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A CONCEPÇÃO KANTIANA DE EDUCAÇÃO

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1 
 
A CONCEPÇÃO KANTIANA DE EDUCAÇÃO E O CARÁTER MORAL A ELA 
INERENTE 
 
Letícia Machado Pinheiro
1
 
 
Resumo 
 
 Ao se dedicar à investigação dos limites e das possibilidades da natureza humana, Kant 
não poderia se eximir de tratar do tema da educação. Contudo, buscou a realização dessa 
empreitada de um modo bastante peculiar, tomando como fio condutor a tese básica 
norteadora de toda a sua filosofia: o homem precisa fazer de si mesmo aquilo que, de acordo 
com as aptidões de sua natureza, ele deve fazer para realizar a sua humanidade. Partindo desse 
pressuposto, Kant concede grande peso ao processo educativo na medida em que afirma que 
“o homem só pode tornar-se homem através da educação” (Pedagogia, 443). Kant distingue 
dois momentos da educação: a disciplina e a instrução. Ambos os passos devem ser 
executados de modo a desenvolver no homem os talentos inerentes à humanidade: a disciplina 
regra as impulsões sensíveis e a instrução fomenta a habilidade para executar fins. A 
educação, pelo ponto de vista kantiano, detém uma forte conotação moral, quer em vista de 
que a disciplina e a instrução exercem forte impacto no que tange à conduta exigida 
moralmente do homem, quer em vista de que Kant lhe atribui grande papel na promoção da 
realização do aperfeiçoamento humano. 
 
1. A necessidade da educação
2
 
“O homem é a única criatura que precisa ser educada”3 (P, 441). É a partir dessa 
pressuposição que Kant edifica a sua argumentação acerca do processo educacional humano. 
Ele justifica a necessidade de o homem ser educado comparando-o com os outros animais da 
natureza: “Um animal [diz Kant] já é tudo o que pode ser pelo seu instinto; uma razão alheia 
 
1
 Acadêmica do Curso de Doutorado em Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 
Bolsista do CNPq. e-mail: leticiamachadopinheiro@yahoo.com.br 
2
Abreviaturas para as obras de Kant: CRP (Crítica da razão pura)*; FMC (Fundamentação da metafísica dos 
costumes); LE (Lições de ética)*; MC (Metafísica dos costumes); P (Pedagogia); RP (Resposta à pergunta: o 
que é o Iluminismo). *Conforme consta na bibliografia, para essas obras foram utilizadas traduções. 
3
 “Der Mensch ist das einzige Geschöpf, das erzorgen werden muβ”. 
2 
 
arranjou tudo antecipadamente para ele”4 (P, 441). Do homem, pode-se dizer que ele é senhor 
do seu próprio destino e, dado que a sua natureza não se realiza de modo espontâneo e 
determinado, tal como nos outros membros da natureza, ele carece de ser educado para 
desenvolver e, sobretudo, direcionar as suas aptidões para aquele que é o seu verdadeiro fim, 
a saber, a sua realização enquanto homem. Essa, por assim dizer, “deficiência” humana 
perante os outros animais da natureza, pode ser explicada (sob a perspectiva kantiana) pela 
concepção da dupla cidadania humana: enquanto ente sensível e enquanto ser inteligível. 
Um ser racional precisa se considerar como inteligência (portanto não pelo lado das 
suas forças inferiores), não como pertencendo ao mundo sensível, mas ao mundo do 
entendimento [Verstandswelt]. Ele tem, portanto, dois pontos de vista a partir dos 
quais pode observar a si mesmo e reconhecer as leis do uso das suas forças e, 
consequentemente, de todas as suas ações: primeiro, enquanto pertencente ao mundo 
sensível, sob leis da natureza (heteronomia); segundo, como pertencente ao mundo 
inteligível, sob leis que, independentes da natureza, não são empíricas, mas fundadas 
somente na razão
5
 (FMC, 452). 
 
