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PEREIRA, Ana Margarida Santos. Milenarismo e revolta na vivência dos escravos

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Milenarismo e revolta na vivência dos escravos. 
Pregações e andanças do «Príncipe Encoberto» na região do ouro. 
Minas Gerais, séc. XVIII. 
 
Ana Margarida Santos Pereira * 
Bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia 
 
 
Introdução: 
 
Na primeira metade do séc. XVIII, a região de Minas Gerais conheceu um desenvolvimento 
sem precedentes, motivado pela corrida ao ouro, iniciada no final do séc. XVII, com a descoberta 
dos primeiros filões. Aventureiros e exploradores, indivíduos oriundos das diversas partes do 
Brasil, da metrópole e suas possessões em África e na Ásia, das ilhas (Madeira e Açores), ou 
mesmo do estrangeiro, todos aí acorreram; com eles, seguiram também os escravos – 300 000 
até ao início dos anos 70 1 – arrancados ao continente africano para responder às necessidades 
crescentes de mão-de-obra, numa região cuja população crescia a um ritmo vertiginoso. É neste 
ambiente, marcado por disputas de vária ordem e pela instabilidade própria das sociedades em 
formação, que surge no Serro do Frio um misterioso «profeta» cujas propostas, difundidas na 
década de 40 entre os sectores mais ínfimos da sociedade, atingiam os fundamentos sobre os 
quais assentava a presença metropolitana na colónia, questionando o sistema escravista, cujo 
funcionamento era essencial à exploração da mesma e à viabilidade económica do Brasil no 
âmbito do império português. É desta extraordinária figura, até ao momento desconhecida, que 
aqui nos propomos tratar. 
 
1. Os factos: 
 
 No início da década de 40 do séc. XVIII – presumivelmente em 1742 -, apareceu na Vila do 
Príncipe (Comarca do Serro do Frio) um homem branco, “em trajes de mendicante, e barbas 
compridas” 2, que dizia chamar-se António da Silva: durante algum tempo, andou de porta em 
porta a pedir esmola para fazer via sacras; mais tarde, instalou-se em casa de João Gonçalves, 
ferreiro, onde passou a dar aulas, tendo a seu cargo um número indeterminado de alunos, que 
com ele aprendiam a ler e a escrever. Os rumores cada vez mais insistentes sobre a sua 
proximidade com os elementos negros da população e o avolumar das suspeitas quanto à 
existência de preparativos em curso para uma sublevação de escravos, cujo líder e principal 
instigador seria o misterioso forasteiro, criaram, porém, uma enorme perturbação nos proprietários 
e, de uma forma geral, entre os habitantes de origem europeia, precipitando o rumo dos 
acontecimentos num sentido pouco favorável para o recém-chegado. 
Apreensivos em relação ao que pudesse vir a suceder e, acima de tudo, preocupados em 
garantir a defesa dos seus bens individuais e dos interesses colectivos, inerentes ao grupo do 
qual faziam parte, os proprietários locais, vítimas certas da revolta em perspectiva, ter-se-iam, de 
 
* Doutoranda Univ. Coimbra & Univ. van Amsterdam. 
1 Stuart SCHWARTZ, «Escravatura e comércio de escravos no Brasil do século XVIII», in Francisco BETHENCOURT & Kirti 
CHAUDHURI (dir.), História da Expansão Portuguesa. O Brasil na Balança do Império (1697-1808), Lisboa, Temas e 
Debates, vol. 3, 1998, p. 110. 
2 As citações que daqui em diante apresentamos, bem como as informações mencionadas, estão contidas (excepto 
indicação em contrário) em Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (daqui em diante, IAN/TT), Inquisição de 
Lisboa, Maços, n.º 58, doc. não numer., fls. 269-328v. 
 
Actas do Congresso Internacional Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades 
 
 
 
2 Ana Margarida Santos Pereira 
facto, apressado a exigir a intervenção das autoridades. António da Silva foi preso por ordem do 
ouvidor geral da Comarca, juntamente com uma escrava de nome Mariana, “sua parcial”, e deu-se 
início à audição de testemunhas para apurar as suas culpas. Na devassa, a cargo de António 
Camelo Alcoforado, que na altura desempenhava as funções de juiz ordinário, determinou-se que, 
além de incitar os cativos à revolta, o prisioneiro era também passível de culpa por ter proferido 
“muitas palavras mal soantes, e contrarias á nossa santa Fe”, razão pela qual foi denunciado à 
justiça eclesiástica, na falta de um comissário da Inquisição, a quem com propriedade competia o 
conhecimento do caso. 
Esta queixa deu origem a uma nova audição de testemunhas – nove ao todo –, que teve 
lugar nos dias 19 e 20 de Dezembro de 1744, em sessões conduzidas pelo vigário da vara, Pe. 
Miguel Carvalho de Almeida e Matos, com a assistência do Pe. João Caldeira de Mendonça, que 
procedeu ao registo dos depoimentos. As informações apuradas não só corroboravam a denúncia, 
como lhe acrescentaram ainda alguns pormenores inquietantes, razão pela qual se decidiu que 
ambos os prisioneiros fossem mantidos em cativeiro, ao mesmo tempo que o auto de 
testemunhas era enviado para Lisboa, a fim de se dar conhecimento do caso aos inquisidores, 
cujas instruções deveriam, daí em diante, determinar a actuação do vigário da vara. 
O despacho, com data de 17 de Março de 1746, ordenava a realização de um novo 
inquérito, com o objectivo de estabelecer a veracidade dos factos e averiguar a capacidade do 
denunciado, isto é: a sua sanidade mental. A autoridade encarregue das investigações foi mais 
uma vez o Pe. Miguel Carvalho de Almeida e Matos, agora vigário da matriz de Nª Sra da 
Conceição do Mato Dentro (ainda na Comarca do Serro do Frio), e as audições tiveram lugar em 
Setembro do mesmo ano na Vila do Príncipe, desta vez com a assistência do Pe. Luís da Rocha 
Azevedo. As testemunhas, em número de 15, eram quase todas pertencentes à elite local: 
mineradores e proprietários de roças oriundos da metrópole, alguns dos quais tinham estado aliás 
directamente envolvidos na prisão de António da Silva. Além destes, foram ainda ouvidas duas 
escravas, a já referida Mariana, ela também ainda no cárcere, e Clara, preta de «nação 
Courana»3, 30 anos, escrava de António Ferreira da Silva. O inquérito terminou com o 
interrogatório do denunciado, que, de uma forma sucinta, desdisse todas as acusações de que 
havia sido alvo; as suas palavras não foram, porém, suficientes para persuadir o responsável 
pelas investigações, que, antes pelo contrário, viu nelas a confirmação das suas suspeitas, disso 
mesmo se apressando a dar conta aos inquisidores. 
Outra seria, contudo, a opinião dos responsáveis pelo tribunal português: em 9 de Março 
de 1753, sete anos após a sua prisão, emitiram um documento pelo qual ordenavam a libertação 
imediata de António da Silva, declarando ter-se provado que padecia de loucura. O Pe. Miguel 
Carvalho, que o retivera no cárcere sem para isso ter ordem da Inquisição, foi alvo de uma severa 
reprimenda, sendo ainda avisado para não voltar a proceder da mesma forma, sob pena de lhe 
ser aplicada uma punição 4. 
O Barbas, nome pelo qual também era conhecido, e a sua extraordinária história chegaram 
até nós precisamente graças aos dois autos de testemunhas enviados do Brasil pelo Pe. Miguel 
 
3 Mariza de Carvalho SOARES, Devotos da Cor. Identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século 
XVIII, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000, p. 109, afirma não se poder determinar com segurança a procedência 
da «nação courana», referindo, porém, que o Lago Tchad, situado no extremo Norte da Nigéria, era conhecido na Idade 
Média como Lago Koura. 
Luiz MOTT, «Acotundá: raízes setecentistas do sincretismo religioso afro-brasileiro», in Escravidão, Homossexualidade 
e Demonologia, São Paulo, Ícone Editora, 1988, pp. 102-103, afirma não ter a menor dúvida em localizar “na costa 
ocidental da África o lugar de origem dos Courá de Minas Gerais – mais precisamente no território hoje ocupado pelo 
distrito de Lagoa, na Nigéria [...] vieram [...] dos arredores do lago Curamo, situado entre Lagos ao sul e o porto de Judá 
ao norte”. 
4 Na respostaà carta que lhe fora do Tribunal, datada do Serro do Frio em 22 de Setembro de 1753, o Pe. Miguel 
Carvalho justificava-se dizendo que agira daquela forma “tanto para que o juizo seccular nam entrasse em mais 
procedimentos como tambem para que o mesmo prezo, vendo sse na sua liberdade nam continuasse em mayores 
erros, entre [aqueles] povos rusticos”; não terminava, porém, sem pedir humildemente desculpa por ter actuado sem 
ordem expressa dos inquisidores. 
Sobre a actuação da Inquisição de Lisboa em defesa das suas prerrogativas, contra os abusos levados a cabo pelas 
autoridades eclesiásticas sediadas no Brasil, v. Ana M. Santos PEREIRA, A Inquisição no Brasil. Aspectos da sua 
actuação nas Capitanias do Sul – de meados do séc. XVI ao princípio do séc. XVIII, Coimbra, Faculdade de Letras - 
Universidade de Coimbra, 2001 (dissertação de Mestrado – no prelo), pp. 65-88. 
 
