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1 A Constituição Federal Americana Como Um "Modelo Constitucional" 1. Premissa O objeto de nossa atenção não cai tanto sobre a gênese da Constituição Federal dos EUA, mas dedicaremos também alguma atenção específica e menos nas evoluções sucessivas entre os séculos XIX e XX, mas de alguma forma o resumo e o resultado de tudo isso, que vem até nós sobre a cultura constitucional dos nossos tempos, dando-nos uma compreensão positiva no âmbito humano de que é, sem dúvida, um dos "modelos constitucionais", uma Constituição que exemplarmente tem sentido e é paradigmático, porque algumas características podem ser ditas como uma forma constitucional moderna, ou de uma versão em particular. Precisamos mais uma vez ressaltar, que a possibilidade de abordar a Constituição Federal Americana como um "modelo constitucional", tem apenas parcialmente a ver com o sucesso daquela Constituição, ou de sua longevidade extraordinária. Na história das constituições há na verdade constituições que nunca entraram em vigor ou terminaram de forma trágica, no entanto algumas se tornaram exemplo de "modelo constitucional" como a bem sucedida Constituição dos EUA: basta pensar na Constituição francesa de 1793, o que certamente tem sido o "modelo" das constituições modernas, no sentido radical, ou a da Alemanha de Weimar que é usada para ligar o "modelo" de Constituição democrática e social do século XX1. Portanto, a Constituição dos EUA tornou-se um modelo não por sua força ou por sorte, mas por seu conteúdo, porque entre suas características há alguns fatos que tendem a estar presente na experiência da constituição em termos de modelo, e sempre se repete em lugares e épocas diferentes. Poderia-se realmente transformar até mesmo o raciocínio: a Constituição dos EUA foi muito mais forte e bem sucedida, porque pertence à categoria das constituições que são inerentemente predispostos para servir como um modelo. A partir daqui precisa-se novamente buscar a característica essencial que faz o modelo em si. 2. A Constituição é a lei suprema do país. As primeiras características têm a ver com a supremacy clause (claúsula suprema), com a Constituição, como a lei suprema do país, reconhecido como tal pelo povo soberano. Em síntese, a Constituição Federal americana inaugurou um "modelo" que prevê como primeira caracteriística fundamental a supremacia da Constituição, antes mesmo diante da vontade da lei ordinária do parlamento, e, portanto a vontade da maioria. Como sabemos este é um "modelo" que não foi realizado imediatamente. Na Europa a Revolução Francesa deixou um legado no ponto em questão, e o positivismo do século seguinte se prendeu ao legalismo por um longo tempo como ideal de Constituição como lei suprema do país. Na Revolução Americana as coisas ocorreram de forma diferente desde o primeiro momento, porque os colonos foram logo sentindo a necessidade de invocar contra a tributação injusta imposta pelo Parlamento britânico, uma regra superior chamada «Constituição», e ela coloca o problema com certa urgência para limitar a legislação de cada Estado que faz referência a uma norma superior, porque se considerou que vindo de uma fonte mais elevada do que apenas do parlamento, esta não poderia ser a fonte da autoridade da casa legislativa, mas da autoria popular. Quando se trata da Constituição 1 O “tipo histórico” da “constituição radical”, trataremos no capítulo sucessivo. Sobre as 'Constituições democráticas do século XX' faremos várias referências na segunda parte do livro, dedicada aos "problemas do constitucionalismo". 2 Federal, este elemento da supremacia da Constituição que inspirou a revolução e dirigido seus desenvolvimentos posteriores, não serão despertiçados. No "modelo" característico representado pela Constituição Federal Americana continuará a ser o primeiro elemento desta forte ligação entre a supremacia da Constituição e a vontade popular. Afinal, esta é a maior diferença com a Revolução Francesa. Enquanto esta, de acordo com uma lógica hobbesiana classicamente monista, existe apenas uma vontade popular que se baseia sem distinção na autoridade do direito e da Constituição, de modo que a relação entre o regulador de uma e de outra é necessariamente problemática, porque se coloca entre duas fontes essencialmente de igual dignidade. No caso americano o “modelo” tem uma estruturação em si dualista, porque o sujeito-povo expressa dois desejos distintos: De um lado a Constituinte, que estabelece a supremacia da