 Cindido entre dois mundos, o homem não consegue se realizar tão-só como ser animal, 
visto que é permanentemente atormentado pela razão, nem tão-só como ser racional, visto que 
ele é mais facilmente influenciado pela sensibilidade do que pelo juízo racional. Dá-se que o 
homem não age totalmente por instinto nem tão-só pela razão. Ele, evidentemente, não tem 
como e nunca deixará de ser influenciado por esses dois dotes de sua natureza, de tal modo 
que nem da sensibilidade, nem da razão conseguirá (mesmo se quiser) se desvencilhar. 
Sensibilidade e racionalidade estão presentes na natureza do homem de modo tão arraigado 
que ele não pode assumir apenas uma e rejeitar a outra. Movendo-se exclusivamente pelos 
impulsos sensíveis, ele seria um mero animal; se guiando unicamente pelos ditames da razão, 
então seria divino. Um ser que age em parte por móbiles sensíveis e em parte racionalmente, é 
então um termo médio entre o animal e o divino, ou seja, é um ser humano. 
O modo dualista próprio da natureza humana é, pois, signo de uma desvantagem 
humana diante dos outros animais no que concerne à realização de suas possibilidades, de 
modo que o homem carece de ser educado. “Por educação se entende [conforme Kant] o 
 
4
 “Thier ist schon alles durch seinen Instinct; eine fremde Vernunft hat bereits Alles für dasselbe besorgt”. São 
nesses mesmos termos que Rousseau inicia o seu Emílio. 
5
 “deswillen muβ ein vernünftiges Wesen sich selbst als Intelligenz (also nicht von Seiten seiner untern Kräfte), 
nicht als zur Sinnen, sondern zur Verstandeswelt gehörig, ansehen; mithin hat es zwei Standpunkte, daraus es 
sich selbst betrachten und Gesetze des Gebrauchs seiner Kräfte, folglich aller seiner Handlungen erkennen Kann, 
einmal, so fern es zur Sinnenwelt gehört, unter Naturgesetzen (Heteronomie), zweitens, als zur intelligibelen 
Welt gehörig, unter Gesetzen, die, von der Natur unabhängig, nicht empirisch, sondern bloβ in der Vernunft 
gegründet sind.” 
3 
 
cuidado (a alimentação, a conservação), a disciplina (cultivo) e a instrução com a 
formação”6(P, 441). A educação bem empregada é aquela que consegue harmonizar a dupla 
cidadania do homem: a sua natureza inteligível e aquela mecânico-causal devem ser 
conciliadas de modo que o homem possa vir a ser completo dentro de sua própria realidade. 
 
2. Educação: disciplina e instrução 
Em vista da tarefa da educação em proporcionar que o indivíduo equilibre as suas 
potencialidades e realize a sua humanidade de modo pleno, Kant divide a educação em duas 
partes: uma negativa e outra positiva. A negativa é a disciplina [Disciplin] e a positiva é a 
instrução [Unterweisung]. Na primeira Crítica, ele justifica nos seguintes termos o 
qualificativo de cada um desses momentos da educação: 
 
Bem sei que a linguagem escolástica se costuma a usar os termos disciplina e 
instrução como sinônimos. Só que diante disso há tantos casos em que a primeira 
expressão, usada no sentido de regime de ordem, é cuidadosamente distinguida da 
segunda, usada no sentido de ensinamento, a própria natureza das coisas também 
reclamando a manutenção das únicas expressões convenientes para essa distinção, 
que desejo que jamais seja permitido empregar a primeira palavra com um outro 
significado senão o negativo (CRP, 738, nota). 
 
 
A disciplina se constitui na parte negativa da educação por dois motivos intimamente 
relacionados: um, ela prima em identificar o que não se deve fazer; outro, ela visa evitar que o 
estado de voluntariedade próprio do humano adquira um espaço muito grande na sua conduta. 
A instrução se constitui na parte positiva da educação porque ela não tem como tarefa impedir 
algo, mas, mais precisamente, inaugurar um novo estado ou condição do humano, cujo maior 
característica é que o indivíduo adquira habilidades para a realização de fins e a partir desse 
exercício se torne autônomo. 
Forçoso é ressaltar que a disciplina, no contexto da filosofia kantiana, assume uma 
dupla função. Enquanto que na Pedagogia ela é empregada no sentido de corrigir as 
inclinações, na Críticada razão pura ela é referida com relação à tendência humana de 
ultrapassar os limites do conhecimento possível. Com efeito, apesar de objetos distintos, tanto 
no âmbito da filosofia prática quanto naquele da teórica, o traço principal da disciplina é 
 
6
 “Unter der Erziehung nämlich verstehen wir die Wartung (Verpflegung, Unterhaltung), Disciplin (Zucht) und 
Unterweisung nebst der Bildung.” 
4 
 
limitar ou restringir um impulso. No primeiro capítulo da “Doutrina transcendental do 
método” (na Crítica da razão pura) intitulado “A disciplina da razão pura”, Kant escreve: 
Denomina-se de disciplina a compulsão mediante a qual se limita, e finalmente se 
extirpa, aquela propensão constante de divergir de certas regras. Distingue-se da 
cultura, a qual deve fornecer unicamente uma habilidade sem com isso suprimir uma 
outra já existente. A disciplina, pois, aportará uma contribuição negativa, ao passo 
que a cultura e a doutrina contribuirão positivamente para a formação de um talento 
que já traz consigo um impulso a externar-se (CRP, 737). 
 
