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ARQUITETURA E URBANISMO – NR05 EURÍDICE CAVALCANTE DOS SANTOS RESENHA CRÍTICA SALVADOR OUTUBRO/2012 Os textos de Berernstein, Debord, Constant, Jeudy e Certau, citados por Paola em seu livro, trazem ao leitor novas teorias de análise e percepção urbana que não são possíveis ler através de mapas. Eles apresentam uma cartografia diferenciada, presencial e, arrisco-me a dizer, até sentimental e emocional. A teoria da deriva, como é denominada por Debord, é uma técnica de percepção de ambiências aleatórias. Em seu texto Debord coloca-se de forma bastante clara e ilustrada, mostrando o quanto a deriva é importante para conhecimento, não geográfico e nem morfológico do ambiente, algo que é possível saber através do estudo de mapas, mas para conhecimento social, cultural e estudo das sensações. Para ilustrar sua teoria, o autor cita uma observação de Chombart de Lauwe, em um estudo que ele realizou sobre Paris, onde ele afirma que “um bairro urbano não é determinado apenas pelos fatores geográficos e econômicos, mas pela representação que seus moradores e os de outros bairros têm dele.”. Quando um sujeito está em uma deriva, sua atenção e análise crítica devem estar mais aguçadas. A deriva diferencia-se do passeio comum nesse aspecto. Ao estar atento às transformações de espaços, mudanças de climas, de sensações, o sujeito percebe situações, ambientes e coisas que no dia a dia ele não perceberia. Durante nossas atividades diárias, muitas vezes não percebemos o que acontece ano nosso redor, no nosso espaço urbano, nem ao menos no nosso bairro, por conta da rotina criada. Ao passar todos os dias pelos mesmos lugares, com o mesmo destino, com a mesma pressa, acabamos ficando “cegos”. O entorno passa despercebido. É como entrar em um ambiente todos os dias e não perceber o detalhe do vaso de flores que sempre esteve ali. Quando uma visita chega e percebe o detalhe, tudo aquilo parece instantaneamente novo. Esse é o papel do derivante, chegar como visita no espaço urbano e observar, buscar detalhes. Essa é a arte de se perder, se permitir. O errar, enquanto experiência urbana, leva o urbanista a uma conexão mais pessoal com a cidade. A sequência citada por Paola, orientação, desorientação e reorientação, é o passo a passo para a errância. Entre o instante que o observador está consciente do seu caminho até o momento que ele se perde, há uma reverência tão grande no que ele encontra que acaba por distraí-lo diante do que virá a seguir. O porvir vai ser observado e atentado apenas no instante em que ele chegar. A partir desse ponto, de desorientação, até a reorientação, há mais mudanças no espírito do errante, que passa a buscar um caminho de volta, atentando-se a tudo o que possa reorienta-lo. Quando um urbanista se coloca à disposição para fazer uma errância, ele mergulha no que é chamado “caminhadas pela cidade”. Torna-se um voyeur, aquele que deixa de observar a cidade como dados cartográficos e analisa-a de perto. Porém, além de estar em contato direto com as ruas, pessoas e situações, ele precisa se afastar para entender o todo. Encontrar um ponto sobre o qual ele possa ter uma visão mais ampla do que acontece, dos encontros de rua e das esquinas, das tramas e do trânsito. A citação It’s hard to be down when you’re up. (É difícil estar em baixo quando você está em cima) chama atenção. As interpretações para essa frase são diversas, mas a que mais se encaixa no contexto é que, ao observar a cidade e conhece-la em uma posição onde não é possível ter contato com os outros habitantes, suas rotinas e estilos de vida, é praticamente impossível ter um conhecimento sobre. Todos esses estudos pessoais e sentimentais do espaço urbano é uma chave para a projeção do urbanismo adequado. Em seu texto sobre o jogo do porvir, Constant coloca uma situação atual e comum: o desenvolvimento urbano está tão grande e acontecendo tão rapidamente que são tomadas soluções – talvez – funcionais, mas que não se encaixam no contexto do entorno no qual foi inserido. Isso acontece porque, ao analisar o terreno de implantação de, por exemplo, uma praça, muitas vezes o urbanista analisa apenas mapas e dados e esquece-se das sensações, das impressões, da identidade do bairro. Esta só pode ser conhecida a partir da deriva. A falta desse contato com o ambiente e o entorno, faz com que o projeto torne-se pobre, no sentido cultural, e pouco lúdico. Uma praça não pode ser apenas funcional. O que atrai o público, os moradores da circunvizinhança, é a identidade pessoal da praça. Quanto mais ela tem a ver com o dia a dia daqueles moradores, com seus costumes e padrões, associando esses aspectos à criatividade do urbanista, mais ela vai atrai-los para si. Uma praça bem projetada é bem frequentada, bem mantida e constrói uma história. A importância desses textos é nos alertar e nos motivar a encarar os estudos sobre a cidade de uma forma mais pessoal, enriquecendo nossas análises para além dos mapas. Construir conhecimento em cima de uma experiência vivida e - eu insisto neste ponto - sentida é mais relevante para um projeto do que se pensa. REFERÊNCIAS CERTAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Editora Vozes, 1998. DEBORD, Guy-Ernest. Teoria da Deriva. In: JAQUES, Berenstein Paola. Apologia da Deriva: escritos situacionistas sobre a cidade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003. JAQUES, Berenstein Paola. Elogio aos errantes: a arte de se perder nas cidades. In: JAQUES, Berenstein Paola. JEUDY, Pierre Henry [org]. Corpos e Cenários Urbanos. Territórios Urbanos e Políticas Culturais. Salvador: EDUFBA, 2006.
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