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Pluralismo Juridico - Novo Paradigma de Legitimacao

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Acessado em junho/2011. 
 
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PLURALISMO JURÍD ICO : NOVO 
PARADIGMA DE LEGIT IMAÇÃO 
Antonio Carlos Wolkmer∗ 
(Publicado em: 30/9/2005) 
 
Sumário: Introdução. 1. Crise do Direito e Novos Paradigmas. 2. Problematização da Teoria 
Crítica. 3. O Pluralismo como Novo Modelo de Referência. 4. Pluralismo Jurídico: legitimidade 
a partir de Sujeitos Emergentes e de suas Necessidades. 
 
INTRODUÇÃO 
 
O artigo em questão compreenderá algumas reflexões teóricas acerca da crise da 
cultura jurídica tradicional e das possibilidades de se redefinir uma proposta mais democrática 
do Direito. Por conseqüência, os marcos teóricos desta incursão, por incidirem na especificidade 
da Sociologia e da Filosofia do Direito, escapam de um exame mais tecno-formalista, quer ao 
nível do Direito Privado oficial, quer ao do Direito Público dogmático. 
A hipótese nuclear da proposta é a de que a ineficácia do modelo de legalidade 
liberal-individualista favorece, na atualidade, toda uma ampla discussão para se repensar os 
fundamentos, o objeto e as fontes de produção jurídica. Ademais, a condição primeira para a 
materialidade efetiva de um processo de mudança, em sociedades emergentes, instáveis e 
conflituosas implica, necessariamente, a reorganização democrática da sociedade civil, a 
transformação do Estado Nacional e a redefinição de uma ordem normativa identificada com as 
carências e as necessidades cotidianas de novos sujeitos coletivos. Para além das formas 
jurídicas, positivas e dogmaticamente instituídas, herdadas do processo de colonização, torna-se 
imperioso reconhecer a existência de outras manifestações normativas informais, não derivadas 
dos canais estatais, mas emergentes de lutas, conflitos e das flutuações de um processo 
histórico-social participativo em constante reafirmação. 
Sendo assim, delimitar-se-á a presente exposição em quatro momentos: 1. Crise 
do Direito e Novos Paradigmas. 2. Problematização da Teoria Crítica. 3. Pluralismo como novo 
 
∗ Professor Titular de “História do Direito” dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da 
UFSC. Doutor em Direito. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (RJ). Pesquisador do CNPq. 
Autor de diversos livros, dentre os quais: Ideologia, Estado e Direito. 2. ed. SP: RT, 1995; Pluralismo 
Jurídico - Fundamentos de uma Nova Cultura no Direito. 2. ed. SP: Alfa-Omega, 1997; História do 
Direito no Brasil. RJ: Forense, 1998; Direito e Justiça na América Indígena: Da Conquista a Colonização. 
Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 1998. 
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modelo de Referência. 4. Pluralismo Jurídico: legitimidade a partir de Sujeitos Emergentes e 
suas Necessidades . 
 
1. CRISE DO DIREITO E NOVOS PARADIGMAS 
 
Assinala-se que a crise que se abate sobre o arcabouço jurídico tradicional está 
perfeitamente em sintonia com o esgotamento e as mudanças que atravessam os modelos 
vigentes nas ciências humanas. Adverte-se que as verdades metafísicas e racionais que 
sustentaram durante séculos as formas de saber e de racionalidade dominantes, não mais 
mediatizam as inquietações e as necessidades do presente estágio da modernidade liberal-
burguês-capitalista. Os modelos culturais, normativos e instrumentais que justificaram o mundo 
da vida, a organização social e os critérios de cientificidade tornaram-se insatisfeitos e 
limitados, abrindo espaço para se repensar padrões alternativos de referência e legitimação. Isso 
transposto para o jurídico nos permite consignar que a estrutura normativista do moderno 
Direito positivo estatal é ineficaz e não atende mais ao universo complexo e dinâmico das atuais 
sociedades de massa que passam por novas formas de produção de capital, por profundas 
contradições sociais e por instabilidades que refletem crises de legitimidade e crises na 
produção e aplicação da justiça.1 
Daí a obrigatoriedade de se propor a discussão sobre a “crise dos paradigmas”, 
delimitando o espaço de entendimento da crise na esfera específica do fenômeno jurídico. A 
crise portanto, no âmbito do Direito, significa o esgotamento e a contradição do paradigma 
teórico-prático liberal-individualista que não consegue mais dar respostas aos novos problemas 
emergentes, favorecendo, com isso, formas diferenciadas que ainda carecem de um 
conhecimento adequado. 
As atuais exigências ético-políticas das estruturas sócio-econômicas do 
capitalismo periférico (caso de países como o Brasil) coloca a obrigatoriedade da busca de 
novos padrões normativos, que possam melhor solucionar as recentes necessidades, 
aproximando-se das práticas sociais cotidianas. 
A construção de um novo paradigma de regulamentação que venha priorizar 
mais diretamente as prioridades da sociedade envolve a articulação de um projeto pedagógico 
desmistificador, emancipatório e popular. Tal processo pedagógico que se consubstancializa 
numa teoria, pensamento ou discurso crítico tem a função estratégica de preparar, em nível 
prático, os horizontes de um acesso mais democrático à justiça. Chega-se, assim, a alguns 
elementos caracterizadores da “teoria crítica” do Direito, enquanto instrumental de “transição” 
para uma juridicidade pluralista e emancipadora. 
 
