Buscar

direito a vida

Prévia do material em texto

DIREITO À VIDA: Direito Constitucional lll- Monitora: Paula Paiva
	Como vimos no Capítulo 4 deste livro, ao tratar dos princípios fundamentais da Constituição de 1988, o direito à vida, da mesma forma que os demais direitos e garantias fundamentais, decorre inequivocamente do princípio da dignidade da pessoa humana, expressamente previsto no artigo 1º, inciso III, do texto constitucional, ali apontado como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
	A Constituição Federal de 1988 reconhece a primazia do direito à vida, relacionando-o já no caput do artigo 5º, em primeiro lugar, antes do direito à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. A Carta Magna, ainda no capítulo relativo aos direitos e garantias fundamentais, volta a tutelar o direito à vida, ao determinar, no artigo 5º, inciso XLVII, alínea a, a proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada.
	É justamente em razão daquela preeminência do direito à vida sobre os demais direitos fundamentais que Maria Helena Diniz aponta a existência do princípio do primado do direito à vida e explica que, no caso de conflito entre dois direitos da pessoa, deverá sempre prevalecer o direito à vida, não havendo qualquer ilicitude, por exemplo, na amputação de membro de alguém, mesmo que não consentida, para salvar-lhe a vida.
	O direito à vida, conforme nos lembra Alexandre de Moraes, “é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos”. 
	Uadi Lammêgo Bulos, por sua vez, pondera que o significado do direito à vida é amplo, “porque ele se conecta com outros, a exemplo dos direitos à liberdade, à igualdade, à dignidade, à segurança, à propriedade, à alimentação, ao vestuário, ao lazer, à educação, à saúde, à habitação, à cidadania, aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.
	Consideramos que o direito à vida abrange não só o aspecto biológico, conferindo ao seu titular, como veremos melhor no transcorrer deste estudo, tanto o direito de nascer como o de permanecer vivo, como também o aspecto psicossocial do ser humano, referente ao direito deste último de viver com dignidade. 
	É por isso, por exemplo, que nosso ordenamento jurídico proíbe não só o aborto, o homicídio e a pena de morte, para a garantia da vida, como também a tortura e as penas perpétuas, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis, como mecanismos que assegurem à pessoa uma vida digna.
	Por estar inserido no caput do artigo 5º da Constituição de 1988, sendo, portanto, um direito individual, trata-se o direito à vida, inequivocamente, de uma cláusula pétrea, não podendo sofrer qualquer tipo de emenda sequer tendente a suprimi-lo, conforme disposto no artigo 60, § 4º, inciso IV, de nossa Lei Maior. E, em sendo assim, é vedada qualquer proposta de emenda constitucional que tenha por objeto suprimir, ou mesmo restringir, minimamente que seja, o direito à vida.
	Em razão da supremacia formal (jurídica) da nossa Constituição Federal em face das demais normas editadas pelo Poder Público, não há qualquer dúvida de que o Poder Legislativo (e também o Executivo, em sua função atípica de editar diplomas normativos) não poderá jamais produzir uma norma infraconstitucional, a não ser que autorizado por uma nova Constituição, que legitime atos que atentem contra a vida. 
	Da mesma forma, o Poder Judiciário não poderá jamais conferir uma interpretação às normas jurídicas vigentes, no julgamento dos casos que lhe sejam submetidos, que violem o direito à vida.
	A despeito de reconhecer o primado do direito à vida, a Constituição de 1988 não explicita, em contrapartida, quem seria o titular daquele direito. Tal tarefa, portanto, cabe à doutrina e, sobretudo, à jurisprudência pátrias, através da análise das normas constitucionais e infraconstitucionais que compõem o nosso ordenamento jurídico. E a resposta a esta indagação, a nosso ver, é bem simples: o titular do direito à vida é o homem, aqui entendido como o gênero humano. 
	Com efeito, como é amplamente sabido, a cada direito subjetivo corresponde pelo menos um titular. Este titular é o chamado sujeito de direito, destinatário da norma jurídica que assegura àquele a faculdade de agir (facultas agendi), e que só pode ser o homem, conforme conhecido brocardo jurídico que dispõe que hominum causa omne ius constitum est. 