Comunicações 
 
Milenarismo e revolta na vivência dos escravos… Minas Gerais no século XVIII 3 
Carvalho de Almeida e Matos, que ainda hoje se conservam nos Arquivos da Inquisição 5. Quem 
era afinal este homem, aparentemente inofensivo, e porque razão foi a sua presença tão 
perturbadora e incómoda ao ponto de mobilizar as autoridades locais - civis e eclesiásticas - para 
o manterem na prisão, onde permaneceu pelo menos durante nove anos? Em que consistiam as 
“palavras blasfemas” que alegadamente teria proferido, que “couzas contra a [...] sancta Fee” 
ensinava às “pessoas rudes” e a que outros “erros contra os boens custumes” se referiam as 
acusações de que foi alvo? 
 
2. O protagonista: 
 
 Inicialmente tomado como mendigo, o homem sobre quem mais tarde recaíram todas as 
suspeitas foi, ao que tudo indica, bem acolhido na Vila do Príncipe, porque além de se mostrar 
profundamente crente, a sua “soberania” e a “sezudeza no aspecto” teriam eliminado a 
desconfiança com que habitualmente eram tratados os forasteiros, ao ponto de alguns habitantes 
não terem tido sequer dúvidas em franquear-lhe as portas das suas casas e outros mesmo em 
confiar-lhe os seus filhos para os ensinar. Na verdade, além de ter estado em casa de João 
Ferreira, viveu também durante algum tempo em casa de Pedro Homem Leonardo, entretanto 
falecido; daí mudou-se para o sítio de Manuel Mendes Raso, natural de Macieira de Cambra 
(Bispado de Coimbra), homem já sexagenário, que vivia da extracção do ouro e do produto das 
suas roças; e também esteve, ainda que ao que parece por apenas alguns dias, na roça de 
Manuel Lobo Pereira, que em todo o caso frequentava. 
 No entanto, à medida que o tempo passava e os rumores em redor do forasteiro cresciam 
de tom, começaram também a avolumar-se as dúvidas sobre a sua verdadeira identidade, dúvidas 
essas, aliás, encorajadas, senão mesmo fomentadas, pelo próprio. Os documentos que chegaram 
até nós revelam, na verdade, as pistas desencontradas que a esse propósito por si foram postas a 
circular e a perplexidade gerada pelas suas contradições, no seio da própria população. 
 Quando foi interrogado pelo Pe. Miguel Carvalho, identificou-se como António da Silva, 
filho legítimo de Ana Maria 6 e de Manuel da Silva, dois “pobres de ganha vida” que moravam em 
Santo António do Tojal, nos arrabaldes de Lisboa, onde, segundo afirmava, nascera e fora 
baptizado. A freguesia, cuja designação foi entretanto alterada para Santo Antão do Tojal, 
pertence hoje ao concelho de Loures; partindo do princípio que o indivíduo em questão tivesse 
nascido algures entre o final do séc. XVII e os primeiros anos do seguinte, verificámos os livros de 
registo de baptismos correspondentes a esse período mas a sua consulta revelou-se infrutífera, 
porque não foi possível localizar nenhum assento que se ajustasse de forma cabal às indicações 
fornecidas pelo próprio 7. Voltemos, porém, ao seu relato: ainda pequeno, fugiu de casa dos pais, 
dirigindo-se para a capital, “aonde asistio em varias cazas servindo a quem lhe dava algua couza”, 
e depois como aguadeiro; até que, insatisfeito com a sua própria sorte, “rezolveo” ir experimentar 
a vida na América, embarcando na galera Sto António e Almas, em cujo serviço foi aceite, o que 
lhe teria permitido custear a viagem. Sobre a sua chegada ao Rio de Janeiro ou o que fez 
enquanto lá esteve, nada: apenas que “se deyxou ficar [...] athe, que achou huns homens de 
caminho com quem se aranchou, e passou com elles para as Minas”, onde mais uma vez se 
deixou ficar, mendigando o seu sustento de porta em porta, primeiro na Comarca do Rio das 
Mortes e, depois, no Serro do Frio. 
 A informação veiculada pelas testemunhas de cujos depoimentos ficou registo sugeria, 
porém, uma imagem em tudo diversa do retrato de si traçado pelo próprio diante do vigário. 
 
5 A consulta da devassa realizada por ordem do juiz ordinário seria para nós de grande interesse mas, até agora, 
ainda não foi possível localizá-la. Aproveitamos, aliás, para agradecer o interesse a este propósito manifestado pelo 
Prof. Doutor Luís Carlos Villalta, da UFMG. 
6 A uma das testemunhas, haveria, no entanto, de dizer que a sua mãe se chamava Maria da Silva e era taverneira. 
7 Consultámos todos os registos compreendidos entre 1670 e 1728. Apesar de não existir nenhum nome que 
preencha todos os requisitos necessários, encontrámos algumas aproximações, sem termos porém indícios adicionais, 
que nos permitam afirmar tratar-se do indivíduo por nós procurado: são os casos de António, filho de João da Silva e de 
Ana da Silva, baptizado em 18 de Setembro de 1689; outra criança com esse nome, aparentemente filho dos mesmos, 
baptizada em 12 de Maio de 1692; e um António, filho de Manuel da Silva e de Beatriz da Cunha, baptizado em 22 de 
Janeiro de 1720, tendo como padrinhos António da Cunha e Abreu e D. Joana Maria Henriques, ambos moradores na 
sua quinta da Rua das Cotovias. IAN/TT, Registos Paroquiais, Santo Antão do Tojal, Baptismos, Liv. 1 e 2. 
 
Actas do Congresso Internacional Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades 
 
 
 
