Buscar

Livro Carcereiros Elisete Gracilene Jose Roberto vf

Prévia do material em texto

CARCEREIROS
Disciplina: Criminologia
Professora: Mestra Liciane Faria Traverso Gonçalves
Acadêmicos: Elisete Gomides Dutra
Gracilene Chaves Oliveira
José Roberto Soares
Outubro de 2014
 Biografia:
Drauzio Varella é médico cancerologista, formado pela USP. Nasceu em São Paulo, em 1943. Durante 20 anos, dirigiu o serviço de Imunologia do Hospital do Câncer (SP) e, de 1990 a 1992, o serviço de Câncer no Hospital do Ipiranga, na época pertencente ao INAMPS. 
Foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS, especialmente do sarcoma de Kaposi, no Brasil Em 1989, iniciou um trabalho de pesquisa sobre a prevalência do vírus HIV na população carcerária da Casa de Detenção do Carandiru. Desse ano, até a desativação do presídio, em setembro de 2002, trabalhou como médico voluntário.
Mostrou através do livro Estação Carandiru como um código penal não-escrito organizava o comportamento da população carcerária. 
 Atualmente, faz o mesmo trabalho na Penitenciária Feminina de São Paulo. É autor dos livros: Estação Carandiru (1999), Por um fio (2004), O médico doente (2007), Macacos (2000), Cabeça de cachorro (2008), entre outros.
Carcereiros
Apaixonado por cadeias desde criança, quando ouvia fascinado sobre criminosos no rádio, Drauzio Varella começou a atender voluntariamente no Carandiru em 1989. Em Carcereiros Dr. Drauzio relata episódios do dia a dia de quem era encarregado de manter a ordem na maior e uma das mais violentas penitenciárias da América do Sul: A Casa de Detenção de São Paulo - Carandiru. Durante os anos em que lá trabalhou Dr. Drauzio criou laços de amizade com os funcionários, com quem se reunia depois do trabalho em um botequim em frente ao Carandiru. Entre uma cerveja e outra, inúmeras histórias foram compartilhadas e, agora, estão reunidas na narrativa. De forma bem simples mostra o valor de homens que, sem nenhum tipo de treinamento, tinham que ter sabedoria para lidar com detentos de alta periculosidade. 
No livro Carcereiros o autor nos dá uma amostra da realidade de personagens que muitas vezes são estigmatizados como os próprios presidiários. Geralmente quando ouvimos falar que alguém é agente prisional (carcereiro, monitor, etc...) nos vem à cabeça que essa é uma pessoa dura, fria e alheia aos sentimentos de terceiros. E realmente as pessoas que trabalham nesse outro mundo acabam se modificando, se moldando de acordo com o meio em que estão inseridas. Citando o autor: “A convivência diária com a brutalidade da cadeia e com a falta de respeito à vida é o que os contamina e transforma.” 
E é isso que o livro mostra. Narra-nos o cotidiano de pessoas humildes que veem no emprego público uma oportunidade de melhorar de vida. O autor nos mostra a cadeia do ponto de vista dos carcereiros e tenta nos mostrar de onde são esses homens, como vivem e o que pensam, de que maneira agem e de que maneira agiam no passado.
No Carandiru havia uma pequena ala chamada Masmorra, que era área de segurança máxima da Casa, um conjunto de oito xadrezes abafados que davam para uma galeria mantida na semiescuridão. Em cada cela viviam quatro ou cinco presos jurados de morte. Por que viviam num ambiente tão insalubre, com comida de má qualidade? Por que não eram transferidos para outro presídio? Drauzio foi questionar o diretor, o Dr. Walter Hoffgen, que lhe mostrou uma pasta com cópias de todas as solicitações de transferência feitas à Secretaria e ainda lamentou: “No fim, somos nós os responsáveis pelos maus-tratos ou é a sociedade que despeja os bandidos aqui e fecha os olhos?” O Sistema Penitenciário é um mecanismo de controle social formal utilizado pelo Estado.
