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Utilitarismo de Thomas Hobbes, C. Beccaria, G. Bentham e S. Mills. Analisar as convergência e diferenças.

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SOCIOLOGIA DO DIREITO
1 – Quais elementos podem ser considerados comuns entre as obras analisadas de Thomas Hobbes, Cesari Beccaria, G. Bentham e Stuart Mills e que as tornam passíveis de ser entendidas sob o rótulo de “utilitaristas”?
R. Não obstante as diferenças de datas, locais e abordagens filosóficas, as obras de Hobbes, Beccaria, Bentham e Mills têm pontos em comuns que permitem agrupá-los sob o rótulo de utilitaristas, e que os distingue dos pensadores medievais que fundamentavam o Direito e a legislação em uma retórica de ordem moral e transcendental. 
Hobbes, Beccaria, Bentham e Mills conceberam concepções do Direito fundamentados no aspecto peculiar da natureza humana e embasaram seus argumentos na premissa de que, como seres racionais, os indivíduos, em suas relações com os outros, tendem sempre a agirem orientados pelo “cálculo”, em termos de perdas e ganhos, vantagens e desvantagens, ou seja, evitando sempre o infortúnio e a dor, o desconforto e o dano para sua pessoa e buscando sempre o melhor para si, ou seja, os indivíduos tendem sempre a agir orientados pelo princípio da utilidade. Segundo o principio do utilitarismo concebido por Bentham, a utilidade de cada objeto é definida por sua capacidade de produzir prazer ou felicidade, e de evitar a dor e o infortúnio. 
Hobbes, Beccaria, Bentham e Mlls fundamentaram suas teorias do Direito a partir da compreensão de que os homens têm uma natureza racional, de modo que a legislação também deve expressar essa racionalidade. 
Hobbes era favorável à monarquia absolutista, ao contrário do demais, que eram liberais. Hobbes e Beccaria eram formalistas, apegados à interpretação literal da lei, ao contrário de Bentham e Mills, que defendiam a capacidade de interpretação da lei por parte do juiz, na hora de aplicar a pena. 
Esses autores também têm em comum o fato de serem contratualistas, ou seja, defendem a existência de um “contrato social” por meio do qual cada um dos indivíduos, e todos os indivíduos simultaneamente, devem abrir mão de certos direitos e de uma parcela de sua liberdade, delegando poderes para um Estado ou uma autoridade, em benefício da ordem social e da paz social.
Esses autores defendem ainda que somente o governo, ou em nome dele, a autoridade pública, têm legitimidade para punir os crimes. 
	
2 – Quais as diferenças e nuances de pensamento entre elas?
R. Apesar de terem pontos em comuns, conforme foi tratado linhas acima, Hobbes, Beccaria, Bentham e Mlls possuem nuances próprias em suas teorias do Direto.
Thomas Hobbes, escrevendo por volta de 1651, abordou a questão do Direito e da legislação no âmbito de sua teoria do Estado absolutista, na obra O Leviatã. Apesar do advento da filosofia utilitarista ser posterior à sua obra (somente no século XIX, com Bentham), encontra-se, nele, já, ideias embrionárias do princípio utilitarista. Constata-se nas ideias de Hobbes o advento do racionalismo e a superação do Direito medieval baseada no discurso moral e punitivo. 
Hobbes parte do pressuposto de que os homens são dotados de razão, movidos pelas paixões e pelo medo, e que, em estado de natureza, tendem a dar curso às suas paixões, o que leva a uma “guerra de todos contra todos”. Como são racionais, essa racionalidade os leva ao cálculo, em termos de escolher o que é conveniente para si e o que não é. 
Como é monarquista, e vive em um momento de disputa entre o parlamento e a monarquia, na Inglaterra, Hobbes defende um “contrato social” por meio do qual cada um e todos os indivíduos devem abrir mão de alguns direitos e delegar poderes ao Estado, personificado na pessoa de um soberano, a que cabe exercer a justiça com legitimidade, por estar acima de todos os interesses. Como a autoridade do soberano resulta do consentimento dos súditos, somente ele tem legitimidade para exercer a justiça. Assim, esse “poder superior” impõe a todos o respeito mútuo e a paz social. Na concepção de direito hobbesiana somente o Estado tem “o direito e a autoridade” de punir. Para Hobbes, a pena é, antes de tudo, um dano infligido pelo Estado e deve ter o fim de predispor os homens a obedecerem à lei. Hobbes é um formalista, apegado à aplicação literal da lei, de modo que não se encontra em sua obra os princípios de ponderação que vão aparecer em Bentham e Mills. Contudo, Hobbes avança em ponderações refinadas como os sucessores, para ele “justo é o que está de acordo com a lei, e injusto é o que está em desacordo com a lei” (importa citar este axioma para diferenciar das ideias de Bentham, para que “justo é aquilo que proporciona maior felicidade para o maior número de pessoas possível, e injusto é aquilo que tende ao contrário”, e do pensamento de Mills, situado no outro extremo do pensamento utilitarista, para quem a ideia de justo está subjetivada e sujeita a uma série de considerações”.
