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Milenarismo e revolta na vivência dos escravos. Pregações e andanças do «Príncipe Encoberto» na região do ouro. Minas Gerais, séc. XVIII. Ana Margarida Santos Pereira * Bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia Introdução: Na primeira metade do séc. XVIII, a região de Minas Gerais conheceu um desenvolvimento sem precedentes, motivado pela corrida ao ouro, iniciada no final do séc. XVII, com a descoberta dos primeiros filões. Aventureiros e exploradores, indivíduos oriundos das diversas partes do Brasil, da metrópole e suas possessões em África e na Ásia, das ilhas (Madeira e Açores), ou mesmo do estrangeiro, todos aí acorreram; com eles, seguiram também os escravos – 300 000 até ao início dos anos 70 1 – arrancados ao continente africano para responder às necessidades crescentes de mão-de-obra, numa região cuja população crescia a um ritmo vertiginoso. É neste ambiente, marcado por disputas de vária ordem e pela instabilidade própria das sociedades em formação, que surge no Serro do Frio um misterioso «profeta» cujas propostas, difundidas na década de 40 entre os sectores mais ínfimos da sociedade, atingiam os fundamentos sobre os quais assentava a presença metropolitana na colónia, questionando o sistema escravista, cujo funcionamento era essencial à exploração da mesma e à viabilidade económica do Brasil no âmbito do império português. É desta extraordinária figura, até ao momento desconhecida, que aqui nos propomos tratar. 1. Os factos: No início da década de 40 do séc. XVIII – presumivelmente em 1742 -, apareceu na Vila do Príncipe (Comarca do Serro do Frio) um homem branco, “em trajes de mendicante, e barbas compridas” 2, que dizia chamar-se António da Silva: durante algum tempo, andou de porta em porta a pedir esmola para fazer via sacras; mais tarde, instalou-se em casa de João Gonçalves, ferreiro, onde passou a dar aulas, tendo a seu cargo um número indeterminado de alunos, que com ele aprendiam a ler e a escrever. Os rumores cada vez mais insistentes sobre a sua proximidade com os elementos negros da população e o avolumar das suspeitas quanto à existência de preparativos em curso para uma sublevação de escravos, cujo líder e principal instigador seria o misterioso forasteiro, criaram, porém, uma enorme perturbação nos proprietários e, de uma forma geral, entre os habitantes de origem europeia, precipitando o rumo dos acontecimentos num sentido pouco favorável para o recém-chegado. Apreensivos em relação ao que pudesse vir a suceder e, acima de tudo, preocupados em garantir a defesa dos seus bens individuais e dos interesses colectivos, inerentes ao grupo do qual faziam parte, os proprietários locais, vítimas certas da revolta em perspectiva, ter-se-iam, de * Doutoranda Univ. Coimbra & Univ. van Amsterdam. 1 Stuart SCHWARTZ, «Escravatura e comércio de escravos no Brasil do século XVIII», in Francisco BETHENCOURT & Kirti CHAUDHURI (dir.), História da Expansão Portuguesa. O Brasil na Balança do Império (1697-1808), Lisboa, Temas e Debates, vol. 3, 1998, p. 110. 2 As citações que daqui em diante apresentamos, bem como as informações mencionadas, estão contidas (excepto indicação em contrário) em Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (daqui em diante, IAN/TT), Inquisição de Lisboa, Maços, n.º 58, doc. não numer., fls. 269-328v. Actas do Congresso Internacional Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades 2 Ana Margarida Santos Pereira facto, apressado a exigir a intervenção das autoridades. António da Silva foi preso por ordem do ouvidor geral da Comarca, juntamente com uma escrava de nome Mariana, “sua parcial”, e deu-se início à audição de testemunhas para apurar as suas culpas. Na devassa, a cargo de António Camelo Alcoforado, que na altura desempenhava as funções de juiz ordinário, determinou-se que, além de incitar os cativos à revolta, o prisioneiro era também passível de culpa por ter proferido “muitas palavras mal soantes, e contrarias á nossa santa Fe”, razão pela qual foi denunciado à justiça eclesiástica, na falta de um comissário da Inquisição, a quem com propriedade competia o conhecimento do caso. Esta queixa deu origem a uma nova audição de testemunhas – nove ao todo –, que teve lugar nos dias 19 e 20 de Dezembro de 1744, em sessões conduzidas pelo vigário da vara, Pe. Miguel Carvalho de Almeida e Matos, com a assistência do Pe. João Caldeira de Mendonça, que procedeu ao registo dos depoimentos. As informações apuradas não só corroboravam a denúncia, como lhe acrescentaram ainda alguns pormenores inquietantes, razão pela qual se decidiu que ambos os prisioneiros fossem mantidos em cativeiro, ao mesmo tempo que o auto de testemunhas era enviado para Lisboa, a fim de se dar conhecimento do caso aos inquisidores, cujas instruções deveriam, daí em diante, determinar a actuação do vigário da vara. O despacho, com data de 17 de Março de 1746, ordenava a realização de um novo inquérito, com o objectivo de estabelecer a veracidade dos factos e averiguar a capacidade do denunciado, isto é: a sua sanidade mental. A autoridade encarregue das investigações foi mais uma vez o Pe. Miguel Carvalho de Almeida e Matos, agora vigário da matriz de Nª Sra da Conceição do Mato Dentro (ainda na Comarca do Serro do Frio), e as audições tiveram lugar em Setembro do mesmo ano na Vila do Príncipe, desta vez com a assistência do Pe. Luís da Rocha Azevedo. As testemunhas, em número de 15, eram quase todas pertencentes à elite local: mineradores e proprietários de roças oriundos da metrópole, alguns dos quais tinham estado aliás directamente envolvidos na prisão de António da Silva. Além destes, foram ainda ouvidas duas escravas, a já referida Mariana, ela também ainda no cárcere, e Clara, preta de «nação Courana»3, 30 anos, escrava de António Ferreira da Silva. O inquérito terminou com o interrogatório do denunciado, que, de uma forma sucinta, desdisse todas as acusações de que havia sido alvo; as suas palavras não foram, porém, suficientes para persuadir o responsável pelas investigações, que, antes pelo contrário, viu nelas a confirmação das suas suspeitas, disso mesmo se apressando a dar conta aos inquisidores. Outra seria, contudo, a opinião dos responsáveis pelo tribunal português: em 9 de Março de 1753, sete anos após a sua prisão, emitiram um documento pelo qual ordenavam a libertação imediata de António da Silva, declarando ter-se provado que padecia de loucura. O Pe. Miguel Carvalho, que o retivera no cárcere sem para isso ter ordem da Inquisição, foi alvo de uma severa reprimenda, sendo ainda avisado para não voltar a proceder da mesma forma, sob pena de lhe ser aplicada uma punição 4. O Barbas, nome pelo qual também era conhecido, e a sua extraordinária história chegaram até nós precisamente graças aos dois autos de testemunhas enviados do Brasil pelo Pe. Miguel 3 Mariza de Carvalho SOARES, Devotos da Cor. Identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000, p. 109, afirma não se poder determinar com segurança a procedência da «nação courana», referindo, porém, que o Lago Tchad, situado no extremo Norte da Nigéria, era conhecido na Idade Média como Lago Koura. Luiz MOTT, «Acotundá: raízes setecentistas do sincretismo religioso afro-brasileiro», in Escravidão, Homossexualidade e Demonologia, São Paulo, Ícone Editora, 1988, pp. 102-103, afirma não ter a menor dúvida em localizar “na costa ocidental da África o lugar de origem dos Courá de Minas Gerais – mais precisamente no território hoje ocupado pelo distrito de Lagoa, na Nigéria [...] vieram [...] dos arredores do lago Curamo, situado entre Lagos ao sul e o porto de Judá ao norte”. 