No contexto argumentativo acerca da educação, Kant dedica bem mais tempo em 
caracterizar a disciplina que a instrução. Essa defasagem pode ser justificada em vista de que, 
sob a perspectiva kantiana, “a carência de disciplina é um mal [Übel] maior do que a carência 
de cultura, pois essa pode ser mais tarde reparada, mas não se pode nunca renunciar à 
selvageria e reparar um exercício da disciplina”7 (P, 444). Aliás, ele deixa entrever no seu 
discurso uma precedência teleológica da disciplina em detrimento da instrução. Adelino Braz 
é de opinião que “essa anterioridade lógica e cronológica se explica pela ideia de que, por 
natureza, o homem afirma a sua liberdade como uma paixão (...) e a coloca como a única 
norma de suas ações”8 (BRAZ, 2005, p.185). Uma justificativa complementar a essa de Braz 
seria a de que só uma vez desenvolvida a capacidade humana de controlar e direcionar os 
ímpetos naturais, o homem está habilitado para a instrução. 
2.1. Disciplina 
A disciplina, segundo Kant, é o tratamento através do qual se tira do homem a sua 
selvageria [Wildheit] (Cf. P, 442). A selvageria dita por Kant compreende dois níveis 
intimamente relacionados entre si, a saber: a sujeição às inclinações sensíveis e a 
independência de qualquer lei. A disciplina atua nos termos de não permitir que a sensação se 
sobreponha à reflexão e, portanto, que o homem se caracterize mais como um animal bruto do 
que nos termos de um animal racional. Não que a selvageria ou o mero agir por instinto seja 
algo questionável, tosco ou de pouco valor, mas, no que se refere ao humano, isso não traduz 
tudo o que ele pode e deve fazer de si mesmo. É a disciplina, portanto, que impede o homem 
de se desviar do seu destino por força de suas inclinações selvagens. 
 
7
 “Verabsäumung der Disciplin ist ein gröβeres Übel, als Verabsäumung der Cultur, denn dise kann noch 
weiterhin nachgeholt werden; Wildheit aber läβt sich nicht wegbringen, und ein Versehen in der Disciplin kann 
ersetzt werden.” 
8
 “Cette antériorité logique et chronologique s’explique par l’idée que, par nature, l’homme affirme sa liberté 
comme une passion (...) oú il se pose comme seule norme de ses actions... ” 
5 
 
Ao afirmar que a educação na sua parte negativa (enquanto disciplina) deve controlar a 
selvageria inerente ao humano, Kant não está se referindo apenas aos impulsos associados a 
estímulos naturais orgânicos (como a gula, por exemplo), mas, sobretudo à “voluntariedade” 
própria do humano desde os seus primeiros anos de vida, caracterizada pela sobreposição do 
“eu quero” por sobre o “eu devo”. Kant diz que desde a infância o humano deve ser levado a 
ponderar as suas vontades em dependência de uma regra ou vontade coletiva, pois, essa 
tendência em atender apenas os próprios interesses é tão arraigada no homem, a ponto de, se 
não for controlada desde cedo, converter-se em um hábito para toda a vida: “Quando se 
deixou [o homem] na sua juventude seguir plenamente a sua vontade sem nenhuma oposição, 
ele conservou uma certa selvageria por toda a sua vida”9 (P,443). Nesses termos e dada a 
tendência intrínseca ao homem ao viver sem regra, a disciplina enquanto observância de 
preceitos deve ser empregada até em questões pouco relevantes, a fim de que o educando se 
habitue a obedecer. Mediante a disciplina o indivíduo é levado a abandonar a conduta de fazer 
o que quer em nome de uma norma objetivamente reconhecida. 
 