Constituição. Do outro a política muito mais contingente, que às vezes coloca todo poder da maioria para o legislador.2 No Federalist há um exemplo neste sentido; nele se convida as pessoas a desconfiarem dos legisladores, que, às vezes, se "imaginam serem o próprio povo".3 É claro, o "modelo" do qual estamos falando, não permite que o poder possa entrar nessas fantasias, porque o “povo mesmo”, como diz a passagem citada, não pode existir senão pela Constituição: a sua soberania se identifica com a supremacia da Constituição. Outra coisa, menor e subordinada, é a vontade das pessoas delegadas para constituir um Parlamento e uma maioria. É como se agora a democracia reproduzida fosse a antiga doutrina dos dois corpos do rei, um superior e o outro nobre. Estão presentes no Parlamento juntamente com outras partes do reino, e de sua Constituição, segundo o que nos diz o princípio bem conhecido no King in Parliament (Rei no Parlamento). Ora, não muito diferente, temos em nosso 'modelo', de dois corpos do povo: Aquele mais alto e nobre que produz a Constituição, e o mais restrito e contingente que expressa à vontade da maioria, o Parlamento. E como a doutrina dos dois corpos do rei, foram fundamentais para limitar os poderes do soberano fora do Parlamento de modo que o modelo dual constitucional, que estamos falando, também tem uma função limitante, que neste caso é expresso em particular contra o Parlamento. O mesmo "modelo" age por alto no mesmo sentido trezentos e sessenta graus, e, portanto, também contra as outras grandes potências constitucionalmente reguladas, o que é certamente o poder de fazer justiça, interpretando e aplicando o direito. Não surpreendentemente, em outra passagem famosa no Federalist, quando Hamilton prenúncia o poder dos tribunais para declarar um ato do Parlamento void (anulado) como contrária à Constituição, a grande preocupação parece ser esse fato entendido como uma expressão de um ato declaratório da supremacia dos juízes sobre Parlamento, quando esses invalidam atos parlamentares diminuindo a autoridade daqueles, mas os juizes são apenas instrumentos de atualização da Constituição. Portanto, o nosso "modelo" começa a tomar forma. A primeira característica é dada pela supremacia da Constituição, que se expressa em relação a qualquer poder constituído, que se baseia e se encontra nos seus próprios limites, do poder de fazer a lei e o poder para fazer justiça. Mas esse poder especial da autoridade da Constituição, por sua vez, tem uma base definida que é a vontade popular. Não no sentido do poder constituinte da Revolução Francesa, ou de uma vontade de ter uma Constituição, mas contém um projeto de demonização total do regime anterior e a criação de uma nova sociedade. Os Norte-americanos no modelo constitucional, não precisam pensar nesses termos do 2 Para obter os elementos essenciais da relação entre as duas revoluções; americana e francesa, em particular no plano da história constitucional, remetem a FIORAVANTI, M, Appunti di storia delle costituzioni moderne, Torino, 1995, e a literatura nele utilizadas e citadas. 3 O Federalista,Bologna, 1997, n. 71. 3 poder Constituinte, para chegar ao êxito da supremacia da Constituição. De fato, pode-se dizer que eles desconfiam muito desta concepção de povo soberano em função da Constituinte, porque não retrata o povo como capaz de querer, e, portanto, estabelecer a política constitucional. A nova esperança que se seguiu na Europa com base no modelo constitucional da Revolução Francesa, revelou que aqueles se moviam pela concepção do poder Constituinte. Este poder tornava-se representante do povo soberano, segundo a concepção de legislador na linha que vai de Hobbes a Rousseau. Tudo começou a partir da retórica revolucionária da Constituição, mas na realidade eles foram criando as condições para a primazia do legislador, que por sua vez, sem uma plena reconciliação com a supremacia da Constituição. Bem diferente é o quadro geral de referência, no caso da Revolução Americana e do modelo constitucional que dele deriva. Neste caso, o sujeito-povo por trás da Constituição não é tanto a função de criar uma espécie de tendência fundamental a ser transferido para os poderes constituídos, e principalmente ao poder legislativo, o que é para lembrar a existência de uma ordem primária, kelseniana, à condição da Constituição entendida positivamente e por isso não está disponível e não pode ser violada pelos poderes constituídos. Agora não é possível mostrar o que tem sido, na prática para