4 Na respostaà carta que lhe fora do Tribunal, datada do Serro do Frio em 22 de Setembro de 1753, o Pe. Miguel Carvalho justificava-se dizendo que agira daquela forma “tanto para que o juizo seccular nam entrasse em mais procedimentos como tambem para que o mesmo prezo, vendo sse na sua liberdade nam continuasse em mayores erros, entre [aqueles] povos rusticos”; não terminava, porém, sem pedir humildemente desculpa por ter actuado sem ordem expressa dos inquisidores. Sobre a actuação da Inquisição de Lisboa em defesa das suas prerrogativas, contra os abusos levados a cabo pelas autoridades eclesiásticas sediadas no Brasil, v. Ana M. Santos PEREIRA, A Inquisição no Brasil. Aspectos da sua actuação nas Capitanias do Sul – de meados do séc. XVI ao princípio do séc. XVIII, Coimbra, Faculdade de Letras - Universidade de Coimbra, 2001 (dissertação de Mestrado – no prelo), pp. 65-88. Comunicações Milenarismo e revolta na vivência dos escravos… Minas Gerais no século XVIII 3 Carvalho de Almeida e Matos, que ainda hoje se conservam nos Arquivos da Inquisição 5. Quem era afinal este homem, aparentemente inofensivo, e porque razão foi a sua presença tão perturbadora e incómoda ao ponto de mobilizar as autoridades locais - civis e eclesiásticas - para o manterem na prisão, onde permaneceu pelo menos durante nove anos? Em que consistiam as “palavras blasfemas” que alegadamente teria proferido, que “couzas contra a [...] sancta Fee” ensinava às “pessoas rudes” e a que outros “erros contra os boens custumes” se referiam as acusações de que foi alvo? 2. O protagonista: Inicialmente tomado como mendigo, o homem sobre quem mais tarde recaíram todas as suspeitas foi, ao que tudo indica, bem acolhido na Vila do Príncipe, porque além de se mostrar profundamente crente, a sua “soberania” e a “sezudeza no aspecto” teriam eliminado a desconfiança com que habitualmente eram tratados os forasteiros, ao ponto de alguns habitantes não terem tido sequer dúvidas em franquear-lhe as portas das suas casas e outros mesmo em confiar-lhe os seus filhos para os ensinar. Na verdade, além de ter estado em casa de João Ferreira, viveu também durante algum tempo em casa de Pedro Homem Leonardo, entretanto falecido; daí mudou-se para o sítio de Manuel Mendes Raso, natural de Macieira de Cambra (Bispado de Coimbra), homem já sexagenário, que vivia da extracção do ouro e do produto das suas roças; e também esteve, ainda que ao que parece por apenas alguns dias, na roça de Manuel Lobo Pereira, que em todo o caso frequentava. No entanto, à medida que o tempo passava e os rumores em redor do forasteiro cresciam de tom, começaram também a avolumar-se as dúvidas sobre a sua verdadeira identidade, dúvidas essas, aliás, encorajadas, senão mesmo fomentadas, pelo próprio. Os documentos que chegaram até nós revelam, na verdade, as pistas desencontradas que a esse propósito por si foram postas a circular e a perplexidade gerada pelas suas contradições, no seio da própria população. Quando foi interrogado pelo Pe. Miguel Carvalho, identificou-se como António da Silva, filho legítimo de Ana Maria 6 e de Manuel da Silva, dois “pobres de ganha vida” que moravam em Santo António do Tojal, nos arrabaldes de Lisboa, onde, segundo afirmava, nascera e fora baptizado. A freguesia, cuja designação foi entretanto alterada para Santo Antão do Tojal, pertence hoje ao concelho de Loures; partindo do princípio que o indivíduo em questão tivesse nascido algures entre o final do séc. XVII e os primeiros anos do seguinte, verificámos os livros de registo de baptismos correspondentes a esse período mas a sua consulta revelou-se infrutífera, porque não foi possível localizar nenhum assento que se ajustasse de forma cabal às indicações fornecidas pelo próprio 7. Voltemos, porém, ao seu relato: ainda pequeno, fugiu de casa dos pais, dirigindo-se para a capital, “aonde asistio em varias cazas servindo a quem lhe dava algua couza”, e depois como aguadeiro; até que, insatisfeito com a sua própria sorte, “rezolveo” ir experimentar a vida na América, embarcando na galera Sto António e Almas, em cujo serviço foi aceite, o que lhe teria permitido custear a viagem. Sobre a sua chegada ao Rio de Janeiro ou o que fez enquanto lá esteve, nada: apenas que “se deyxou ficar [...] athe, que achou huns homens de caminho com quem se aranchou, e passou com elles para as Minas”, onde mais uma vez se deixou ficar, mendigando o seu sustento de porta em porta, primeiro na Comarca do Rio das Mortes e, depois, no Serro do Frio. A informação veiculada pelas testemunhas de cujos depoimentos ficou registo sugeria, porém, uma imagem em tudo diversa do retrato de si traçado pelo próprio diante do vigário. 5 A consulta da devassa realizada por ordem do juiz ordinário seria para nós de grande interesse mas, até agora, ainda não foi possível localizá-la. Aproveitamos, aliás, para agradecer o interesse a este propósito manifestado pelo Prof. Doutor Luís Carlos Villalta, da UFMG. 6 A uma das testemunhas, haveria, no entanto, de dizer que a sua mãe se chamava Maria da Silva e era taverneira. 7 Consultámos todos os registos compreendidos entre 1670 e 1728. Apesar de não existir nenhum nome que preencha todos os requisitos necessários, encontrámos algumas aproximações, sem termos porém indícios adicionais, que nos permitam afirmar tratar-se do indivíduo por nós procurado: são os casos de António, filho de João da Silva e de Ana da Silva, baptizado em 18 de Setembro de 1689; outra criança com esse nome, aparentemente filho dos mesmos, baptizada em 12 de Maio de 1692; e um António, filho de Manuel da Silva e de Beatriz da Cunha, baptizado em 22 de Janeiro de 1720, tendo como padrinhos António da Cunha e Abreu e D. Joana Maria Henriques, ambos moradores na sua quinta da Rua das Cotovias. IAN/TT, Registos Paroquiais, Santo Antão do Tojal, Baptismos, Liv. 1 e 2. Actas do Congresso Internacional Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades 4 Ana Margarida Santos Pereira Mariana da Assunção, preta de «nação Xambá» 8, 60 anos, escrava de Manuel Lobo Pereira, a mesma a quem acima fizemos referência, detida pela sua proximidade com António da Silva, que admirava como a um “santinho” 9, afirmou ter-lhe ouvido dizer que era um “princepe filho natural do nosso rey [D. João V], e que quando nascera e lhe foram sahindo os dentes como tinha dous grandes como seu pay, sua may lhos mandara limar para não ser conhecido por elles, e que seu pay, o queria jurar por princepe, porem que o princepe Dom Jozeph e seus inimigos o querião matar, por cuja cauza se abzentara disfarsado havia quatro annos [em 1740] mandado por Deos e seus anjos”. Além disso, ter-lhe-ia revelado que o seu nome verdadeiro era João Lourenço, “porem elle por onde quer que andava para não ser conhecido dizia que se chamava Antonio da Sylva”. A Manuel Mendes Raso, disse que “supposto tinha muitos inimigos que ninguem o conhecia, porem que em fazendo a barba logo o haviam conhecer” Um papel que, pela letra, se verificou ter sido escrito por António da Silva, encontrado pelo seu senhor na posse de Mariana e por este mesmo entregue ao juiz ordinário, veio, aliás, corroborar a versão ecoada pela escrava. Neste papel, a que Manuel Lobo Pereira chamou «bula» 10, o denunciado intitulava-se nem mais nem menos do que como “João Lourenço principe emcuberto, filho do rey João Quinto, e de Victoria, portuguezes, por mandàdo de Deos, asistente na cidàde das Minas da pràta, ouro, e diversas pèdras