Deve-se mandar as crianças cedo à escola [observa Kant] não com o propósito de 
que com isso elas aprendam algo, mas sim, para que lá elas se habituem a ficar 
sentadas quietas e observem pontualmente o que lhe é prescrito. Com isso, no seu 
futuro elas poderão não se deixar conduzir de fato e imediatamente pelos seus 
pendores [Einfälle]
 10
 (P, 442). 
 
 
A disciplina, Kant a apresenta como o primeiro degrau no processo educativo humano. 
É mediante o controle dos ímpetos da animalidade e do amor próprio que o homem pode 
desenvolver as aptidões caracterizadoras da humanidade. Tais aptidões referem-se ao controle 
de si, à convivência coletiva pacífica e à capacidade de obedecer a uma restrição. Interessante, 
contudo, é ressaltar que Kant não concebe a disciplina como um mero adestramento vazio de 
justificativa: constranger é necessário (admite Kant), mas isso deve ser feito de modo a 
proporcionar ao educando o entendimento de que a submissão à obrigação não acarreta em 
perda da liberdade, mas na correção da mesma. A disciplina bem direcionada é aquela que vai 
 
9
 “ Wenn man ihn in der Jugend seinen Willen gelassen und ihn da nichts widerstanden hat: so behält er eine 
gewisse Wildheit durch sein ganzes Leben.” 
10
 “So schickt man z. E. Kinder Angangs in die Schule, nicht schon in der Absicht, damit sie dort etwas lernen 
sollem, sndern damit sie sich daran gewöhnen mögen, still zu sitzen und pünktlich das zu beobachen, was ihnen 
vorgeschrieben wird, damit sie nicht Zukunft jeden ihrer Einfälle wirklich auch und augenblicklich in Ausübung 
bringen mögen”. 
6 
 
além do simples “não”, justificando o constrangimento aplicado de modo a levar o educando a 
refletir sobre a coerção que lhe é destinada
11
. Caso não seja devidamente esclarecida, a sanção 
imposta pela disciplina pode, inclusive, frutificar em vícios no educando. 
Kant afirma que muitas vezes os educadores falham quando, no procedimento 
educativo, empregam certos artifícios ou constrangimentos de maneira errônea, de modo a 
resultarem trágicos do ponto de vista moral. Quando, por exemplo, os educadores procuram 
corrigir o comportamento de uma criança comparando-a com as outras, gera o sentimento da 
inveja. Segundo Kant, afirmações como “veja como essa ou aquela criança se comporta 
bem!” não devem ser empregadas, uma vez que “quando o homem se avalia pelo valor dos 
outros, procura ou elevar-se acima ou diminuir o valor deles”12 (P, 491). Isso provoca aversão 
pela figura do próximo e dificulta as relações de sociabilidade, afetando, inclusive, o 
aprendizado. A comparação mal empregada gera rivalidade e inveja
13
. Kant diz que a 
comparação é eficiente do ponto de vista pedagógico quando aplicada no sentido de encorajar 
o educando ou de convencê-lo de que algo é possível de ser feito. 
2.2. Instrução 
A parte positiva da educação é a instrução, ou seja, o aprendizado e a cultura de 
conhecimentos. Mediante a instrução o homem desenvolve habilidades para executar fins. A 
propósito da instrução, Kant diz que aarte de educar é ou mecânica ou raciocinada (Cf, P, 
447). Ela é mecânica quando construímos juízos a partir da experiência e rotulamos algo 
como sendo prejudicial ou benéfico (como, por exemplo, quando se coloca a mão no fogo e 
constata-se que ele queima). Kant afirma que a arte de educar atua também de modo 
mecânico, mas, mesmo assim, ela deve ser genuinamente raciocinada: construída e refletida 
constantemente como uma ciência. No que concerne ao método de ensino (Lehrart), Kant diz 
que ele pode ser “acromático” (mediante palestra) ou “erotemático” (através de questões, em 
 