os americanos, "o povo" como o fundamento da supremacia da Constituição. Basta lembrar uma data de um episódio que realmente constitui o ponto de partida. Trata-se de 23 de julho de 1787, do famoso discurso de Madison4 sobre a diferença essencial entre o Tratado e a Constituição, entre outras coisas isso interessa agora muito a nós europeus, por razões que são conhecidas de todos5. De acordo com Madison, o que caracteriza a Constituição no que diz respeito ao Tratado é o próprio fundamento popular, enquanto que o Tratado é um ato celebrado entre Estados soberanos que levou à aprovação pelos respectivos Parlamentos da Constituição. Por este motivo, foram organizadas as convenções especiais para ratificar a Constituição de cada Estado. As convenções são precisamente as pessoas como a base necessária da Constituição. Nela pediam a sanção de uma nova ordem entre os estados, que se seguia para algo muito diferente de uma simples modificação dos Artigos da Confederação ou o Tratado que anteriormente regulava as relações entre esses mesmos Estados. Nesta lacuna essa diferença está contida, que os americanos agora chamam de "Constituição", e para ter feito esse salto foi necessário e adequado ouvir a aprovação popular. Essa aprovação não contém como no caso do poder constituinte da Revolução Francesa, o projeto orgânico com a nova ordem social e política que os americanos estavam pondo em prática, bastante funcional, um ato com toda a força necessária para disciplinar o conjunto de poderes estadual e federal para ocupar essa posição de supremacia que já dissemos várias vezes. A soberania popular não ameaça a estabilidade do texto constitucional, pelo contrário, é à base da supremacia da Constituição. Eu diria que este é o legado deixado pela experiência constitucional americana da constituição moderna e contemporânea em um modelo constitucional no qual o povo soberano não é ameaçador, mas sim fundador e líder da supremacia constitucional. Cidadania como uma partilha de direitos. 4 Quarto presidente dos Estados Unidos (1809-1817) nascido em Porty-Conway, Virgínia, uma das principais figuras da guerra de independência e um dos principais redatores da constituição de seu país. Estudou na Universidade de Nova Jersey, atual Princeton, onde dese nvolveu suas ideias separatistas. Eleito delegado à convenção da Virgínia (1776), sua preocupação principal foi fortalecer o governo central dos Estados Unidos, então dividido em províncias, os poderes do Congresso federal e o laicismo. Nota do tradutor. 5 Vamos retomar nas conclusões alguns acenos atuais sobre constitucional Europeu de M. Fioravanti, Il processo costituente europeu, in Quaderni Fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno, 31, 2002, dedicado a L’ordine giuridico europeo: radici e prospettive, aos cuidados de P. Costa, Milano, 2003, tomo 1, pp.273 e ss. Sobre o discurso de Madison citado no texto, se pode ver no The Records of the Federal Convention, ed. By M. Farrand, New Haven, 1911, II, 93. Si può qui anche ricordare la principale letteratura sul passaggio dalla Confederazione alla Costituzione federale: G.S Wood (ed.by), The Confederation and the Constitution. The Critical Issues, Lanham, 1973; A.T. Mason, The States Rights Debate: Antifederalism and the Constitution, Oxford University Press, 1977; e soprattutto la recente ricerca di K.L. Dougherty, Collective Action under the Articles of Confederation, Cambridge University Pres, 2001). 4 Dentro dos limites da análise rápida de nosso modelo constitucional que estamos delineando, em segundo lugar coloca-se a questão da cidadania, e em particular os direitos que estão contidos no caso americano, seja nas Constituições dos Estados, como na Constituição Federal, a partir do curso da Declaração de Direitos de 1791. Mesmo neste caso, tal como anteriormente discutido no aspecto da supremacia da constituição a fim de compreender a natureza de fundo do modelo constitucional sugerido pela experiência americana, é necessário antes medir a sua distância a partir de outro modelo, o que é certamente o dominante na Europa Continental a partir da Revolução Francesa. Não estamos falando da extensão dos direitos de cidadania, mas da sua estrutura básica, e, sobretudo, do critério básico para a atribuição de assuntos. No modelo da Europa continental não existem direitos de cidadania fora da representação e da pertença. Se se é um cidadão, se é consequentemente titular de direitos, porque se pertence a um povo ou nação, que por sua vez, tornaram-se