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/ FILOSOFIA: INÚTIL? ÚTIL? JL~ Marilena Chaui Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes. CHAUI, M. Convite à Filosofia. 3 ed., São Paulo: Ática, 2005. A ANTI-FILOSOFIA Karl Jaspers, filósofo contemporâneo (1965), assim caracterizou os tempos atuais a respeito da anti-filosofia: "Um instinto vital, ignorado de si mesmo, odeia a filosofia. Ela é perigosa. Se eu a compreendesse, teria de alterar minha vida. Adquiriria outro estado de espírito, veria as coisas à uma claridade insólita, teria de rever meus juízos. Melhor é não pensar filosoficamente. Muitos políticos vêem facilitado seu nefasto trabalho pela ausência da filosofia. Massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão somente usam de uma consciência de rebanho. É preciso que os homens não se tornem sensatos. Mais vale, portanto, que a filosofia seja vista como algo entediante. Oxalá dasaparecessem as cátedras de filosofia. Quanto mais vaidades se ensine, menos os homens estarão arriscados a se tocarem pela luz da filosofia. Assim, a filosofia se vê rodeada de inimigos, a maioria dos quais não tem consciência desta condição. A autocomplascência burguesa, os convencionalismos, o hábito de considerar o bem estar material como razão suficiente da vida, o hábito de só apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de poder, a bonomia dos políticos, o fanatismo das ideologias, a aspiração a um nome literário... tudo isso proclama a anti-filosofia". JASPERS, K. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1971. p. 138. ATITUDE FILOSOFANTE Leonardo Boff Na atual realidade globalizada emergem problemas de toda ordem que desafiam o pensamento. Sabemos muito - mais que qualquer outra geração anterior à nossa. Cada cidadão medianamente formado tem acesso a conhecimentos científicos e a informações que excedem em muito o que um Aristóteles, um Platão, um Tomás de Aquino ou um Pascal conheciam. Entretanto, há uma diferença fundamental entre nós e eles. Eles não apenas dominavam praticamente todo o saber de seu tempo, como também sabiam refletir sobre ele. Faziam ciência com consciência. Nós sabemos muito, mas não pensamos sobre o que sabemos. Não elaboramos uma atitude filosofante, que se interrogue sobre os fundamentos que sustentam a realidade e permitem que ela seja uma realização de virtualidades e de intencionalidades que lhe são subjacentes e anteriores. Ficamos apenas nos fenômenos e não descemos às forças subjacentes que os produzem continuamente. BOFF, L. Homem: satã ou anjo bom? Rio de Janeiro: Record, 2008. VTfi&Q DA FILOSOFIA PELO SENSO COMUM COTRIM, G. Fundamentos da Filosofia, São Paulo: Saraiva, 1992. Perante o senso comum, a Filosofia é muitas vezes considerada como algo confuso, difícil e nada prático. Essas impressões populares fizeram nascer, em torno dela, uma série de definições jocosas e de sentido pejorativo, como as seguintes: "Filosofia é uma coisa tal, que sem a qual o mundo continua tal e qual/' «Filósofo é alguém que, levando toda vida na miséria, cria teorias sobre a miséria de toda vida". De certo modo, essas definições depreciativas refletem odescrédito e a insatisfação de grande número de pessoas sobre algumas "obrasfilosóficas'', marcadas pelo hermetismo, pelo estilo obscuro e dominadas pelo discussão de questões tolas e irrelevantes. Contudo, essas definições distorcem o verdadeiro sentido da Filosofia. Uma das principais finalidades deste curso é ajudá-lo, através da Filosofia, a superar essas concepções distorcidas e corriqueiras encontradas no senso comum. Mas, para isso, como escreveu o filósofo Bertrarid Russel, "é preciso que se tenha grande desejo de saber, combinado agrande_ cautela quanto ao que sejulga saber; deve-se, ainda, possuir penetração lógica e ohábito do pensamento exato. Tudo isso, por certo, constitui uma questão de grau. Aincerteza, principalmente, faz parte, em certo grau, de todo pensamento humano; podemos diminuí-la