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1.Baer_Cap 9_A Vacilante Economia Brasileira 1987-93

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9
A vacilante economia brasileira:
estagnação e inflação durante
1987-93
(em co-autoria com Claudio Paiva)
Do FRACASSO DO PLANO CRUZADO no final de 1986 até a saída
do presidente Collor em fins de 1992, a economia brasileira atravessou um período de
estagnação (o PIB real cresceu a uma taxa anual de 0,6%) e a inflação alcançou três
dígitos durante dois anos e quatro dígitos durante quatro anos (ver Apêndice, Tabelas
AI e AS). Cõffià~iscutiremos neste Capítulo, esses problemas podem ser interpreta-
dos como resultado do mau funcionamento do setor público. Ironicamente, como vi-
mos em capítulos anteriores, embora o setor público brasileiro tenha representado uma
força crucial na industrialização e crescimento do país na segunda metade da década
de 1980, ele se tornou uma barreira para a continuação desse crescimento.
Cenário geral
o presidente Sarney permaneceu no cargo até março de 1990. O problema básico
de sua administração após a experiência do Plano Cruzado foi a falta de uma visão ou
projeto de longo prazo para a economia brasileira. Pior ainda, a falta de c
sociopolítica dificultou até mesmo a implementação e o desenvolvimento efenvo
reformas de curto prazo. Um reflexo disso é o fato de que Sarney teve trê
da Fazenda e três diferentes programas de estabilização após 1986 (ver T
Sarney foi um presidente sem um prazo de mandato definido. Ao Congresso ,,""""••.••
em novembro de 1986 caberia determinar sua duração, além de servir como _:\sso:::::.;;~::!'
Tabela 9.1
Brasil: os formuladores de política e suas estratégias de estabilização.
1985-93
Ano Presidente Ministro da Principal política Principal evento
Economia econômica político
1985 F. Dornelles Ortodoxia Eleição de
---------- governadores e
1986 D. Funaro Plano Cruzado Assembléia
--------- Constituinte -
Bresser Pereira Plano Bresser
1987 José Samey (nov./86)--------
1988 Arroz e feijão
Assembléia
Mailson da Nóbrega --------- Constituinte
1989 Plano Verão Eleições
Plano Collor I
presidenciais
1990 Zélia Cardoso (nov./89)
1991 F. Collor Collor II
1992 Marcílio M. Moreira Ortodoxia Processo de------ ---------
1993 G. Krause impeachment---------
P. Haddad --------
Itamar Franco --------- Indeterminada
E. Rezende---------
F. H. Cardoso
Constituinte em 1988. Sarney queria ter seu mandato prolongado de quatro para cinco
anos e, com o fracasso do Plano Cruzado, ele perdeu grande parte do apoio popular, o
que o enfraqueceu politicamente. Assim, a decisão quanto à duração do mandato passou
a depender majoritariamente das boas relações com o Congresso, visto que o presidente
não era apto a garantir em torno de si o apoio popular. Desse modo, o presidente Sarney
curvou-se às preferências do Legislativo no que se referia às medidas de sua política
econômica .
.4..0 assumir a presidência em março de 1990, Collor apresentou ao país um plano
econômico bem definido. Ele introduziu o que parecia ser uma maneira singular de
lidar com a inflação (que, na época, estava próxima de uma hiperinflação) e de mo-
dernizar a economia do país através de medidas drásticas de liberalização. Apesar da
aprovação das primeiras medidas que constituíram o plano de estabilização, a posição
minorirãria de Collor na esfera política e seu estilo pessoal arrogante dificultaram no
Congresso o apoio necessário à realização de algumas reformas estruturais.' A conse-
qüência mais importante dessa fraqueza política foi a impossibilidade de implementar
um ajuste fiscal definitivo, visto que isso exigia mudanças na Constituição.
Com o fracasso das tentativas de estabilização e as acusações de corrupção gene-
ralizada que resultaram num processo de impeachment no Congresso, o governo Collor
perdeu a capacidade de liderança econômica e política. Uma administração cada vez
196
preço dos serviço público e outros setores controlados ames da in ~
no, o problema básico foi a falha em controlar o déficit orçamenrârio, Os ::
governo aumentaram devido aos aumentos salariais de seus funcionários e
ram a 26% em termos reais, à necessidade de transferir recursos aos governos es;C2G~~
e municipais, cujos déficits combinados haviam aumentado 41%, e aos aumentos dos
subsídios às empresas estatais. Essa falta de controle fiscal refletia as prioridad
políticas de Sarney, ou seja, conquistar apoio no Congresso para incluir um quinto ano
de seu mandato na nova Constituição. Como resultado dessa atitude, o Plano Bresser
fracassou e seu autor demitiu-se em dezembro.
Do gradualismo aos choques e retrocessos
Maílson da Nóbrega foi o ministro da Fazenda e principal planejador durante o
resto da administração Sarney. Inicialmente, ele se recusou a usar qualquer tratamento
de choque, enfatizando somente a necessidade de se empregar medidas de auste-
ridade para combater a inflação. Assim, não lançou nenhum programa de ajuste estru-
tural, mas limitou-se apenas a administrar o fluxo de caixa do tesouro de modo mais
rígido. Entre as principais medidas implementadas estava a proibição de contratar
novos servidores públicos, o congelamento do valor real dos empréstimos do setor
financeiro ao setor público e a suspensão temporária do mecanismo de indexação para
reajustar os salários dos funcionários públicos. Com a ausência de reformas estruturais
mais profundas, Maílson complementou sua estratégia de controle de fluxos de caixa
com algumas medidas artificiais de curto prazo para desacelerar a inflação. A taxa de
aumento das tarifas públicas e de outras empresas controladas pelo Estado foi redu-
zida" (o que contradisse sua intenção de reduzir o déficit público), assim como a
desvalorização cambial. Isso significou, na verdade, que a luta contra a inflação se
dava à custa dos serviços públicos e setores de exportação. Essas políticas antiinfla-
cionárias gradualistas passaram a ser chamadas de a estratégia do "arroz com feijão",
devido à falta de qualquer conteúdo estrutural significativo.
Não é de surpreender que essa estratégia se tenha mostrado incapaz de controlar
a inflação, cuja taxa média mensal aumentou de cerca de 18% no primeiro trimestre
para aproximadamente 28% no último trimestre de 1988. A intranqüilidade social
provocada por essa situação levou os líderes trabalhistas e empregadores, subseqüen-
temente acompanhados pelo governo, a tentar uma versão brasileira do bem-sucedido
"Pacto Social" mexicano. Tal acordo determinaria futuros ajustes de salários e preços
a uma taxa decrescente. Bonelli e Landau observaram que essa tentativa falhou por
causa das dificuldades em conciliar interesses conflitantes que haviam sido exacer-
bados pela grande dispersão de preços relativos e ausência de apoio político."
À medida que reajustes preventivos de preços devido às expectativas de um no
programa de choques agravavam a situação, os formuladores da política econê -
acharam necessário recorrer mais uma vez ao controle de preços. Assim, no' , .
1989 a administração Sarney tentou, novamente, lidar com a inflação arravé
programa especial chamado "Plano Verão", cujas principais medidas consisriam
(1) um novo congelamento de preços e salários; (2) eliminação da inde
Tabela 9.2
Taxas de juros, receitas e gastos públicos
a) Brasil: Taxas de juros do overnight (% por mês)
Média anual Taxa overnight plm Média anual-Inflaçâo p/m
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
4,6
13,5
22,7
31,7
25,4
16,5
26,4
29,4*
5,0
14,7
22,5
28,6
28,3
15,9
23,3
28,7*
",Média mensal: janeiro-maio,
Fonte: Coniumura Econômica.
b) Setor público: receitas e gastos selecionados
(% do PIB em preços correntes)
1975 1980 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992
Impostos federais 17,73 17,21 15,57 17,17 16,28 15,56 14,56 18,70 15,0 13,9
Empresas públicas
federais 2,03 2,96 0,63 1,74 1,32 1,49 -0,19
Salários e
remunerações 7,24 6,31 6,94 7,30 7,77 7,92 9,72 10,49
Subsídios 2,67 3,86 1,59 1,47 1,59 1,23 1,93 1,72 2,2 1,5Juros/lntemos* 1,19 1,93 11,12 10,70 9,85 16,15 22,42 15,20
Juros/Extemos** 0,21 0,37 1,51 1,23 1,27 1,43 1,24 1,22
• Pagamentos de juros internos - percentual do PlB .
•• Pagamentos de juros externos - percentual do PlB.
Fonte: CARNEIRO, Dionísio Dias & WERNECK, Rogério L. F. "Public Savings and private investment: requirements
for growrh resumption in the Brazilian economy". Texto para discussão n" 283, jun./1992, Rio de Janeiro, PUC,
p.19A-B.
para depósitos de poupança; (3) introdução de uma nova moeda, o "Cruzado Novo",
equivalente a 1.000 cruzados; (4) uma tentativa de restringir a expansão monetária e
de crédito (aumentando as exigências de reservas para 80%; reduzindo o prazo de
empréstimos ao consumidor de 36 para 12 meses; suspendendo as operações de con-
versão da dívida em capital de giro) e (5) uma desvalorização cambial de 17,73%.