A obra retrata também outra realidade: “A mesma sociedade que se revolta contra a vida ociosa dos prisioneiros lhes nega a oportunidade de sair da ociosidade.” De fato são poucas as empresas que se interessam em empregar presidiários, e as que o fazem dão qualificação profissional para inserção do individuo no mercado de trabalho, pois normalmente são trabalhos puramente manuais. Devido a essa carência de trabalho o autor pôde observar o constante uso de drogas pelos presos, para escapar da realidade e fazer com que os dias passassem mais rápido. Maconha e cocaína são drogas rotineiras no cárcere, mas crack foi banido do Sistema Penitenciário de São Paulo por ordem de uma facção dominante. Foi banido porque as normas do crime são rígidas: quem for pego fumando crack é espancado; quem traficar morre. 
Droga, dinheiro e telefone celular são os itens mais contrabandeados para dentro da cadeia. As drogas entram de duas formas: dentro no corpo de mulheres ou por permissão de funcionários aliciados que fazem vista grossa. Dessa forma além de drogas entram também armas escondidas junto a mantimentos. Esse tipo de atitude é condenável até mesmo pelos funcionários de conduta menos ortodoxa. Afinal aceitar dinheiro em troca de regalias para presos é uma coisa, virar traficante ou colocar em perigo a vida de outros é outra completamente diferente. É preciso ter ética pra levar uma grana. Isto demonstra um exemplo da Teoria das Técnicas de Neutralização, é a condenação dos que condenam.
A tortura já havia deixado de ser prática corrente quando o autor chegou ao Sistema Penitenciário em 1989, mas ainda haviam os chamados corretivozinhos para aqueles que praticassem violência contra qualquer funcionário ou maltratassem o companheiro com requintes de crueldade. A surra na calada da noite para descobrir fatos que poriam em risco a segurança da cadeia ainda ocorria.
O autor se concentra em alguns personagens principais com os quais ainda mantem uma rotina de encontros a cada duas ou três semanas, quase sempre à noite, em bares ou restaurantes de bairro ou do centro antigo de São Paulo.
 José Araújo, casado. O Seu Araújo é amigo do autor há mais de vinte anos. Em sua longa carreira como agente penitenciário, 22 anos foram vividos no Carandiru onde foi chefe do pavilhão Oito. Homem muito respeitado pelos seus pares e pelos presos. Teve papel muito importante no massacre que ocorreu no Carandiru, pois conseguiu acalmar os ânimos dos presos do pavilhão Oito e convencer a todos a entrarem em suas celas. Dessa forma a tragédia ficou restrita ao pavilhão Nove, pois com o Oito calmo não havia necessidade da entrada do Choque.
Guilherme Rodrigues, casado, pai de dois filhos. Foi assessor do diretor de Disciplina Luizão, atualmente dirige uma das quatro unidades do antigo Cadeião de Pinheiros. É negociador nato. Para Guilherme não há adrenalina maior do que chegar a uma cadeia e ver colchões pegando fogo, funcionários reféns, presos agitados gritando e correndo pra lá e pra cá com as facas, ameaçando matar todo mundo e sem perder a calma perguntar “com quem eu converso”. Certa vez em uma rebelião no interior do estado chegou a uma cela em que dois prisioneiros aguardavam o negociador ao lado de uma cabeça decepada no chão. Como um dos presos estava visivelmente perturbado, falando compulsivamente, Guilherme fingiu não ver a cabeça jogada no chão e se dirigiu ao preso mais equilibrado: “Não converso com drogado. Volto daqui a trinta minutos. Se esse maluco ainda estiver aqui vou embora pra casa.” O maluco esbravejou e ameaçou matar todos os reféns, ainda assim ele saiu a passos lentos e só retornou trinta minutos depois. Ao retornar a cabeça decepada estava no mesmo lugar, mas havia outro preso no lugar do drogado e em quinze minutos foi feito um acordo para o fim da rebelião.