4 Ana Margarida Santos Pereira 
Mariana da Assunção, preta de «nação Xambá» 8, 60 anos, escrava de Manuel Lobo Pereira, a 
mesma a quem acima fizemos referência, detida pela sua proximidade com António da Silva, que 
admirava como a um “santinho” 9, afirmou ter-lhe ouvido dizer que era um “princepe filho natural 
do nosso rey [D. João V], e que quando nascera e lhe foram sahindo os dentes como tinha dous 
grandes como seu pay, sua may lhos mandara limar para não ser conhecido por elles, e que seu 
pay, o queria jurar por princepe, porem que o princepe Dom Jozeph e seus inimigos o querião 
matar, por cuja cauza se abzentara disfarsado havia quatro annos [em 1740] mandado por Deos e 
seus anjos”. Além disso, ter-lhe-ia revelado que o seu nome verdadeiro era João Lourenço, 
“porem elle por onde quer que andava para não ser conhecido dizia que se chamava Antonio da 
Sylva”. A Manuel Mendes Raso, disse que “supposto tinha muitos inimigos que ninguem o 
conhecia, porem que em fazendo a barba logo o haviam conhecer” 
Um papel que, pela letra, se verificou ter sido escrito por António da Silva, encontrado pelo 
seu senhor na posse de Mariana e por este mesmo entregue ao juiz ordinário, veio, aliás, 
corroborar a versão ecoada pela escrava. Neste papel, a que Manuel Lobo Pereira chamou 
«bula» 10, o denunciado intitulava-se nem mais nem menos do que como “João Lourenço principe 
emcuberto, filho do rey João Quinto, e de Victoria, portuguezes, por mandàdo de Deos, asistente 
na cidàde das Minas da pràta, ouro, e diversas pèdras perciòzas, e diamantes, [e] capèla Nòssa 
Senhora da Conceysão”. Quer tenha sido divulgada pelo próprio ou não, a notícia segundo a qual 
o mendigo por todos conhecido como António da Silva proclamava ser filho do rei com uma 
mulher mundana, parecia, de resto, ser já conhecida por muitos. 
Ora,entre os habitantes, as opiniões dividiam-se: uns insistiam em dizer que era louco 
mas outros havia para quem o misterioso forasteiro era um homem acima de tudo dissimulado e 
muito sagaz. 
João Gonçalves, natural de S. Pedro do Paraíso (concelho de Paiva), 40 anos, o ferreiro 
em casa de quem esteve, segundo este afirmava apenas um mês, dizia que, enquanto o tivera 
como hóspede, António da Silva havia revelado ser uma pessoa volúvel, devido às contradições 
em que com frequência esbarrava, e que durante a noite gritava, sem que ninguém pudesse 
entender o que dizia; apesar disso, não lhe parecia que tivesse falta de entendimento, porque “nas 
couzas publicas sempre se portava com sezudeza, e como homem de perfeito juizo”. Quanto ao 
facto de se dizer umas vezes fidalgo e noutras como sendo de origem humilde, não sabia se o 
fazia “por louco, se por velhaco”. Francisco José Coutinho, oriundo da região do Porto, 38 anos, 
tabelião, não tinha dúvidas: na qualidade de escrivão, assistira ao interrogatório conduzido pelo 
juiz ordinário e o que então ouviu deixou-o firmemente persuadido que o denunciado tinha “mais 
de velhaco do que de louco”. Isso mesmo pensava também Sebastião Lopes Afonso, oriundo do 
Arcebispado de Braga, 32 anos, estalajadeiro, que via no facto de “se andar metendo com os 
 
8 Julita SCARANO, Devoção e Escravidão. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Distrito 
Diamantino no séc. XVIII, São Paulo, Conselho Estadual de Cultura, 1975, pp. 107-108, afirma que naquelas 
irmandades se encontravam, sobretudo, os negros vulgarmente designados como minas (na sua maioria pertencentes 
ao grupo linguístico iorubá), seguidos pelos benguelas (do Sul de Angola) e em terceiro lugar pelos nagôs (do mesmo 
grupo linguístico dos primeiros); depois vinham os angolas mas, conforme acrescenta a autora, “além dessas há todo 
um desfilar de “nações”, algumas com apenas dois ou três representantes: Dagomé (Daomé), Tapa, Congo-Cabinda, 
Moçambique, Maqui, Sabará, Timbu, Cobu, Xamba, Malé” [sublinhado nosso]. A escrava Mariana aparece identificada 
na documentação como sendo natural da Costa da Mina. 
9 No seu primeiro depoimento perante o vigário da vara, Mariana procurou afastar de si quaisquer culpas, 
descrevendo uma conversa que alegadamente teria tido lugar entre ela e António da Silva, no decurso da qual o 
repreendera por insistir em negar a divindade de Cristo, incorrendo assim em blasfémia; na mesma ocasião, ter-lhe-ia 
dito que “adorasse muito embora ao seu Deos, que ella testemunha sô queria e adorava a Nosso Senhor Jezus Christo, 
e que para ver qual Deos era melhor se puzessem escondidos hum em hua parte e outro na outra e que aquelle em que 
a justiça pegasse primeyro ficaria sendo verdadeyro o Deos a quem o outro adorasse; e com effeyto apartando se ella 
testemunha do ditto denunciado deo a este hua catanna que era de seu senhor, e passado alguns dias teve noticia que 
o denunciado estava prezo a ordem do doutor ouvidor geral desta Comarca, a qual noticia lhe deo o sobreditto negro 
Thomê escravo de Antonio Francisco, o qual tambem lhe disse que a justiça, â procurava a ella testemunha razam 
porque se abzentara para o arrayal de Tapanhuacanga aonde esteve athe o prezente”. 
10 Além da «bula», cuja transcrição se encontra em anexo, Manuel Lobo Pereira encontrou ainda outros papéis 
pertencentes ao denunciado, entre os quais um, também da sua letra, no qual se intitulava “João Lourenço Negro”. Nos 
documentos enviados à Inquisição encontra-se apenas a referida «bula», sendo, portanto, de supor que os restantes 
tivessem ficado apensos ao auto de devassa, levado a cabo por ordem da justiça secular. 
 
Comunicações 
 
Milenarismo e revolta na vivência dos escravos… Minas Gerais no século XVIII 5 
negros fazendo se seo principe” uma prova inequívoca da velhacaria do denunciado, que aliás 
ajudara a prender. 
 O relato feito por Manuel Mendes Raso era, no entanto, perturbador: de acordo com o seu 
depoimento, no período em que o sujeito em questão estivera alojado no seu sítio “o vio elle 
testemunha alguas vezes de madrugada posto de joelhos com os braços em cruz olhando para o 
ceo e fazendo oração, e passados couzas de dous mezes varias vezes vio elle testemunha ao 
mesmo denumciado sahir para os caminhos do mesmo sitio ahonde andava paceando largo 
tempo, ou quazi todo o dia fallando e gritando sô como homem que traz pleytos, ou demandas; e 
em hua destas occazioens o vio andar nû como sua may o pario, e so se cobrio por sentir pasar 
gente pelo caminho”. Enquanto gritava, “varias vezes mudava a falla huas vezes grossa e outra 
delgada como em preguntas e respostas, mas sem que elle testemunha lhe precebesse o que 
dizia”; tirando isso, nunca lhe vira, porém, outras acções pelas quais demonstrasse ser louco, nem 
tão pouco bebia, para que se pudesse dizer que agia sob a influência do álcool 11. 
O escrivão que estivera presente no interrogatório realizado pelo juiz ordinário assegurava 
que “en todas as ocaziões, que communicou ao dito Antonio da Sylva, especialmente nas 
preguntas judiciaes lhe parecera homem de juizo, e que neste não padecia falta algua pella 
expedição, e acerto con que fallava”. A sua opinião era partilhada pelo Pe. Miguel Carvalho, cuja 
análise, de forte pendor psicológico, vale a pena aqui transcrever: o “dilinquente”, pode ler-se na 
carta-relatório que em 2 de Novembro de 1746 enviou para a Inquisição, “[procurava] sempre 
pessoas sinceras com as quais tinha as suas converssas conforme os genios, que nellas 
percebia, e com algumas se fingia princepe encuberto, como foi com o padre Manoel da Rocha de 
Azevedo, sacerdote de boa vida e costumes morador no Arrayal da Tapera desta Comarca e 
sinçero, a quem o diliquente affirmou ser princepe, e que viera fugido para esta terra por quererem 
mata llo, e que por hisso andava disfarcado, e occulto, o que o mesmo padre me disse a mim, 
vendo eu em sua caza huma occaziam, áo tal delinquente, e lhe perguntar, quem elle era. Como 
tambem o padre Joze dos Santos morador na Villa do Princepe, me disse, que o dito delinquente, 
em converssa que teve com elle, se lhe quisera fazer verdadeyro proffeta, rezam porque o julgava 
falto de juizo. Nam me consta, que pedisse esmollas, aceytava sim o que lhe davam para seu 
sustento, mostrando sse sempre inteyro, e independente, com muito bom modo nos lugares 
sagrados, e nos publicos: fallando com pessoas intelligentes mostra ter muito boa capacidade, e 
juizo, e de que teve criacam muito diverssa, do que declara no seu depoimento nas perguntas, 
que lhe fis, nas quais colhi delle ser bastantemente sagaz, e prespectivo, pois se não contradisse 
em couza alguma. Os motivos, que houve para ser prezo, foi o dizer sse tinha feyto sequito de 
negros, e de mulatos, á quem affirmava, que era seu princepe, e que vinha mandado por Deos a 
livra llos do captiveyro em que estavam, pois todos eram livres, e devassando sse disto pello juizo 
seccular, foi prezo, e logo que esteve na cadea se foram publicando as prepozições, que elle 
di[zi]a, delatando cada hum, o que lhe tinha ouvido; sendo que me não consta, que em publico as 
deffendesse, ou affirmasse, mais do que na forma, que declaram as testemunhas, por onde me 
parece se faz mais sospeytoza a sua sagacidade”. 
O vigário, homem imbuído da espiritualidade do tempo, não tinha, porém, dúvidas em 
atribuir a alucinações provocadas pelo Demónio o comportamento do denunciado, que por esse 
motivo se deixaria cair “naquelles absurdos”. Como já tivemos oportunidade de referir, os esforços 
levados a cabo pelo vigário – que provavelmente aspirava tornar-se comissário do Santo Ofício, 
por isso desejando mostrar serviço 12 – e a explanação que fez do caso não colheram os frutos 
 