constitucionalmente relevante, porque eles foram capazes de representar-se sob a forma de estado de acordo com o regime inaugurado por Hobbes da personificação do poder, e, portanto, de modo a alcançar o resultado da produção de lei autorizada, a lei de estado que é o que fecha o círculo, porque ela representa os meios necessários para a atribuição dos mesmos direitos. O modelo europeu continental tem uma ligação vital e necessária entre os direitos e soberania, que desde a Revolução Francesa, o mesmo texto da Declaração de Direitos de 1789, assume a forma da nação e da lei. Assim que os direitos em si não são pensáveis sem o princípio da exclusividade: se é titular de direitos, porque se é um cidadão. E se é um cidadão, porque pertence exclusivamente a um povo ou uma nação, essa nação ou povo têm historicamente superado e absorvido muitos pertencentes de classe e de lugar. Este não é o modelo da Revolução Americana que define o que somos nós mesmos, a partir da Constituição Federal dos EUA. O primeiro ponto a considerar a este respeito, é justamente as suas preocupações sobre o Bill of Rights (Carta de Direitos). Não se destina a ser um cidadão americano, mas para limitar o poder Federal que acabamos de configurar, que é bastante diferente. Não é querido por aqueles que pretendem ampliar os poderes dos municípios e do governo federal em detrimento por aqueles que achavam que tinham ido além da admissão necessária de um poder supraestatal, e que por isso devemos agora avançar para limitar que é o poder, o direito junto com o Bill of Rights. A este respeito, uma das decisões mais importantes do Congresso em 1789, é o que afirma que a Declaração de Direitos aplica-se apenas às atividades dos poderes da federação,e, portanto, não diz respeito ao nível de Estado.6 Que uma lei estadual pode ser anulada por um juiz - como seria, mas muito mais tarde - porque considerados incompatíveis com o Bill of Rights, está muito longe esta hipótese das intenções e expectativas dos norte-americanos constituintes, precisamente porque não se moviam pelo modelo europeu baseado no princípio de exclusividade e, portanto, não tinha a intenção de colocar em marcha um mecanismo destinado a absorver a cidadania estatual dentro do governo federal americano. Em seguida, sai outra característica do nosso "modelo constitucional” após a supremacia da Constituição. É a capacidade de pensar e incrementar um novo imperium, e uma nova soberania, como é este novo poder federal, que é exercido agora diretamente sobre os cidadãos americanos, impondo- lhes impostos, chamando-os para o serviço militar, entre outros casos, mas sem sentir a necessidade de basear-se no princípio de exclusividade, não avançando imediatamente para a construção de uma cidadania que substitua qualquer vínculo anterior de pertença. Só nesse contexto, é compreensível a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que novamente durante grande parte do século XIX, ainda 6 Sobre este ponto, vide: F.D. Drake e L.R. Nelson – eds.by -, States Rights and American Federalism, Westport-Londres, 1999, pp 67 e ss). 5 manteve o princípio original da inaplicabilidade da Bill of Rights à lei do estado; é conhecido como apenas no início dos anos vinte do século seguinte, o Supremo Tribunal mesmo valorizando especialmente a Décima Quarta Emenda de 23 de julho de 1868, chegou à conclusão de que os Estados estariam sujeitos ao princípio do devido processo de direito contido na Carta de Direitos, e particularmente na Quinta Emenda, finalmente criando assim, as condições para um direito fundamental a um processo justo sobre o plano americano, como um aspecto essencial dos direitos de cidadania como tal7, do qual pertence o cidadão americano. Isto confirma o modelo inerentemente pluralista da Constituição. Se examinarmos primeiramente o que é relativo da supremacia da Constituição, o desvio do modelo da Europa-continental foi produzido principalmente através da capacidade de distinguir, em uma lógica dualista e não monista, entre o povo que atuou na Assembleia Constituinte e o povo que escolheu políticos que legitima a legislatura, já neste segundo aspecto, a mesma diferença ocorre principalmente através da capacidade de pensar, e de colocar em prática um imperium novo em uma base contratual, sem princípio de exclusividade, com a unidade política que continua a existir como tal, mesmo depois da fundação daquele imperium e, portanto, levantar a questão de uma pluralidade de membros dentro da pertença comum. Claro, todos nós sabemos