11
 “Em si mesma a disciplina significa tão somente um processo de heteronomia, por meio do qual, não apenas 
acostuma-se o educando à obediência e, até mesmo, à familiaridade com regras para o agir, como, 
gradativamente, ele mesmo desenvolverá em si a compreensão da necessidade de uma auto-disciplina”(DOS 
SANTOS, 2007, p.05). Educar, portanto (e pelo ponto de vista kantiano) vai além de aplicar regras restritivas e 
transmitir conhecimentos, mas requer, sobretudo, diálogo e justificação. Por isso a educação deve também ser 
uma pedagogia, uma ciência que estuda os meios e métodos de melhor educar. 
12
 “Sieh, wie das und das Kind sich aufführt! ” (...)“Wenn der Mensch seinen Werth nach Andern schätzt, so 
sucht er entweder sich über den Andern zu erheben, oder den Werth des Andern zu verringern”. 
13
 Segundo Kant a inveja se traduz “em desejar a imperfeição e a infelicidade dos demais, não para que nós 
sejamos perfeitos e felizes por eles, mas porque só assim podemos ser felizes e perfeitos”* (LE, 437-438). *“en 
desejar la imperfeicción e infelicidad a los demás, no para que nosotros seamos perfectos y felices por ello, sino 
porque sólo así podemos ser dichosos y perfectos”. 
7 
 
que se pressupõe uma participação ativa do educando no contexto de perguntas e respostas)
14
 
(Cf. MC, 478). Esse segundo método é dividido no modo de ensinar dialógico, quando o 
mestre pergunta à razão do educando, e no catequético, quando pergunta unicamente à 
memória (Cf. MC, 478). Kant diz que a educação deve começar com o método catequético, 
por meio do qual o estudante, mediante a sua memória reproduz os pensamentos que ainda 
não são seus. Um segundo momento é aquele denominado dialógico, caracterizado por Kant 
nos mesmos termos da maiêutica socrática: “o mestre conduz mediante perguntas o raciocínio 
[Gedankengang] de seu discípulo, apresentando-lhe casos e desenvolvendo nele a disposição 
para conhecer conceitos (é a parteira de seus pensamentos)”15 (MC, 478). O método de ensino 
a ser consolidado é esse último, o qual pede por uma atitude ativa do sujeito, em que se 
ultrapassa a mera coleta de informações, convertendo-se em um exercício do juízo. O que 
Kant propõe no âmbito da instrução pode ser resumido na seguinte afirmação: o educador 
deve se empenhar em formar mestres e não discípulos. 
O caráter intrínseco da instrução em termos kantianos está intimamente ligado à 
questão da saída da menoridade, tema bastante em voga na ocasião a propósito do movimento 
Iluminista [Aufklärung]: a “menoridade [Unmündigkeit] é a incapacidade [do homem] de 
servir-se de seu próprio entendimento sem a orientação de outro”16 (RP, 35) Trata-se de um 
estado de tutela, uma sujeição cuja culpa é do próprio agente que se subjuga a essa condição. 
A menoridade é signo, em última instância, da preguiça e do receio do indivíduo em agir por 
si mesmo, transferindo quer o trabalho, quer a responsabilidade para um outro. No domínio da 
instrução, a menoridade está em assimilar o conhecimento como mera memorização sem 
qualquer espírito crítico ou criativo
17
. 
Deixar-se tutelar pelo outro é, sem dúvida, uma artimanha humana para eximir-se de 
empenho e do compromisso diante de si e do mundo. Daí que é tarefa da educação na sua 
acepção positiva, isto é, enquanto instrução, desenvolver a autonomia do indivíduo. Kant 
 
14
 Os termos “acromático” e “erotemático” derivam respectivamente do grego akroamai (ouvir) e eromai 
(perguntar). 
15
 “Der Lehrer leitet durch Fragen den Gedankengang seines Lehrjüngers dadurch, daβ er die Anlage zu 
gewissen Begriffen in demselben durch vorgelegte Fälle blos entwickelt (er ist die Hebamme seiner 
Gedanken)...” 
16
 “Unmündigkeit ist das Unvermögen, sich seines Verstandes ohne Leitung eines anderen zu bedienen”. 
17
 “É tão cômodo ser menor [diz Kant]. Tenho um livro que tem entendimento por mim, um pastor de almas 
[Seelsorger] que por mim tem consciência, um médico que por mim julga a minha dieta, etc., então eu próprio 
não preciso me empenhar” (RP, 35). “Es ist so bequem, unmündig zu sein. Habe ich ein Buch, das für mich 
8 
 