11 O licenciado Simão Pacheco, vigáriocolado na matriz de Nossa Senhora da Conceição, e o Doutor José dos 
Santos, promotor do Juízo Eclesiástico na Comarca do Serro do Frio, que na qualidade de ratificantes assistiram ao 
segundo depoimento de Manuel Mendes Raso, certamente confusos pelo teor contraditório das suas declarações, 
acharam por bem esclarecer que “lhes parecia, que o dito prezo Antonio da Sylva, lhes parecia ser louco, e falto de juizo 
por respeito de alguas pallavras que lhes ouvirão fora do raciocinio humano no tempo en que andava por esta villa, e 
que nesta parte lhes parecia que a sobredita testemunha no que respeita a dizer no fim do seo testemunho que não 
ouvira ao dito Antonio da Sylva accões de louco, mais do que aquellas, que elle declara depunha materialmente 
respeitando as accoes externas”. 
12 Os comissários do Santo Ofício, obrigatoriamente pertencentes aos quadros da Igreja, eram normalmente 
indivíduos experientes, habituados a exercer funções de responsabilidade. Os seus deveres obedeciam a um regimento 
próprio mas, no Brasil, a distância que os separava da metrópole conferia-lhes uma importância superior à dos que 
exerciam as suas funções no território do continente e, não havendo um tribunal na colónia, eram eles a autoridade 
máxima a quem tinham de se dirigir os outros funcionários, o que, sem dúvida alguma, contribuía para aumentar o 
prestígio inerente ao próprio cargo. Ana M. Santos PEREIRA, A Inquisição no Brasil… cit., pp. 92-95. 
 
Actas do Congresso Internacional Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades 
 
 
 
6 Ana Margarida Santos Pereira 
esperados, porque, além de ter sido repreendido, os inquisidores ignoraram as suas alusões a 
uma possível intervenção demoníaca, declarando o prisioneiro como louco e, enquanto tal, 
passível de ser libertado. 
A maioria dos habitantes parecia também acreditar - ou, a julgar por aqueles cujos 
depoimentos foram registados, assim o queria fazer crer - que António da Silva, se não era louco, 
tinha com certeza alguma falta de entendimento. 
Entre os elementos que compunham a população negra da região, havia, porém, uma 
opinião distinta a respeito do misterioso forasteiro: António Carimá, preto forro, entretanto falecido, 
que tinha fama de adivinhador, razão pela qual António da Silva lhe pediu para saber se o rei 
continuava vivo, “pelo ter deixado doente” quando saíra de Lisboa, ter-lhe-á mesmo dito que ele 
“era princepe e que havia sahir [daquela] terra com coroa, e que isso mesmo significavão huas 
estrellas que apparecião na madrugada com rabos e brassos”. Predestinado ou não, o certo é que 
reuniu à sua volta um número indeterminado de escravos, alguns dos quais diziam ouvir falar dele 
em sonhos, e numa reunião que teve lugar na roça de Manuel Lobo Pereira (então ausente), 
liderada por António da Silva, com a presença de vários negros, ele próprio desfez todas as 
dúvidas, asseverando-lhes que era “hum princepe que [ia àquela] terra mandado pelo Padre 
Eterno e por el rey seu pay a restaurar os pretos e mulatos dos captiveyros e tira llos do poder de 
seus senhores para hir com elles restaurar a Caza Sancta”. 
 Príncipe ou louco, velhaco ou profeta, simples intrujão ou homem imbuído de um ideal 
superior... a dúvida persiste. Pistas, temos algumas, fornecidas pela própria documentação: 
Manuel Pinto, natural de Lisboa, que na qualidade de carcereiro lidou de perto com o forasteiro, 
vira-o conversar “com quietação, e discurso mostrando, que [hera] lido”, razão pela qual 
suspeitava que não fosse secular. António Camelo Alcoforado, natural do Porto, 41 anos, o juiz 
encarregue da prisão, agora apenas ocupado na actividade mineradora, vivendo do que extraía 
das suas lavras e faisqueiras, declarava, por seu lado, que o prisioneiro em questão tinha “muito 
bom entendemento por saber dar muito bem o seo recado rezão, porque se [persuadia], que elle 
fora estudante”. E o Pe. Miguel Carvalho, como atrás se disse, estava convencido que tivera 
“criacam muito diverssa” daquela a que no seu depoimento fazia menção. 
 As declarações sucessivamente prestadas pelas testemunhas poderão dar-nos conta das 
suas diversas motivações, remetendo, de forma mais ou menos explícita, para a dinâmica dos 
equilíbrios sociais à escala local e, acima de tudo, para o funcionamento do poder e para a 
repartição do mesmo entre grupos cujos interesses, nem sempre convergentes, fomentavam 
rivalidades. De que outra forma, senão desta, poderíamos, em boa verdade, explicar as 
contradições presentes nos depoimentos de todos aqueles que, apesar de fornecerem indícios em 
contrário, se recusavam a admitir que António da Silva fosse louco, ao passo que outros não 
tinham qualquer dificuldade em fazê-lo? Um louco seria, mais cedo ou mais tarde, colocado em 
liberdade; não o sendo, poderia permanecer na prisão por vários anos, enquanto o seu processo 
se afundava nos meandros da justiça colonial, ou, melhor ainda, poderia ser recambiado para 
Lisboa e de cá nunca mais voltar. Poderíamos, então, vislumbrar neste caso sinais de uma 
oposição entre proprietários de escravos e aqueles que, não os tendo, cobiçavam o lugar dos 
primeiros? Entre colonos fiéis ao poder da metrópole e outros que a ele se opunham, em defesa 
dos seus próprios interesses locais? Hipóteses que, estamos persuadidas, só um estudo 
aprofundado, com incidência nas diversas vertentes da vida local, poderia esclarecer com alguma 
segurança. 
 Num ponto, parece, no entanto, que todos teriam razão: a desenvoltura com que António 
da Silva se exprimia, o seu comportamento em público, o facto de saber ler e escrever (coisa que, 
como se sabe, ainda não era de todo comum naquela época), eram outros tantos indícios que 
apontavam para que, ao contrário do que ele próprio fazia crer, tivesse recebido algum tipo de 
instrução formal. As alusões de carácter religioso que polvilhavam o seu discurso, bem como as 
interpelações e críticas a aspectos da doutrina, poderiam levar-nos a supor que se trataria de um 
regular (jesuíta?) ou de um antigo estudante, que sem meios para tomar ordens ou de ânimo 
inconformado e não satisfeito com as respostas que a Igreja lhe dava, tivesse resolvido ausentar-
se clandestinamente, razão pela qual dissimulava. Mas neste ponto também não há forma de, 
pelo menos por agora, podermos firmar quaisquer certezas. Sabemos, isso sim, que era opinioso, 
 