O impacto do Plano Verão foi ainda mais breve do que o dos planos heterodoxos
anteriores. De uma taxa mensal de 36,6% em janeiro de 1989, o Índice Geral de Pre-
ços caiu para um mínimo de 4,2% em março, e depois aumentou acentuadamente,
atingindo 37,9% em julho, 49,4% em dezembro e 81% em março de 1990.10 Não foi
difícil encontrar o motivo desse colapso prematuro. Os fracassos anteriores de políticas
heterodoxas para combater a inflação tornaram impotentes os decretos oficiais para
200
congelar e desindexar preços. A baixa credibilidade desses insrrume
tivas negativas dos agentes econômicos resultaram no uso de medidas c.L~==~
aumentar preços.
A crise econômica agravou-se nos últimos quatro meses do governo ...•..,.-.--
que, devido à ausência de um ajuste fiscal eficiente e, assim, tendo
persistentes déficits orçamentários elevados, se viu obrigado a manter uma
de juros (ver Tabela 9.2a), que elevou significativamente o custo da dívida ~~c:::L
Como resultado, os gastos financeiros em 1989 aumentaram 158% e foram a pI:~::;ti!
causa do déficit governamental (ver Tabela 9.2b).11 A deterioração das finanç
blicas refletiram-se naquela época não só nas dificuldades em se colocar novos
da dívida do governo, mas também na tendência em direção à monetização de ~
dívida." As autoridades temiam a evasão de recursos do mercado de ooernight" para
ativos reais, o que era percebido por muitos como um detonador iminente de um
amplo processo de hiperinflação.
o impacto fiscal produzido pela Constituição de 1988
A Constituição de 1988 provocou um impacto negativo sobre as finanças públicas
brasileiras. Ela enfatizou uma tendência já crescente de transferência de recursos fiscais
do governo federal para os estaduais e municipais. Desde meados da década de 1970,
estes últimos vinham aumentando sua participação na receita fiscal: em 1975, a parti-
cipação no imposto de renda e nos impostos sobre produtos industrializados represen-
taram 5% cada e, em 1980, essa participação havia aumentado para 14% e 17%,
respectivamente. A Constituição de 1~88 transformou em exigência que o governo trans-
ferisse 21,5% do imposto de renda e dos impostos sobre bens manufaturados para esta-
dos e municípios a partir de 1993. Como a redução dos recursos do governo federal não
foi acompanhada por uma diminuição em suas obrigações, a Constituição agravou o
desequilíbrio estrutural do orçamento federal. Além disso, como advertiu um estudo de
1989, havia o risco (que depois se materializou) de que "... os estados e municípios - com
suas receitas adicionais e sem novas obrigações - iriam usar as novas receitas para aumentar
suas atividades, inviabilizando uma futura descentralização das obrigações do governo" .14
o período Collor
Plano Coltor I
Quando Fernando Collor de Mello assumiu a presidência em março de 1
inflação havia atingido uma taxa mensal de 81%. Enfrentando uma hiperinflaçâc
ritmo ascendente, Collor imediatamente introduziu um surpreendente e novo _ _
ma antiinflacionário que consistia nas seguintes medidas:
1) 80% de todos os depósitos do overnight, contas correntes ou de poupa ••••.."...,__
cedessem a NCz$ 50 mil (equivalentes a US$ 1,300 pelo câmbio
congelados por 18 meses, recebendo durante esse período um retorno equivalen-
te à taxa corrente de inflação mais 6% ao ano.
2) Foi introduzida uma nova moeda. O Cruzeiro substituiu o Cruzado Novo (Cr$ 1,00
= NCz$ 1,00).
3) Foi cobrado um imposto extraordinário e único sobre operações financeiras (lOF),
sobre o estoque de ativos financeiros, transações com ouro e ações, e sobre as
retiradas das contas de poupança.
4) Congelamento inicial de preços e salários, com ajustes posteriores seguindo deter-
minação governamental baseada na inflação esperada.
5) Eliminação de vários tipos de incentivos fiscais - para importações, exportações,
agricultura, regiões Norte e Nordeste e a indústria de computadores; aplicação
de imposto de renda sobre os lucros provenientes das operações no mercado de
ações, atividades agrícolas e exportações e a criação de um imposto sobre gran-
des fortunas.
6) Indexação imediata dos impostos (sobre renda e produtos manufaturados), obri-
gando seu ajuste à inflação no dia posterior à realização da transação.
7) Implementação de medidas disciplinares e novas leis reguladoras sobre operações
financeiras, buscando reduzir significativamente a sonegação fiscal. 15
8) Aumento do preço dos serviços públicos (por exemplo, 57,8% no preço do gás;
83,5% nos serviços postais; 32% em eletricidade e telefone e 72,28% nos salários).
9) Liberação do câmbio e adoção de várias medidas para promover uma gradual
abertura da economia brasileira em relação à concorrência externa.
10)A extinção de vários institutos governamentais e o anúncio da intenção do gover-
no de demitir cerca de 360 mil funcionários públicos.
11)Medidas preliminares para instituir um processo de privatização.
Mais tarde, o governo adotou uma importante medida complementar ao Plano
CoIlor I, que consistia em uma mudança no mecanismo automático de recompra no
mercado de overnight, operação que costumava ser realizada sem custos para as ins-
tituições financeiras. Com as novas medidas, entretanto, um pagamento para cada
transação passou a ser exigido.
o impacto do Plano Collor I
O impacto imediato causado pelo plano foi uma redução extraordinária da liquidez
do país, visto que os meios de pagamento (M4) como percentagem do PIB caíram de
cerca de 30% para 9%.16 Dentro de um mês, a inflação baixou para uma taxa mensal
de um dígito (5% ou 9%, dependendo do índice utilizado). A brusca diminuição na
liquidez conduziu a uma pronunciada queda nas atividades econômicas, como revelou
o crescimento negativo de 7,8% do PIB no segundo trimestre de 1990.17 O medo de
uma recessão e as pressões exercidas por vários grupos socioeconômicos levou o go-
202
verno a liberar muitos ativos financeiros bloqueados antes do programa o
feito aleatoriamente, sem normas bem estabelecidas." As muitas concessões, o -
to do superávit no balanço de pagamentos e o processo orçamentário do
(cujos impostos podiam ser pagos na antiga moeda bloqueada, mas cujo
realizados na nova moeda) levaram a um rápido processo de rernonerizaçã
de 45 dias, houve uma expansão de 62,5% dos meios de pagamento, elevando-os
14% do PIB.19
Uma das principais metas do Plano Collor era reduzir o déficit primário de
PIB para um superávit de 2%, e o superávit real alcançado em 1990 como um
foi de 1,2%. Esse resultado, entretanto, deveu-se em sua maioria a medidas artificiais
ou temporárias, como a cobrança do imposto extraordinário sobre ativos financeiros..
a suspensão do serviço da dívida consumada pelo congelamento dos ativos e o a
dos pagamentos do governo aos fornecedores. Um legado mais duradouro foi a redu-
ção da dívida como parte do PIB.20
O declínio no componente financeiro do déficit criou uma situação em que o
gastos do governo com pessoal e mudanças sociais correlatas somaram 37% do total
dos gastos, enquanto transferências para estados emunicípios (instituídas pela Cons-
tituição de 1988) representaram 23%. As tentativas do governo em demitir funcioná-
rios foram reprimidas por essa mesma Constituição, que declarava que todos os fun-
cionários do governo empregados por mais de cinco anos não poderiam ser demitidos."
Então, reformas adicionais que visavam à melhoria permanente da situação fiscal do
governo dependiam agora de modificações na Constituição. Essas, por sua vez, exi-
giam a aprovação de dois terços do Congresso, apoio com que Collor não podia contar.
O Plano Collor congelou todos os preços durante 45 dias, depois do que o governo
fixou ajustes percentuais máximos a cada mês, baseados na inflação (oficial) esperada
no período. Outro percentual seria determinado no dia 15 de cada mês, fixando os
aumentos do salário mínimo." Ajustes salariais que excedessem esse percentual pode-
riam ser negociados entre empregados e empregadores, mas não poderiam gerar au-
mentos nos preços praticados pela empresa, que estavam sujeitos a monitoramento do
governo. Mas, como a percentagem predeterminada de 0% para abril foi ultrapassada
pelos aumentos reais de preços, o governo enfrentou dificuldades políticas. A regra
para salários foi abandonada depois de abril e as livres negociações entre emprega-
dores e empregados iriam definir os ajustes salariais dali por diante.
O plano exerceu um forte impacto recessivo sobre a economia devido ao extraordi-
nário declínio no estoque de ativos líquidos. Além disso, como foi observado por Zini.
