitam de 
proteção penal e, consequentemente, da descriminalização de 
condutas que não mereçam tal tutela. Em um segundo 
momento, quando da própria atividade jurisdicional, 
oportunidade na qual o intérprete penal deverá analisar a própria 
lesividade da conduta, a fim de verificar se a conduta realmente 
consubstancia aquilo que a doutrina entende como a tipicidade 
conglobante (GRECO, 2012, p. 159). 
Já no que atina as balizas constitucionais, percebe-se 
que a Constituição possui a função de direcionar a escolha dos 
bens jurídicos de relevância, determinando a proteção de 
determinados valores enquanto proíbe a criminalização de 
outros. A título de exemplo, pode-se citar o art. 5º, caput, verbis: 
 
Todos são iguais perante a lei, sem distinção 
de qualquer natureza, garantindo-se aos 
brasileiros e aos estrangeiros residentes no 
País a inviolabilidade do direito à vida, à 
liberdade, à igualdade, à segurança e à 
propriedade, nos termos seguintes. (BRASIL, 
1988) 
38 
 
 
Ou seja, quando o aludido dispositivo determina a 
proteção aos bens jurídicos ali relacionados, surge um dever de 
atuação positiva do legislador em protegê-los. Nesse sentido, 
por exemplo, a tipificação prevista no capítulo um da parte 
especial do Código Penal – dos crimes contra a vida – não se 
torna mera discricionariedade legislativa, mas verdadeiro dever 
de proteção, sendo cabível inclusive a ação de 
inconstitucionalidade por omissão diante da inércia legislativa 
(DAMASCENO, p. 37, 2005). 
Veja-se que a partir desse pressuposto, pode-se 
chegar à conclusão que, embora diante de um plano meramente 
legal fosse possível a revogaçãode crimes como o homicídio ou 
de estupro, previstos respectivamente nos artigos 121 e 213 do 
Código Penal, a partir dessa leitura, observa-se que devido à 
inconstitucionalidade inerente a sua matéria, tal 
descriminalização se perfaz como impossível (STRECK, 2008, 
p. 31-32). 
Do mesmo modo, quando os incisos VI e VII do artigo 
5º da Carta Magna asseguram a liberdade religiosa e de 
pensamento, há um óbice constitucional à criminalização de 
diversos tipos de condutas inerentes a um estado liberal 
democrático, sendo cabível, na afronta, o controle de 
constitucionalidade, seja pela vida direta ou incidental. 
Damasceno vai além e traz a questionamento um 
caso prático pertinente ao art. 34 da Lei nº 9.246/95, quando o 
39 
 
legislador descriminalizou a sonegação fiscal, ao adotar a 
reparação civil antes do recebimento da denúncia como causa 
de extinção da punibilidade, verbis: 
 
E se se tomar, como exemplo, a 
descriminalização das grandes fraudes fiscais, 
com a instituição do afastamento da pena pela 
mera reparação civil antes do processo? A 
retirada dessa cobertura se mostra de acordo 
com a Constituição Federal de 1998? Deve-se 
primeiro verificar se a Constituição instituiu 
uma “ordem tributária justa” (segundo o 
princípio da igualdade material) como meio 
para a consecução dos próprios fins do Estado 
brasileiro, o que levaria à conclusão de ser, ou 
não, referido bem digno da proteção penal. 
Posteriormente, há que se verificar se as 
grandes fraudes tributárias provocam lesões 
gravíssimas à ordem tributária e se a ameaça 
de sanção patrimonial é capaz de inibir a 
ganância dos grandes sonegadores, convindo 
perquirir, quanto a isto, se elas não seriam 
(são) computadas como meros custos do 
empreendimento ilícito, se o grande sonegador 
hoje frauda o Fisco como se estivesse agindo 
na mais perfeita legalidade, considerando o 
valor sonegado acrescido de multa e juros, 
como passível perda, fazendo cotejo com o a 
probabilidade de ser fiscalizado (algo como a 
opção por fazer ou não um seguro). 
Concluindo nesse sentido, tem-se 
claramente a “descriminalização” das 
grandes fraudes fiscais com 
inconstitucional. [destacou-se] 
(DAMASCENO, 2005, p. 38) 
 
Neste ponto, mais uma vez, vê-se claramente a ideia 
de “missão secreta” do direito penal defendida por Nilo Batista, 
40 
 
que conforme ensina Streck, pode ser sintetizada na máxima: 
“La ley es como la serpiente; solo pica a los descalzos.” (2001, 
p. 56). Nesse sentido, Streck ainda defende: 
 