Comunicações 
 
Milenarismo e revolta na vivência dos escravos… Minas Gerais no século XVIII 7 
censurando-se-lhe o facto de “entrometer ce a fallar em todas as materias quando para isso se lhe 
offerecia occazião”. 
Se a sua origem permanece ainda envolvida em mistério, o destino de António da Silva 
também é para nós desconhecido. As últimas notícias que dele nos chegaram datam de 1753: em 
9 de Março, deu-se a expedição do despacho que o declarava como louco, ordenando a sua 
libertação imediata; a 27 do mesmo mês, o tribunal de Lisboa recebia porém uma ordem emanada 
do Conselho Geral do Santo Ofício, em que se pedia aos inquisidores para informarem “logo” 
sobre o conteúdo de um requerimento enviado no ano anterior pelo denunciado, no qual dava 
conta das “gravissimas necessidades” que nos últimos sete anos havia padecido no cárcere, “por 
ser pessoa pobrissima, e que so vivia das esmolas que hos fieis lhe davão andando pedindo por 
diversas partes das Minas, antes da sua prisão, e nesta se [alimentava] ainda de esmolas, mas 
por ser a terra pouco populosa, e os moradores da mesma menos abundantes de charidade, e 
cabedaes; [faltavão] aquellas, e [perecia] quasi muitas vezes á fome o supplicante”. Às 
dificuldades de ordem material, acrescia ainda o facto de estar intimamente convicto de não haver 
cometido qualquer falta merecedora de castigo por parte da Inquisição e a suspeita de que o 
Tribunal não fora informado da sua prisão, caso contrário teria sido entretanto enviado para 
Lisboa, a fim de serprocessado. Pedia, portanto, que se indagasse e se, de facto, assim fosse, 
que o mandassem soltar 13. A resposta dos inquisidores, com data de 29 de Março, dava conta da 
decisão comunicada pelo despacho de dia 9 mas o Conselho Geral mandou imediatamente repetir 
a ordem de soltura 14. 
A actuação do Conselho Geral e a decisão tomada poucos dias antes pelo tribunal 
parecem sugerir uma intervenção, provavelmente de alguém bem colocado, a favor do prisioneiro, 
com os inquisidores a tentarem antecipar-se ao Conselho Geral, mas também aqui não há 
informações concretas. Os ventos, até aí tão aziagos ao desgraçado «príncipe», sopravam de 
novo a seu favor? Iria finalmente cumprir-se a profecia das estrelas? 
 
3. As propostas – elementos para a sua análise: 
 
 As acusações de que foi alvo António da Silva eram muitas e variadas mas, de um modo 
geral, podem ser divididas em dois grupos: o primeiro diz respeito às blasfémias e proposições 
heréticas, que de acordo com várias testemunhas proferia. Neste aspecto, o seu caso era 
semelhante a muitos outros de que, na colónia e fora dela, temos notícia: nas palavras, que com 
ira ou sem ela, eram usadas para insultar a divindade e nas dúvidas formuladas em termos por 
vezes muito pouco ortodoxos, quando não mesmo sediciosos, encontramos, de facto, a expressão 
de perplexidades que eram comuns a muitos contemporâneos, quer no que se referia ao papel da 
Igreja como intermediária entre o Homem e o divino, quer mesmo relativamente aos princípios do 
Catolicismo, em muitos casos tidos como desfasados e insuficientes para sossegar as 
interrogações trazidas pelos novos tempos, fruto das mudanças sem precedentes ocorridas nos 
últimos séculos 15. Com uma confiança redobrada nas suas próprias capacidades, o homem 
moderno não se coibia de questionar a autoridade, até então indisputada, dos textos sagrados, 
forjando as respostas que lhe permitiriam lidar com uma realidade a muitos títulos angustiante e 
que, apesar dos progressos alcançados, teimava em escapar ao seu controlo. A difusão do livro e 
das práticas de leitura, ocorrida no decurso da época moderna, fomentaria também, por outro 
lado, a “apropriação inventiva de textos e símbolos considerados sagrados”, abrindo em muitos 
casos o caminho à heresia 16. 
 Algumas das afirmações cuja autoria foi atribuída a António da Silva são, a este propósito, 
elucidativas: umas vezes questionava a passagem do Pai Nosso em que se dizia “não nos deixeis 
cair em tentação”, perguntando “porque razam Deos Senhor nosso sendo poderoso nos havia de 
 
13 Com o requerimento, vinha também uma certidão com a cópia de uma verba que se encontrara no livro em que se 
faziam os assentos dos presos, pela qual se dava conta que António da Silva fora embargado na prisão em nome do 
Santo Ofício no dia 14 de Agosto de 1745. 
14 IAN/TT, Inquisição de Lisboa, Ordens do Conselho Geral, liv. 157, fls. 102-106. 
15 Jean DELUMEAU (dir.), Injures et Blasphemes, Paris, Imago, 1989; Robert MUCHEMBLED, Popular Culture and Elite 
Culture in France, 1400-1750. Baton Rouge & Londres: Louisiana State University Press, 1985. 
16 Luiz Carlos VILLALTA, Reformismo Ilustrado, Censura e Práticas de Leitura: usos do livro na América Portuguesal, 
São Paulo, Universidade de São Paulo – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (Departamento de 
História), 1999 (dissertação de Doutoramento), pp. 416-456. 
 
Actas do Congresso Internacional Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades 
 
 
 
8 Ana Margarida Santos Pereira 
deichar cahir” ; outras vezes dizia que “Deos nosso Senhor não governava bem”, irritando-se com 
Ele “por nos deixar o nosso livre arbitrio na materia de peccados”. Quando soube que o queriam 
prender, exasperou-se, dizendo: “maldito seja o Crucificado, que me mandou a esta terra, e não 
sei o para que” ; antes disso, afirmava que “todos os trabalhos de penitencias, oraçoens, jejuens, 
e diciplinas nos tinha deichado Christo crucificado porque era Nosso inimigo, que era filho de 
Galilea, e que tinha botado tod aquelle [sic] gente de Galilea a perder e que tinha vindo ao mundo 
sem consentimento do Padre Eterno, e que tinha enganado a Maria Sanctissima”. Os aspectos 
puramente exteriores da vivência religiosa eram-lhe, de resto, especialmente detestáveis: sobre 
as relíquias dos santos, lá como cá objecto de veneração, dizia que as de lá “não erão 
verdadeyras” e uma das testemunhas afirmou que o prisioneiro lhe dissera para não se importar 
em ir à igreja, “porquanto tinha hum livro que postos de joelhos e rezando por elle satisfazião a 
missa”, e que “outras occazioens fallando se em sacerdotes disse o denumciado por alguas vezes 
que tudo o que estava dizendo lâ no sitio o sabia [sic] no mesmo tempo certos sacerdotes 
moradores nesta villa, como tambem elle sabia la no mesmo tempo tudo quanto elles câ fallavão, 
estando em distancia couza de hua legoa”. A Mariana, que com temor do Inferno recusara a sua 
proposta para terem ajuntamento carnal, disse que “isso se não comfessava, e que não havia 
Inferno, e que as pessoas, quando morrião tornavão se a gerar nas mulheres, para tornar a 
nascer”. Os princípios relacionados com a moral sexual eram, aliás, especialmente visados pelas 
críticas e constantemente deturpados pelos crentes, segundo os seus próprios desejos e 
objectivos. Tal como muitos dos seus contemporâneos, António da Silva parecia estar, por 
exemplo, convencido que “hum homem ainda que estivesse toda a sua vida amancebado com 
hua mulher não cometia tão grande peccado como andando coabitando com muitas mulheres”. 
 Estes e outros ditos, menos graves no caso das blasfémias, mais sérios e dignos de 
preocupação no que se refere às proposições que se dirigiam contra os princípios sobre os quais 
assentava a doutrina cristã – como quando negava a existência do Inferno, defendendo o princípio 
da reencarnação, quando afirmava que “Christo Senhor Nosso não hera o que salvava, mas sim o 
Padre Eterno” ou que “Deos não [hera] outra couza mais, do que hum homem, como qualquer dos 
outros homenns” 17– e, por esse motivo, recaíam sob a alçada exclusiva da Inquisição; estes e 
outros ditos semelhantes, dizíamos, eram quando muito motivo de escândalo, podendo dar origem 
a uma ou mais denúncias à justiça eclesiástica, mas, por si sós, não justificavam a mobilização 
dos poderes locais para garantir a neutralização do seu autor. 
 Na verdade, a razão pela qual António da Silva foi preso e, pelo menos durante quase uma 
década mantido longe dos olhares alheios, prendia-se antes com as suas actividades junto da 
população negra, já aqui por diversas vezes afloradas. Isso mesmo foi confirmado por algumas 
testemunhas, como Sebastião Lopes Afonso, natural de Chaves, 31 anos, homem que vivia de 
sua agência, o qual afirmou ter ido à roça de Manuel Lobo Pereira com a intenção de prender o 
denunciado, em virtude de uma ordem emitida pelo ouvidor geral da Comarca, que decretara a 
sua captura por haver na vila “hua grande revoluçam entre os moradores della por respeito de se 
dizer que [...] tinha feito hum ajuntamento de negros para dar de repente [nela]”. A originalidade do 
caso e aquilo que o distancia de outros por nós conhecidos 18, aproximando-o, no entanto, dos 
movimentos de cariz messiânico-milenarista, que desde a época colonial até mesmo aos nossos 
dias surgem um pouco por todo o lado no Brasil 19, reside precisamente no discurso do 
 