perciòzas, e diamantes, [e] capèla Nòssa Senhora da Conceysão”. Quer tenha sido divulgada pelo próprio ou não, a notícia segundo a qual o mendigo por todos conhecido como António da Silva proclamava ser filho do rei com uma mulher mundana, parecia, de resto, ser já conhecida por muitos. Ora,entre os habitantes, as opiniões dividiam-se: uns insistiam em dizer que era louco mas outros havia para quem o misterioso forasteiro era um homem acima de tudo dissimulado e muito sagaz. João Gonçalves, natural de S. Pedro do Paraíso (concelho de Paiva), 40 anos, o ferreiro em casa de quem esteve, segundo este afirmava apenas um mês, dizia que, enquanto o tivera como hóspede, António da Silva havia revelado ser uma pessoa volúvel, devido às contradições em que com frequência esbarrava, e que durante a noite gritava, sem que ninguém pudesse entender o que dizia; apesar disso, não lhe parecia que tivesse falta de entendimento, porque “nas couzas publicas sempre se portava com sezudeza, e como homem de perfeito juizo”. Quanto ao facto de se dizer umas vezes fidalgo e noutras como sendo de origem humilde, não sabia se o fazia “por louco, se por velhaco”. Francisco José Coutinho, oriundo da região do Porto, 38 anos, tabelião, não tinha dúvidas: na qualidade de escrivão, assistira ao interrogatório conduzido pelo juiz ordinário e o que então ouviu deixou-o firmemente persuadido que o denunciado tinha “mais de velhaco do que de louco”. Isso mesmo pensava também Sebastião Lopes Afonso, oriundo do Arcebispado de Braga, 32 anos, estalajadeiro, que via no facto de “se andar metendo com os 8 Julita SCARANO, Devoção e Escravidão. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Distrito Diamantino no séc. XVIII, São Paulo, Conselho Estadual de Cultura, 1975, pp. 107-108, afirma que naquelas irmandades se encontravam, sobretudo, os negros vulgarmente designados como minas (na sua maioria pertencentes ao grupo linguístico iorubá), seguidos pelos benguelas (do Sul de Angola) e em terceiro lugar pelos nagôs (do mesmo grupo linguístico dos primeiros); depois vinham os angolas mas, conforme acrescenta a autora, “além dessas há todo um desfilar de “nações”, algumas com apenas dois ou três representantes: Dagomé (Daomé), Tapa, Congo-Cabinda, Moçambique, Maqui, Sabará, Timbu, Cobu, Xamba, Malé” [sublinhado nosso]. A escrava Mariana aparece identificada na documentação como sendo natural da Costa da Mina. 9 No seu primeiro depoimento perante o vigário da vara, Mariana procurou afastar de si quaisquer culpas, descrevendo uma conversa que alegadamente teria tido lugar entre ela e António da Silva, no decurso da qual o repreendera por insistir em negar a divindade de Cristo, incorrendo assim em blasfémia; na mesma ocasião, ter-lhe-ia dito que “adorasse muito embora ao seu Deos, que ella testemunha sô queria e adorava a Nosso Senhor Jezus Christo, e que para ver qual Deos era melhor se puzessem escondidos hum em hua parte e outro na outra e que aquelle em que a justiça pegasse primeyro ficaria sendo verdadeyro o Deos a quem o outro adorasse; e com effeyto apartando se ella testemunha do ditto denunciado deo a este hua catanna que era de seu senhor, e passado alguns dias teve noticia que o denunciado estava prezo a ordem do doutor ouvidor geral desta Comarca, a qual noticia lhe deo o sobreditto negro Thomê escravo de Antonio Francisco, o qual tambem lhe disse que a justiça, â procurava a ella testemunha razam porque se abzentara para o arrayal de Tapanhuacanga aonde esteve athe o prezente”. 10 Além da «bula», cuja transcrição se encontra em anexo, Manuel Lobo Pereira encontrou ainda outros papéis pertencentes ao denunciado, entre os quais um, também da sua letra, no qual se intitulava “João Lourenço Negro”. Nos documentos enviados à Inquisição encontra-se apenas a referida «bula», sendo, portanto, de supor que os restantes tivessem ficado apensos ao auto de devassa, levado a cabo por ordem da justiça secular. Comunicações Milenarismo e revolta na vivência dos escravos… Minas Gerais no século XVIII 5 negros fazendo se seo principe” uma prova inequívoca da velhacaria do denunciado, que aliás ajudara a prender. O relato feito por Manuel Mendes Raso era, no entanto, perturbador: de acordo com o seu depoimento, no período em que o sujeito em questão estivera alojado no seu sítio “o vio elle testemunha alguas vezes de madrugada posto de joelhos com os braços em cruz olhando para o ceo e fazendo oração, e passados couzas de dous mezes varias vezes vio elle testemunha ao mesmo denumciado sahir para os caminhos do mesmo sitio ahonde andava paceando largo tempo, ou quazi todo o dia fallando e gritando sô como homem que traz pleytos, ou demandas; e em hua destas occazioens o vio andar nû como sua may o pario, e so se cobrio por sentir pasar gente pelo caminho”. Enquanto gritava, “varias vezes mudava a falla huas vezes grossa e outra delgada como em preguntas e respostas, mas sem que elle testemunha lhe precebesse o que dizia”; tirando isso, nunca lhe vira, porém, outras acções pelas quais demonstrasse ser louco, nem tão pouco bebia, para que se pudesse dizer que agia sob a influência do álcool 11. O escrivão que estivera presente no interrogatório realizado pelo juiz ordinário assegurava que “en todas as ocaziões, que communicou ao dito Antonio da Sylva, especialmente nas preguntas judiciaes lhe parecera homem de juizo, e que neste não padecia falta algua pella expedição, e acerto con que fallava”. A sua opinião era partilhada pelo Pe. Miguel Carvalho, cuja análise, de forte pendor psicológico, vale a pena aqui transcrever: o “dilinquente”, pode ler-se na carta-relatório que em 2 de Novembro de 1746 enviou para a Inquisição, “[procurava] sempre pessoas sinceras com as quais tinha as suas converssas conforme os genios, que nellas percebia, e com algumas se fingia princepe encuberto, como foi com o padre Manoel da Rocha de Azevedo, sacerdote de boa vida e costumes morador no Arrayal da Tapera desta Comarca e sinçero, a quem o diliquente affirmou ser princepe, e que viera fugido para esta terra por quererem mata llo, e que por hisso andava disfarcado, e occulto, o que o mesmo padre me disse a mim, vendo eu em sua caza huma occaziam, áo tal delinquente, e lhe perguntar, quem elle era. Como tambem o padre Joze dos Santos morador na Villa do Princepe, me disse, que o dito delinquente, em converssa que teve com elle, se lhe quisera fazer verdadeyro proffeta, rezam porque o julgava falto de juizo. Nam me consta, que pedisse esmollas, aceytava sim o que lhe davam para seu sustento, mostrando sse sempre inteyro, e independente, com muito bom modo nos lugares sagrados, e nos publicos: fallando com pessoas intelligentes mostra ter muito boa capacidade, e juizo, e de que teve criacam muito diverssa, do que declara no seu depoimento nas perguntas, que lhe fis, nas quais colhi delle ser bastantemente sagaz, e prespectivo, pois se não contradisse em couza alguma. Os motivos, que houve para ser prezo, foi o dizer sse tinha feyto sequito de negros, e de mulatos, á quem affirmava, que era seu princepe, e que vinha mandado por Deos a livra llos do captiveyro em que estavam, pois todos eram livres, e devassando sse disto pello juizo seccular, foi prezo, e logo que esteve na cadea se foram publicando as prepozições, que elle di[zi]a, delatando cada hum, o que lhe tinha ouvido; sendo que me não consta, que em publico as deffendesse, ou affirmasse, mais do que na forma, que declaram as testemunhas, por onde me parece se faz mais sospeytoza a sua sagacidade”. O vigário, homem imbuído da espiritualidade do tempo, não