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Imaginários sócio-discursivos

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Imaginários sócio-discursivos
Luiz Carlos Gonçalves*
No artigo “Les stéréotypes, c’est bien. Les imaginaires, c’est mieux”, o analista do discurso francês Patrick Charaudeau defende que o conceito de imaginários sociais é mais eficiente para se analisar os discursos produzidos socialmente do que o conceito de estereótipo. Segundo Charaudeau (2007: 59-60), estereótipos tendem a depender do julgamento de um sujeito e buscam cristalizar uma ideia. Imaginários, por outro lado, não têm o propósito de estabelecer uma verdade. Assim, de acordo com o autor, imaginários não são nem verdadeiros nem falsos; são uma proposta de visão de mundo que se apoia em saberes construídos a partir de sistemas de pensamento que podem se excluir ou se sobrepor uns sobre os outros. Isso permite ao analista do discurso não ter de denunciar este ou aquele imaginário como falso. Ou, pelo menos, não seria essa a função do analista.
O papel do analista que se baseia nos imaginários consiste em ver como o imaginário aparece, em que situação comunicacional se inscreve e que visão de mundo ele revela. Analisar sob a óptica dos imaginários e não dos estereótipos, seria, por exemplo, em vez de assumir que a concepção de que “Os franceses são sujos” é um estereótipo construído por comunidades estrangeiras a respeito dos franceses, constatar que no imaginário de “asseio/sujeira” se constroem pontos de vista donde se podem analisar os saberes sobre os quais eles se apoiam através do discurso que são produzidos no interior de cada comunidade geradora desse julgamento.
Real e Realidade - A noção de real ao longo do tempo tem sido confundida com a de realidade. A realidade é uma noção dada aos objetos e eventos do mundo exterior ao homem. A realidade se opõe, então, à aparência sensível das coisas (Platão). Designa um mundo psíquico que existe independentemente do homem e se impõe a ele.
Real - O significado não é a realidade ela-mesma, mas uma construção significante da realidade. É essa construção de sentido que chamamos de real significante do mundo: uma palavra constrói através da língua em um contexto cultural, um conceito, um real significante dentro da língua. O real, então, corresponde ao mundo tal qual é construído, estruturado pela atividade significadora do homem através do exercício da linguagem. Assim, o real está ligado à atividade de relacionamento social do homem. A realidade é sempre formatada para se tornar real e essa formatação se dá pela razão. O discurso se constrói sempre do real e o julgamento de verdadeiro ou falso não tem razão de ser aqui. O estereótipo não tem razão de ser aqui.
As representações sociais como mecanismo de construção do real - Representações coletivas ou representações sociais é um conceito que visa a definir uma noção que explique e justifique as práticas sociais, suas normas e regras. Assim, as representações sociais são um modo de conhecimento do mundo socialmente partilhado. Nesse contexto, usa-se a noção de “Imaginários Sociais” como forma mais ampla de se referir às representações sociais acerca do mundo.
Imaginários discursivos - O discurso é o resultado das atividades de representação que constroem universos de pensamento os imaginários são criados para os discursos que circulam nos grupos sociais, organizando-se em sistemas de pensamento coerentes criadores de valores, servindo de justificação de ações sociais e se depositando na memória coletiva. A construção dos imaginários relaciona elementos afetivos e racionais nessa simbolização do mundo e das relações que fazem parte deste mundo. São criados e veiculados pelos discursos circulantes na sociedade com uma dupla função: criação dos valores que serão difundidos na sociedade e justificativa das ações de indivíduos e grupos sociais. É possível notar que os imaginários sócio-discursivos são construídos pelos diversos tipos de saberes encontrados na sociedade. Esses tipos de saberes fundamentam os discursos circulantes e servem como argumentos para a criação dos imaginários. Um mesmo imaginário pode ser positivo ou negativo a depender do domínio de práticas do grupo social em que está inscrito. Os imaginários sociais são gerados através de saberes que se estruturam em Saberes de Conhecimento e de Crença. É a partir desses tipos de saberes e sempre por meio da produção discursiva que se organizam os esquemas de pensamento.