Vê-se, pois, como é (bem) tratado o sonegador 
e como é (mal) tratado, p. ex., um ladrão de 
bicicleta ou de galinha, para o qual, se 
devolvida sponte sua a res, antes do 
recebimento da denúncia, restará, tão 
somente, uma diminuição na pena (art. 16 CP). 
Por que isto? Por que no Brasil tem leis que 
são feitas para os que aparecem na Revista 
Caras e leis que são feitas para os que 
aparecem no Notícias Populares[...]. (2001, p. 
59-60) 
 
A partir dos próprios exemplos citados alhures, vê-se 
que muitas dessas balizas dizem respeito a própria natureza dos 
direitos fundamentais, malgrado não se exauram em seu rol, 
podendo ser encontradas em todo o corpo constitucional e, 
mesmo, implicitamente e decorrentes de princípios adotados 
pela Carta, nos termos do que aduz a cláusula de abertura 
constitucional prevista no parágrafo segundo do aludido artigo 
5º. Nesse sentido, lembra Streck que: “o legislador penal pode 
vulnerar os direitos fundamentais quando a severidade de suas 
previsões não chega a oferecer uma proteção suficientemente 
satisfatória e efetiva.” (2008, p. 35) 
Por sua vez, Damasceno explica que na atuação 
legislativa criminal pautada pela Constituição, o legislador deve 
observar uma pequena área na qual a tutela penal é exigida pelo 
41 
 
ordenamento jurídico, enquanto há outra área na qual a tutela é 
vedada, situando-se entre esses campos, de forma até 
imprecisa, a margem discricionária do legislador (2005, p. 36-
37). 
Faz-se mister observar mais uma questão, qual seja, 
a função dirigente e o caráter social da Constituição Federal de 
1988. Tal ponto será melhor analisado adiante. Todavia, por ora, 
pode-se mencionar que a partir da noção de normativismo 
constitucional em um plano máximo do ordenamento jurídico 
brasileiro aliado à valorização de direitos coletivos, ligados aos 
direitos de terceira geração, ambas as características inerentes 
à atual Carta Magna, haverá uma clara influência na escolha a 
esses bens jurídicos. Streck preleciona: 
 
A Constituição, ao assumir uma função 
compromissória e dirigente, preocupada em 
construir uma sociedade solidária, erradicando 
a pobreza e reduzindo as desigualdades 
sociais, não pode situar os bens jurídicos 
eleitos como merecedores de tutela penal em 
um âmbito individualista, mormente porque 
isso seria incompatível com os preceitos do 
texto constitucional. A partir dessa ideia, os 
bens jurídicos não podem ser vistos apartados 
do todo constitucional, compreendidos pelos 
preceitos e princípios formadores do Estado 
Democrático de Direito. Afinal de contas, já 
está mais do que na hora de entendermos que 
é a Constituição a responsável por eleger 
aqueles bens jurídicos dignos de tutela penal, 
bem como nortear a dogmática penal para uma 
compreensão supra-individual do direito. 
(2008, p. 30-31) 
42 
 
 
Há, destarte, uma valorização dos bens jurídicos 
inerentes à coletividade, razão pela qual tanto o legislador 
criminal deverá levar em consideração essa escolha do 
constituinte, quando da tipificação de condutas e o consequente 
estabelecimento das penas, como o intérprete penal deverá 
considerá-la quando da atribuição da pena, razão pela qual, 
nesse contexto, devem ser evidenciados crimes que afetem a 
generalidade de grupos, como a discriminação, ou mesmo, 
aqueles cometidos contra a administração pública e o erário. 
2 O DIREITO CONSTITUCIONAL 
 