que como resultado do equilíbrio entre os poderes, tem gradualmente mudado mais e mais do governo federal, tanto que muitos comentaristas agora consideram o estado federal americano como um tipo particular de estado unitário, apenas quantitativamente diferente por diversos graus de autonomia do modelo europeu-continental. E, no entanto, alguns pontos parecem essenciais: historicamente a fundação de um novo poder, neste caso, não é imediatamente associada com o princípio da exclusividade, que a criação de uma cidadania americana de alguma forma, estado de nacionalidade superordenado é o resultado de um processo longo e contestado, talvez jamais esgotavél, e que ao final, ainda que o povo americano saiba que se têm duas maneiras de proteger os direitos, federal e estadual, incluso em muitos casos, pode-se escolher livremente com base em um princípio de mera conveniência. Depois de tudo, há também um ponto de vista a partir do qual é possível sintetizar a matéria, uma vez que esta é examinada, e que é comum aos dois aspectos considerados à supremacia da constituição e da cidadania. Este princípio da soberania, certamente representado como a pedra angular do modelo constitucional europeu. É esse princípio uma concepção monista da vontade do povo, sempre idêntico a si mesmo, e é o mesmo princípio que impede, tendo em conta, como matéria de cidadania a idéia de coexistência constitucionalmente regulados numa pluralidade de pertença. No “modelo constitucional” que estamos obtendo a partir da experiência americana, por causa da ausência do princípio da característica seberana do modelo europeu, esta mesma hipótese de coexistência torna-se viável em termos de nacionalidade, bem como para a mesma, em termos de constituição como uma norma jurídica, torna-se possível à supremacia da Constituição, só porque os povos nem sempre são infalíveis e uniformemente soberanos, mas na verdade muito mais frequente e bastante separadamente – os geradores da Constituição, e às vezes, bastante comum, são simplesmente formuladores de políticas que os legisladores legitimam, mas somente na Constituição isto se consolida. 7 Idem, p. 91 de um acordão do Supremo Tribunal Federal, em 1822, ao reiterar a indiponibilidade do princípio da Bill of Rights para os estados e para a sua legislação, e idem, p. 139 e ss. Para a valorização posterior da Décima Quarta Emenda pela própria Suprema Corte, seguindo uma linha diferente, ver também G. Butta –. Vede também G. Butta – ao cuidado de -, Johs Marshall ‘Judicial Review’ e Stato federale, Milão, 1998. 6 Mas voltamos mais uma vez para a cidadania, para concluir este ponto. É evidente que em um modelo constitucional como a que estamos delineando, cada vez mais desvanece o conceito de "pertença" que nós mesmos frequentemente empregamos. De fato, em certo sentido o princípio da exclusividade é inerente ao conceito: se se pertence seriamente, não se pode pertencer a um único sujeito soberano individual, a um só povo, a uma só nação, e os direitos a este ponto não podem ser baseados em um único direito, aquele em que o povo ou a nação estão representados pela lei do Estado. No modelo em questão, este arcabouço todo tende a cair, de modo que mais do que pertença deve-se falar de partilha: o que conta, ou para a detecção da mesma nacionalidade, muito mais é o resultado de origem, ou seja, uma pluralidade de sujeitos que dividem precisamente os mesmos direitos. Devemos falar de "pertença", pode-se fazê-lo agora com referência não mais a uma pessoa ou de uma causa originária, mas de uma tradição, uma herança que tenha formado históricamente ao longo do tempo, através de uma série de mediações sobre a base essencialmente pluralista. O mais importante, do que estritamente jurídico, é que neste contexto diferente recai o elemento da unicidade do direito, porque os direitos de cidadania podem também ser baseados em uma variedade de fontes e direitos, do próprio direito e no direito comum, e como tal exige uma multiplicidade de direitos e é, portanto, logicamente oposto a um direito único. Voltaremos a este último ponto, como o anterior, sobre a supremacia da Constituição para mostrar como eles são diretamente ligados à experiência constitucional vigente, particularmente na Europa. 