reconhece que a tarefa da educação como um todo é bastante complexa, quer no âmbito da 
disciplina, mas, sobretudo, naquele da instrução, e isso por um motivo bem simples: é o 
homem que educa o homem. É o mesmo homem também detentor de uma tendência para a 
menoridade que se torna o mestre da geração seguinte
18
, de modo que ele corre o risco de não 
acrescentar nada ao seu educando, mas de “mimar” e solidificar ainda mais a disposição para 
a dependência nele inerente. Kant apresenta como exemplos de fortalecimento da tendência 
humana à menoridade gestos simples, como quando as mães desencorajam os filhos ainda 
pequenos de sair de perto delas porque isso seria perigoso ou quando socorrem imediatamente 
uma criança que ao tentar caminhar, tropeçou e caiu. No âmbito escolar, a menoridade é 
fortalecida quando, por exemplo, o mestre substitui o raciocínio pela afamada e indigesta 
“decoreba”. A verdadeira educação do ponto de vista kantiano é aquela que ensina a pensar 
(Cf. P, 450). 
Kant reconhece que o homem não está preparado para educar o homem, principalmente 
em razão de que há uma disparidade quanto ao modo de conceber a vida que reflete nos 
pilares educacionais de cada um. Disso não se segue, porém, que a ideia da educação (no 
sentido pleno a ela concedido) deva ser tomada de modo quimérico ou meramente alusivo. 
Pelo ponto de vista kantiano, “a ideia de uma educação que desenvolva todas as disposições 
naturais no homem é, com efeito, verdadeira”19 (P, 445). Tal crença se justifica em função de 
que, por um lado, a ideia é concebível e, por outro, que não haja obstáculos intransponíveis 
para a sua realização. Tal realização se aproxima ainda mais quando a educação ou pedagogia 
se constitui em um estudo, ou seja, quando há um empenho em delimitar qual o ensino que 
genuinamente promove no homem a realização de suas aptidões. Daí porque “a educação é 
uma arte cujo exercício precisa ser aperfeiçoado por várias gerações”20(P, 446). E esse 
aperfeiçoamento, acrescenta Kant, deve ser edificado não de modo a se coadunar com o 
estágio atual de desenvolvimento humano, mas segundo a acepção do que de melhor se pode 
obter das potencialidades do homem: não se deve educar pensando no hoje, mas no amanhã. 
 
Verstand hat, einen Seelsorger, der für mich die Diät beurtheilt, etc., so brauch ich mich mich ja nicht selbst 
bemühen”. 
18
 A educação, Kant diz que ela é fruto de uma ação coletiva. Assim, a educação plena e perfeita não é alcançada 
pelo indivíduo singular, mas se constitui em uma tarefa e proveito do gênero humano. Visto que é a geração 
antiga que educa a atual (e assim sucessivamente), então o retrocesso de uma geração quanto ao procedimento 
educativo reflete de maneira nociva para asgerações seguintes. 
19
 “die Idee einer Erziehung, die alle Naturanlagen im Menschen entwilkelt, ist allerdings wahrhaft”. 
20
 “Die Erziehung ist eine Kunst, deren Ausübung durch viele Generationen vervollkommnet werden muβ”. 
9 
 
 
3. O caráter moral da educação 
 
Sob o pano de fundo da concepção kantiana, o caráter moral da educação pode ser 
tratado sob duas perspectivas entre si convergentes: por um lado, o caráter moral da educação 
se justifica em vista do próprio modo a partir do qual Kant concebe o procedimento ou agir 
ético; por outro, independentemente do modo a partir do qual Kant define a conduta adequada 
à moralidade, a educação detém um viés moral na medida em que está articulada ao 
aperfeiçoamento do homem enquanto homem. 
1. No contexto da ética kantiana, a ação genuinamente moral é aquela praticada 
unicamente sob influência do dever. Dessa feita, a ação, para ser qualificada como moral, 
necessita mais do que uma concordância entre o ato e o mandamento que o explicita. Ela 
requer que a ação seja inspirada por esse mandamento, inspiração que reside na máxima 
adotada pelo agente, entendida enquanto reflexo do seu querer. Ocorre que, sob a alçada da 
moralidade, não há mérito algum em realizar um certo ato cujo objetivo não seja o seu 
cumprimento. Quer dizer, realizar uma ação atinente ao campo moral (como ajudar alguém) 
sem, contudo, tomar a expressão do dever moral como sendo o verdadeiro princípio de sua 
ação (executá-la, por exemplo, sob a motivação do amor próprio ou da ambição por honras), 
resulta em uma ação contingente do ponto de vista moral, ou seja, moralmente má. Dá-se que 
não houve por parte do agente, tal como foi adotada a sua máxima, a intenção de (por 
exemplo) ajudar alguém, mas, tão-somente de obter, mediante esse ato, a satisfação de algum 
anseio. 
Sobrevém que a ação por dever, na medida em que pede por uma subordinação das 
inclinações à lei da moralidade, requer impreterivelmente os dois passos por Kant apontados 
como constituintes da educação: a disciplina, que submeteria as inclinações ao juízo da razão, 
e a instrução, que atuaria nos termos de um cultivo da boa conduta. Assim, os pressupostos 
básicos da educação se constituem em princípios fomentadores de uma boa conduta moral. 
Não que a moralidade seja uma consequência ou produto causal da educação, mas no sentido 
de que ela pressupõe a educação como um degrau a ser galgado em direção a uma boa 
conduta. Trata-se, pois, de uma condição necessária, mas não suficiente. 
10 
 