1 Cf. WOLKMER, Antonio C. “Pluralismo Jurídico, Movimentos Sociales e Prácticas Alternativas”. In: 
El Otro Derecho. Bogotá: Ilsa, nº 7, enero de 1991. p. 32. 
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2. PROBLEMATIZAÇÃO DA TEORIA CRÍTICA 
 
Os primórdios de uma Teoria Crítica2 encontram toda sua fundamentação na 
tradição idealista que remonta ao criticismo kantiano, passando pela dialética hegeliana, pelo 
materialismo histórico marxista e pelo subjetivismo psicanalítico freudiano. 
A teoria crítica, enquanto instrumental operante, expressa a idéia de razão 
vinculada ao processo histórico-social e à superação de uma realidade em constante 
transformação. De fato, a Teoria Crítica surge como uma teoria dinâmica, superando os limites 
naturais das teorias tradicionais, pois não se atém apenas a descrever o que está estabelecido ou 
a contemplar eqüidistantemente os fenômenos sociais e reais. Seus pressupostos de 
racionalidade são “críticos” na medida em que articulam, dialeticamente, a “teoria” com a 
“práxis”, o pensamento crítico revolucionário com a ação estratégica. 
A intenção da Teoria Crítica consiste em definir um projeto que possibilite a 
mudança da sociedade em função de um novo tipo de “sujeito histórico”. Trata-se da 
emancipação do homem de sua condição de alienado, de sua reconciliação com a natureza não-
repressora e com o processo histórico por ele moldado. A Teoria Crítica tem o mérito de 
demonstrar até que ponto os indivíduos estão coisificados e moldados pelos determinismos 
históricos, mas que nem sempre estão cientes das inculcações hegemônicas e das falácias 
ilusórias do mundo oficial. A Teoria Crítica provoca a autoconsciência dos atores sociais que 
estão em desvantagem e que sofrem as injustiças por parte dos setores dominantes, dos grupos 
ou das elites privilegiadas. Neste sentido, ideologicamente a Teoria Crítica tem uma 
formalização positiva na medida em que se torna processo adequado ao esclarecimento e à 
emancipação, indo ao encontro dos anseios, dos interesses e das necessidades dos realmente 
oprimidos. 
Ainda que se admita ser fonte de ambigüidades, a categoria “crítica” aplicada ao 
Direito pode ser compreendida no sentidode não só despertar e emancipar um sujeito histórico, 
submerso numa normatividade sistêmica, mas também discutir e redefinir o processo de 
constituição de uma legalidade dominante injusta e opressora. Na verdade, a “teoria crítica” 
aplicado ao Direito pretende repensar, questionar e romper com a dogmática lógico-formal 
imperante em uma época ou em um determinado momento da cultura jurídica de um país, 
propiciando as condições para o amplo processo pedagógico de “esclarecimento”, 
“autoconsciência” e “emancipação”. A Teoria Crítica do Direito não só analisa as condições do 
 