3. A Constituição como um ordenamento de poderes. Toda Constituição é um ordinamento de poderes. Assim também foi no plano histórico com a Constituição Federal americana, uma modalidade que também está relacionada ao plano do "modelo", que é o que nos interessa aqui. Não é agora possível entrar em pormenores do ajustamento da relação entre os poderes. Precisamos compreender o sentido geral do que é peculiar a este terceiro aspecto do nosso "modelo", mais ainda em oposição ao modelo europeu continental. O que é imediatamente em evidência,mesmo a este respeito, é mais uma vez a grande discriminação contida no princípio de soberania. Enquanto uma constituição pertence ao modelo europeu continental é impensável sem a cláusula de concessão de soberania, e sem sequência da individualização de um poder - a regra legislativa depois de uma revolução - que representa a soberania no caso da Constituição Federal americana, e o modelo a partir dela é possível começar a se desenvolver. Em vão se busca esta cláusula, e, sobretudo, o poder em particular que pode ser dito representante do princípio de soberania. Como já vimos, quando juízes americanos descosideram uma norma não alteram a 'soberania', mas a supremacia da Constituição, que é algo bem diferente. E o mesmo deve ser dito dos outros dois poderes previstos na Constituição. Não expressa a "soberania" dada ao presidente, como poder executivo. Também é relevante o exercício pelo Senado, mesmo que condicionado com poderes cruciais na nomeação do presidente, este, sem qualquer relação com o poder de fazer a lei – no plano formal o executivo, não por acaso, tem o poder de iniciativa legislativa - com o poder de atribuir-lhes poderes essenciais para a configuração do princípio do poder representativo da soberania. E finalmente, o Congresso que até mesmo os poderes que lhe foram concedidos, veem-se listados nos assuntos do Constituição em que a pessoa tem o direito de exercer função legislativa, em claro contraste com o modelo de legislação da Europa continental como uma expressão de soberania, que como tal, não pode 7 suportar limite da matéria constitucionalmente definido. É verdade que o último parágrafo da primeira seção do artigo oitavo da Constituição Federal contém a célebre necessary-and-proper clause8, pela qual passa a extensão notável no campo da normalização coberto pelo Congresso, mas é igualmente verdade que essa extensão é mantida dentro de limites determinados pela estrutura constitucional americana, a presença permanente da legislação estadual, o poder de veto do próprio presidente, que na verdade é impossível com essa configuração, para o modelo da Europa continental em face da expressão legislativa do princípio da soberania, e, portanto, não pode suportar esse tipo de vetos. Portanto, todos os poderes têm neste modelo seu alcance amplo e relevante na Constituição, mas nenhum deles é por excelência o poder que expressa o princípio da soberania. Por esta razão, neste modelo e na Constituição Federal americana, é de particular importância à dimensão do equilíbrio entre os poderes. Não só entre o poder federal, mas também daqueles poderes do Estado, incluindo os poderes de cunho político e os poderes de segurança, nomeadamente através do controle generalizado de constitucionalidade, mas também entre os mesmos poderes construídos sobre uma base representativa entre o Presidente e o Congresso: o primeiro pode contestar com o seu veto à vontade do Congresso, o segundo se opõe ao executivo com o chamado "poder do bolso" da alavancagem financeira e fiscal9. É aqui determinado justamente por este último tipo de equilíbrio entre os poderes políticos a diferença máxima com o modelo europeu continental. Na verdade, neste segundo modelo foram bem realizados - os tipos diferentes de equilíbrio entre o representante de todo o poder descrito, ou entre poderes de orientação política e garantia dos poderes neutros, mas que é impossível ou extremamente difícil - como também surgiu imediatamente o desastre da experiência concreta da Revolução Francesa - é o equilíbrio entre os poderes na mesma direção, e em particular entre os executivos e parlamentos, para a lógica óbvia subjacente desse modelo que empurra para soluções do tipo inexorávelmente monistas, e, portanto, os parlamentos têm com muita facilidade os respectivos executivos em suas mãos, ou vice-versa. Na verdade o modelo europeu continental exige que o poder de direção política esteja concentrado em uma única autoridade de caráter representativo, seja o parlamento, governo ou pelo menos que a dinâmica claramente dominante que se desenvolve entre estes dois poderes. Pelo contrário, o modelo que se obtém a partir da Constituição Federal americana é precisamente por este aspecto em si dualístico, de tal forma que a direção do poder político se encontra dividido em dois: por um lado o poder de fazer a lei e impor os impostos, de outro, o poder de governar para escolher os homens, administrar os recursos, suprir as necessidades. O poder político, não mais monistacamente entendido, está dividido em poderes distintos atribuídos a sujeitos diferentes, ligados por uma relação de equilíbrio, limitando-se mutuamente. 