tinha, porém, dúvidas em atribuir a alucinações provocadas pelo Demónio o comportamento do denunciado, que por esse motivo se deixaria cair “naquelles absurdos”. Como já tivemos oportunidade de referir, os esforços levados a cabo pelo vigário – que provavelmente aspirava tornar-se comissário do Santo Ofício, por isso desejando mostrar serviço 12 – e a explanação que fez do caso não colheram os frutos 11 O licenciado Simão Pacheco, vigáriocolado na matriz de Nossa Senhora da Conceição, e o Doutor José dos Santos, promotor do Juízo Eclesiástico na Comarca do Serro do Frio, que na qualidade de ratificantes assistiram ao segundo depoimento de Manuel Mendes Raso, certamente confusos pelo teor contraditório das suas declarações, acharam por bem esclarecer que “lhes parecia, que o dito prezo Antonio da Sylva, lhes parecia ser louco, e falto de juizo por respeito de alguas pallavras que lhes ouvirão fora do raciocinio humano no tempo en que andava por esta villa, e que nesta parte lhes parecia que a sobredita testemunha no que respeita a dizer no fim do seo testemunho que não ouvira ao dito Antonio da Sylva accões de louco, mais do que aquellas, que elle declara depunha materialmente respeitando as accoes externas”. 12 Os comissários do Santo Ofício, obrigatoriamente pertencentes aos quadros da Igreja, eram normalmente indivíduos experientes, habituados a exercer funções de responsabilidade. Os seus deveres obedeciam a um regimento próprio mas, no Brasil, a distância que os separava da metrópole conferia-lhes uma importância superior à dos que exerciam as suas funções no território do continente e, não havendo um tribunal na colónia, eram eles a autoridade máxima a quem tinham de se dirigir os outros funcionários, o que, sem dúvida alguma, contribuía para aumentar o prestígio inerente ao próprio cargo. Ana M. Santos PEREIRA, A Inquisição no Brasil… cit., pp. 92-95. Actas do Congresso Internacional Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades 6 Ana Margarida Santos Pereira esperados, porque, além de ter sido repreendido, os inquisidores ignoraram as suas alusões a uma possível intervenção demoníaca, declarando o prisioneiro como louco e, enquanto tal, passível de ser libertado. A maioria dos habitantes parecia também acreditar - ou, a julgar por aqueles cujos depoimentos foram registados, assim o queria fazer crer - que António da Silva, se não era louco, tinha com certeza alguma falta de entendimento. Entre os elementos que compunham a população negra da região, havia, porém, uma opinião distinta a respeito do misterioso forasteiro: António Carimá, preto forro, entretanto falecido, que tinha fama de adivinhador, razão pela qual António da Silva lhe pediu para saber se o rei continuava vivo, “pelo ter deixado doente” quando saíra de Lisboa, ter-lhe-á mesmo dito que ele “era princepe e que havia sahir [daquela] terra com coroa, e que isso mesmo significavão huas estrellas que apparecião na madrugada com rabos e brassos”. Predestinado ou não, o certo é que reuniu à sua volta um número indeterminado de escravos, alguns dos quais diziam ouvir falar dele em sonhos, e numa reunião que teve lugar na roça de Manuel Lobo Pereira (então ausente), liderada por António da Silva, com a presença de vários negros, ele próprio desfez todas as dúvidas, asseverando-lhes que era “hum princepe que [ia àquela] terra mandado pelo Padre Eterno e por el rey seu pay a restaurar os pretos e mulatos dos captiveyros e tira llos do poder de seus senhores para hir com elles restaurar a Caza Sancta”. Príncipe ou louco, velhaco ou profeta, simples intrujão ou homem imbuído de um ideal superior... a dúvida persiste. Pistas, temos algumas, fornecidas pela própria documentação: Manuel Pinto, natural de Lisboa, que na qualidade de carcereiro lidou de perto com o forasteiro, vira-o conversar “com quietação, e discurso mostrando, que [hera] lido”, razão pela qual suspeitava que não fosse secular. António Camelo Alcoforado, natural do Porto, 41 anos, o juiz encarregue da prisão, agora apenas ocupado na actividade mineradora, vivendo do que extraía das suas lavras e faisqueiras, declarava, por seu lado, que o prisioneiro em questão tinha “muito bom entendemento por saber dar muito bem o seo recado rezão, porque se [persuadia], que elle fora estudante”. E o Pe. Miguel Carvalho, como atrás se disse, estava convencido que tivera “criacam muito diverssa” daquela a que no seu depoimento fazia menção. As declarações sucessivamente prestadas pelas testemunhas poderão dar-nos conta das suas diversas motivações, remetendo, de forma mais ou menos explícita, para a dinâmica dos equilíbrios sociais à escala local e, acima de tudo, para o funcionamento do poder e para a repartição do mesmo entre grupos cujos interesses, nem sempre convergentes, fomentavam rivalidades. De que outra forma, senão desta, poderíamos, em boa verdade, explicar as contradições presentes nos depoimentos de todos aqueles que, apesar de fornecerem indícios em contrário, se recusavam a admitir que António da Silva fosse louco, ao passo que outros não tinham qualquer dificuldade em fazê-lo? Um louco seria, mais cedo ou mais tarde, colocado em liberdade; não o sendo, poderia permanecer na prisão por vários anos, enquanto o seu processo se afundava nos meandros da justiça colonial, ou, melhor ainda, poderia ser recambiado para Lisboa e de cá nunca mais voltar. Poderíamos, então, vislumbrar neste caso sinais de uma oposição entre proprietários de escravos e aqueles que, não os tendo, cobiçavam o lugar dos primeiros? Entre colonos fiéis ao poder da metrópole e outros que a ele se opunham, em defesa dos seus próprios interesses locais? Hipóteses que, estamos persuadidas, só um estudo aprofundado, com incidência nas diversas vertentes da vida local, poderia esclarecer com alguma segurança. Num ponto, parece, no entanto, que todos teriam razão: a desenvoltura com que António da Silva se exprimia, o seu comportamento em público, o facto de saber ler e escrever (coisa que, como se sabe, ainda não era de todo comum naquela época), eram outros tantos indícios que apontavam para que, ao contrário do que ele próprio fazia crer, tivesse recebido algum tipo de instrução formal. As alusões de carácter religioso que polvilhavam o seu discurso, bem como as interpelações e críticas a aspectos da doutrina, poderiam levar-nos a supor que se trataria de um regular (jesuíta?) ou de um antigo estudante, que sem meios para tomar ordens ou de ânimo inconformado e não satisfeito com as respostas que a Igreja lhe dava, tivesse resolvido ausentar- se clandestinamente, razão pela qual dissimulava. Mas neste ponto também não há forma de, pelo menos por agora, podermos firmar quaisquer certezas. Sabemos, isso sim, que era opinioso, Comunicações Milenarismo e revolta na vivência dos escravos… Minas Gerais no século XVIII 7 censurando-se-lhe o facto de “entrometer ce a fallar em todas as materias quando para isso se lhe offerecia occazião”. Se a sua origem permanece ainda envolvida em mistério, o destino de António da Silva também é para nós desconhecido. As últimas notícias que dele nos chegaram datam de 1753: em 9 de Março, deu-se a expedição do despacho que o declarava como louco, ordenando a sua libertação imediata; a 27 do mesmo mês, o tribunal de Lisboa recebia porém uma ordem emanada do Conselho Geral do Santo Ofício, em que se pedia aos inquisidores para informarem “logo” sobre o conteúdo de um requerimento enviado no ano anterior pelo denunciado, no qual dava conta das “gravissimas necessidades” que nos últimos sete anos havia padecido no