indefinidamente, mas nao podemos aboli-la completamente. AFilosofia é, assim, uma atividade contínua e não algo em que possamos atingir, de uma vez por todas uma perfeição finar (Bertrand Russel. Delineamentos da Filosofia, p. 9). Desse modo, não espere encontrar Respostas prontas e acabadas" para os problemas que serão colocados. Eda própria natureza da Filosofia nao se conformar com respostas únicas, definitivas, rígidas e estáticas. A riqueza da Filosofia reside na sua pluralidade. Não ha uma, mas váriasfilosofias" (M.M. Nascimento. AFilosofia no 2° Grau. Textos filosóficos. São Paulo, SE/CENP, 1986, p. 7). Por isso, mais do que em dar respostas, a Filosofia preocupa-se em valorizar o questionamento, a pergunta, a problematização. «f* A TAREFA DA FILOSOFIA ARANHA, M. e MARTINS, M. Temas de Filosofia. 3 ed., São Paulo: Moderna, 2005. 3 A filosofia é um modo de pensar, é uma postura diante do mundo. A filosofia não é um conjunto de conhecimentos prontos, um sistema acabado, fechado em si mesmo. Ela é, antes de mais nada, uma prática de vida que procura pensar os acontecimentos além de sua pura aparência. Assim, ela pode se voltar para qualquer objeto. Pode pensar a ciência, seus valores, seus métodos, seus mitos; pode pensar a religião; pode pensar a arte; pode pensar o próprio homem em sua vida cotidiana. Até mesmo uma história em quadrinhos ou uma canção popular podem ser objeto da reflexão filosófica. Afilosofia é um jogo irreverente que parte do que existe, critica, coloca em dúvida, faz perguntas importunas, abre a porta das possibilidades, faz-nos entrever outros mundos e outros modos de compreender a vida. Afilosofia incomoda porque questiona o modo de ser das pessoas, das culturas, do mundo. Questiona as práticas políticas, científicas, técnicas, éticas, econômicas, culturais e artísticas. Não há área onde ela não se meta, não indague. E, nesse sentido, a filosofia é "perigosa", "subversiva", pois vira a ordem estabelecida de cabeça para baixo. Talvez a divulgação da imagem do filósofo como sendo uma pessoa "desligada" do mundo seja exatamente a defesa da sociedade contra o "perigo" que ela representa. Podemos, agora, perceber a razão da condenação de Sócrates na Antigüidade ou da proibição da leitura de Karl Marx no Brasil pós-64. Ambos foram (e são, ainda) subversivos, perigosos, pois, ao indagar sobre a realidade de sua época, fizeram surgir novas possibilidades de comportamento e de relação social. Do ponto de vista do poder estabelecido, mereceram a morte e/ou o banimento de suas obras O trabalho do filósofo é refletir sobre a realidade, qualquer que seja ela, re-descobrindo seus significados mais profundos. Filósofos diferentes têm posturas diversas com relação a imagem institucional de sabedoria e compreensão. Embora com motivações diferentes, deram a sua importante contribuição para o alargamento das fronteiras. A filosofia quer encontrar o significado mais profundo dos fenômenos. Não basta saber como funcionam, mas o que significam na ordem geral do mundo humano. A filosofia emite juízos de valor ao julgar cada fato, cada ação em relação ao todo. Assim, filosofar é uma prática que parte da teoria e resulta em outras teorias. Desse modo, embora os sistemas filosóficos possam chegar a conclusões diversas, dependendodas premissas de partida e da situação histórica dos próprios pensadores, o processo do filosofar será sempre marcado pela reflexão radical, rigorosa e de conjunto. O conceito de filosofia foi muito bem definido por Gerd A. Bornheim no livro "Os filósofos Pré-socráticos": "...Se compreendermos a Filosofia em um sentido amplo - como concepção da vida e do mundo - poderemos dizer que sempre houve filosofia. De fato, ela responde a uma exigência da própria natureza humana; o homem, imerso no mistério do real, vive a necessidade de encontrar uma razão de ser para o mundo que o cerca e para os enigmas de sua existência..."
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