8 Assi fala a necessary-and-poper clause: que o Congresso terá o poder "para fazer todas as leis necessárias e adequadas para o exercício dos poderes", o que, sem dúvida, muito atenuada, na passagem da Confederação a Federação, o princípio do rigor afirmado no texto, segundo o qual Congresso teve um amplo poder legislativo, mas não sobrana, porque se limita a uma só matéria expressamente listada na Constituição. 9 Entre os vários tipos de equilíbrio existem até um interno para o Congresso, entre os dois ramos. O bicameral escolhido pelos constituintes americanos, em si bastante complexos, merece uma análise em separado, o que aqui não pode sequer ser iniciado. De modo mais geral, deve- se notar que a maior expressão teórica do governo limitado, nomeadamente através do seu equilíbrio técnico entre os poderes, que nos é oferecido por James Madison, e está ligada ao grande princípio da Constituição republicana, democrática como respeita à sua fundação, mas moderado e equilibrado em relação à articulação dos poderes nela contida. Limitamos-nos aqui para lembrar sobre o texto conhecido: Hamilton, Madison and Jay The Federalist, cit., nn. 10, 47,48, 51, 63. 8 Em nosso modelo e na Constituição Federal americana, tudo isso não pode ser reduzido a uma questão de mera competência, é, portanto, uma expressão de um princípio fundamental, que são as limitações constitucionais do poder. A pluralidade inerente à solução federal não é suficiente para atingir este princípio, ou o controle generalizado de constitucionalidade, é necessário penetrar o núcleo mais duro e colocar o poder político dividindo o interior, de modo que tenha dois poderes, para que nunhum dos dois possa dizer ter poder por excelência, representando o princípio da soberania, mas estão ligados por uma relação de equilíbrio e limitam-se mutuamente, como no caso da relação entre o presidente e o Congresso na Constituição Federal americano. Há então um dualismo ainda maior em nosso modelo constitucional. Além da natureza específica de solução presidencial americana, é o dualismo que opera na história constitucional como um contrapeso à concentração de poder nas mãos de quem é eleito pelo povo, para representar, legislar e governar. O princípio que inspirou este dualismo está presente em diferentes formas em todos os clássicos do constitucionalismo moderno10, e é expresso como: Quem tem o poder de fazer a lei e impor à tributação, não pode simultaneamente controlar os recursos disponíveis derivados de impostos, e vice-versa. E ainda: quem tem o poder de fazer a lei não possui o comando daqueles que são chamados a executar, e vice-versa. Para simplificar: o poder legislativo e o executivo tendem a se tornar um só, então se abre o caminho para a tirania, embora a legitimidade desta entidade única tenha sido dada pelo poder popular. 4. Conclusão O modelo constitucional que examinamos tem três pontos essenciais: A supremacia da Constituição, a cidadania como compartilhamento de direitos e oequilíbrio entre os poderes. Os três são historicamente definidos como oposição ao modelo do continente europeu que é baseado no princípio da soberania. A supremacia da constituição coloca em crise a supremacia absoluta da lei como expressão da soberania do povo, ou nação; a coparticipação da cidadania, por sua vez, abre um horizonte pluralista colocando em crise o princípio de exclusividade, e assim, a fonte de unicidade da atribuição de direitos dos indivíduos. Por fim, o equilíbrio entre os poderes pressupõe que não existe mais poder por excelência, aquele que se exprime e presupoe representado o mesmo princípio de soberania. A questão agora é: será que a Constituição Federal americana foi realmente tudo isso? E, sobretudo, talvez em outra parte do mundo, a constituição além-atlântico foi realizada no todo ou em parte, um ou mais dos princípios expressos acima? Responder a esta pergunta é equivalente a reescrever capítulos inteiros da história do constitucionalismo. Não é realmente o caso. No entanto, você pode tentar uma espécie de conclusão final sobre a atual fase da história constitucional européia, às vezes, sobre a