José Francisco dos Santos, Chiquinho foi o diretor da Administração até o fim da Detenção em 2002. Realizou mais de trinta shows nos palcos armados no campo do pavilhão Oito, com a participação de artistas consagrados e outros menos conhecidos. Num show realizado ao ar livre com a presença de mulheres e crianças visitantes, Rita Cadilac anunciou um strip-tease e pegou o microfone para chamar um voluntário que pudesse ajudá-la a tirar sua calcinha. Subiuao palco um malandro confiante que conforme instrução da Rita Cadilac lhe tirou a calcinha com os dentes. As mulheres presentes riam e aplaudiram no final, mas os detentos apenas observavam. No dia seguinte o malandro que subira no palco precisou ser transferido ás pressas para não pagar com a vida o desrespeito com as mães, esposas e namoradas presentes. Como justificou um preso: “Ela é artista, está na dela. Ele é quem? Um vacilão que faltou com o procedimento. Tinha que ter dado beijinho, pedido licença e descido do palco.”
Irani, casado, pai de quatro filhos, chefe de pavilhão Sete. Em uma tarde de maio de 1996 Irani recebeu a informação de que os presos haviam cavado um túnel. Mobilizou os funcionários dos pavilhões Oito, Nove e Cinco para ajudar na busca sem sucesso. Passaram-se dias revirando tudo sem encontrar nada. Resolveram então solicitar uma retroescavadeira para a Regional da Prefeitura e pedir uma mangueira emprestada para o Corpo de Bombeiros com a finalidade de encher o campo de água e fazer o túnel desmoronar. Receberam a informação de que a fuga seria no Dia das Mães e na sexta-feira Irani reuniu seus comandados e mandou que quebrassem tudo que estivesse na frente. Quando alguns funcionários chegaram perto da sala de Laborterapia foram cercados por um grupo armado com facas. Quando perceberam que o túnel estava prestes a ser descoberto os presos anteciparam a fuga. Naquela altura já haviam fugido 51 presos. Naquele ano Irani foi o funcionário campeão de fugas de todo o Sistema Penitenciário brasileiro. Passados alguns meses ele reconheceu na rua o preso que havia comandado a fuga, ligou para o COPOM que abordou o sujeito e o levou para a delegacia e o liberou em seguida através de suborno. Irani ficou inconformado: “Devia ter chamado o diretor da cadeia, na hora, para testemunhar a prisão e evitar o suborno. Fiquei mais mordido do que quando fugiram 51.” 
O autor afirma que não seria o mesmo se não houvesse frequentado cadeias por mais de 23 anos. Foi importante para ele, pois aprendeu mais medicina, presenciou demonstrações de solidariedade, viu a que níveis pode chegar o sofrimento, a restrição de espaço, a dor física, a perversidade, a falta de caráter, a violência contra o mais fraco e o desprezo pela vida dos outros. Trabalhando num ambiente dominado pelos piores instintos humanos, em contato direto com a violência, salários insuficientes para sustentar a família, sem qualquer treinamento, e, condições de trabalho quase medievais e a vida em risco permanente, cada um procurou agir da forma que lhe pareceu mais sensata.
Chega-se à conclusão que o fato do Sistema Prisional Brasileiro ser ineficiente também se deve a omissão da sociedade. Não temos interesse em saber em que condições trabalham os carcereiros, se ganham o suficiente, se tem acompanhamento psicológico, como se dá seu treinamento. Apenas queremos que os criminosos saiam do nosso convívio. 
É sabido que ex-detentos carregam uma marca por toda sua vida e isso dificulta ainda mais sua reinserção no mercado de trabalho e na sociedade como cidadãos. Muitas pessoas ainda hoje afirmam que o massacre que aconteceu no Carandiru foi algo necessário e bom para a sociedade, afinal foi feita uma “limpeza”. Muitos dos policiais envolvidos na tragédia usam da Teoria das Técnicas de Neutralização ao negar a vitimização. Pois eles mataram bandidos, se fossem pessoas de bem não estariam na cadeia e não teriam sido mortas. Tiveram o que mereceram e a sociedade deveria ser grata por isso.
A nossa sociedade não precisa de justiceiros, precisa de meios eficazes para ressocializar condenados e prevenir crimes. Daí a extrema importância da Criminologia para informar a sociedade, explicar e prevenir o crime, assim como intervir no infrator para sua ressocialização.

Continue navegando