17 Esta última afirmação foi proferida já na prisão, segundo o depoimento do carceiro, que além de outras coisas 
também lhe teria ouvido dizer: “malditos sejão os deozes, sanctos, e santas, que com elles não queria nada, só com os 
diabos, que esses erão seos amigos = e outrosim dizendo que não ha Deos verdadeyro, mas antes, que he mentirozo, 
porquanto se dizem, que daa cada hua das pessoas hum anjo da goarda este havia de ser para o goardar de todo o 
mal, e como as não goarda, que elle he o que tem a culpa, e deve ser o castigado, e não elle dito Antonio da Sylva, 
como tambem dizendo = dizem, que a serpente enganou a Heva para pecar, he mentira; poes foi o mesmo Deos que 
lhe metteo o pomo na boca para a fazer pecar = [...]”. 
18 Vejam-se, por exemplo, os casos de Pedro do Campo Tourinho, já sobejamente conhecido, e de João Pereira de 
Sousa, ambos enviados para Lisboa para aqui serem julgados, em virtude das heresias de que eram acusados, Ana M. 
Santos PEREIRA, A Inquisição no Brasil… cit., pp. 125-142. 
19 Maria Isaura Pereira de QUEIROZ, O Messianismo no Brasil e no Mundo, São Paulo, Dominus, 1965. Sobre os 
movimentos messiânico-milenaristas no Brasil e o seu estudo, v. Cristina POMPA, «A construção do fim do mundo. Para 
uma releitura dos movimentos sócio-religiosos do Brasil “rústico”», Revista de Antropologia, vol. 41, n.º 1, 21 pp. [edição 
electrónica]; e Lísias Nogueira NEGRÃO, «Revisitando o messianismo no Brasil e profetizando seu futuro», Revista 
Brasileira de Ciências Sociais, vol. 16, n.º 46, jun. 2001, pp. 119-129. 
 
Comunicações 
 
Milenarismo e revolta na vivência dos escravos… Minas Gerais no século XVIII 9 
protagonista, exclusivamente dirigido à população negra, maioritariamente constituída por 
escravos, e no teor das suas propostas, de que não conhecemos outro exemplo para a época. 
 As declarações produzidas pela já referida Mariana; por Alexandre Correia, preto crioulo, 
31 anos, escravo de João Cardoso da Silva, em cuja loja trabalhava como alfaiate; e também por 
Manuel Mendes Raso e António Pires Carneiro, natural de Santa Eulália de Arnozela 
(Arcebispado de Braga), 36 anos, genro do anterior; permitem reconstituir, nos seus traços gerais, 
o projecto superior, de natureza mística, cuja concretização teria guiado António da Silva àquele 
lugar. 
 Os elementos comuns a este tipo de narrativa 20 encontram-se, todos eles, aqui presentes: 
um líder, cuja identidade estava envolvida em mistério; uma missão, transmitida directamente pela 
divindade, que tinha como fim último reformar a ordem vigente, instituindo uma sociedade mais 
justa, onde não haveria senhores nem escravos21; uma mensagem de esperança, 
especificamente dirigida aos sectores mais desprivilegiados da sociedade, naturalmente 
receptivos a esse tipo de discurso; e um meio para alcançar os objectivos propostos. 
 Apresentando-se como um líder dotado de virtudes carismáticas, bafejado pela 
comunicação com o mundo celeste, António da Silva conseguiu, ao que parece em pouco tempo, 
reunir à sua volta um grupo mais ou menos indefinido de seguidores, na sua quase totalidade 
escravos, alguns dos quais asseveravam ter tido visões em que a “senhora Santa Ana” ou um 
menino não identificado, presumivelmente Jesus, lhes pediam para transmitir uma mensagem ao 
“pobre das barbas”, a quem deveriam dizer que “já era tempo”, indícios estes claros, quer quanto 
à importância do forasteiro, quer quanto à natureza transcendente da sua missão. Profeta imbuído 
de funções sobrenaturais, apresentava, no entanto, de si uma imagem que o aproximava 
daqueles cuja atenção pretendia captar: filho natural de um rei, perseguido pelo próprio irmão, era, 
como eles, um marginal, desterrado nos confins do território brasileiro. O esforço de identificação 
com os cativos parece, aliás, patente, desde logo porque dizia que a imagem de Nossa Senhora 
da Purificação, pertencente a uma irmandade de pardos, com ele conversava quando ia à igreja, 
mas sobretudo pela extraordinária designação a si mesmo atribuída pelo próprio: “João Lourenço 
Negro”. 
 Procurando capitalizar a seu favor o descontentamento dos escravos, quer em relação aos 
proprietários coloniais, quer também no que dizia respeito ao papel desempenhado pela Igreja na 
manutenção do sistema escravista 22, António da Silva-João Lourenço apresentava-se ao olhar de 
todos completamente despojado: apesar de príncipe, vivia das esmolas que lhe davam, não 
aceitando mais do que aquilo de que necessitava para o seu sustento 23; não bebia e nem sequer 
consta que fosse dado aos destemperos da carne. A sua conduta devia ser em tudo contrastante 
com aquela que os cativos estavam habituados a testemunhar, por parte dos seus senhores; o 
carisma pessoal e o apelo irresistível da sua mensagem teriam eliminado quaisquer 
desconfianças que alguns deles pudessem ter e os receios de todos, congregando 
momentaneamente na figura do forasteiro as aspirações de um grupo para quem a liberdade era 
um bem sonhado, porém de todos o mais difícil de alcançar. 
 O modo como tudo se deveria processar parecia, no entanto, algo equívoco: na reunião 
que teve lugar na roça de Manuel Lobo Pereira, em que estiveram presentes diversos escravos, 
António da Silva revelou-lhes solenemente a sua identidade, anunciando ter sido enviado por 
Deus e pelo rei, seu pai, “a restaurar os pretos e mulatos dos captiveyros e tira llos do poder de 
seus senhores para hir com elles restaurar a Caza Sancta”. Inquirido sobre a forma como o faria, 
 
20 Idem, Ibidem, p. 119. 
21 António Pires Carneiro testemunhou ter-lhe ouvido dizer que “o mundo não andava bem governado, e que havia de 
haver hua reforma, ou recurso, que não havia de ser sempre asim, que nem os do inferno havião de estar sempre no 
inferno, nem os do ceo sempre no ceo, e que tudo havia de ser hum”. 
22 Uma das escravas que faziam parte do seu grupo de seguidores disse em certa ocasião que “a mulher de hum 
negro forro por nome Salvador que he capitam do matto queria ser rainha, e que o crucificado andava metendo na 
cabeça aos negros não cressem no Barbas, e que isto lhe fora revellado em hua vizam que tivera, ao que a outra negra 
Marianna respondeo = sim o crucificado anda metendo na cabeça aos negros que cream nelle e se não juntem com o 
pobre homem para serem forros =”. 
23 Manuel da Silveira Camacho, natural de S. Roque do Pico, cirurgião, declarou mesmo que “em algum tempo tivera 
sua emclinação ao dito Antonio da Sylva, por ver, que este era devoto das almas, e andava com hum timão de baeta 
sobre as carnes, sem querer acceitar esmolas de ouro, nem roupas, nem outra couza algua que varias pessoas lhe 
offerecião”. 
 
Actas do Congresso Internacional Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades 
 
 
 
10 Ana Margarida Santos Pereira 
respondeu que levava consigo um papel para ser afixado à porta da igreja, “e que depois de 
publicado, como elle vinha mandado do Padre Eterno e de el rey que logo todos os senhores lhe 
havia entregar seus escravos”. Nem todos acreditavam, porém, na resolução pacífica da questão: 
no morro da Forca, situado nas proximidades da vila, juntaram-se mesmo alguns negros armados, 
ao que parece à espera de uma indicação do denunciado para se levantarem contra os seus 
senhores e irem com ele “pela gentilidade pregando e levantando igrejas restaurar a Caza Sancta 
e descobrir as prophecias que estavam incubertas”. 
Manuel Mendes Raso ouviu-lhe dizer - certamente com espanto e não menor inquietação – 
que “no sitio delle mesmo testemunha era o campo de Jozapha 24 e que todos brancos e negros 
sedo havião de ser todos huns, e que não havia de haver captivos”; dizia também que naquele 
mesmo lugar estava a cadeira do Padre Eterno e que a lenha que lá se via era para atear o fogo 
“por honde todos havião passar”. As dúvidas aparentemente manifestadas por diversos escravos 
acerca do sucesso do empreendimento e o receio do que lhes pudesse suceder, em caso de 
fracasso; o crescimento dos rumores, aliás confirmados por um dos escravos que tinha assistido à 
reunião (Alexandre Correia), e o nervosismo dos proprietários perante a eminência de uma 
revolta, acabariam, no entanto, por frustrar os planos do«profeta», que, sem glória, foi enviado 
para a cadeia; os escravos que se propunha libertar foram depois os mesmos que, para se 
livrarem eles próprios do castigo (Mariana parece ter sido a única que foi presa), o incriminaram, 
procurando persuadir a Justiça que nunca teriam acreditado nas suas palavras. A necessidade de 
sobrevivência a isso obrigava... 
 