qual nos referimos deliberadamente apressadamente. Como sabemos, mesmo tardiamente, os governos europeus estão fazendo ajustes com o princípio da soberania11. Portanto, estão se aproximando do modelo constitucional que temos desenvolvido a partir da Constituição Federal americana. Pode-se dizer que uma das principais chaves para a compreensão de nossa Constituição, é precisamente esta gradual superação da oposição entre os dois modelos, sendo eles o da Europa continental e o modelo que temos elaborado a partir da 10 Para uma visão sintética sobre os pontos, remetemos a M. Fioravanti, Contituzione, Bologna, 1999, pp. 85 e ss. 11 A expressa tradição historica do principio da soberania e o eterno superamento, são descritos em M. Fioravanti, Stato e costituzione e diritto, Roma-Bari, 2002, pp 3 e ss. Para assuntos atuais sobre a Europa constitucional, ver os dois últimos capítulos do livro. 9 experiência americana. É o desaparecimento gradual do princípio da soberania, que determina tal superamento. Especialmente no que se refere ao primeiro dos pontos que nós consideramos a supremacia da Constituição, porque também nos estados nacionalistas depois da guerra as condições se determinaram pela afirmação, mesmo contrastadas por uma norma jurídica suprema, claramente colocada ao topo das fontes de direito. Esta regra também trouxe com ela um papel diferente e bem mais amplo a respeito do passado da jurisdição do que o modelo reduzido a partir da Revolução Francesa, que havia reduzido às meras atividades de aplicação da lei. Mas é preciso dizer que na Europa, como um todo, ainda é difícil perceber a escala maior da transição histórica que está ocorrendo, do Estado de direito baseado na lei ao Estado de direito constitucional fundada na supremacia da Constituição. Em particular, na Europa continua a ser uma forte tendência no que diz respeito ao terceiro ponto do nosso modelo constitucional do equilíbrio entre os poderes, para buscarem o poder, e essencialmente, totalmente representativo do povo soberano, e, portanto, ainda resistem às concepções monistas da democracia, tese esta que individualiza um poder por excelência, a partir do qual derivam em certa medida, os outros poderes. Na Europa há ainda algum legislador e algum governante, que pensa ser o próprio povo como na passagem do Fedaralist, já citado acima. No entanto, agora há um processo em curso a nível europeu que surge em termos de "constitucionalização" da Europa, e que complica ainda mais o quadro geral, desta vez sobre o plano do segundo ponto abordado no contexto do nosso modelo constitucional, ou em termos de cidadania. Trata-se do processo que deve conduzir ao Tratado à Constituição, que se desenvolveu na Europa nos últimos anos e meses, com ossilações de sorte.12 Não é agora possível analisar esta questão, mesmo de passagem. Só se pode assinalar o que está surgindo. Há uma necessidade de ir além dos limites tradicionais do Tratado, mas não percorrer os caminhos das Constituições dos Estados nacionalistas, sem abandonar o próprio aspecto da cidadania como a participação no sentido exclusivo de um povo ou de uma nação. Na Constituição Européia, uma cidadania desse tipo não é sequer pensável pela simples e boa razão de que não é possível por analogia um povo europeu, ou de um país europeu, com a experiência nacionalista. A cidadania europeia deve, portanto, se configurar de outras maneiras, e talvez no sentido já discursado sobre o nosso modelo constitucional, isto é, como uma herança comum de direitos, com base em parte, para o direito nacional, baseado diretamente na lei comum da Europa13. O balanço final, portanto, é muito complexo. Todavia, há uma tendência no ar. Com algum esforço, e talvez alimentando alguma consciência histórica sempre decisiva, se pode intrever de modo sucessivamente mais nítido. E assim, para aqueles que ainda perguntam novamente onde e quando pode acontecer, para além dos limites da experiência americana, o modelo constitucional que analisamos neste artigo, se pode responder com uma sinceridade: Talvez por nós, na Europa, num futuro não muito distante. 12 Vede os dois últimos capítulos do livro. 13 Nesta base, a grande questão histórica que surge é se o patrimonio dos direitos pode sozinho reproduzir uma verdadeira "pertença", capaz de gerar, por sua vez, uma autentica obrigação política a nível europeu. A questão está aberta. Algumas reflessões a esse respeito será proposta nos dois últimos capítulos do livro.
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