	Como nos lembra Caio Mário da Silva Pereira, somente o homem é sujeito de direitos, e mesmo que a norma, aparentemente, contemple direito a coisas ou animais (caso da proteção à fauna e flora, por exemplo), ela o faz tendo em vista o bem-estar da espécie humana. Portanto, o titular do direito à vida, mesmo não estando explicitado na Constituição, é facilmente definível: o gênero humano.
	A Constituição Federal também não explicita o momento em que a vida termina, fazendo cessar, para o ser humano, a titularidade de direitos e deveres. De todo modo, a legislação infraconstitucional, com fundamento na medicina moderna, aponta a denominada morte encefálica como o evento que revela, de forma inequívoca, a morte da pessoa, permitindo, inclusive, que seja realizada a retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo do falecido para doação a terceiros. 
	De tudo o que examinamos até aqui, podemos perceber, sem maiores dificuldades, que, a despeito de não haver explicitação no texto constitucional, tanto a titularidade do direito à vida (o ser humano), como o momento em que esta cessa (a morte encefálica), são facilmente identificáveis. 
	Maior dificuldade, contudo, nós encontramos ao tem feito em outras palavras, ainda há grande divergência, não só no campo religioso ou filosófico, mas até mesmo no científico, e, por consequência, na seara jurídica, sobre o evento que faz iniciar a vida humana, para que se possa dizer, com segurança, que alguém passou a ser titular da proteção estatal relativamente àquele direito de começar a vida.
	Em que pese os aspectos filosóficos e religiosos serem inequivocamente importantes e respeitáveis, e, portanto, de legítima análise pelo corpo social, notadamente em uma sociedade eminentemente cristã, não podemos olvidar que este é um livro técnico-jurídico, que tem por objeto o estudo do direito constitucional positivo, de um Estado considerado laico. Por essa razão, buscaremos analisar o tema apenas em seu aspecto científico, e a repercussão que tal estudo inevitavelmente provoca na seara do direito.
	Devemos insistir, contudo, que mesmo entre os cientistas a definição do exato momento em que se inicia a vida não é um tema pacífico. Com efeito, há diversos pesquisadores que afirmam que a vida começa já com a concepção, ou seja, com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide, quer ela aconteça dentro do corpo da mulher (a denominada fecundação intrauterina), quer ela se dê fora do útero (fecundação extrauterina), como se dá, por exemplo, na chamada fecundação in vitro. 
	Outros cientistas, por sua vez, afirmam que a vida começa não com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide, mas sim com a fixação deste na parede uterina, fenômeno denominado de nidação. Para estes pesquisadores, portanto, só há que se falar em começo da vida quando o ovo ou zigoto (estágio inicial do embrião) estiver devidamente fixado na parede uterina, o que permitirá a sua divisão celular, e, consequentemente, a formação do feto.
	Há também quem afirme que a vida começa somente a partir 
do décimo quarto dia de gestação, quando começa a se formar, no embrião, o chamado córtex cerebral, o conjunto de células do sistema nervoso central, responsáveis, inclusive, pela potencialidade de o embrião sentir dor. Para este grupo de cientistas, portanto, a vida só começa efetivamente quando surge, no indivíduo, um incipiente sistema nervoso, que lhe permita sentir sensações físicas.
	Há pesquisadores, por fim, que afirmam que a vida humana só começa efetivamente quando o feto assume, em definitivo, a forma humana. Isto se dá, conforme o entendimento da medicina, quando a gravidez alcança a décima segundasemana de gestação, oportunidade em que o nascituro deixa de ser um embrião, e torna-se efetivamente um feto. 
	Tendo em vista que a própria ciência tem dificuldade em precisar o momento do começo da vida humana, não há dúvidas de que tal dificuldade é transferida à ciência jurídica, a quem cabe a normatização daquela realidade. Tal dificuldade verificou-se até mesmo quando o assunto chegou ao Supremo Tribunal Federal, quando este foi chamado a analisar a constitucionalidade de norma infraconstitucional que dispõe sobre a pesquisa e a terapia com células-tronco de embriões humanos. É o que veremos na próxima seção.
(Texto extraído do meu Curso de Direito Constitucional, 2ª edição, Editora Atlas S/A)

Continue navegando