cárcere, “por ser pessoa pobrissima, e que so vivia das esmolas que hos fieis lhe davão andando pedindo por diversas partes das Minas, antes da sua prisão, e nesta se [alimentava] ainda de esmolas, mas por ser a terra pouco populosa, e os moradores da mesma menos abundantes de charidade, e cabedaes; [faltavão] aquellas, e [perecia] quasi muitas vezes á fome o supplicante”. Às dificuldades de ordem material, acrescia ainda o facto de estar intimamente convicto de não haver cometido qualquer falta merecedora de castigo por parte da Inquisição e a suspeita de que o Tribunal não fora informado da sua prisão, caso contrário teria sido entretanto enviado para Lisboa, a fim de serprocessado. Pedia, portanto, que se indagasse e se, de facto, assim fosse, que o mandassem soltar 13. A resposta dos inquisidores, com data de 29 de Março, dava conta da decisão comunicada pelo despacho de dia 9 mas o Conselho Geral mandou imediatamente repetir a ordem de soltura 14. A actuação do Conselho Geral e a decisão tomada poucos dias antes pelo tribunal parecem sugerir uma intervenção, provavelmente de alguém bem colocado, a favor do prisioneiro, com os inquisidores a tentarem antecipar-se ao Conselho Geral, mas também aqui não há informações concretas. Os ventos, até aí tão aziagos ao desgraçado «príncipe», sopravam de novo a seu favor? Iria finalmente cumprir-se a profecia das estrelas? 3. As propostas – elementos para a sua análise: As acusações de que foi alvo António da Silva eram muitas e variadas mas, de um modo geral, podem ser divididas em dois grupos: o primeiro diz respeito às blasfémias e proposições heréticas, que de acordo com várias testemunhas proferia. Neste aspecto, o seu caso era semelhante a muitos outros de que, na colónia e fora dela, temos notícia: nas palavras, que com ira ou sem ela, eram usadas para insultar a divindade e nas dúvidas formuladas em termos por vezes muito pouco ortodoxos, quando não mesmo sediciosos, encontramos, de facto, a expressão de perplexidades que eram comuns a muitos contemporâneos, quer no que se referia ao papel da Igreja como intermediária entre o Homem e o divino, quer mesmo relativamente aos princípios do Catolicismo, em muitos casos tidos como desfasados e insuficientes para sossegar as interrogações trazidas pelos novos tempos, fruto das mudanças sem precedentes ocorridas nos últimos séculos 15. Com uma confiança redobrada nas suas próprias capacidades, o homem moderno não se coibia de questionar a autoridade, até então indisputada, dos textos sagrados, forjando as respostas que lhe permitiriam lidar com uma realidade a muitos títulos angustiante e que, apesar dos progressos alcançados, teimava em escapar ao seu controlo. A difusão do livro e das práticas de leitura, ocorrida no decurso da época moderna, fomentaria também, por outro lado, a “apropriação inventiva de textos e símbolos considerados sagrados”, abrindo em muitos casos o caminho à heresia 16. Algumas das afirmações cuja autoria foi atribuída a António da Silva são, a este propósito, elucidativas: umas vezes questionava a passagem do Pai Nosso em que se dizia “não nos deixeis cair em tentação”, perguntando “porque razam Deos Senhor nosso sendo poderoso nos havia de 13 Com o requerimento, vinha também uma certidão com a cópia de uma verba que se encontrara no livro em que se faziam os assentos dos presos, pela qual se dava conta que António da Silva fora embargado na prisão em nome do Santo Ofício no dia 14 de Agosto de 1745. 14 IAN/TT, Inquisição de Lisboa, Ordens do Conselho Geral, liv. 157, fls. 102-106. 15 Jean DELUMEAU (dir.), Injures et Blasphemes, Paris, Imago, 1989; Robert MUCHEMBLED, Popular Culture and Elite Culture in France, 1400-1750. Baton Rouge & Londres: Louisiana State University Press, 1985. 16 Luiz Carlos VILLALTA, Reformismo Ilustrado, Censura e Práticas de Leitura: usos do livro na América Portuguesal, São Paulo, Universidade de São Paulo – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (Departamento de História), 1999 (dissertação de Doutoramento), pp. 416-456. Actas do Congresso Internacional Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades 8 Ana Margarida Santos Pereira deichar cahir” ; outras vezes dizia que “Deos nosso Senhor não governava bem”, irritando-se com Ele “por nos deixar o nosso livre arbitrio na materia de peccados”. Quando soube que o queriam prender, exasperou-se, dizendo: “maldito seja o Crucificado, que me mandou a esta terra, e não sei o para que” ; antes disso, afirmava que “todos os trabalhos de penitencias, oraçoens, jejuens, e diciplinas nos tinha deichado Christo crucificado porque era Nosso inimigo, que era filho de Galilea, e que tinha botado tod aquelle [sic] gente de Galilea a perder e que tinha vindo ao mundo sem consentimento do Padre Eterno, e que tinha enganado a Maria Sanctissima”. Os aspectos puramente exteriores da vivência religiosa eram-lhe, de resto, especialmente detestáveis: sobre as relíquias dos santos, lá como cá objecto de veneração, dizia que as de lá “não erão verdadeyras” e uma das testemunhas afirmou que o prisioneiro lhe dissera para não se importar em ir à igreja, “porquanto tinha hum livro que postos de joelhos e rezando por elle satisfazião a missa”, e que “outras occazioens fallando se em sacerdotes disse o denumciado por alguas vezes que tudo o que estava dizendo lâ no sitio o sabia [sic] no mesmo tempo certos sacerdotes moradores nesta villa, como tambem elle sabia la no mesmo tempo tudo quanto elles câ fallavão, estando em distancia couza de hua legoa”. A Mariana, que com temor do Inferno recusara a sua proposta para terem ajuntamento carnal, disse que “isso se não comfessava, e que não havia Inferno, e que as pessoas, quando morrião tornavão se a gerar nas mulheres, para tornar a nascer”. Os princípios relacionados com a moral sexual eram, aliás, especialmente visados pelas críticas e constantemente deturpados pelos crentes, segundo os seus próprios desejos e objectivos. Tal como muitos dos seus contemporâneos, António da Silva parecia estar, por exemplo, convencido que “hum homem ainda que estivesse toda a sua vida amancebado com hua mulher não cometia tão grande peccado como andando coabitando com muitas mulheres”. Estes e outros ditos, menos graves no caso das blasfémias, mais sérios e dignos de preocupação no que se refere às proposições que se dirigiam contra os princípios sobre os quais assentava a doutrina cristã – como quando negava a existência do Inferno, defendendo o princípio da reencarnação, quando afirmava que “Christo Senhor Nosso não hera o que salvava, mas sim o Padre Eterno” ou que “Deos não [hera] outra couza mais, do que hum homem, como qualquer dos outros homenns” 17– e, por esse motivo, recaíam sob a alçada exclusiva da Inquisição; estes e outros ditos semelhantes, dizíamos, eram quando muito motivo de escândalo, podendo dar origem a uma ou mais denúncias à justiça eclesiástica, mas, por si sós, não justificavam a mobilização dos poderes locais para garantir a neutralização do seu autor. Na verdade, a razão pela qual António da Silva foi preso e, pelo menos durante quase uma década mantido longe dos olhares alheios, prendia-se antes com as suas actividades junto da população negra, já aqui por diversas vezes afloradas. Isso mesmo foi confirmado por algumas testemunhas, como Sebastião Lopes Afonso, natural de Chaves, 31 anos, homem que vivia de sua agência, o qual afirmou ter ido à roça de Manuel Lobo Pereira com a intenção de prender o denunciado, em virtude de uma ordem emitida pelo ouvidor geral da Comarca, que decretara a sua