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO 
CONSTITUCIONAL 
 
Atenas foi o berço do ideal democrático e 
constitucional, historicamente, responsável pelo primeiro grande 
precedente de limitação do poder político, afinal na polis, havia 
o “governo de leis, e não de homens”; os então cidadãos, por 
meio das Assembleias que se reuniam nas Ágoras e, assim, 
diretamente comandavam a administração de sua cidade 
(BARROSO, 2013, p. 28). Esse fundamento, ainda, foi 
compartilhado por Roma, ocasião na qual, com a República, 
surgiu a Lei das Doze Tábuas. Barroso, em seu livro, cita um dos 
fragmentos dessa Lei, qual seja: “salus populi suprema lex esto,” 
(2013, p. 29) que pode ser entendido como o bem-estar do povo 
é o bem-estar supremo, vislumbrando-se, assim, uma total 
conformidade com a garantia de direitos do povo 
Entretanto, é a partir do período compreendido entre 
o fim da Idade Média e o começo da Idade Moderna que surge 
o pressuposto para o desenvolvimento do constitucionalismo, tal 
como se concebe hoje. Afinal, é no absolutismo que o poder, até 
então descentralizado nas mãos dos senhores feudais, passa a 
concentrar-se nas mãos do soberano. 
Ou seja, é justamente devido a essa força 
desenfreada atribuída ao príncipe que se evidencia a 
44 
 
necessidade de limitação do poder e garantia de direitos, através 
da supremacia da lei que atualmente se consubstancia como 
pressuposto dos ideais constitucionais modernos (BARROSO, 
2013, p. 27). 
Bonavides, discorrendo sobre a necessidade da 
limitação do poder a partir da definição de soberania, assevera: 
 
Mas, como o Estado é o monopolizador do 
poder, o detentor da soberania, o depositário 
da coação incondicionada, torna-se, em 
determinados momentos,algo semelhante à 
criatura que, na imagem bíblica, se volta contra 
o criador. (2007, p. 41) 
 
Esse fenômeno de limitação do poder e o 
consequente nascimento do ideal constitucionalista é 
comumente celebrado na assinatura da Magna Carta, em 1215, 
pelo rei João Sem-Terra, quando vencido na guerra que travava 
no continente, em especial na Batalha de Bouvines, contra a 
França. Esse fato, aliado à crescente força política dos barões 
feudais, obrigou-o a submeter seu poder, até então absoluto, ao 
aludido documento jurídico (BARROSO, 2013, p. 32). 
Originalmente, esse documento garantia aos barões 
direitos relativos à propriedade, à tributação e às liberdades, 
inclusive religiosa. Entretanto, devido à amplitude de seus 
termos, permitiu que assumisse um caráter garantista mais 
amplo, fazendo parte, até os dias de hoje, daquilo que se 
entende por ser a Constituição Inglesa (BARROSO, 2013, p. 32). 
45 
 
Nasce, assim, a primeira ideia concreta do que se 
entende como Constituição por dizer respeito justamente àquilo 
que se vislumbra como o fundamento de seu conteúdo material, 
qual seja, mais uma vez, a limitação do poder e a garantia de 
direitos. 
Todavia, na Inglaterra, a luta por direitos não findou 
nessa época. Afinal, a partir do momento que o povo percebe 
que o poder estatal existe em razão da sociedade, e não que a 
sociedade existe em razão do governo, descobre que não há 
força maior do que aquela existente na sua união. 
Com efeito, percebe-se que na Inglaterra, essa 
realidade se mostrou exemplarmente pois a partir da Magna 
Carta, diversos outros direitos foram conquistados em outras 
cartas jurídico-políticas, tais como: a Petição de Direitos de 
1628, o Acordo do Povo de 1947, o Instrumento do Povo de 
1653, o Ato de Habeas Corpus de 1679, a Declaração de 
Direitos de 1689, o Ato do Parlamento de 1911, o Estatuto de 
Westminster de 1931 (BARROSO, 2013, p. 33). 
Barroso, ainda, sintetiza: 
 
Fruto de longo amadurecimento histórico, o 
modelo institucional inglês estabeleceu-se 
sobre raízes tão profundas que pôde prescindir 
até mesmo de uma Constituição escrita, sem 
embargo da existência de documentos 
relevantes de natureza constitucional. Embora 
a Revolução Inglesa não tenha tido o tom épico 
e a ambição e os propósitos da Revolução 
Francesa, o modelo inglês projetou sua 
46 
 
influência sobre diversas partes do mundo, 
diretamente ou indiretamente (através dos 
Estados Unidos). (2013, p. 32-34) 
 