Conclusão: 
 
Enquanto permaneceu na prisão, António da Silva negou todas as acusações que sobre 
ele pesavam, afirmando repetidamente que “nunca sentira mal a nossa sancta Fê, nem tivera 
duvida algua, nos misterios della”. Admitia, no entanto, que “alguas vezes quando fazia as suas 
devoções sentia hua guerra enterior, que não sabia o que hera, nem se podia explicar” 25. Uma 
confissão implícita? Insinuação matreira, tendo em vista a sua absolvição pelos juizes, com base 
em presuntivos episódios de demência? Ou expressão legítima dos conflitos interiores travados 
por alguém para quem os ensinamentos imutáveis da Igreja já se mostravam insuficientes e cujo 
espírito crítico levava inevitavelmente a questioná-los? 
Estas são apenas algumas entre muitas questões que permanecerão provavelmente sem 
resposta; certo, porém, é que, louco ou não, o «príncipe encoberto» parecia dar voz a interesses 
concretos, de natureza local. Nas suas palavras, as intenções de carácter político surgiam, de 
facto, muitas vezes misturadas com um projecto de natureza marcadamente religiosa que, para 
além dos objectivos mais ou menos publicamente enunciados, teria passado também pelo seu 
papel como director espiritual dos cativos, particularmente evidente no que se refere a Mariana, 
que chegaria a confessar-se com ele. Ela mesma afirmava que o Menino Jesus lhe dissera que 
aquele homem era o príncipe daquela terra. António da Silva, ele próprio, declarava que “havia 
haver hum rey em Portugal, e outro nas Minas e que todos os escravos haviam de ficar livres” e 
no papel em forma de edital que devia ser afixado à porta da igreja assegurava ter sido enviado 
àquela terra a fim de “prezenssiar as necessidàdes que no Povo [viu], e evitar tantas treysòens 
 
24 Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Lisboa, Verbo, vol. 11, p. 755, Vale de Josafat (de Jehô-sâfât = Javé julga) 
– nome simbólico, não topográfico, do lugar em que Deus reunirá os inimigos do seu povo para os julgar, segundo a 
profecia de Joel (4, 2.12). Também chamado Vale da Decisão, é, desde o séc. IV, identificado com o vale do Cedron, a 
SE do templo de Jerusalém. “Na escatologia popular judaica, muçulmana e tb. cristã, passou a ser o cenário do Juízo 
Final” (preferido como cemitério, cf. Dicionário Bíblico, Lisboa & Porto, Ed. Perpétuo Socorro-Difusora Bíblica, 1989, p. 
201). 
Danielle FOUILLOUX, Anne LANGLOIS, Alice le MOIGNE, François SPIESS, Madeleine THIBAULT, Renée TREBUCHON, 
Dicionário Cultural da Bíblia. Lisboa: Publ. Dom Quixote, 1996 [1990], p. 152: Josafat – “Significando Josafat «Deus 
julga», o nome simbólico de Vale de Josafat designa o lugar imaginário onde Deus exerce o poder de julgar os povos”. 
25 No seu primeiro depoimento, Manuel Mendes Raso afirmou que em algumas ocasiões ouvira dizer ao denunciado 
que “não estava doudo, porem que não sabia o que tinha” ; certa vez, estivera à conversa com o Pe. Francisco 
Gonçalves, que tinha licença para exorcizar, mas ele, testemunha, não sabia de que tinham falado. No segundo 
depoimento, voltou a dizer que António da Silva não se comportava de forma a que se pudesse pensar que era louco, 
“so sim alguas vezes dizia que lhe não doya a cabesa; porem, que não estava bom”. 
 
Comunicações 
 
Milenarismo e revolta na vivência dos escravos… Minas Gerais no século XVIII 11 
que [conheceu]”, proclamando a eliminação dos tributos, e mesmo dos próprios dízimos, a partir 
de 1 de Novembro de 1744; a entrega das igrejas aos seculares, com os eclesiásticos remetidos 
às suas funções religiosas; e a libertação de “todo o povo pàrdo, indios, e negros”, para com ele 
irem desbaratar “todo o Mourismo [...] e os lugàres santos a portuguezes christàos entregar”. 
O programa de acção desta forma definido assumia contornos evidentemente utópicos 
mas é, apesar de tudo, tentador encontrar nele plasmados o descontentamento das populações 
mineiras, relativamente ao peso excessivo da tributação; a sua desconfiança para com o clero e, 
em último lugar, mas não menos interessante, a questão da promoção social dos cativos, que, 
apesar de fornecerem a mão-de-obra necessária para a extracção do minério, eram quem menos 
beneficiava das riquezas. As vertentes envolvidas na actuação do «profeta» e a sua hábil 
manipulação das condições locais parecem apontar, desta forma, para a sua proximidade com os 
grupos que lá mesmo fomentavam a oposição ao poder metropolitano; ao mesmo tempo que nos 
dão conta do “lento esfacelamento do imaginário da dominação colonial” 26. Investigações 
recentes sugerem, aliás, a existência de um “círculo milenarista, com perspectiva sediciosa” 27, na 
região do Serro do Frio, em meados do século XVIII, o qual teria como alvo principal D. José, que 
entretanto subira ao trono; a ligação entre o «príncipe encoberto» e movimentos posteriores, como 
o da Inconfidência de Curvelo (1761), não é ainda clara mas é possível que as ideias por ele 
veiculadas tenham extravasado a Vila do Príncipe, encontrando eco noutros lugares. 
No mesmo ano em que António da Silva foi preso no Brasil, Luzia Pinto, preta forra, natural 
de Angola e residente em Sabará, comparecia num auto-da-fé em Lisboa, por culpas de feitiçaria 
e presunção de pacto com o Demónio. Apesar da gravidade das acusações, seria condenada 
apenas a quatro anos de degredo para Castro Marim 28. A atitude adoptada pelos inquisidores em 
relação ao primeiro não difere, no essencial, da que foi tomada neste caso: uma e outra radicam 
no profundo desconhecimento de uma realidade que se encontrava diametralmente afastada da 
sua, não só no que se referia às dinâmicas a que obedecia o funcionamento local, como às novas 
modalidades de vivência religiosa que lá se vinham desenvolvendo e que, mais cedo ou mais 
tarde, acabariam por causar perturbações com as quais a religião oficial teria que se confrontar29. 
Exactamente no mesmo ano, morria Pedro Rates Henequim, queimado pela Inquisição por 
ter pretendido coroar o infante D. Manuel (irmão de D. João V) como imperador da América 
meridional, onde seria erigido o Quinto Império do mundo, separado de Portugal. Contrariamente, 
porém, a este, cujas propostas eram inspiradas nos ensinamentos do Pe. Vieira 30, o nosso 
«profeta» em nenhuma ocasião alude ao Quinto Império mas apenas à possibilidade de vir a 
haver dois reis, um em Portugal e o outro nas Minas. Eco distante das propostas de Henequim? 
Frutos, ambas, de um ambiente cultural específico, em que à concepção linear da História e do 
tempo, característica do mundo judaico-cristã, poderíamos opor uma concepção cíclica, mais 
próxima da escatologia índigena? Na verdade, ao prometer a redenção terrena, António da Silva 
aproximava-se também de Vieira e, por seu intermédio, do próprio pensamento judaico... A 
intenção de combater os infiéis e reconquistar a Terra Santa, que ficaria sob o domínio português, 
são aliás outros tantos indícios que remetem para o autor da Clavis Prophetarum, sugerindo uma 
 