" ... algum impacto recessivo era inevitável por causa do armazenamento defensivo de
matérias-primas e bens acabados e do nível artificial de atividade provocado pe -
hiperinflação anterior" Y O PIB real caiu 7,8% no segundo trimestre de 1990. Co
desbloqueio de vários ativos congelados nos meses seguintes, a atividade eco - -
reagiu, pr9tJuzindo o crescimento de 7,3% no PIB no terceiro trimestre (ver ~
9.3), enqurnto no último trimestre houve outro declínio de 3,4%.24 O declínio
do PIB p~ra o ano de 1990 como um todo, porém, não pode ser atribuído sa:::::;,;::~
Plano Collor. No primeiro trimestre anterior ao plano, já havia ocorrido
2,4% e as wolíticas restritivas gradualistas adotadas depois de junho (prol"'l)cz:::ã~~ç::ri~
no último \trimestre) também contribuíram para o resultado final.
\ =
\
\
I.
Tabela 9.3
Taxas de crescimento trimestral, 1988-93
Serviços*
Produto
Interno Bruto Agricultura * Indústria *
1988-1
II
li
IV
1989-1
II
li
IV
1990-1
II
li
IV
1991-1
II
li
IV
1992-1
II
li
IV
1993-1
II
li
1,6
-1,2
-0,5
-1,9
1,2
4,5
1, I
0,0
-2,5
-8,2
7,4
-1,9
-4,1
6,4
2,3
-2,5
-0,7
-1,3
-0,7
2,4
3,8
1,0
-2,6
-2,3
-0,8
1,6
3,9
-0,8
-3,8
2,3
-6,9
4,1
1,6
1,6
-3,1
1,6
2,3
0,0
6,0
0,0
-2,9
4,4
4,7
-2,7
-1,9
-2,8
0,0
7,6
1,8
-0,9
-2,7
-15,4
12,8
-4,8
-6,0
12,6
0,0
-3,8
-2,0
-2,0
-1,5
4,3
-3,8
0,8
0,0
-0,8
1,6
3,1
0,7
0,7
-0,8
-3,8
2,3
0,0
-1,6
3,8
0,0
0,0
0,0
0,0
-1,7
1,5
-0,2
• Ajustado sazonalmente.
F011te: Boletim COl/jll11tllra/, Rio de Janeiro, IPEA, vários exemplares.
Quanto ao aspecto externo, o governo Collor deu início a um processo de
liberalização que continuou no começo da década de 1990. Introduziu-se uma redução
gradual de tarifas e permitiu-se a flutuação do câmbio. Com a aceleração da inflação
na segunda metade de 1990, a taxa de câmbio real começou a se valorizar, o que levou
o governo a interferir no mercado cambial a fim de evitar uma séria sobrevalorização
do cruzeiro. A sobrevalorização observada no meio do ano, combinada com a elimi-
nação do programa de incentivo às exportações, causou um declínio de 8,7% nas
exportações em 1990, enquanto as importações aumentaram 11,5%, não só devido à
sobrevalorização, mas também ao aumento dos preços do petróleo originados pela
crise do Iraque. Com o processo de liberalização, as importações poderiam ter aumen-
tado ainda mais, não fosse a recessão econômica.
204
Plano Collor II
Depois de uma queda inicial subseqüente ao anúncio do Plano Collor I a ~
começou a subir novamente em julho, como resultado do relaxamento do conrrole . -
preços e salários e do processo irregular de remonetização. Como a inflação comin
a acelerar-se no início de 1991 e o governo encontrasse crescentes dificuldades e
colocar seus papéis, a equipe econômica de Collor, liderada por Zélia Cardoso de Melo,
implementou um novo pacote econômico em 1Q de fevereiro. Dessa vez, a estraté -
concentrava-se numa reforma financeira limitada que consistia na eliminação do ovemigfit
e num ataque à inflação inercial, através de um congelamento de salários e preços e na
extinção de várias formas de indexação.
O overnight foi substituído pelo Fundo de Aplicações Financeiras, cuja composição
era regulada pelo governo: um mínimo de 43% de papéis do governo federal ou
estadual garantidos pelo Banco Central, esperando, dessa maneira, assegurar uma
demanda mínima para eles; 13% de obrigações de Títulos de Desenvolvimento Eco-
nômico e de Títulos de Desenvolvimento Social, criados para financiar novos progra-
mas de investimento nas áreas industrial e social; 42% dos recursos deveriam ser
investidos, a critério das instituições financeiras, em papéis privados ou estaduais, sem
a garantia do Banco Central, e os restantes 2% deveriam ser mantidos como reservas
sob forma de depósitos à vista."
Os rendimentos desse fundo deveriam ser baseados numa "Taxa Referencial"
(TR - Taxa de Referência) que era calculada a partir das futuras taxas de papéis
privados (DCs) e federais. O objetivo do governo em criar esse sistema em lugar dos
antigos esquemas de indexação foi eliminar a "memória inflacionária", possibilitando
que as expectativas de queda das taxas de inflação fossem incorporadas à formação de
preços atual. O mesmo objetivo de ter as futuras expectativas rapidamente incorpo-
radas aos ajustes correntes fundamentou a mudança da política salarial, que consistia
na unificação das datas para as renegociações salariais (dissídios).
Durante o Plano Collor II, a eterna busca pela austeridade consistiu em tentativas
de administrar melhor os fluxos de caixa e conter as despesas das empresas estatais.
Entre as principais iniciativas nesse sentido estavam o bloqueio de 100% do orçamen-
to dos Ministérios da Educação, Saúde, Trabalho e Bem-Estar Social e 95% dos
fundos originalmente destinados a investimentos, isto é, a liberação de fundos a esses
ministérios passou a depender da aprovação do Ministério da Fazenda e da disponi-
bilidade de recursos. Além disso, criou-se uma comissão subordinada ao Ministério da
Fazenda para controlar as empresas estatais que deveriam reduzir seus gastos reais em
10% até o final de 1991. Essas medidas complementaram o aumento das tarifas pú-
blicas que foi fixado antes do congelamento de preços. Finalmente, o governo reduziu
a transferência de fundos aos estados e municípios sem deixar de cumprir o nível
mínimo imposto pela Constituição.
Embora as medidas do Plano Collor II tenham causado um impacto de curto prazo
sobre os preços (cujo aumento mensal caiu de 21% em fevereiro para 6% em maio.
a equipe responsável por ele foi substituída em maio de 1991, antes que o efeito de
longo prazo de todo o plano pudesse ser sentido. A principal razão para a mudança no
Ministério da Fazenda pode ser encontrada na crescente diminuição do apoio P. o!:::ã:::)
Tabela 9.4
Brasil: tarifas médias de importação, 1987-94
(%)
Tarifa média Desvio-padrão
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993*
1994*
51
41
35
32,2
25,3
21,2
17,1
14,2
26
17
20
19,6
17,4
14,2
10,7
7,9
• Projetado.
Fonte: Perspectivasda Economia Brasileira, 1992. Brasília, IPEA, 1991, p. 67 e 76.
à equipe de Zélia Cardoso, que era encarada como excessivamente centralizadora e
autoritária. O forte intervencionismo do Plano ColIor I (especialmente o congela-
mento dos ativos financeiros) e seu subseqüente fracasso, a imposição de outro
congelamento de preços e uma nova forma de indexação exerceram um forte impac-
to negativo sobre o setor privado e a mídia. O novo ministro, Marcílio Marques
Moreira, assumiu declarando-se contra qualquer tipo de tratamento de choque. Essa
afirmação e seus antecedentes como ex-embaixador em Washington e como execu-
tivo de um grande banco fizeram com que fosse aprovado pelo setor privado.
As preocupações de curto prazo da nova equipe econômica concentravam-se no
controle do fluxo de caixa e nos meios de pagamento, no descongelamento de preços
e na preparação para a liberação dos ativos ainda bloqueados (que representavam 6%
do PIB), além da garantia de continuidade do processo de privatização e da abertura
da economia (ver Tabela 9.4, mostrando o declínio das tarifas médias de importação).
De fato, as privatizações começaram em outubro de 1991, e, no final do ano, cinco
empresas estatais haviam sido vendidas, produzindo uma receita de 0,5% do PIE.26
Com respeito aos controles dos fluxos de caixa, os resultados satisfatórios foram
arinzidos principalmente com os salários dos funcionários públicos sendo aumentados
a uma taxa inferior à da inflação (dessa forma, os gastos reais com salários declinaram
em -B% _- Além disso, os investimentos públicos caíram, representando somente
30% do que havia sido programado para o ano. Os gastos com os serviços da dívida
pública interna declinaram 80%, principalmente devido à redução do estoque da
dívida em 1,5% do PIE, devido ao processo de subindexação do Plano ColIor lI.