Saberes de conhecimento - Os saberes de conhecimento tendem a estabelecer uma verdade sobre os fenômenos do mundo. Uma verdade que existe fora da subjetividade do sujeito. Essa verdade é sobre a existência de fatos do mundo que se impõem ao homem. O mundo se sobrepõe ao homem. Dessa forma, um saber do conhecimento formaliza um ponto de vista a partir de um sujeito que se quer neutro, desprovido de toda a subjetividade, um enunciador abstrato e impessoal, que costumamos de chamar de “A ciência” ou “A ordem das coisas”. A garantia desse conhecimento é a possibilidade de verificação das hipóteses e do próprio conhecimento. Esse discurso se impõe como uma verdade objetiva. Esse processo de construção do saber dá lugar a dois outros tipos de saberes: o científico e o da experiência.
Saber de conhecimento científico - Esse saber se apoia em procedimentos de observação, experimentação e cálculos, para os quais se utiliza de ferramentas como microscópios e informática. A garantia desse tipo de saber é, portanto, sua capacidade de ser comprovado por qualquer pessoa com competência e ferramentas necessárias. É algo da ordem do comprovável. A maioria das pessoas nunca viu de fato a terra girando ao redor do sol mas acredita porque enxerga esse conhecimento como científico e comprovável de forma indiscutível.
Saber de conhecimento de experiência - Já o conhecimento de experiência, constrói, igualmente, explicações que valem por conhecimentos do mundo, mas sem nenhuma garantia de comprovação. Não se baseiam em procedimentos particulares e nem se utilizam de ferramentas específicas. Assim, todo indivíduo pode se valer de um conhecimento de experiência desde que ele a tenha experimentado e possa supor que outros indivíduos na mesma situação comprovem a mesma coisa. São conhecimentos baseados em experiências comuns a vários indivíduos. Não precisamos, por exemplos, de conhecimentos científicos para saber como age a lei da gravidade. Basta soltar um copo da mão em qualquer lugar do mundo e comprovaremos a ação da gravidade.
Saberes de crença - No que tange aos saberes de crença não há a possibilidade de verificação. Eles podem ser subdivididos em:
I. Saberes de Revelação - As explicações são fundamentadas em uma verdade exterior ao sujeito, mas que não pode ser verificada. O sujeito aceitará essa verdade, independente de haver possíveis contradições aos saberes de conhecimento. Este tipo de saber é exemplificado pelas doutrinas e ideologias.
II. Saberes de Opinião - Os argumentos partem do julgamento e opinião de um determinado sujeito. São construídos por motivações diferenciadas: necessidade, probabilidade, verossimilhança, confronto entre razão e emoção, etc. É interessante notar que este saber é, ao mesmo tempo, pessoal (pois é o julgamento de um ser específico) e social (este ser faz uso dos saberes circulantes na sociedade para construir seu julgamento). Os saberes de crença de opinião podem ser divididos em:
i) Opinião Comum – trata-se de um julgamento generalizado e que é partilhado socialmente. São exemplificados pelos provérbios e pelos enunciados de valor geral.
ii) Opinião Relativa – julgamento que diz respeito a um sujeito individual ou a um grupo específico. O sujeito demonstra o seu posicionamento, o seu juízo de valor sobre determinada pessoa ou situação. O saber de crença de opinião relativa geralmente está inserido em um espaço de discussão da democracia, no qual o sujeito precisa se posicionar favorável ou não diante de um determinado assunto.
iii) Opinião Coletiva – opinião de um determinado grupo em relação a outro grupo, visando a atribuição de um valor identitário a esse grupo.
Este julgamento busca categorizar, definir e essencializar o grupo em questão. Exemplo: Brasileiros acham que os argentinos são soberbos. É como se se dissesse que essa é uma opinião que identifica os brasileiros.
Sobre os tipos de saberes, algumas considerações devem ser apresentadas. Podemos dizer que a principal diferença entre os saberes de conhecimento e os saberes de crença está no tipo de relação estabelecida entre sujeito e mundo. No caso dos saberes de conhecimento, o mundo se sobrepõe ao homem. É a partir da verificação, provada (no caso dos saberes científicos) ou experimentada (no caso dos saberes de experiência) que um determinado argumento se legitima e se fundamenta. No âmbito dos saberes de crença, a relação homem/mundo é diferenciada: é o homem que se sobrepõe ao mundo, isto é, o julgamento subjetivo sobre os fatos do mundo é que se configura com um saber. Por serem subjetivos, estes julgamentos não podem ser verificados. (Disponível em: www.blogdoluizcarlos. com>. Acesso em 28 dez. 2016)
*Professor de Redação do Cefet-MG, mestre em Linguística pela UFMG.

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