26 Adriana ROMEIRO, Um Visionário na Corte de D. João V. Revolta e milenarismo nas Minas Gerais, Belo Horizonte, 
Ed. UFMG, 2001, p. 165. 
27 Cf. Luís Carlos VILLALTA, comunicação pessoal com data de 31 de Agosto de 2005. 
28 Luiz MOTT, «O calundu-angola de Luzia Pinto: Sabará, 1739», Revista do IAC, vol. 2, n.º 1 e 2, dez. 1994, pp. 73-
82. 
29 Seria, por exemplo, interessante comparar o despacho de 1753 sobre o «príncipe encoberto» com o édito de 2 de 
maio de 1759,emitido na sequência da conspiração para assassinar o rei. Cf. IAN/TT, Inquisição de Lisboa, Maços, n.º 
56, doc. não num. 
30 Adriana ROMEIRO, Um visionário na corte de D. João V… cit.; Plínio Freire GOMES, Um Herege Vai ao Paraíso. 
Cosmologia de um ex-colono condenado pela Inquisição (1680-1744), São Paulo, Companhia das Letras, 1997. Para 
uma análise do pensamento de António Vieira, no âmbito do desenvolvimento do sebastianismo em Portugal, ver: João 
MEDINA, «O Sebastianismo – exame crítico dum mito português», in João MEDINA (dir.), História de Portugal: dos tempos 
pré-históricos aos nossos dias. VI – Judaísmo, Inquisição e Sebastianismo, Amadora, Clube Internacional do Livro, 
1997, pp. 251-304. Embora não os tenhamos podido consultar em tempo útil, mencionamos aqui também os dois 
estudos de Luís Filipe Silvério LIMA sobre o tema: Padre Vieira: Sonhos Proféticos, Profecias Oníricas. O tempo do V 
Império nos sermões de Xavier Dormindo, São Paulo, Humanitas, 2004; e Império dos Sonhos: narrativas oníricas, 
sebastianismo e messianismo brigantino, São Paulo – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas 
(Departamento de História), 2005 (dissertação de Doutoramento). 
 
Actas do Congresso Internacional Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades 
 
 
 
12 Ana Margarida Santos Pereira 
vez mais que o «príncipe encoberto» podia ser, na verdade, um jesuíta heterodoxo ou, pelo 
menos, alguém cuja educação tivera lugar num colégio da Companhia. 
 
 
Fontes e Bibliografia: 
 
1. Fontes manuscritas: 
 
1.1. Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (IAN/TT): 
a) Inquisição de Lisboa: 
- Maços: 56, 58 
- Ordens do Conselho Geral: Liv. 157 
 
b) Registos Paroquiais: 
- Sto Antão do Tojal: Baptismos – Liv. 1, 2 
 
2. Obras de referência: 
 
BETHENCOURT, Francisco & CHAUDHURI, Kirti (dir.), História da Expansão Portuguesa, Lisboa, Temas e 
Debates, 5 vols., 1998. 
Dicionário Bíblico, Lisboa & Porto, Ed. Perpétuo Socorro-Difusora Bíblica, 1989. 
Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Lisboa, Verbo, vol. 11, s.d. 
FOUILLOUX, Danielle; LANGLOIS, Anne; LE MOIGNE, Alice; SPIESS, François; THIBAULT, Madeleine; 
TREBUCHON, Renée, Dicionário Cultural da Bíblia, Lisboa, Publ. Dom Quixote, 1996 [1990]. 
MEDINA, João (dir.), História de Portugal: dos tempos pré-históricos aos nossos dias, Amadora, Clube 
Internacional do Livro, 15 vols., 1997. 
 
3. Bibliografia: 
 
DELUMEAU, Jean (dir.), Injures et Blasphemes, Paris, Imago, 1989. 
GOMES, Plínio Freire, Um Herege Vai ao Paraíso. Cosmologia de um ex-colono condenado pela Inquisição 
(1680-1744), São Paulo, Companhia das Letras, 1997. 
LIMA, Luís Filipe Silvério, Padre Vieira: Sonhos Proféticos, Profecias Oníricas. O tempo do V Império nos 
sermões de Xavier Dormindo, São Paulo, Humanitas, 2004. 
____ Império dos Sonhos: narrativas oníricas, sebastianismo e messianismo brigantino, São Paulo – 
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (Departamento de História), 2005 (dissertação de 
Doutoramento). 
MOTT, Luiz, «Acotundá: raízes setecentistas do sincretismo religioso afro-brasileiro», in Escravidão, 
Homossexualidade e Demonologia, São Paulo, Ícone Editora, 1988, pp. 87-117. 
____ «O calundu-angola de Luzia Pinto: Sabará, 1739», Revista do IAC, vol. 2, n.º 1 e 2, dez. 1994, pp. 73-
82. 
MUCHEMBLED, Robert, Popular Culture and Elite Culture in France, 1400-1750, Baton Rouge & Londres, 
Louisiana State University Press, 1985. 
NEGRÃO, Lísias Nogueira, «Revisitando o messianismo no Brasil e profetizando seu futuro», Revista 
Brasileira de Ciências Sociais, vol. 16, n.º 46, jun. 2001, pp.119-129. 
PEREIRA, Ana M. Santos, A Inquisição no Brasil. Aspectos da sua actuação nas Capitanias do Sul – de 
meados do séc. XVI ao princípio do séc. XVIII, Coimbra, Faculdade de Letras - Universidade de 
Coimbra, 2001 (dissertação de Mestrado). 
POMPA, Cristina, «A construção do fim do mundo. Para uma releitura dos movimentos sócio-religiosos do 
Brasil “rústico”», Revista de Antropologia, vol. 41, n.º 1, 21 pp. [edição electrónica]. 
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de, O Messianismo no Brasil e no Mundo, São Paulo, Dominus, 1965. 
ROMEIRO, Adriana Romeiro, Um Visionário na Corte de D. João V. Revolta e milenarismo nas Minas 
Gerais, Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2001. 
SCARANO, Julita, Devoção e Escravidão. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Distrito 
Diamantino no séc. XVIII, São Paulo, Conselho Estadual de Cultura, 1975. 
SOARES, Mariza de Carvalho, Devotos da Cor. Identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de 
Janeiro, século XVIII, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000. 
VILLALTA, Luiz Carlos, Reformismo Ilustrado, Censura e Práticas de Leitura: usos do livro na América 
Portuguesa, São Paulo, Universidade de São Paulo – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências 
Humanas (Departamento de História), 1999 (dissertação de Doutoramento). 
 
Comunicações 
 
Milenarismo e revolta na vivência dos escravos… Minas Gerais no século XVIII 13 
 
ANEXO 
 
[Após 1740] [Minas Gerais] - «Bula» redigida por António da Silva, que nela se intitula João Lourenço, filho 
natural de D. João V; encontrada por Manuel Lobo Pereira e pelo mesmo entregue à Justiça secular. 
 
A) IAN/TT, Inquisição de Lisboa, Maços, n.º 58, doc. não num., fl. 288. 
A) 
[fl. 288] 
+ 
 
Eu João Lourenço principe emcuberto, filho do rey João Quinto, e de Victoria, portuguezes, por mandàdo de 
Deos, asistente na cidàde das Minas da Pràta, ouro, e diversas pèdras perciòzas, e diamantes, capèla 
Nòssa Senhora da Conceysão. 
 
Mando em dia de todos os santos, primeyro de Novembro, de mil, sètesentos, quarenta, e quàtro, que do 
dia asima nomeàdo e pelo tempo adiante declaràdo o povo portugues da Amèrica e de todo o reyno de 
Portugal seja de todo o trebuto despenssàdo, e de justisa, e dizimos retiràdo. 
 
Pòsse dou ò povo secular das suas igrejas, tiro a pòsse a todos os icleziasticos, sò sim poderam uzar de 
oficios divinos, dando lhe os secullàres suas ofertas proporcionàdas, comservando a pòsse os seculàres, 
para festejàrem o culto divino, à sua satisfação 
 
Declàro que de Lisboa aqui, por mandàdo de Deos vim para prezenssiar as necessidàdes que no povo vy, e 
evitar (repetido) tantas treysòenns que conheci 
 
E todo o povo pàrdo, indios, e negros, a mim juntar sem nimguem os poder cativar, para todo o mourismo, 
neste tempo desbaratar, e os lugàres santos a portuguezes christàos entregar

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