Cesari Beccaria é também considerado um pensador utilitarista e escreveu na Itália por volta de 1760. Baseia-se na máxima utilitarista que defende “ o máximo de prazer para o maior número de pessoas possível”. Sua obra , Dos delitos e das penas, reflete os avanços do pensamento liberal e o espírito do Iluminismo ao defender a moderação das penas, o fim dos suplícios, o fim das mortes na fogueira pela Inquisição e criticar o sistema penal vigente. Sua obra é muito mais completa e especializada do que a de Hobbes. Nesse sentido ele inova ao condenar os vícios de processo que não atendem ao princípio de justiça, ao defender um sistema de proporcionalidade, em que a punição não pode ser maior, nem menor, que o benefício obtido com a ação delituosa. Beccaria também defende que não pode haver crime se não houver lei anterior que o tipifique. 
Beccaria inovou, em relação a Hobbes, ao levar em conta os direitos do indivíduo e ao criticar a influência do despotismo na criação das leis e aplicação das penas. Diferentemente de Bentham e Mills, Beccaria era um formalista e defendia que o juiz deveria apegar-se literalmente à letra da lei na aplicação da pena, pois “as leis são claras e precisas, e deve o juiz limitar-se à constatação do fato”. Beccaria também inovou ao demonstrar preocupação com a integridade e retidão do processo criminal, pregando o fim das acusações secretas, a tortura e as provas de fogo.
Beccaria defende a presunção de inocência até o fim do devido processo legal. Por outro lado, defende que a pena deve ter um objetivo didático, impor terror aos demais, para que não venham a cometer o mesmo delito – “prevenir o crime”. Todavia, o que se constata na teoria de Beccaria é um desejo de abrandamento das penas e a defesa de formas menos punitivas de penas, como o confisco e o banimento,, para algumas modalidades de crimes. 
Por fim, na minha opinião, o ápice da teoria de Cesari Beccaria, a grande inovação que o coloca como legítimo produto das ideias iluministas, é o fato de ele condenar a pena de morte. 
Geremy Bentham nasceu na Inglaterra em 1748 e suas ideias tiveram repercussão na virada do século XVIII para o XIX, quando fazia parte de um grupo de filósofos ingleses denominados radicais filosóficos ou utilitaristas, sendo considerado “o último dos iluministas” e o “pai” da filosofia moral denominada Utilitarismo. O ideal Utilitarista propunha-se a “construir o edifício da felicidade através da razão e da lei”. 
Suas ideias, expressadas na obra Introdução aos princípios da moral e da legislação, são baseadas no princípio utilitarista, já presente em Beccaria, de que a legislação deve se esforçar para oferecer o melhor para o maior número de pessoas possível. 
O prazer e a dor são dois elementos importantes na concepção de Bentham e servem de ponto de partida para o estudo da ciência do direito que ele realiza, fundamentando a noção de cálculo dos prazeres.
Nesse sentido, em sua ciência do direito, Bentham sofisticou e avançou as ideias concebidas por Beccaria, inovando ao esmiuçar e desvendar os aspectos motivacionais que orientam as ações humanas, e fundamentando o que ele chamou cálculo dos prazeres; esse “cálculo” adquire sentido
no pressuposto segundo o qual “a felicidade consiste em desfrutar prazeres e estar isento de dores” de modo que servem de parâmetros para os indivíduos orientarem as suas ações; em consequência disso, percebemos em Bentham, tanto uma abordagem do caráter motivacional do crime, quanto uma análise dos aspectos circunstanciais que concorreram para o crime, a serem levados em consideração pelo juiz na hora da aplicação da pena. Eesses aspectos motivacionais teriam relação dom as disposições que teriam levado o indivíduo a cometer o crime. Liberal, Bentham defendia que o cidadão deveria obedecer ao estado na medida em que essa obediência contribui mais para a felicidade geral do que a desobediência. Desse modo, Bentham ancorou a sua teoria do direito em um princípio um concreto, de ordem prática, de utilidade – a felicidade geral. 
Em conformidade com esse cálculo dos prazeres, Bentham entende que “a missão dos governantes consiste em promover a felicidade da sociedade, punindo e recompensando”, sendo que a punição dos crimes por meio da pena é uma atividade afeta ao Estado através do direito penal. Todavia, a punição deve atender necessariamente a princípios de utilidade. Para tanto o juiz deve realizar um estudo apurado das disposições humanas que motivaram a prática do crime.