2 Para maior aprofundamento da temática, observar: WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao 
Pensamento Jurídico Crítico. 2 ed. São Paulo: Acadêmica, 1995. pp. 13-24. 
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dogmatismo técnico-formal e a pretensão de cientificidade do Direito vigente, como, sobretudo, 
propõe novos métodos de ensino e de pesquisa que conduzem à desmistificação e à tomada de 
consciência dos operadores jurídicos. 
A instância ocupada pelas concepções da “crítica jurídica” não se reveste do que 
se poderia chamar de “novo Direito”, mesmo assim, esta acaba se legitimando como um 
caminho viável para chegar a um “novo modo de produção jurídica”, ou seja, criam-se as reais 
condições da passagem do paradigma legal convencional para a eficácia de uma “juridicidade 
emancipadora”. Esta “juridicidade emancipadora” envolve, presentemente, a percepção de um 
certo tipo específico de pluralismo jurídico que contemple a ação histórica de sujeitos coletivos 
emergentes (movimentos sociais em geral: campesinos, indígenas, negros, mulheres, etc.) e de 
suas necessidades. 
 
3. PLURALISMO COMO NOVO MODELO DE REFERÊNCIA 
 
A presente retomada do pluralismo como um projeto diferenciado3, refere-se, de 
um lado, à superação das modalidades tradicionais de pluralismo identificado com a democracia 
liberal ou com o corporativismo societário, de outro, à edificação de um projeto-jurídico 
resultante do processo de práticas sociais insurgentes, motivada para a satisfação justa de 
necessidades essenciais. 
Torna-se prioritário, para isso, distinguir o pluralismo como projeto 
democrático de emancipação de sociedades emergentes, de uma outra prática de pluralismo que 
está sendo apresentada como a nova saída para os intentos de “neocolonialismo” ou do 
“neoliberalismo” dos países de capitalismo central exportado para a periferia. Ora, este tipo 
conservador de pluralismo vinculado a projetos da “pós-modernidade” e da “desregulação 
global da vida” é mais um embuste para escamotear a concentração violenta do capital no 
“centro”, excluindo em definitivo a “periferia”. 
Naturalmente, a este pluralismo conservador se contrapõe radicalmente o 
pluralismo progressista de teor “democrático-popular” aqui proposto. A diferença entre o 
primeiro e o segundo está, fundamentalmente, no fato de que o pluralismo conservador 
inviabiliza a organização das massas e mascara a verdadeira participação, isto é, ele oferece 
falsos espaços alternativos, enquanto que o pluralismo progressista como estratégia mais 
democrática de integração procura promover e estimular a participação múltipla dos segmentos 
populares e dos novos sujeitos coletivos. 
 
3 Ver, também: WOLKMER, Antonio C. “Direito Comunitário Alternativo - Elementos para um 
Ordenamento Teórico-Prático”. In: Arruda Jr. E.L. (Org.). Lições de Direito Alternativo 2. São Paulo: 
Acadêmica, 1992. pp. 139-144. 
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De igual modo, pode-se diferenciar o antigo pluralismo (de matriz liberal) 
daquele afinado com as novas exigências históricas. 
Enquanto o pluralismo liberal era atomístico, consagrando uma estrutura 
privada de indivíduos isolados, mobilizados para alcançar seus intentos econômicos exclusivos, 
o novo pluralismo caracteriza-se por ser integrador, pois une indivíduos, sujeitos coletivos e 
grupos organizados em torno de necessidades comuns. Trata-se, como lembra Carlos Nelson 
Coutinho, da criação de um pluralismo de “sujeitos coletivos”, fundado num novo desafio: 
construir uma nova hegemonia que contemple o equilíbrio entre “predomínio da vontade geral 
(...) sem negar o pluralismo dos interesses particulares”. Ademais, a hegemonia do “pluralismo 
de sujeitos coletivos”, sedimentada nas bases de um largo processo de democratização, 
descentralização e participação, deve também resgatar alguns dos princípios da cultura política 
ocidental, como: o direito das minorias, o direito à diferença, à autonomia e à tolerância.4 
A percepção deste novo pluralismo - no âmbito da produção das normas e da 
resolução dos conflitos - passa, obrigatoriamente, pela redefinição das relações entre o poder de 
regulamentação do Estado e o esforço desafiador de auto-regulação dos movimentos sociais, 
grupos populares e associações profissionais. Tal pluralismo contempla também uma ampla 
gama de manifestações de normatividade paralela, institucionalizadas ou não, de cunho 
legislativo ou jurisdicional, “dentro” e “fora” do sistema estatal positivo. Tendo presente uma 
longa tradição ético-cultural introjetada e sedimentada no inconsciente da coletividade e das 
instituições latino-americanas, é praticamente impossível projetar uma cultura jurídica com a 
ausência total e absoluta do Estado. Neste sentido, o pluralismo, enquanto novo referencial do 
político e do jurídico, necessita contemplar a questão do Estado nacional, suas transformações e 
desdobramentos frente aos processos de globalização, principalmente de um Estado agora 
limitado pelo poder da sociedade civil e pressionado não só a reconhecer novos direitos, mas, 
sobretudo, diante da avalanche do “neoliberalismo”, de ter que garantir os direitos conquistados 
pelos cidadãos. 
Por outro lado, há de se sublinhar a especificidade do pluralismo como projeção 
de um paradigma interdisciplinar do político e do jurídico. Com efeito, a compreensão mais 
abrangente e atualizada do pluralismo como um “sistema de decisão complexa” envolve hoje, 
no dizer de André-Jean Arnaud, um “cruzamento interdisciplinar” entre a normatividade 
(Direito) e o poder social (Sociedade), considerando obviamente a interação do “jurídico” com 
outros campos do conhecimento. Uma perspectiva crítico-interdisciplinar revela que a inter-
relação fragmentada do legal não mais é vista como caótica e que é perfeitamente possível viver 
num mundo de juridicidade policêntrica.5 
 