2. Independentemente de sua ligação com os termos a partir dos quais Kant descreve a 
conduta moralmente adequada, a educação conserva o seu aspecto moral na medida em que 
ela está intimamente ligada ao aperfeiçoamento humano. Segundo Kant, “o segredo da 
perfeição da natureza humana se encontra na educação”21 (P, 444). Por perfeição, ele entende 
“a concordância da condição de uma coisa com o seu fim [Zweck]”22 (MC, 386). Conforme 
vimos inicialmente, diferentemente dos outros animais (que devido ao seu instinto realizam 
plenamente - na sua perfeição - o que eles podem ser), o homem não realiza espontaneamente 
a sua perfeição, visto que nele não se dá, de modo imediato, a concordância entre a sua 
constituição e o seu fim, do que lhe sobrevém a necessidade da educação. O fim do homem é 
a sua humanidade, definida por Kant como o que há de mais perfeito no gênero humano (Cf. 
CRP, 374). 
 
É um dever do homem progredir incessantemente desde a rudeza de sua natureza, 
desde a animalidade (quoad actum) até a humanidade, que é a única pela qual é 
capaz de se propor fins: preencher sua ignorância por instrução e retificar seus erros; 
e não só recomenda isso a razão prático-técnica para seus outros propósitos (da 
habilidade), mas a razão prático moral simplesmente ordena, e faz desse fim um 
dever seu, para que seja digno da humanidade que nele jaz
23
 (MC, 387). 
 
Aquele que não desenvolve as aptidões inerentes à humanidade falha pela inoperância. 
Conforme observa Kant, não basta que uma ação não contradiga a humanidade é preciso que 
concorde com ela
24
 (Cf. FMC, 430). Kant enuncia que é um dever do homem para com ele 
mesmo desenvolver as suas aptidões e talentos, e, dado que tal desenvolvimento carece do 
processo educativo, então a própria educação se converte em um dever. O ato de educar se 
constitui em matéria da moral tanto para si mesmo quanto para o próximo, pois, uma vez que 
está vinculado ao aperfeiçoamento da humanidade, negar-se a educar alguém significa, em 
última instância, privá-lo de realizar os ditames de sua natureza humana. 
 
21
 “denn hinter der Education steckt der groβe Geheimniβ der Vollkommenheit der menschichen Natur.” 
22
 “die Zusammenstimmung der Beschaffenheiten eines Dinges zu einem Zwecke... ” 
23
 “sich aus der Rohigkeit seiner Natur, aus der Thierheit (quoad actum), immer mehr zur Menschheit, durch dia 
er allein fähig ist sich Zwecke zu setzen, empor zu arbeiten: seine Unwissenheit durch Belehrung zu ergänzen 
und seine Irrthümer zu verbessern, und dieses ist ihm nicht blos die technisch=praktische Vernunft zu seinen 
anderweitigen Absichten (der Kunst) anräthig, sondern die moralisch=praktische gebietet es ihm schlechthin und 
macht diesen Zweck ihm zur Pflicht, um der Menschheit, die in ihm wohnt, würdig zu sein”. 
24
 Kant, aliás, menciona na Fundamentação (a propósito do indivíduo desleixado com seus dons naturais em 
nome da ociosidade e do prazer, que ele não pode querer que isso se torne lei universal da natureza ou que exista 
em nós enquanto instinto natural (Cf. FMC, 422-423). 
11 
 
um homem pode, em verdade [diz Kant], no que tange a sua pessoa e também ao 
que a ele cabe conhecer, protelar, mas somente algum tempo, o iluminismo; mas 
renunciar a isso significaria para a sua pessoa, e ainda mais para a sua descendência, 
ofender e esmagar com os pés os direitos sagrados da humanidade
25
 (RP, 39) 
 