captura por haver na vila “hua grande revoluçam entre os moradores della por respeito de se dizer que [...] tinha feito hum ajuntamento de negros para dar de repente [nela]”. A originalidade do caso e aquilo que o distancia de outros por nós conhecidos 18, aproximando-o, no entanto, dos movimentos de cariz messiânico-milenarista, que desde a época colonial até mesmo aos nossos dias surgem um pouco por todo o lado no Brasil 19, reside precisamente no discurso do 17 Esta última afirmação foi proferida já na prisão, segundo o depoimento do carceiro, que além de outras coisas também lhe teria ouvido dizer: “malditos sejão os deozes, sanctos, e santas, que com elles não queria nada, só com os diabos, que esses erão seos amigos = e outrosim dizendo que não ha Deos verdadeyro, mas antes, que he mentirozo, porquanto se dizem, que daa cada hua das pessoas hum anjo da goarda este havia de ser para o goardar de todo o mal, e como as não goarda, que elle he o que tem a culpa, e deve ser o castigado, e não elle dito Antonio da Sylva, como tambem dizendo = dizem, que a serpente enganou a Heva para pecar, he mentira; poes foi o mesmo Deos que lhe metteo o pomo na boca para a fazer pecar = [...]”. 18 Vejam-se, por exemplo, os casos de Pedro do Campo Tourinho, já sobejamente conhecido, e de João Pereira de Sousa, ambos enviados para Lisboa para aqui serem julgados, em virtude das heresias de que eram acusados, Ana M. Santos PEREIRA, A Inquisição no Brasil… cit., pp. 125-142. 19 Maria Isaura Pereira de QUEIROZ, O Messianismo no Brasil e no Mundo, São Paulo, Dominus, 1965. Sobre os movimentos messiânico-milenaristas no Brasil e o seu estudo, v. Cristina POMPA, «A construção do fim do mundo. Para uma releitura dos movimentos sócio-religiosos do Brasil “rústico”», Revista de Antropologia, vol. 41, n.º 1, 21 pp. [edição electrónica]; e Lísias Nogueira NEGRÃO, «Revisitando o messianismo no Brasil e profetizando seu futuro», Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 16, n.º 46, jun. 2001, pp. 119-129. Comunicações Milenarismo e revolta na vivência dos escravos… Minas Gerais no século XVIII 9 protagonista, exclusivamente dirigido à população negra, maioritariamente constituída por escravos, e no teor das suas propostas, de que não conhecemos outro exemplo para a época. As declarações produzidas pela já referida Mariana; por Alexandre Correia, preto crioulo, 31 anos, escravo de João Cardoso da Silva, em cuja loja trabalhava como alfaiate; e também por Manuel Mendes Raso e António Pires Carneiro, natural de Santa Eulália de Arnozela (Arcebispado de Braga), 36 anos, genro do anterior; permitem reconstituir, nos seus traços gerais, o projecto superior, de natureza mística, cuja concretização teria guiado António da Silva àquele lugar. Os elementos comuns a este tipo de narrativa 20 encontram-se, todos eles, aqui presentes: um líder, cuja identidade estava envolvida em mistério; uma missão, transmitida directamente pela divindade, que tinha como fim último reformar a ordem vigente, instituindo uma sociedade mais justa, onde não haveria senhores nem escravos21; uma mensagem de esperança, especificamente dirigida aos sectores mais desprivilegiados da sociedade, naturalmente receptivos a esse tipo de discurso; e um meio para alcançar os objectivos propostos. Apresentando-se como um líder dotado de virtudes carismáticas, bafejado pela comunicação com o mundo celeste, António da Silva conseguiu, ao que parece em pouco tempo, reunir à sua volta um grupo mais ou menos indefinido de seguidores, na sua quase totalidade escravos, alguns dos quais asseveravam ter tido visões em que a “senhora Santa Ana” ou um menino não identificado, presumivelmente Jesus, lhes pediam para transmitir uma mensagem ao “pobre das barbas”, a quem deveriam dizer que “já era tempo”, indícios estes claros, quer quanto à importância do forasteiro, quer quanto à natureza transcendente da sua missão. Profeta imbuído de funções sobrenaturais, apresentava, no entanto, de si uma imagem que o aproximava daqueles cuja atenção pretendia captar: filho natural de um rei, perseguido pelo próprio irmão, era, como eles, um marginal, desterrado nos confins do território brasileiro. O esforço de identificação com os cativos parece, aliás, patente, desde logo porque dizia que a imagem de Nossa Senhora da Purificação, pertencente a uma irmandade de pardos, com ele conversava quando ia à igreja, mas sobretudo pela extraordinária designação a si mesmo atribuída pelo próprio: “João Lourenço Negro”. Procurando capitalizar a seu favor o descontentamento dos escravos, quer em relação aos proprietários coloniais, quer também no que dizia respeito ao papel desempenhado pela Igreja na manutenção do sistema escravista 22, António da Silva-João Lourenço apresentava-se ao olhar de todos completamente despojado: apesar de príncipe, vivia das esmolas que lhe davam, não aceitando mais do que aquilo de que necessitava para o seu sustento 23; não bebia e nem sequer consta que fosse dado aos destemperos da carne. A sua conduta devia ser em tudo contrastante com aquela que os cativos estavam habituados a testemunhar, por parte dos seus senhores; o carisma pessoal e o apelo irresistível da sua mensagem teriam eliminado quaisquer desconfianças que alguns deles pudessem ter e os receios de todos, congregando momentaneamente na figura do forasteiro as aspirações de um grupo para quem a liberdade era um bem sonhado, porém de todos o mais difícil de alcançar. O modo como tudo se deveria processar parecia, no entanto, algo equívoco: na reunião que teve lugar na roça de Manuel Lobo Pereira, em que estiveram presentes diversos escravos, António da Silva revelou-lhes solenemente a sua identidade, anunciando ter sido enviado por Deus e pelo rei, seu pai, “a restaurar os pretos e mulatos dos captiveyros e tira llos do poder de seus senhores para hir com elles restaurar a Caza Sancta”. Inquirido sobre a forma como o faria, 20 Idem, Ibidem, p. 119. 21 António Pires Carneiro testemunhou ter-lhe ouvido dizer que “o mundo não andava bem governado, e que havia de haver hua reforma, ou recurso, que não havia de ser sempre asim, que nem os do inferno havião de estar sempre no inferno, nem os do ceo sempre no ceo, e que tudo havia de ser hum”. 22 Uma das escravas que faziam parte do seu grupo de seguidores disse em certa ocasião que “a mulher de hum negro forro por nome Salvador que he capitam do matto queria ser rainha, e que o crucificado andava metendo na cabeça aos negros não cressem no Barbas, e que isto lhe fora revellado em hua vizam que tivera, ao que a outra negra Marianna respondeo = sim o crucificado anda metendo na cabeça aos negros que cream nelle e se não juntem com o pobre homem para serem forros =”. 