4 Cf. COUTINHO, Carlos Nelson. Notas sobre Pluralismo. Texto inédito, out.1990. pp. 2-3. 
5 Cf. ARNAUD, André-Jean. O Direito traído pela filosofia. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1991. pp. 219-
239. 
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A proposta do pluralismo jurídico de teor comunitário-participativo para 
espaços institucionais periféricos passa, fundamentalmente, pela legitimidade instaurada por 
novos atores sociais e pela justa satisfação de suas necessidades. 
 
 
4. PLURALISMO JURÍDICO: LEGITIMIDADE A PARTIR DE 
SUJEITOS EMERGENTES E DE SUAS NECESSIDADES 
 
É preciso realçar o processo de formação da normatividade em função das 
contradições, interesses e necessidades de sujeitos sociais emergentes. Este direcionamento 
ressalta a relevância de se buscar formas plurais de fundamentação para a instância da 
juridicidade, contemplando uma construção comunitária participativa solidificada na realizaçãoexistencial, material e cultural dos atores sociais. Trata-se, principalmente, daqueles sujeitos 
históricos que, na prática cotidiana de uma cultura político-institucional e um modelo sócio-
econômico particular, são atingidos na sua dignidade pelo efeito perverso e injusto das 
condições de vida impostas pelo alijamento do processo de participação social e pela repressão 
da satisfação das mínimas necessidades. Na singularidade da crise que atravessa o imaginário 
jurídico-político e que degenera as relações da vida cotidiana, a resposta para transcender a 
exclusão e as privações provêm da força contingente de sujeitos coletivos populares que, pela 
consciência de seus reais interesses, são capazes de criar e instituir novos direitos. Assim, as 
contradições de vida experimentadas pelos diversos movimentos sociais, basicamente aquelas 
condições negadoras da satisfação das necessidades identificadas com a sobrevivência e a 
subsistência, acabam produzindo reivindicações que exigem e afirmam direitos. Os direitos 
objetivados pelos sujeitos coletivos expressam a intermediação entre necessidades, conflitos e 
demandas. 
Importa aclarar que a estrutura do que se chama “necessidades humanas 
fundamentais”6 não se reduz meramente às necessidades sociais ou materiais, mas compreende 
necessidades existenciais (de vida), materiais (subsistência) e culturais. Ora, na real atribuição 
do que possa significar “necessidade”, “carência” e “reivindicação”, há uma propensão natural, 
quando se examina o desenvolvimento capitalista das sociedades latino-americanas, de se 
enfatizar uma leitura “economicista” dessas categorias, ou seja, priorizar-se as necessidades 
essenciais como resultantes do sistema de produção. Entretanto, ainda que se venha inserir 
grande parte da discussão das “necessidades” ou “carências” nas condições de qualidade, bem-
estar e materialidade social de vida, não se pode desconsiderar as variáveis culturais, políticas, 
filosóficas, religiosas e biológicas. A dinâmica das necessidades e das carências que permeia o 
 