Apesar da significativa queda nos gastos que sofreram uma redução de 63,8% em
termos reais, o superávit primário foi de apenas 1% do PIE e o déficit operacional de
1,75% em 1991, visto que a receita real do governo caiu 65%. Essa queda da receita
pode ser atribuída principalmente à desindexação dos impostos," às várias disputas
quanto ao pagamento de ourros impostos e ao declínio das receitas provenientes dos
206
Tabela 9.5
Preços e meios de pagamento, 1988-92
(Taxas de crescimento médio mensal)
Preços M} M2 M3 -'f.t
1988 I 18,3 4,7 11,8 15,7 15.9
II 20,2 16,4 26,7 23,0 22,3
III 23,4 15,7 22,7 23,0 23,0
IV 28,2 34,6 30,4 28,9 28,4
1989 I 17,5 12,2 20,4 21,5 19,0
Il 14,9 19,7 14,4 12,9 14,4
III 37,8 21,1 33,1 30,4 30,1
IV 44,5 56,2 50,6 45,0 46,7
1990 I 75,0 91,7 24,4 28,4 27,4
II 9,8 24,7 32,4 27,9 33,2
I1l 12,5 8,0 9,2 11,5 13,5
IV 16,0 19,3 15,7 15,9 15,6
1991 I 16,1 14,8 16,0 16,4 15,1
II 8,4 8,5 8,7 9,1 11,2
III 14,8 13,5 16,3 15,1 16,2
IV 24,6 21,1 32,7 32,5 29,5
1992 I 24,1 9,3 32,2 30,4 32,3
II 20,8 24,6 26,7 25,7 26,8
III 24,9 20,7 23,9 23,9 24,6
IV
Fonte: Calculado com base na Conju1ltura Econômica.
impostos devidos por empresas, para compensar pagamentos em excesso durante o
Plano Collor I.
Os esforços fiscais foram, porém, mais do que equilibrados pela expansão monetária.
Em agosto e setembro, o excesso de liquidez provocado pelo início da liberação dos
ativos bloqueados fez com que as taxas de juros fossem negativas. Na Tabela 9.5, pode-
se observar que o crescimento médio mensal dos meios de pagamento foi de 8,5% no
segundo trimestre, aumentando para 13,5% no terceiro, enquanto M, subiu de 8,6%
para 16,3% nos mesmos períodos, respectivamente. Esses fatos, associados à não-adoção
de medidas antiinflacionárias rígidas por parte do governo causaram uma explosão das
expectativas de inflação, cuja taxa mensal aumentou de 16% para 26% em outubro, ge-
rando uma crise no mercado de câmbio com uma forte especulação em relação ao cruzei-
ro. O governo reagiu elevando bruscamente as taxas de juros, que atingiram 6% ao mes
em termos reais após setembro e causaram uma desvalorização do cruzeiro em 1 c:
ma da inflação, medidas que conseguiram controlar a crise de outubro. As altas
juros, porém, provocaram um aperte de capital significativo, o que COflL .••<lLllU;
grandemente para novos aumentos nos meios de pagamento - a taxa de crescimenm
mensal de M1 no último trimestre aumentou para 21,1 % e a de M, para 32,7%.-
o PIB real aumentou cerca de 1,1% em 1991. A maioria desse crescimento con-
centrou-se no segundo trimestre e estava ligada ao congelamento de preços; contudo,
as elevadas taxas de juros predominantes na segunda metade do ano, e a redução dos
gastos do governo causaram uma queda significativa no crescimento no terceiro tri-
mestre e uma taxa real de crescimento negativa no trimestre final daquele ano.
Perto do final de 1991, a equipe de Marques Moreira introduziu ainda um novo
programa antiinflação para 1992-93, baseado numa forte restrição ao crédito.'? num
gradual fortalecimento das finanças públicas e numa taxa de câmbio que deveria
manter o valor real do cruzeiro. O governo enviou um pacote fiscal para aprovação no
Congresso que incluía importantes mudanças no imposto de renda, a redução da
dedutibilidade dos pagamentos de benefícios extras da base de renda das empresas
e um aumento das taxas de impostos das faixas de tributação mais elevadas. Houve
aumento em alguns impostos diretos e a eliminação de muitos impostos de menor
importância. Também foram envidados esforços no sentido de cobrar os atrasados e
de melhorar a administração dos impostos. A maioria das medidas desse pacote fiscal
não foi aprovada pelo Congresso que, em dezembro de 1991, sancionou algumas
medidas emergenciais, que consistiam na indexação de todos os impostos e da modi-
ficação da legislação tributária.
Por inúmeras razões, entretanto, a situação fiscal em 1992 se deteriorou. Na pri-
meira metade desse ano, as receitas do governo foram menores do que o programado
devido às contínuas disputas legais quanto ao pagamento de impostos de seguridade
social (o Finsocial e seu sucessor, o Cofins), a reduções maiores do que as esperadas
no pagamento de impostos de empresas para compensar os pagamentos excessivos de
1990 e às quedas na arrecadação de outros impostos decorrentes da redução da ativi-
dade econômica. Esse declínio da receita foi compensado apenas em parte por cortes
em dispêndios correntes e de capital. As finanças públicas ficaram ainda mais fracas
na segunda metade de 1992 por causa do aumento dos salários dos funcionários pú-
blicos," das aposentadorias (uma determinação do Tribunal Superior fez com que o
governo repusesse perdas retroativas a setembro de 1991) e do impacto de outros
gastos correntes e de investimento. Além disso, permitiu-se que os preços dos servi-
ços públicos caíssem bruscamente numa tentativa de frear a inflação. Finalmente,
devido às políticas de restrição ao crédito na primeira metade de 1~92, os gastos
líquidos do governo referentes ao serviço da dívida aumentaram de 0,6% do PIE em
1991 para 2,1% em 1992, apesar da queda que vinham sofrendo os juros da dívida
externa. Em 1992, o déficit operacional totalizou 2,5% do PIE .
.\ rígida política monetária praticada no início de 1992 fez com que as taxas de juros
reais anuais no mercado de overnight chegassem a 44%. Tal política foi motivada pela
necessidade de se tentar neutralizar o grande aumento das reservas internacionais (ver
Apêndice, Tabela A4), pela liberação dos ativos bloqueados remanescentes e pela as-
sistência financeira que o Banco Central era obrigado a dar à Caixa Econômica Federal
(CEF) e a vários bancos estatais que enfrentavam graves problemas de liquidez. Devi-
do à contínua fragilidade da economia, entretanto, houve um relaxamento da política
monetária na segunda metade de 1992 e as taxas de juros reais caíram para 8%.
As taxas de inflação declinaram de 27% em janeiro para 18% em abril, mas torna-
ram a subir, atingindo uma média de 25% ao mês na segundametade do ano. O
208
retorno a essas taxas foi atribuído à fraca política fiscal e às expectativas adversas
associadas à crise política que levou ao impeachment do presidente. Além disso, as
autoridades mostravam-se ansiosas por evitar a valorização da taxa de câmbio real, e
as desvalorizações progressivas do cruzeiro para acompanhar a inflação também ali-
mentaram novos períodos de aumentos de preços.
O PIB real declinou cerca de 1% em 1992, principalmente devido à retração in-
dustrial. Na área de bens de consumo duráveis, em especial, a produção caiu 4%, em
parte, em conseqüência dos baixos investimentos resultantes das elevadas taxas de
juros praticadas na primeira metade do ano e da agitação política do segundo semes-
tre. A queda dos salários reais contribuiu para uma redução no consumo. A agricultura
contribuiu de forma positiva, resultado de uma colheita excelente, que cresceu 6%.
operíodo Itamar Franco: uma transição
Quando Itamar Franco assumiu como presidente interino, em outubro de 1992, o
desempenho econômico não mostrava melhora significativa. A inflação continuou a
apresentar uma taxa mensal de 25% nos últimos três meses do ano, subindo para mais
de 30% na segunda metade de 1993. Embora o PIB tivesse se recuperado ligeiramen-
te no último trimestre de 1992, ele declinou novamente no primeiro trimestre do ano
seguinte. Trabalhadores continuavam a ser demitidos, setores contrários à privatização
conseguiram que o processo fosse temporariamente interrompido (embora tenha sido
reativado em meados de 1993) e não havia consenso sobre como implemenrar um
ajuste fiscal.
A ineficiência inicial de Itamar Franco em proporcionar uma liderança polírica e
econômica não melhorou, quando passou de presidente interino a presidente de faro.
Foram precisos mais de quatro meses para que ele reiniciasse o programa de
privatizações e também foi necessário um período de tempo considerável para mudar
de uma postura nacionalista para uma atitude mais receptiva diante do capital estran-
geiro. A instabilidade de sua equipe econômica também não ajudava, visto que ele
substituiu os ministros da Fazenda três vezes, num período de seis meses.