É esse, enfim, o cerne especulativo da argumentação kantiana acerca da educação. Ao 
tratar da educação, Kant, com efeito, está falando do compromisso humano em prol da 
realização das suas aptidões e, em última instância, em prol da condição “iluminista” que o 
homem deve, senão alcançar, ao menos almejar e atuar em vista dela. Trata-se, sem dúvida, 
de uma maneira bastante peculiar de tratar o tema: o foco de Kant não se concentra tanto em 
delimitar os pressupostos de conduta do professor perante o educando, mas, sobretudo, em 
definir qual é a função do processo educacional com relação ao aperfeiçoamento humano, seja 
ele no domínio físico, político-civilizatório e ou moral. Ele se ocupa mais em descrever como 
a educação deve ser e porque precisa ser assim, do que, efetivamente, definir métodos 
educativos, porquanto o faça em um ou outro momento, mas sempre com o fito de melhor 
explicitar como a educação deve ser compreendida. 
Kant, portanto, não destitui a sua argumentação acerca da educação do diferencial 
próprio de sua pesquisa filosófica: a ideia de que cada um deve alcançar na sua própria pessoa 
e por si mesmo a realização da humanidade. O processo da educação é edificado de modo a 
não adestrar o educando, mas em proporcionar que ele próprio possa vir a ser o sujeito de sua 
própria edificação. É só nesses termos, em que é imprescindível uma doação e um empenho 
interno por parte do educando, e um esclarecimento do mestre na sua condução, que 
efetivamente a educação alcança o seu objetivo. É, sobretudo, por estar estritamente articulada 
com a realização da natureza humana mediante o desenvolvimento das potencialidades nela 
inerentes que a educação, em Kant,detém uma forte conotação moral. 
 
Referência 
 
KANT, Immanuel. Beantwortung der Frage: was ist Aufklärung? [Resposta à pergunta: o 
que é o Iluminismo?]. In: Akademie Textausgabe, Bd. VIII. 
 
 
25
 “Ein Mensch kann zwar für seine Person und auch alsdann nur auf einige Zeit in dem, was ihm zu wissen 
obliegt, die Alfklärung aufschieben; aber auf sie Verziecht zu thun, es sei für seine Person, mehr aber noch für 
die Nachkommenschaft, heiβt die heiligen Rechte der Menschheit verletzen und mit Füβen treten” . 
 
12 
 
______ . Die Metaphysik der Sitten [Metafísica dos costumes]. In: Akademie Textausgabe, 
Bd. VI. 
 
______ . Grundlegung zur Metaphysik der Sitten [Fundamentação da metafísica dos 
costumes]. In: Akademie Textausgabe, Bd. IV. 
 
______ . Kritik der reinen Vernunft [Crítica da razão pura]. In: Akademie Textausgabe, 
Bd. III.Tradução da edição B (1787) de Valerio Rohden e Udo Baldur Moosburger. In: Kant I. 
São Paulo: Abril Cultural, 1980 (Coleção os pensadores). 
 
______ . Pädagogik [Pedagogia]. In: Akademie Textausgabe, Bd. IX. 
 
______ . Lecciones de ética [Lições de ética]. Trad. de Roberto Aramayo y Concha Roldán 
Panadero. Introducción y notas de Roberto Aramayo. Barcelona: Crítica, 2002. 
BRAZ, Adelino. Droit et éthique chez Kant: l’idée d’une destination communitaire de 
l’existence. Paris : Publications de la Sorbonne, 2005. 
 
DOS SANTOS, Robinson. “Educação moral e civilização cosmopolita: atualidade da filosofia 
prática de Kant”. In: Revista Iberoamericana de Educación. n.º 41/4. EDITA: Organización 
de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia y la Cultura (OEI), 2007. pp.1-10. 
Langenscheidt. Langenscheidt Taschenwörterbuch: Portugiesisch/Deutsch, 
Deutsch/Portugiesisch. Bearbeitet von Lutz Hoepner, Ana Maria Cortes Kollert und Antje 
Weber. Berlin/München: Langenscheidt KG, 2001. 
Wahrig. Wahrig Deutsches Wörterbuch: Deutsch/Deutsch. Gütersloh/München: Bertelsmann 
Lexikon Institut, 2006.

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