23 Manuel da Silveira Camacho, natural de S. Roque do Pico, cirurgião, declarou mesmo que “em algum tempo tivera sua emclinação ao dito Antonio da Sylva, por ver, que este era devoto das almas, e andava com hum timão de baeta sobre as carnes, sem querer acceitar esmolas de ouro, nem roupas, nem outra couza algua que varias pessoas lhe offerecião”. Actas do Congresso Internacional Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades 10 Ana Margarida Santos Pereira respondeu que levava consigo um papel para ser afixado à porta da igreja, “e que depois de publicado, como elle vinha mandado do Padre Eterno e de el rey que logo todos os senhores lhe havia entregar seus escravos”. Nem todos acreditavam, porém, na resolução pacífica da questão: no morro da Forca, situado nas proximidades da vila, juntaram-se mesmo alguns negros armados, ao que parece à espera de uma indicação do denunciado para se levantarem contra os seus senhores e irem com ele “pela gentilidade pregando e levantando igrejas restaurar a Caza Sancta e descobrir as prophecias que estavam incubertas”. Manuel Mendes Raso ouviu-lhe dizer - certamente com espanto e não menor inquietação – que “no sitio delle mesmo testemunha era o campo de Jozapha 24 e que todos brancos e negros sedo havião de ser todos huns, e que não havia de haver captivos”; dizia também que naquele mesmo lugar estava a cadeira do Padre Eterno e que a lenha que lá se via era para atear o fogo “por honde todos havião passar”. As dúvidas aparentemente manifestadas por diversos escravos acerca do sucesso do empreendimento e o receio do que lhes pudesse suceder, em caso de fracasso; o crescimento dos rumores, aliás confirmados por um dos escravos que tinha assistido à reunião (Alexandre Correia), e o nervosismo dos proprietários perante a eminência de uma revolta, acabariam, no entanto, por frustrar os planos do«profeta», que, sem glória, foi enviado para a cadeia; os escravos que se propunha libertar foram depois os mesmos que, para se livrarem eles próprios do castigo (Mariana parece ter sido a única que foi presa), o incriminaram, procurando persuadir a Justiça que nunca teriam acreditado nas suas palavras. A necessidade de sobrevivência a isso obrigava... Conclusão: Enquanto permaneceu na prisão, António da Silva negou todas as acusações que sobre ele pesavam, afirmando repetidamente que “nunca sentira mal a nossa sancta Fê, nem tivera duvida algua, nos misterios della”. Admitia, no entanto, que “alguas vezes quando fazia as suas devoções sentia hua guerra enterior, que não sabia o que hera, nem se podia explicar” 25. Uma confissão implícita? Insinuação matreira, tendo em vista a sua absolvição pelos juizes, com base em presuntivos episódios de demência? Ou expressão legítima dos conflitos interiores travados por alguém para quem os ensinamentos imutáveis da Igreja já se mostravam insuficientes e cujo espírito crítico levava inevitavelmente a questioná-los? Estas são apenas algumas entre muitas questões que permanecerão provavelmente sem resposta; certo, porém, é que, louco ou não, o «príncipe encoberto» parecia dar voz a interesses concretos, de natureza local. Nas suas palavras, as intenções de carácter político surgiam, de facto, muitas vezes misturadas com um projecto de natureza marcadamente religiosa que, para além dos objectivos mais ou menos publicamente enunciados, teria passado também pelo seu papel como director espiritual dos cativos, particularmente evidente no que se refere a Mariana, que chegaria a confessar-se com ele. Ela mesma afirmava que o Menino Jesus lhe dissera que aquele homem era o príncipe daquela terra. António da Silva, ele próprio, declarava que “havia haver hum rey em Portugal, e outro nas Minas e que todos os escravos haviam de ficar livres” e no papel em forma de edital que devia ser afixado à porta da igreja assegurava ter sido enviado àquela terra a fim de “prezenssiar as necessidàdes que no Povo [viu], e evitar tantas treysòens 24 Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Lisboa, Verbo, vol. 11, p. 755, Vale de Josafat (de Jehô-sâfât = Javé julga) – nome simbólico, não topográfico, do lugar em que Deus reunirá os inimigos do seu povo para os julgar, segundo a profecia de Joel (4, 2.12). Também chamado Vale da Decisão, é, desde o séc. IV, identificado com o vale do Cedron, a SE do templo de Jerusalém. “Na escatologia popular judaica, muçulmana e tb. cristã, passou a ser o cenário do Juízo Final” (preferido como cemitério, cf. Dicionário Bíblico, Lisboa & Porto, Ed. Perpétuo Socorro-Difusora Bíblica, 1989, p. 201). Danielle FOUILLOUX, Anne LANGLOIS, Alice le MOIGNE, François SPIESS, Madeleine THIBAULT, Renée TREBUCHON, Dicionário Cultural da Bíblia. Lisboa: Publ. Dom Quixote, 1996 [1990], p. 152: Josafat – “Significando Josafat «Deus julga», o nome simbólico de Vale de Josafat designa o lugar imaginário onde Deus exerce o poder de julgar os povos”. 25 No seu primeiro depoimento, Manuel Mendes Raso afirmou que em algumas ocasiões ouvira dizer ao denunciado que “não estava doudo, porem que não sabia o que tinha” ; certa vez, estivera à conversa com o Pe. Francisco Gonçalves, que tinha licença para exorcizar, mas ele, testemunha, não sabia de que tinham falado. No segundo depoimento, voltou a dizer que António da Silva não se comportava de forma a que se pudesse pensar que era louco, “so sim alguas vezes dizia que lhe não doya a cabesa; porem, que não estava bom”. Comunicações Milenarismo e revolta na vivência dos escravos… Minas Gerais no século XVIII 11 que [conheceu]”, proclamando a eliminação dos tributos, e mesmo dos próprios dízimos, a partir de 1 de Novembro de 1744; a entrega das igrejas aos seculares, com os eclesiásticos remetidos às suas funções religiosas; e a libertação de “todo o povo pàrdo, indios, e negros”, para com ele irem desbaratar “todo o Mourismo [...] e os lugàres santos a portuguezes christàos entregar”. O programa de acção desta forma definido assumia contornos evidentemente utópicos mas é, apesar de tudo, tentador encontrar nele plasmados o descontentamento das populações mineiras, relativamente ao peso excessivo da tributação; a sua desconfiança para com o clero e, em último lugar, mas não menos interessante, a questão da promoção social dos cativos, que, apesar de fornecerem a mão-de-obra necessária para a extracção do minério, eram quem menos beneficiava das riquezas. As vertentes envolvidas na actuação do «profeta» e a sua hábil manipulação das condições locais parecem apontar, desta forma, para a sua proximidade com os grupos que lá mesmo fomentavam a oposição ao poder metropolitano; ao mesmo tempo que nos dão conta do “lento esfacelamento do imaginário da dominação colonial” 26. Investigações recentes sugerem, aliás, a existência de um “círculo milenarista, com perspectiva sediciosa” 27, na região do Serro do Frio, em meados do século XVIII, o qual teria como alvo principal D. José, que entretanto subira ao trono; a ligação entre o «príncipe encoberto» e movimentos posteriores, como o da Inconfidência de Curvelo (1761), não é ainda clara mas é possível que as ideias por ele veiculadas tenham extravasado a Vila do Príncipe, encontrando eco noutros lugares. No mesmo ano em que António da Silva foi preso no Brasil, Luzia Pinto, preta forra, natural de Angola e residente em Sabará, comparecia num auto-da-fé em Lisboa, por culpas de feitiçaria e presunção de pacto com o Demónio. Apesar da gravidade das acusações, seria condenada apenas a quatro anos de degredo para Castro Marim 28. A atitude adoptada pelos inquisidores em relação ao primeiro não difere, no essencial, da que foi tomada neste caso: uma e outra radicam no profundo desconhecimento de uma realidade que se encontrava diametralmente afastada da sua, não só no que se referia às dinâmicas a que obedecia o funcionamento local, como às novas modalidades de vivência religiosa que lá se vinham desenvolvendo e que, mais cedo ou mais tarde, acabariam por causar perturbações com as quais a religião oficial teria que se confrontar29. Exactamente no mesmo ano, morria Pedro Rates Henequim, queimado pela Inquisição por ter pretendido coroar o infante D. Manuel (irmão de D. João V) como imperador da América meridional, onde seria erigido o Quinto Império do mundo, separado de Portugal. Contrariamente, porém, a este, cujas propostas eram inspiradas nos ensinamentos do Pe. Vieira 30, o nosso «profeta» em nenhuma ocasião alude ao Quinto Império mas apenas à possibilidade de vir a haver dois reis, um em Portugal e o outro nas Minas. Eco distante das propostas de Henequim? Frutos, ambas, de um ambiente cultural específico, em que à concepção linear da História e do tempo, característica do mundo judaico-cristã, poderíamos opor uma concepção cíclica, mais próxima da escatologia índigena? Na verdade, ao prometer a redenção terrena, António da Silva aproximava-se também de Vieira e, por seu intermédio, do próprio pensamento judaico... A intenção de combater os infiéis e reconquistar a Terra Santa, que ficaria sob o domínio português, são aliás outros tantos indícios que remetem para o autor da Clavis Prophetarum, sugerindo uma 26 Adriana ROMEIRO, Um Visionário na Corte de D. João V. Revolta e milenarismo nas Minas Gerais, Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2001, p. 165. 