Até meados de 1993, as sucessiv s.equipes econômi~~mar Franco abstive-
ram-se de congelamentos e reÇUS..confisco de oU12an as novas indexa Õe5.-0..u...qu.e.-
bra-de-aeerdo tontratuais existentes. ~dida que se tornaY1LCilda vez mais claro
fTIj:ULlLg0vemo11:aIlla'l'9:'fGe-um os prindpais problemas Elo Beasií-arrerrfrerrrar-a-infla-
ção~dia..no_ajuste fiscal, foi proposto, e gradualmente a~rovado r&elo Congresso um
i~º--e_sp_ecial terripo-rárie:r - W--~.n.t.ações financÇiras (IPME) qlle, porém, foi
declarado inconstitucioE_ªL o Tribunal Su erior em setemb o de 1993. O governo
~ realizo~esforços para tornar mais eficiente o recolhimento de impostos e im-
pedir as evasões fiscais que haviam aumentado significativamente nos últimos anos.
Em meados de 1993, o programa de privatização foi totalmerite restabelecido e os
planos foram ampliados para incluir várias empresas responsáveis pela infra-estrutura
(como de energia elétrica e transporte ferroviário). O governo Itamar também come-
çou a adotar uma postura firme em relação às contas dos governos estaduais e locais.
Em maio de 1993, o presidente Itamar Franco indicou seu quarto ministro da Fa-
zenda, Fernando Henrique Cardoso. Já em junho, o ministro Fernando Henrique Car-
09
doso apresentou um plano de austeridade chamado de "Plano de Ação Imediata", cujo
ponto básico era um corte de US$ 6 bilhões nos gastos do governo (representando 9%
de gastos federais e 2,5% dos gastos em todos os níveis do governo - federal, estadual
e municipal). O plano também exigiu uma rigidez maior no recolhimento de impostos
e a solução dos relacionamentos financeiros com os governos estaduais.
Os estados deviam ao governo federal US$ 36 bilhões em 1993 com cerca de
US$ 2 bilhões em atraso. Cardoso declarou que seriam negadas aos estados as garan-
tias federais a empréstimos estrangeiros até que esses atrasos fossem pagos e que os
governos estaduais deveriam alocar 9% de suas receitas para acertar suas dívidas com
o governo federal. Também foram tomadas medidas para impedir que bancos esta-
duais criassem moeda. Na década de 1980 e no início da de 1990, era prática comum
de muitos estados tomar empréstimos de seus bancos. Tais empréstimos tornaram-se
de tal maneira desenfreados que muitas dessas instituições ficaram sem liquidez e
tiveram de recorrer ao Banco Central para auxiliá-Ias, o que representou uma fonte de
pressão adicional para emissão de moeda por parte do Banco Central. Em agosto, a
maioria dos estados concordou em começar a repagar sua dívida ao governo federal em
parcelas mensais durante um período de 20 anos.
Em meados de 1993, iniciou-se uma campanha para combater a sonegação fiscal, a
qual havia crescido extraordinariamente na década anterior e ocasionara perdas ao go-
verno estimadas entre US$ 40 bilhões e US$ 60 bilhões ao ano."
O "Plano de Ação Imediata" foi criado quando a atividade econômica crescia nova-
mente. O PIB aumentou 4% no primeiro trimestre de 1993 em relação ao primeiro
trimestre do ano anterior. Esse fato se deveu, em parte, aos maiores salários reais e ao
aumento da receita agrícola. O crescimento da atividade econômica também se mani-
festou no aumento das importações, especialmente de matérias-primas e maquinário.
De maio de 1992 a maio de 1993 a produção industrial cresceu 16,3%, com a liderança
dos produtos químicos, maquinário elétrico, carros e produtos de metal que, juntos,
foram responsáveis por 65% do crescimento industrial.
A inflação, porém, continuava imbatível, atingindo taxas mensais superiores a 30%
em meados de 1993, fato que levou os líderes sindicalistas e políticos a introduzir uma
lei salarial que exigia reajustes mensais para todos os trabalhadores- de baixa renda.
Embora essa lei fosse aprovada a princípio, acabou vetada pelo presidente Itamar Franco.
O governo, então, conseguiu que o Congresso aprovasse uma lei salarial que limitava
o ajustes mensais a 10 pontos percentuais abaixo da taxa mensal de inflação.
Uma revisão estatística dos anos de 1987-1993
Esse período caracterizou-se pela estagnação. Durante três anos, em seis, o PIB
real declinou e sua taxa de crescimento anual foi de 0,5% (Apêndice, Tabela Al). O
PIB per capita declinou em quatro dos seis anos e a taxa de crescimento médio anual
foi de -1,2%. Em 1992, o PIE per capita real era cerca de 8% mais baixo que em 1980.
Observando a Tabela AI, fica claro que o setor de pior desempenho foi o
manufatureiro, experimentando somente dois anos de crescimento positivo, enquanto
a taxa de crescimento médio anual no período foi de -2,5%; o setor de construção
210
Tabela 9.6
A utilização da capacidade industrial, em São Paulo, 1989-93 (%
1989 1990 1991 1992 1993
Janeiro 77,3 78,6 68,0 67,8 70.6
Fevereiro 76,6 76,8 66,7 68,5 71,0
Março 78,8 72,4 69,1 68,1 75,0
Abril 77,8 59,6 71,9 68,9 75,0
Maio 80,4 68,2 73,4 70,6 76,0
Junho 82,2 71,1 75,3 71,4 76,5
Julho 82,2 76,5 78,3 72,8
Agosto 83,5 78,2 77,2 72,2
Setembro 81,8 78,5 74,1 72,2
Outubro 81,2 77,3 74,2 74,1
Novembro 81,3 73,0 71,7 72,8
Dezembro 78,1 64,9 67,6 68,9
Fante: Conjunzura Econômica.
apresentou três anos de crescimento positivo com média anual de -1,1 %, enquanto a
agricultura teve quatro anos de crescimento positivo, e média anual de 3,7%. O maior
declínio ocorreu na indústria de bens de capital - média de -8,4% ao ano; a segunda
maior queda ocorreu no setor de bens de consumo não-duráveis (-5,1 %), seguido de
bens de consumo duráveis (-4,6%) e bens intermediários (-3,7%), o que reflete uma
queda significativa nos investimentos e no consumo, este último estando relacionado
aos declínios na renda per capita. A utilização da capacidade industrial caiu notável-
mente após 1989 (Tabela 9.6), atingindo seu menor nível em1992, desde o início da
década de 1980.
Os investimentos fixos brutos, como parte do PIB, a preços de 1980, que somaram
25% em meados da década de 1970 e permaneceram em 22,9% em 1980, declinaram
durante quase toda a década de 1980 (Tabela A3), atingindo o baixo índice de 14,5% em
1992.33 Grande parte dessa queda foi ocasionada pela restrição aos investimentos do
governo, que foram quase 50% menores em 1992, em relação a 1986. Os investimentos
privados caíram 12% no mesmo período. Como nas contas nacionais esse item inclui
investimentos de empresas estatais, estima-se que estes últimos declinaram 34% entre
1988 e 1992.34 Essa fantástica queda nos investimentos públicos foi extremamente pre-
judicial para a eficiência e o crescimento futuros do país e significava que sua infra-es-
trutura tornava-se cada vez mais inadequada ao bom funcionamento da economia
(deterioração de estradas, adequação do sistema de telecomunicações em declínio, ameaça
de futuros colapsos no fornecimento de energia elétrica) e que muitas atividades indus-
triais diretamente produtivas estavam ficando tecnologicamente defasadas.
A notória concentração da distribuição de renda do Brasil agravou-se nesses ano . A
fatia do quintil superior aumentou de 63,4% em 1986 para 68,1% em 1989, caindo
ligeiramente para 65% em 1990; a fatia do quintil inferior caiu de 3,2% em 1986 para
2,2% em 1989, subindo ligeiramente para 2,6% em 1990 (ver Tabela 9.7). \ ário tipos
211
1983
1985
1986
1989
1990
46,2
47,7
47,5
52,4
48,7
62,6
64,1
63,4
68,1
65,0
2,4
2,8
3,2
2,2
2,6
Tabela 9.7
Brasil: distribuição de renda
Percentagem de renda familiar agregada
Ano Decil superior Quintil superior Quintil inferior
F011te: IBGE, vários exemplares do Alluót70 Estatístico.
Tabela 9.8
Salários reais e emprego, 1980-93
Empregos nas indústrias Horas trabalhadas
Salários reais de São Paulo na indústria
1978=100 1978 = 100 1978= 100
1980 117 107 108
1981 122 100 95
1982 125 95 89
1983 110 88 80
1984 113 87 84
1985 140 95 95
1986 176 104 106
1987 167 106 107
1988 177 . 104 102
1989 193 105 102
1990 166 103 95
1991 146 95 85
1992 158 89 80
1993 172* 86 82
• Junho de 1993.