Dentro dessa ótica, faz-se imprescindível analisar 
outro ordenamento constitucional diretamente influenciado pelo 
inglês, o dos Estados Unidos da América. Nesse contexto, 
evidencia-se o fato de que a independência norte-americana da 
colonização inglesa resultou na primeira constituição escrita do 
mundo, fundamentada na independência das colônias, na 
superação do modelo monárquico e na implementação de um 
governo constitucional, pautado na separação de poderes, na 
igualdade e na supremacia da lei (BARROSO, 2013, p. 39). 
Nada obstante o seu pioneirismo, o 
constitucionalismo americano encontrou seu exponencial ao 
proclamar a supremacia das normas constitucionais que 
serviriam inclusive, conforme ensina Jânio Nunes Vidal, “de 
parâmetro de aferição da validade das demais normas 
produzidas pela legislatura comum.” (2009, p. 81). Esse papel 
constitucional foi sedimentado no célebre caso Marbury contra 
Madison: 
 
In compliance with the Judiciary Act of 1801, 
President John Adams signed a commission 
for Willyan Marbury as a justice of the peace for 
the county of Washington, DC. The seal of the 
United States was affixed to the commission, 
but it never reached Marbury. James Madison, 
the incoming secretary of state under Jefferson 
(a Democratic Republican rather than a 
47 
 
Federalist), refused to deliver the commission. 
Marbury went directly to the U.S. Supreme 
Court for a writ of mandamus requiring 
Secretary of State Madison to deliver to 
Marbury his commission. The Judiciary Act of 
1789 in section 13 had provided the Supreme 
Court could issue writs of mandamus10. (VILE, 
2014, p. 107) 
 
Na apreciação do writ, John Marshal, então relator do 
caso, no que diz respeito ao mérito, entendeu que Marbury tinha 
o direito de ser empossado, uma vez que a sua nomeação não 
poderia ser revogada, sendo, portanto, as condutas do 
presidente Jefferson e de seu Secretário de Estado James 
Madson ilegais. Todavia, denegou a ordem em face de uma 
questão preliminar, qual seja, a inconstitucionalidade da seção 
13 do Judiciary Act de 1789, que indevidamente ampliou a 
competência da suprema corte, o que somente poderia ser feito 
através de outra lei de igual hierarquia (VIDAL, 2009, p. 84). 
Com louvor, Vidal sintetiza as premissas da aludida 
decisão: 
 
 
10 De acordo com o Judiciary Act of 1801, o Presidente John Adams 
nomeou Willian Marbury como juiz de paz pelo condado de 
Washington, DC. O selo dos Estados Unidos foi afixado à nomeação, 
mas nunca entregue a Marbury. James Madsion, o Secretário de 
Estado do Governo de Jefferson (um republicano democrata, em vez 
de federalista), recusou-se a entregar a nomeação. Marbury foi 
diretamente à Suprema Corte, através de um writ of mandamus 
requerendo que o Secretário de Estado lhe entregasse sua 
nomeação. O Judiciary Act de 1789 em sua seção 13 previu que a 
Suprema Corte poderia apreciar writs of mandamus. 
48 
 
a) A Constituição escrita é a norma 
fundamental (lex superior), expressão do 
poder constituinte originário que 
institucionaliza o Estado, ao mesmo tempo que 
delimita seus poderes. Reafirma-se, assim, o 
princípio da supremacia constitucional, 
segundo o qual nenhum ato do Poder Público 
poderá ser considerado válido, se for contrário 
à Constituição; b) Confere-se a todo juiz ou 
tribunal, quando chamado a decidir um 
caso concreto, o poder de deixar de aplicar 
uma norma da legislatura comum que não 
esteja na conformidade da Constituição 
[destacou-se]. A harmonia do sistema é 
assegura pela força vinculante dos 
precedentes (stare decisis), de tal modo que o 
julgamento de um caso concreto pela Suprema 
Corte regulará a atuação dos demais órgãos 
do Poder Judiciário; c) A lei contrária à 
Constituição não é aplicada ao caso 
concreto, ou seja, considera-se inválida 
desde a sua edição, cabendo ao Poder 
Judiciário, tão somente, declarar a sua não 
aplicação. Assim, a decisão judicial limita-
se a reconhecer uma situação de 
inconstitucionalidade preexistente, 
operando efeitos retroativos, ou seja, 
considerados nulos todos os atos 
praticados, sob a égide da lei declara 
incompatível com a Constituição [destacou-
se]. (2009, p. 85-86) 
 
Destarte, malgrado se perceba que o aludido modelo 
americano influenciou diretamente a jurisdição constitucional 
brasileira no que diz respeito ao controle de constitucionalidade 
difuso incidental, sabe-se que a jurisdição constitucional 
brasileira não se exaure nesse ponto, fazendo-se imprescindível 
49 
 
a análise das premissas do modelo constitucional austríaco, 
fortemente influenciado por Hans Kelsen: 
 