Ponto chave de sua concepção no campo do direito penal, o estudo das disposições humanas tem importância capital na ciência do direito concebida por Bentham, e a diferencia das teses dos pensadores utilitaristas que lhe antecederam. Para chegar a essa abordagem motivacional do crime Bentham tece uma série de consideração acera das disposições humanas em geral. Assim, ao julgar um crime o juiz deve levar em conta vários elementos, como o próprio ato em si, as circunstâncias em que o ato foi praticado, a intencionalidade ou não na prática do ato, a consciência ou inconsciência que acompanharam o ato, etc. nesse sentido, pode-se dizer que Bentham abandonou o formalismo dos seus antecessores. 
Por fim, cabe destacar que, para Bentham, o objetivo da pena deve atender ao princípio de proporcionar maior felicidade para a coletividade e coibir atos perniciosos à felicidade geral, devendo-se aplicá-la apenas quando dela derivar algum benefício para a coletividade. Bentham inova também ao defender o princípio da prevenção do crime como uma forma de evitar dano à felicidade da coletividade. Nesse sentido, o cálculo racional de Bentham visa proporcionar o bem comum através da minimização do, sofrimento e da dor, de modo a proporcionar o máximo de felicidade possível. 
Stuart Mills desenvolveu sua concepção em meados do século XIX, na Inglaterra, tendo inicialmente recebido influência Bentham, mas avançou em relação a este e desenvolveu uma perspectiva do Utilitarismo que chegou a ser acusada de ser uma doutrina hedonista. Sua obra, Utilitarismo, tornou-se uma referência para essa corrente filosófica. Mills também tornou-se influente pela defesa exacerbada do liberalismo. 
No campo do direito, Mills levou ao paroxismo o seu Liberalismo e o seu Utilitarismo ao defender que “as ações estão certas na medida em que tendem a promover a felicidade, e estão erradas na medida em tendem a produzir o reverso da felicidade”; nesse sentido, para Mills o “certo é aquilo que aquilo que tende a produzir o máximo de bem estar e o errado é aquilo que tende ao contrário”. Essa perspectiva, porém, encontrou certas objeções de ordem moral e foi interpretada, na época, como um obstáculo que incompatibilizava o Utilitarismo com o princípio de Justiça, já que para Mills, “a realização de certas injustiças pode maximizar a felicidade geral”; a que Mills tentou dissuadir no capítulo sete de sua obra, A objecção da Justiça. 
Em sua conexão entre utilitarismo e direito, Mills tece um roteiro argumentativo inédito em torno da noção do justo e do injusto, do certo e do errado, subjetivando o conceito; e vai além dos seus antecessores ao defender determinadas exceções ao padrão de Justiça que, em consequência, admite, implica e confere um “papel social” a justiça. A própria ideia de igualdade e imparcialidade está sujeita, por Mills, a considerações de ordem circunstanciais e ele observa que até mesmo a ideia do certo e errado, de justo e de injusto, se modificou ao longo do tempo. Nesse sentido cabe destacar que na concepção de Mills inexiste qualquer ideia de formalismo, já que o seu conceito de justiça admite certas violações das leis e regras, na eventualidade de atenderem a imperativos de utilidade, pois, “todas as pessoas têm direito a um tratamento igual, exceto quando uma conveniência social reconhecida exige o inverso”. Em Mills lei e justiça estão relacionados a princípios substantivos de justiça e moralidade, o que permite excepcionalidades. Mills admite a suma importância dos preceitos de justiça, para ele “um nome para certas exigências morais que, consideradas coletivamente, ocupam um lugar mais elevado na escala da Utilidade... ainda que possam ocorrer casos particulares em que outro dever social é tão importante que passa por cima das máximas gerais da Justiça”.
Em virtude do que foi exposto, pode-se dizer que as concepções de Mills estão em correspondência com o Direito Responsivo que legitimam políticas de quotas e ações afirmativas em países como os Estados Unidos e no Brasil. 
Em suma, convém destacar que ao longo da presente exposição pôde-se constatar uma manifesta evolução no pensamento utilitarista com relação ao direito, desde as concepções de Thomas Hobbes, cujas ideias contêm proposições consideradas embrionárias do pensamento utilitaristas, passando por Cesari Beccaria e Jeremy Bentham, ambos situados no ambiente cultural do Iluminismo, até, finalmente, abordar as ideias de Stuart Mills, um pensador liberal do século XIX. Observa-se, também, que cada um vai trazendo algo de novo, condizente com a sua época e ambiente cultural. vale acrescentar, por fim, que simultaneamente a essa “evolução” aconteceu, na Europa, um contínuo abrandamento do Direito Penal, com o abandono da tortura, da mutilação, das penas infamantes e da forca, tudo isso concomitantemente a um refinamento geral dos costumes.

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