FOII/e: Oonjuntura Econômica.
de medidas de salários também indicam um declínio no bem-estar da força de tra-
balho. Enquanto o salário mínimo legal no início de 1992 era 15% mais baixo que em
1986,35os salários reais em São Paulo aumentaram de 1986 a 1989, caindo nos três anos
subseqüentes a niveis inferiores aos de 1986 (ver Tabela 9.8). Os níveis de emprego
nas indústrias de São Paulo mantiveram-se estáveis até 1990, caindo então notavel-
mente, enquanto as horas trabalhadas sofreram uma queda após 1989. Finalmente, a
Tabela 9.9 mostra que, embora o desemprego aberto continuasse a ser relativamente
baixo nas regiões metropolitanas do país, havia um considerável aumento de trabalha-
dores não-registrados em 1991 e um acentuado aumento de trabalhadores autônomos
após 1986, indicando um crescimento significativo do setor informal.
212
Tabela 9.9
Desemprego e status de trabalhadores empregados
nas regiões metropolitanas do Brasil, 1982-91
(% da força de trabalho)
Desempregados Trabalhadores Trabalhadores Trabalhadores
registrados não-registrados autõnomos
1982 3,80 57,70 14,20 17,70
1983 4,80 55,70 13,40 18,00
1984 5,40 54,30 14,20 19,00
1985 4,00 55,60 13,90 18,60
1986 2,90 56,50 13,50 18,20
1987 3,10 56,30 13,40 18,60
1988 3,20 55,80 13,50 19,50
1989 2,80 56,10 13,00 19,80
1990 3,60 55,10 13,30 21,10
1991 4,10 51,60 15,40 22,80
Fonte: PME-FIBGE.
Além disso, estudos realizados por economistas do Ministério do Planejamento
indicam um declínio nos serviços de educação e saúde disponíveis para os grupos de
renda mais baixa. Com a queda da capacidade financeira do Estado, houve uma
redução "... na qualidade da educação básica devido aos baixos salários ... e um aumen-
to da evasão escolar; um colapso em hospitais e outros serviços de saúde pública e um
aumento nas doenças endêmicas rurais ..." .36
A Tabela AS do Apêndice mostra o inexorável aumento da inflação durante a déca-
da de 1980 e início da de 1990 a partir de um nível de três dígitos nos anos de 1980-
1987 a um de quatro dígitos desde 1988 (com a breve exceção em 1991). A Tabela
9.10 mostra as taxas mensais de inflação no período de 1986-93. Salvo breves patama-
res mensais de um dígito durante os vários choques heterodoxos examinados anterior-
mente, as taxas mensais nos anos de 1992 e 1993 mantiveram-se entre 20% e 30%.
Ao examinarmos as contas externas do país, podemos vislumbrar um quadro mais
positivo. Como observamos na Tabela A4 do Apêndice, as exportações cresceram a
uma taxa média anual de 7,6% durante o período de 1987-92 (aumentando de US$ 26
bilhões em 1987 para US$ 36 bilhões em 1992 - com a possibilidade de atingir
US$ 40 bilhões em 1993), fato devido a uma política cambial que manteve a
competitividade das exportações" e também à recessão que obrigou as empresas
brasileiras a substituir os mercados internos pelos externos. As importações estagna-
ram até 1988, aumentando substancialmente nos três anos seguintes.r" o que se de-
veu, em grande parte, às políticas de liberalização iniciadas em 1989 e enfatizadas
pelo governo Collor, embora suas limitadas dimensões e a queda em 1992 refletisse
a contínua estagnação do país. O superávit comercial médio no período foi muito
maior do que no início da década de 1980, atingindo uma média de S$ 1-l bilhões,
Ir:::
Tabela 9.10
Taxas mensais de inflação, 1986-93
1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993
Janeiro 18,0 12 19 36 72 20 27 29
Fevereiro 15,0 14 18 12 72 21 25 26
Março -0,1 15 18 4 81 7 21 28
Abril -0,6 20 20 5 11 9 18 28
Maio 0,3 28 19 13 9 6 22 32
Junho 0,5 26 21 27 9 10 21 31
Julho 0,6 9 21 38 13 13 22 32
Agosto 1,3 4 23 36 13 15 25
Setembro 1,1 8 26 39 12 16 27
Outubro 1,4 11 28 40 14 26 25
Novembro 2,5 14 28 44 17 26 24
Dezembro 7,6 16 29 49 16 22 24
Fante: COl/ju1ltura Econômica.
A análise da conta de capital (Apêndice, Tabela A4) indica elevadas remessas de
lucros nos anos de 1988 a 1990, declinando em seguida; uma diminuição da saída de
pagamento de juros durante esse período, refletindo atrasos nos pagamentos e queda
nas taxas de juros internacionais. Os investimentos internacionais diretos, que foram
mode (Q durante toda a década de 1980, recuperaram-se na década seguinte, enquan-
to os empréstimos de longo prazo também aumentaram substancialmente no final da
década de 19 O e inicio da de 1990. Esses fatos refletem o progresso havido nas
renegociações da dívida externa do país, um certo grau de otimismo por parte dos
investidores estrangeiros no futuro de longo prazo do Brasil, apesar das crises que atra-
vessava na época, e um rápido e significativo progresso nos mercados acionários do
país no início da década de 1990.
A estagflação brasileira, 1987-1993: uma interpretação
o eterno "conflito distributivo" brasileiro
Como foi mencionado em capítulos anteriores," a origem do ressurgimento da
inflação de meados da década de 1970 em diante foi a "luta por participação" entre
vários setores socioeconômicos, que os governos, comprometidos com a abertura po-
lítica, não foram capazes de resolver ou não estavam dispostos a isso. Com a volta dos
governos civis após 1985, essa situação piorou à medida que os políticos estavam
principalmente interessados em usar o governo para atender às suas ambições eleito-
rais em vez de adotarem políticas econômicas consistentes.
No Capítulo 7 afirmamos que o ressurgimento da inflação na década de 1970
estava associado à gradual reabertura política do país e aos choques mundiais do
petróleo. Com a disponibilidade dos recursos estrangeiros através do financiamento da
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dívida, entretanto, o Brasil foi capaz de crescer. Na primeira metade da década de
a crise da dívida resultante do choque das taxas dejuros e da recessão mundial tIlHIXe
a taxa de inflação para o nível de três dígitos, e o conflito distributivo se perpetuava
nos acordos formais e informais de indexação.
O período examinado neste capítulo testemunhou um "conflito distributivo" ainda
mais agudo, enquanto a estagnação econômica se arrastava. Qualquer choque externo
ou interno nessa economia indexada resultava numa luta dos agentes econômicos (em-
presas e assalariados) para ajustar seus próprios preços tão rapidamente quanto possível
e, com os repetidos fracassos de programas de choques heterodoxos, essa competição
era intensificada à medida que os reajustes de preços eram cada vez mais influenciados
pelas expectativas de futuros congelamentos. Assim, como mencionamos anteriormen-
te, as tentativas de se realizar um "pacto social" geralmente duravam muito pouco.
As exigências da Constituição de 1988 que, como já mencionamos, aumentou
substancialmente a parcela dos impostos recebidos pelo governo federal a serem
redistribuídos aos estados e municípios. Como não houve uma transferência equiva-
lente das obrigações do governo, criou-se um novo foco de desajuste estrutural no
orçamento federal. Assim, na "... ausência de poupança externa, isso implicou que o
setor público ..., além dos impostos já existentes e outras fontes habituais de receita,
tivesse de extrair recursos adicionais do setor privado através de um maior crescimen-
to da dívida ou através de impostos inflacionários adicionais". 40
Mário H. Simonsen, ex-ministro da Fazenda, declarou que "... a explicação para a
inflação como resultado do conflito distributivo não é convincente ... (e que) ... a infla-
ção deve ser atribuída não ao conflito distributivo, mas à maneira pela qual o governo
o regula". 41 Isso é correto e, no caso brasileiro, como foi mostrado, os vários governos
das décadas de 1980 e 1990 ou não estavam dispostos ou não eram capazes de arqui-
tetar meios não-inflacionários para lidar com o conflito distributivo. Isto é, ao ser
incapaz de manter um equilíbrio orçamentário e, conseqüentemente, a estabilidade
dos meios de pagamento, o governo abalou a credibilidade na moeda do país prepa-
rando, desse modo, o terreno para que as pressões distributivas se manifestassem
através dos aumentos de preços.
A constante ausência de um ajuste fiscal
No período analisado, o Brasil enfrentou a inflação e a estagnação, o que contrasta
com a maioria das economias industriais desenvolvidas, em que longos períodos de
estagnação geralmente são acompanhados por ausência de aumento de preços ou
taxas de inflação muito baixas. (Nota: falou-se sobre estagflaçâo nos Estados Unidos
mas para períodos mais curtos.) A estagflação brasileira não é surpresa para o obser-
vador, visto que tanto a inflação quanto a estagnação podem ser interpretadas como
manifestações diferentes do mesmo desequilíbrio.