Kelsen conceberia um Tribunal Constitucional 
com a tarefa de ser o guardião da Constituição, 
um tribunal com competências para controlar a 
constitucionalidade dos atos dos demais 
poderes. Kelsen teve a oportunidade de 
associar, a um só tempo, uma teoria destinada 
a dar consistência ao ordenamento jurídico 
(concebido de forma piramidal e hierárquica), 
à possibilidade de colocá-la em prática, o que 
seria feito com a elaboração da Constituição 
austríaca de 1920. (VIDAL, 2009, p. 86-87) 
 
Nesse sentido, o modelo austríacofundamenta-se 
nos seguintes aspectos: 1) a Constituição como norma jurídica 
suprema; 2) a existência de um tribunal constitucional que, com 
exclusividade, exerceria o papel de guardião da Constituição; 3) 
as decisões desse tribunal teriam efeitos gerais e vinculantes 
(VIDAL, 2009, p. 88). 
O modelo de jurisdição brasileira forma-se a partir da 
junção desses dois parâmetros: há um tribunal constitucional 
responsável pela análise em abstrato das normas 
constitucionais, com decisões dotadas de eficácia erga omnes e 
vinculantes, ao passo que, também é atribuído a todo juiz e 
tribunal o poder de declarar a inconstitucionalidade das leis nos 
casos concretos. 
 
50 
 
2.2 A TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
 
O ideal constitucional que se consubstancia na 
limitação do poder e na garantia de direitos através da 
supremacia da lei (BARROSO, 2013, p. 27) encontra sua 
evidenciação a partir do desenvolvimento da teoria dos direitos 
fundamentais. 
Destarte, fala-se que os direitos fundamentais podem 
ser entendidos a partir de duas concepções: a formal e material. 
A primeira é ligada à ideia de positivação, ou seja, que são 
fundamentais aqueles direitos, assim, definidos pela 
Constituição, enquanto sob a ótica material, seriam classificados 
como tais aqueles que: “por seu conteúdo e significado, possam 
lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, 
tendo, ou não, assento na Constituição formal.” (SARLET, 2013, 
p. 77) 
Sarlet preleciona que a concepção meramente formal 
dos direitos fundamentais é insuficiente para o atual estágio 
constitucional, mormente no caso brasileiro, em função da 
existência da cláusula de abertura prevista no art. 5º, §2º da 
Constituição de 1988 (2013, p. 75), razão pela qual evidencia a 
necessidade do estabelecimento de limites para a conceituação 
material desses direitos, propondo a observância dos seguintes 
requisitos: 1) a relevância e o conteúdo do direito (2013, p. 92-
93); 2) a fundamentação axiológica no princípio da dignidade da 
pessoa humana (2013, p. 93-111); 3) a função protetiva desses 
51 
 
direitos, na medida em que necessariamente asseguram a 
proteção de bens individuais ou coletivos considerados 
essenciais (2013, p. 111-115). 
Bonavides, conceituando os direitos fundamentais, 
cita Konrad Hesse, para quem os direitos fundamentais 
objetivariam “criar e manter os pressupostos elementares de 
uma vida na liberdade e dignidade humana.” (BONAVIDES, 
2016, p. 674) O autor continua a explicação ao defender que sob 
o aspecto formal, “os direitos fundamentais são aqueles que o 
direito vigente qualifica como tais” (2016, p. 674) e parte para a 
análise dos critérios estabelecidos por Carl Schmitt, para quem 
os direitos fundamentais são estabelecidos no instrumento 
constitucional ou que, ao menos, tenham recebido da 
Constituição uma imutabilidade ou uma forma mais gravosa de 
alteração (2016, p. 675). 
Marmelstein, a seu turno, preleciona: 
 
Os direitos fundamentais são normas jurídicas, 
intimamente ligadas à ideia de dignidade da 
pessoa humana e de limitação do poder, 
positivados no plano constitucional de 
determinado Estado Democrático de Direito, 
que, por sua importância axiológica, 
fundamentam e legitimam todo o ordenamento 
jurídico. (2013, p. 17) 
 