27 Cf. Luís Carlos VILLALTA, comunicação pessoal com data de 31 de Agosto de 2005. 28 Luiz MOTT, «O calundu-angola de Luzia Pinto: Sabará, 1739», Revista do IAC, vol. 2, n.º 1 e 2, dez. 1994, pp. 73- 82. 29 Seria, por exemplo, interessante comparar o despacho de 1753 sobre o «príncipe encoberto» com o édito de 2 de maio de 1759,emitido na sequência da conspiração para assassinar o rei. Cf. IAN/TT, Inquisição de Lisboa, Maços, n.º 56, doc. não num. 30 Adriana ROMEIRO, Um visionário na corte de D. João V… cit.; Plínio Freire GOMES, Um Herege Vai ao Paraíso. Cosmologia de um ex-colono condenado pela Inquisição (1680-1744), São Paulo, Companhia das Letras, 1997. Para uma análise do pensamento de António Vieira, no âmbito do desenvolvimento do sebastianismo em Portugal, ver: João MEDINA, «O Sebastianismo – exame crítico dum mito português», in João MEDINA (dir.), História de Portugal: dos tempos pré-históricos aos nossos dias. VI – Judaísmo, Inquisição e Sebastianismo, Amadora, Clube Internacional do Livro, 1997, pp. 251-304. Embora não os tenhamos podido consultar em tempo útil, mencionamos aqui também os dois estudos de Luís Filipe Silvério LIMA sobre o tema: Padre Vieira: Sonhos Proféticos, Profecias Oníricas. O tempo do V Império nos sermões de Xavier Dormindo, São Paulo, Humanitas, 2004; e Império dos Sonhos: narrativas oníricas, sebastianismo e messianismo brigantino, São Paulo – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (Departamento de História), 2005 (dissertação de Doutoramento). Actas do Congresso Internacional Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades 12 Ana Margarida Santos Pereira vez mais que o «príncipe encoberto» podia ser, na verdade, um jesuíta heterodoxo ou, pelo menos, alguém cuja educação tivera lugar num colégio da Companhia. Fontes e Bibliografia: 1. Fontes manuscritas: 1.1. Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (IAN/TT): a) Inquisição de Lisboa: - Maços: 56, 58 - Ordens do Conselho Geral: Liv. 157 b) Registos Paroquiais: - Sto Antão do Tojal: Baptismos – Liv. 1, 2 2. Obras de referência: BETHENCOURT, Francisco & CHAUDHURI, Kirti (dir.), História da Expansão Portuguesa, Lisboa, Temas e Debates, 5 vols., 1998. Dicionário Bíblico, Lisboa & Porto, Ed. Perpétuo Socorro-Difusora Bíblica, 1989. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Lisboa, Verbo, vol. 11, s.d. FOUILLOUX, Danielle; LANGLOIS, Anne; LE MOIGNE, Alice; SPIESS, François; THIBAULT, Madeleine; TREBUCHON, Renée, Dicionário Cultural da Bíblia, Lisboa, Publ. Dom Quixote, 1996 [1990]. MEDINA, João (dir.), História de Portugal: dos tempos pré-históricos aos nossos dias, Amadora, Clube Internacional do Livro, 15 vols., 1997. 3. Bibliografia: DELUMEAU, Jean (dir.), Injures et Blasphemes, Paris, Imago, 1989. GOMES, Plínio Freire, Um Herege Vai ao Paraíso. Cosmologia de um ex-colono condenado pela Inquisição (1680-1744), São Paulo, Companhia das Letras, 1997. LIMA, Luís Filipe Silvério, Padre Vieira: Sonhos Proféticos, Profecias Oníricas. O tempo do V Império nos sermões de Xavier Dormindo, São Paulo, Humanitas, 2004. ____ Império dos Sonhos: narrativas oníricas, sebastianismo e messianismo brigantino, São Paulo – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (Departamento de História), 2005 (dissertação de Doutoramento). MOTT, Luiz, «Acotundá: raízes setecentistas do sincretismo religioso afro-brasileiro», in Escravidão, Homossexualidade e Demonologia, São Paulo, Ícone Editora, 1988, pp. 87-117. ____ «O calundu-angola de Luzia Pinto: Sabará, 1739», Revista do IAC, vol. 2, n.º 1 e 2, dez. 1994, pp. 73- 82. MUCHEMBLED, Robert, Popular Culture and Elite Culture in France, 1400-1750, Baton Rouge & Londres, Louisiana State University Press, 1985. NEGRÃO, Lísias Nogueira, «Revisitando o messianismo no Brasil e profetizando seu futuro», Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 16, n.º 46, jun. 2001, pp.119-129. PEREIRA, Ana M. Santos, A Inquisição no Brasil. Aspectos da sua actuação nas Capitanias do Sul – de meados do séc. XVI ao princípio do séc. XVIII, Coimbra, Faculdade de Letras - Universidade de Coimbra, 2001 (dissertação de Mestrado). POMPA, Cristina, «A construção do fim do mundo. Para uma releitura dos movimentos sócio-religiosos do Brasil “rústico”», Revista de Antropologia, vol. 41, n.º 1, 21 pp. [edição electrónica]. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de, O Messianismo no Brasil e no Mundo, São Paulo, Dominus, 1965. ROMEIRO, Adriana Romeiro, Um Visionário na Corte de D. João V. Revolta e milenarismo nas Minas Gerais, Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2001. SCARANO, Julita, Devoção e Escravidão. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Distrito Diamantino no séc. XVIII, São Paulo, Conselho Estadual de Cultura, 1975. SOARES, Mariza de Carvalho, Devotos da Cor. Identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000. VILLALTA, Luiz Carlos, Reformismo Ilustrado, Censura e Práticas de Leitura: usos do livro na América Portuguesa, São Paulo, Universidade de São Paulo – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (Departamento de História), 1999 (dissertação de Doutoramento). Comunicações Milenarismo e revolta na vivência dos escravos… Minas Gerais no século XVIII 13 ANEXO [Após 1740] [Minas Gerais] - «Bula» redigida por António da Silva, que nela se intitula João Lourenço, filho natural de D. João V; encontrada por Manuel Lobo Pereira e pelo mesmo entregue à Justiça secular. A) IAN/TT, Inquisição de Lisboa, Maços, n.º 58, doc. não num., fl. 288. A) [fl. 288] + Eu João Lourenço principe emcuberto, filho do rey João Quinto, e de Victoria, portuguezes, por mandàdo de Deos, asistente na cidàde das Minas da Pràta, ouro, e diversas pèdras perciòzas, e diamantes, capèla Nòssa Senhora da Conceysão. Mando em dia de todos os santos, primeyro de Novembro, de mil, sètesentos, quarenta, e quàtro, que do dia asima nomeàdo e pelo tempo adiante declaràdo o povo portugues da Amèrica e de todo o reyno de Portugal seja de todo o trebuto despenssàdo, e de justisa, e dizimos retiràdo. Pòsse dou ò povo secular das suas igrejas, tiro a pòsse a todos os icleziasticos, sò sim poderam uzar de oficios divinos, dando lhe os secullàres suas ofertas proporcionàdas, comservando a pòsse os seculàres, para festejàrem o culto divino, à sua satisfação Declàro que de Lisboa aqui, por mandàdo de Deos vim para prezenssiar as necessidàdes que no povo vy, e evitar (repetido) tantas treysòenns que conheci E todo o povo pàrdo, indios, e negros, a mim juntar sem nimguem os poder cativar, para todo o mourismo, neste tempo desbaratar, e os lugàres santos a portuguezes christàos entregar
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