Por vários anos, o setor público brasileiro experimentou déficits orçamentários crõ-
nicos, que foram financiados por aumentos na dívida interna indexada." O proble
na década de 1980 foi o gradual declínio da credibilidade do governo junto ao púb -
ou seja, havia uma dúvida crescente quanto à capacidade do governo em pagar os -
da dívida e, subseqüentemente, o principal." Essa gradual perda de credibilidade exi-
giu a redução dos prazos de financiamento, atingindo um ponto em que a maior parte
da dívida estava sendo financiada pelo overnight com taxas de juros reais cada vez mais
altas. Essas elevadas taxas de juros, associadas ao grande estoque da dívida, aumenta-
ram significativamente os gastos financeiros do governo, cuja parcela no total de gastos
cresceu rapidamente. Isso criou um círculo vicioso: dívida -- déficit -- dívida.
O Brasil encontrou-se numa situação em que uma grande quantidade de recursos
financeiros era investida no overnight, que apresentava extrema liquidez e que poderia
ser transformada em dinheiro a qualquer momento, com o risco de uma evasão de
capital para ativos reais. Em 1989, por exemplo, enquanto o estoque de M1 representava
1,7% do PIE, M, equivalia a 12% do PIE. Havia, assim, a ameaça real da perda de
controle sobre os meios de pagamento, devido à possibilidade de uma rápida retirada
do overnight e/ou da inviabilidade do financiamento do governo através da emissão de
novos instrumentos de dívida. Como conseqüência, houve uma crescente perda de
confiança e rejeição da moeda nacional, tornando mais fácil que o conflito distributivo
se manifestasse via aumento de preços.
Nesse contexto, encontram-se respostas para questões como: por que as empresas
brasileiras concederam aumentos salariais nominais com pouco impacto nos níveis de
emprego? Por que os consumidores brasileiros aceitaram os aumentos de preços sem
reduzir significativamente suas compras? Em outras palavras, por que o mercado san-
cionou esses aumentos de preços, permitindo que pressões distributivas se manifes-
tassem através da inflação? A resposta é: todas as empresas sabem que podem repassar
os aumentos dos insumos aos seus clientes, quando esses preferem continuar com-
prando produtos mais caros a agarrar-se à moeda, cujo valor, eles acreditam, conti-
nuará a decrescer a um ritmo acelerado. Naturalmente, o processo inflacionário não
resolve o conflito distributivo e o esquema de indexação generalizada "institucionaliza"
e agrava o fenômeno.
De acordo com esse diagnóstico, vale a pena destacar a inconsistência das várias es-
tratégias de estabilização experimentadas durante o período analisado. Por um lado, os
sucessivos choques e congelamentos de preços/salários não foram acompanhados pelo
ajuste fiscal estrutural necessário perdendo, assim, progressivamente, sua credibilidade
e fazendo com que cada choque sucessivo exercesse um impacto menor sobre a infla-
ção. Por outro lado, as políticas que visavam à austeridade fiscal e monetária foram insu-
ficientes para reverter as expectativas, o que era crucial para um programa de estabiliza-
ção eficiente. Segundo nossa interpretação da crise da inflação, a confiança na moeda
nacional depende de um ajuste estrutural permanente nas finanças públicas. Logo, sim-
pIe mente controlar os fluxos de caixa, adiar determinados gastos e arquitetar medidas
temporárias para aumentar a receita não despertarão a desejada confiança, ao não garan-
tir um eficiente controle futuro dos meios de pagamento. Ainda mais sério, entretanto,
é a tentativa de controlar MI a curto prazo sem um equilíbrio fiscal, visto que isso vai
requerer taxas de juros extremamente elevadas. Essa situação agrava problemas futuros
e causa dúvidas crescentes entre o público em geral, sobre a viabilidade financeira do
governo, à medida que aumenta a dívida e o custo de seu serviço."
Além do impacto sobre a instabilidade de preços, a crise das finanças do governo
e suas implicações anteriormente descritas também obrigaram os formuladores da
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política econômica a manter taxas de juros muito altas, a fim de poder colocar DO\OS
títulos da dívida no mercado e manter recursos no overnight. As altas taxas de juro e
a incerteza generalizada na qual a economia se encontrava foi responsável pela queda
dos investimentos e pela estagnação econômica. Sem um ajuste fiscal, a armadilha das
taxas de juros elevadas alimentava simultaneamente a recessão e a inflação.
Notas
1. Embora quase todos os membros do Congresso tivessem aprovado o plano inicial de Collor. isso não
significava apoio ao governo em geral. Como o plano havia sido decretado e, conseqüentemente. já escrr.l
sendo executado, era quase impossível ao Congresso interrompê-lo. Legalmente, ele poderia rê-lo derrn
do, mas isso teria causado uma situação de tal modo confusa que a maioria de seus integrantes achou me
mantê-lo. Subseqüenremente, as várias medidas de austeridade experimentadas nunca conseguiram m -
apoio do Congresso, na medida em que se percebia que a administração Collor era cada vez mais dominada
porpráticas de corrupção. Para fins de ilustração desses comentários gerais, veja vários exemplares de ~
American Reports: Brazil Report (publicado por Latin American Newsletters Ltd., Londres), nos anos de 1990
a 1992.
2. Nota-se ali que os pagamentos de juros da dívida interna aumentaram extraordinariamente. Em 1
eles representavam 0,67% do PIE; em 1985, haviam aumentado para 2,83%; em 1988 para 2,80% e em 1
quase 6%. Veja: VILLELA, Renaro. "Crise e ajuste fiscal nos anos 80: um problema de política econômica ou
de economia política?". 111: Perspectivas da Economia Brasileira, 1992. Brasília, IPEA, 1991, p. 27-9 p.36-/_
3. Isso pode ser ilustrado considerando-se que o coeficiente investimento/PIE caiu de 22.9'Jé em 1 -
para 16,7% em 1989 (veja Apêndice, Tabela A3), enquanto a dívida interna líquida do seror público anmen-
rou de 5% para 22,2% do PIE. Outra prova é a mudança na composição da alocação de crédiro inremo: em
1980, o seror privado recebeu 74% do crédito total, e o restante foi destinado ao setor público. Em 1991:.
composição havia mudado significarivarnenre, visto que o setor privado recebeu somente -H% e o público..
53%. (Veja Perspectivas da Economia Brasileira, 1992, Brasília, IPEA, 1991.)
4. As elevadas taxas de juros reais no setor financeiro, especialmente no ovemight, induziram Gl -
empresas a investir uma crescente parcela de seus recursos nos mercados financeiros. As im.. muitas -
apresentaram lucros devido às negociações financeiras e não às suas atividades produtivas originais Da Costa
calcula que a parcela de ganhos oriundos do mercado financeiro representou cerca de 37'k do IDem dos
empreendimentos em 1989. Veja DA COSTA, Fernando Nogueira. "Além da hiper-esragflação". Esredos
Especiais - Cecon, n" 4, mar./1993. Campinas, Cecon-IE-Unicamp.
5. DOELLINGER, Carlos von. "Reordenação do sistema financeiro". ln: Perspeaicas da EaItIom;o Bra-
sileira, 1992. Brasília, IPEA, 1991, p. 281-2. A mesma publicação também contém dados na página Z 3, mos-
trando que entre 1980 e 1988 o valor líquido do setor financeiro aumentou 1 7% em termos reais.
6. Grande parte das informações contidas nessa seção são baseadas em vário exemplares de fevereiro da
revista Conjuntura Econômica, que apresenta extensas análises dos aconrecimentos econômicos do ano anterior.
7. BONELLI, Regis & LANDAU, Elena. "Do ajuste à abertura: a economia brasileira em transição
para os anos 90". Textopara discussão n" 251, Pomifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamen-
to de Economia, novembro, 1990, p. 17.
8. O índice de preços reais (base 1984 = 100) da gasolina, por exemplo, caiu de 107 em 1987 para 82 em
1988 e 56 em 1989; das taxas de telefone, de 77 em 1987 para 76 em 19 e 55 em 1989; de aço básico, de 74
em 1987 para 60 em 1989. Veja Instituto de Economia do Setor Público, Fundap, Indicadores IESP.
9. BONELLI & LANDAU, op. cit., p. 21.
10. O Índice de Preçosaô Consumidor comportou-se de modo ainda mais extraordinário. O aumento
mensal em janeiro de 1989 foi de 70,3%, caindo para 3,6% em fevereiro, aumentando novamente de março
em diante, atingindo 84,3% em março de 1990.
11. Conjuntura Econômica, fev./1990. A carga dos pagamemos da dívida federal aumentou de 1,8% dos
gastos do governo federal em 1987 para 11,6% em 1988 e 31,7% em 1989 (vários exemplares da Oonjuntura
Econômica).