Outra grande contribuição para a teoria dos direitos 
fundamentais advém da Teoria das Gerações propostas por 
Karel Vasak, que na aula inaugural de 1979 dos Cursos do 
52 
 
Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, 
dividiu a evolução histórica dos direitos fundamentais, a partir do 
lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e 
fraternidade. 
Os direitos de primeira geração relativos às 
liberdades civis coincidiriam com a fase inaugural do 
constitucionalismo, surgindo a partir das revoluções burguesas 
dos séculos XVII e XVIII (BONAVIDES, 2016, p. 577). Dessa 
forma, são dotados de forte influência do pensamento liberal 
iluminista. Diversas cartas políticas nascem a partir desse 
movimento, em especial: a Declaração Universal dos Direitos do 
Homem e do Cidadão de 1789, a Declaração de Direitos da 
Virgínia de 1776 (MARMELSTEIN, 2013, p. 41). 
Obviamente, o conteúdo desses direitos estava 
intrinsecamente atrelado aos interesses da própria burguesia. 
Nesse sentido, evidencia-se a necessidade de proteção à 
propriedade; a observância da lei que é aprovada pelos 
representantes dessa classe econômica dominante; a liberdade 
de mercado, fundamentada na doutrina econômica do laissez-
faire, laissez-passer11; além de outras liberdades individuais, em 
especial a religiosa, que ganha força a partir da Reforma 
Protestante (MARMELSTEIN, 2013, p. 41). 
O ideal ligado aos direitos de primeira geração está 
representado na célebre citação inglesa: “o vento e a chuva 
 
11 Deixai fazer, deixai passar. 
53 
 
podem entrar na cabana do pobre, o rei não. Todo cidadão 
inglês, não importa se funcionário público ou nobre, está 
submetido, de igual modo, à lei e aos juízes ordinários.” 
(HEARN, 1867, p. 89-91) 
Ocorre que os direitos de primeira geração urgem a 
partir de uma desconfiança da sociedade frente ao Estado, pois 
se desenvolvem em um contexto de Estado ilimitado e 
autoritário, no qual os direitos mais básicos da sociedade eram 
frequentemente violados. Dessa forma, esses direitos passam a 
ter forte caráter de abstenção estatal. Nestes termos, Bonavides 
classifica-os como “direitos de resistência ou de oposição 
perante o Estado.” (2016, p. 578) E mais à frente continua: 
 
Entram na categoria de status negativus de 
Jellinek e faz também ressaltar na ordem dos 
valores políticos a nítida separação entre a 
Sociedade e o Estado. Sem o reconhecimento 
dessa separação, não se pode aquilatar o 
verdadeiro caráter antiestatal dos direitos da 
liberdade, conforme tem sido professado com 
tanto desvalor teórico pelas correntes do 
pensamento liberal de teor clássico. (2016, p. 
578) 
 
Então, com fundamento na Revolução Industrial e nas 
teorias antiliberais do século XX, surgem os direitos 
fundamentais de segunda geração, classificado na concepção 
de Vasak como aqueles pertinentes à igualdade, englobando os 
direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos 
coletivos ou de coletividades (BONAVIDES, 2016, p. 578). Esses 
54 
 
direitos surgem como resultado de uma busca histórica da 
sociedade por uma igualdade material, fruto das lutas sociais, 
em especial a dos empregados por melhores condições de 
trabalho. É nesse período que se desenvolve a teoria do bem-
estar social e que se edita a Constituição Mexicana de 1917 e a 
de Weimar de 1919 (MARMELSTEIN, 2013, p. 45-46). 
Todavia, desenvolve-se uma nova concepção da 
postura estatal. O Estado que, até então, deveria se limitar a não 
interferir na vida do indivíduo, passa a ser exigido que tome 
posturas concretas a fim de garantir a igualdade material da 
sociedade. 
Por fim, os direitos de terceira geração, classificados 
como aqueles relativos à fraternidade, isto é, o direito ao 
desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, o patrimônio comum 
da sociedade e à comunicação (BONAVIDES, 2016, p. 584). 
A doutrina mais recente fala em novas dimensões, 
como a quarta, relativa ao direito ao desenvolvimento e a quinta, 
pertinente à paz (BONAVIDES, 2016, p. 585-586 e 594-609). 
Além disso, critica-se o uso da expressão geração, 
pois esse termo daria uma ideia de superação dos direitos 
anteriores pelos posteriores, quando na verdade ocorre um 
processo de cumulação, complementariedade,

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