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12. Deve-se chamar atenção para o fato de que a expansão da base monetária, que totalizou NCz$ 63,8
bilhões em 1989, originou-se dos NCz$ 10,6 bilhões necessários para financiar o déficit orçamentário primário
do governo e NCz$ 53,2 bilhões exigidos para o mecanismo da operação de "recompra",
13. Como ressalta Zini, o estoque de M. caiu 45,4% entre abril de 1989 e janeiro de 1990, o que ele atribui
a " ... incertezas políticas e à escalada da inflação (que) resultou numa significativa mudança de portfoiio para
dólares, ouro e evasão de capital. Aquisições de ouro e dólares ajudaram a reouzir o estoque de M4 devido ao
imposto inflacionário sobre as quantias em caixa de doleiros e residentes brasileiros empregados na extração de
ouro". ZINI, [r., A. A. "Monetary reform, state intervention, and the Collor plan". 111:The market and the state in
economic deoelopment in the 1990s, A. A. Zini [r, (org.), Amsterdarn: North-Holland, 1992, p. 226, nota de rodapé 2.
14. REZENDE, Fernando; AFONSO, José Roberto R.; VILLELA, Renato & VARSANO, Ricardo. "A
questão fiscal". 111:Perspectivas da economia brasileira, 1989. Rio de Janeiro, IPEA, 1989, p. 554. Esses autores
também observam que, além de novos gastos com a previdência para funcionários públicos, a Constituição tam-
bém "... criou O potencial para aumentar os gastos com funcionários públicos elevando seus benefícios sociais ...",
p. 555; veja também no mesmo exemplar o artigo: AFONSO,José Roberto, REZENDE, Fernando, SILVA, Maria
da Conceição e VARSANO, Ricardo. "A tributação e o orçamento da nova Constituição", p. 585-609.
15. Por exemplo, não era mais permitido emitir cheques ao portador de valores superiores ao equivalente a
US$ 100, o que reduzia o anonimato fiscal e, supunha-se, a sonegação de impostos.
16. FARO, C. de (org.), Plano Collor: avaliações e perspectivas. Rio de Janeiro, LTC, 1990.
17. Veja na Tabela 9.3 que a produção industrial caiu 15,4%. O índice de fabricação (1981 ~ 100) declinou
de 106,8 em março para 92,2 em abril; bens de capital, de 90,4 para 73,1; bens intermediários, de 116,9 para 98,4
e bens de consumo duráveis, de 122,8 para 115,6. Veja IPEA, Boletim Conjtsntura], abr./1991, Tabela 1.1, p. AI.
18. Em abril, por exemplo, foi colocada à disposição uma linha de crédito de US$ 500 milhões para o setor
de construção, e logo após, foram abertas linhas de crédito de US$ 1,8 bilhão e US$ 1,1 bilhão para os setores
agrícola e de máquinas pesadas.
19. NAKANO, Yoshiaki. "As fragilidades do Plano Collor de estabilização". 111:Plano Cotlor: avaliações e
perspectivas, Clovis de Faro (ed.). São Paulo, Livros Técnicos e Científicos Ltda., 1990, p. 146.
20. Err. 1980, a dívida interna líquida como proporção do PIB era de 5,1%, aumentando para 22,2% em
1989, depois do que declinou para 16,8% em 1990, 12,2% em 1991 e 13,9% em 1992. Veja Banco Central do
Brasil, Boletim, e Perspectivas da Economia Brasileira. Rio de Janeiro, IPEA, 1989; C01ljulItura Econômica, fev./
1991, p. 2.
21. De acordo com as leis predominantes, a maioria dos servidores públicos poderia ser apenas suspensa,
recebendo um salário ligeiramente reduzido. Nos primeiros quatro meses do Plano Collor, somente 30.000
funcionários do governo foram afastados ou suspensos, comparados à meta inicial de 360.000.
22. O efeito inicial do Plano sobre os salários foi uma questão controversa. Alcançaram-se resultados signi-
ficarivamenre diferentes, dependendo da metodologia e índice de preços usados. Bresser Pereira calculou um
aumento real de salários de 23% em março, com base nos 72,3% de ajuste nominal e uma taxa de inflação de
c entre os dias 1" e 31 de março. Veja PEREIRA, L. C. Bresser. "As incertezas do Plano Collor". 111:C. de
Faro org.). op. cir., p. 83-96.
p. Zr---r. op. cit., p. 223 .
.?4. IPEA. Boleti»r Cotlj1t11tural.
r. REGO. Elba C. L.. "Política monetária em 90: alterações e limites". /11:A economia brasileira em preto e
branco. Fabrício A, de Oliveira (org.), São Paulo Hucitec, 1991, p. 162; veja também, C01Ij1t11tlt1"OEconômica, fev./
1992, p. 13.
26. Veja B.-\ER. Wemer & VILLELA, Annibal V. "Privatization and the changing role of the state in
Brazi I". 111: Essays OR pricatization i1J Latiu A merica: the challging roles of lhe public and prioate sectors, Werner Baer e
Melissa Birch (orgs.). :\"o\'a York, Praeger, 1994.
27. Os salários em crera! também foram afetados quando o Congresso, em setembro de 1991, aprovou a lei
que determinava que o salário mínimo e a parcela de todos os salários até O máximo de três salários mínimos
seriam ajustados a cadaquatro meses em 100% da inflação acumulada no período. Além disso, foi concedido um
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ajuste salarial provisório na metade desse período de quatro meses equivalente a 50% da inflação 2C!J.J;dcl:!!6
nos dois meses anteriores.
28. O motivo para que isso ocorresse foi que o Judiciário declarou a TR como um instrumento de indct:!çio
ilegal para imposros.
29. Oonjuntura Econômica, fev./1992.
30. Também eram necessárias elevadas taxas de juros devido aos ativos bloqueados remanescentes que.. 00
final de 1991, representavam cerca de 3% do PIE. A liberação dos ativos bloqueados foi completada em 3",0f.lSID
de 1992.
31. Os salários dos funcionários públicos aumentaram devido a ajustes que deveriam equiparar as remune-
rações de três diferentes ramos do governo (isonomia salarial) e ao pagamento do 13" salário em dezembro.
32. O governo propôs que as maiores empresas do país, ou seja, aquelas com um movimenro de vendas
anual superior a US$ 150 mil, deveriam ser tributadas diretamente; elas haviam calculado seus próprios impos-
tos previamente. Além disso, Cardoso planejou abrir processos contra 300 mil indivíduos que não pagaram
quaisquer imposros e Outros 115 mil que pagaram somente uma parte do que deviam. Ele também solicirou ao
Congresso que elaborasse uma emenda à Constituição a fim de permitir que o ministro da Fazenda colocasse os
sonegadores na prisão. Veja Latin AmelYCa Economy & Business, jul./1993, p. 2.
33. O declínio dos preços correntes é pequeno devido ao substancial aumenro nos preços relativos dos bens
de capital durante a década de 1980. Veja CARNEIRO, Dionísio D. &WERNECK, Rogério L. F. "Public savings
and privare investment requiremenrs". Inter-American Development Bank, Working Paper SC17es 100, mar./1992.
34. Esses números são baseados em informações contidas nos relatórios do Banco Central do Brasil e no
Anuário Estatístico do IEGE.
35. IEGE, Anuário Estatístico.
36. "A crise econômica e social dos últimos 12 anos", Boletim Conjuntura], IPEA, out./1992, p. 34.
37. As exportações mostraram-se muito sensíveis ao câmbio real. Assim, a estagnação das exportações em
1990 e 1991 (veja Apêndice, Tabela A5) foi associada à valorização do câmbio real naqueles dois anos enquanto
sua recuperação em 1992 foi associada à desvalorização real.
38. O notável salto das importações em 1989 também se deveu ao aumento significativo das importações
de alimentos e matérias-primas resultante da redução nos estoques que estava relacionada ao impacro do Plano
Verão daquele ano. Banco Central do Brasil, Brasil Programa Econômico, nO35, dez./1989, p. 92.
39. Veja também BAER, Werner. "Social aspects of Latin Arnerican inflation". In: Latin America: the crisis of
the eighties and the opportunities of the nineties, Werner Baer, ]oseph Petry e Murray Simpson. Champaign (orgs.)
Illinois, Universiry of lllinois, Bureau of Economic and Business Research, Publishers, 1991, p. 45-57.
40. REZENDE, Fernando et al., op. cii., p. 552.
41. SIMONSEN, Mário H. "Inflação: interpretações brasileiras". h: h/lação e hiperinflação: interpretações e
retórica. São Paulo, Bienal, 1990, p. 145.
42. O motivo pelo qual o público brasileiro conservou papéis negociáveis num ambiente altamente inflacio-
nário deveu-se ao faro de eles terem sido indexados desde meados da década de 1960. Veja Capítulo 12.
43. A razão pela qual a dívida do governo como proporção do PIE de muitos países desenvolvidos que, em
muiros casos, era tão elevado quanro o do Brasil, não causou problemas semelhantes, foi que os governos daque-
les países nunca perderam a credibilidade junto ao público investidor.
44. Algumas dessas idéias foram extraídas de SARGE T, T. & WALLACE, . "Some unpleasanz
rnonetarist arithmetic". Federal Reserve Bank ofMinneapolis, Quarterly Review, v. 5, 1981. Veja também P_-\I\~-\.
Claudio. Tàe Collorplan: alternatioeinterpretations, M. A. Dissertation, University of IIlinois, Champaign.. I

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