6 Examinar, neste aspecto: HELLER, Agnes. Teoría de las necessidades en Marx. Barcelona: Península, 
1985. 
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indivíduo e a coletividade refere-se, tanto a um processo de subjetividade, modos de vida, 
desejos e valores, quanto a constante “ausência” ou “vazio” de algo almejado e nem sempre 
realizável.7 Por serem inesgotáveis e ilimitadas no tempo e no espaço, as necessidades humanas 
estão em permanente redefinição e recriação. Entende-se, assim, a razão de novas motivações, 
interesses e situações históricas impulsionarem o surgimento de novas necessidades. 
Ao contrário das condições sociais, materiais e culturais reinantes nos países 
centrais do Primeiro Mundo, nas sociedades latino-americanas, as demandas e as lutas históricas 
têm como objetivo a implementação de direitos em função das necessidades de sobrevivência e 
subsistência da vida. Por isso, em tais sociedades, marcadas por um cenário de dominação 
política, espoliação econômica e desigualdades sociais, nada mais natural que configurar a 
pluralidade permanente de conflitos, contradições e demandas por direitos. Direitos calcados em 
necessárias prerrogativas de liberdade e segurança (tradição de governos autoritários, violência 
urbana, criminalidade, acesso à justiça, etc.), de participação política e democratização da vida 
comunitária (restrições burocráticas, poder econômico dirigente e o papel da mídia na condução 
dos processos eleitoral-participativos) e, finalmente, de direitos básicos de subsistência e de 
melhoria de qualidade de vida. 
Neste espaço de sociedades divididas em estratos sociais com interesses 
profundamente antagônicos, instituições político-jurídicas precárias, emperradas no formalismo 
burocrático e movidas historicamente por avanços e recuos na conquista de direitos, nada mais 
significativo do que constatar que o pluralismo dessas manifestações por “novos” direitos é uma 
exigência contínua da própria coletividade frente às novas condições de vida e às crescentes 
prioridades impostas socialmente. 
Tais direitos afirmam-se, sobretudo, como direitos materiais e sociais. Isso se 
deve à percepção de que os oprimidos, pobres e marginalizados socialmente “... encontram-se às 
voltas com problemas básicos de sobrevivência: desde a dificuldade de encontrar emprego, a 
exploração no trabalho, os baixos salários, a carestia, até a conservação da saúde, (...)”.8 Trata-
se de direitos relacionados às “necessidades sem as quais não é possível ‘viver como gente’: 
trabalho, remuneração suficiente, alimentação, roupa, saúde, condições infra-estruturais (água, 
luz, etc.), educação, lazer, repouso, férias, etc.”9. Essa especificidade explica a razão de a 
maioria das ações coletivas se organizarem e se mobilizarem para a implementação de “novos” 
 
7 Cf. NUNES, Edison. Carências urbanas, reivindicações sociais e valores democráticos. Lua Nova. São 
Paulo, nº 17, jun. 1989. p. 68; FALEIROS, Vicente de Paulo. A Política social do Estado Capitalista. 4ª 
ed. São Paulo: Cortez, 1985. pp. 23-35; JACQUES, Manuel. Una concepción metodológica del uso 
alternativo del derecho. El Otro Derecho. Bogotá, Ilsa, nº 1, ago. 1988. p. 24. 
8 LESBAUPIN, Ivo. As classes populares e os direitos humanos. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 164. 
9 Idem, ibidem. 
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direitos, pois, quase sempre, estão em busca de “necessidades não atendidas, com seus direitos 
desrespeitados, excluída, de fato, a cidadania”.10 
Ainda que os chamados direitos “novos” nem sempre sejam inteiramente 
“novos”, na verdade, por vezes, o “novo” é o modo de obtenção de direitos que não passam 
mais pelas vias tradicionais - legislativa e judicial -, mas provêm de um processo de lutas e 
conquistas das identidades coletivas para o reconhecimento pelo Estado. Assim, a designação de 
novos direitos refere-se à afirmação e materialização de necessidades individuais (pessoais) ou 
coletivas (sociais) que emergem informalmente em toda e qualquer organização social, não 
estando necessariamente previstas ou contidas na legislação estatal positiva. 
O lastro de abrangência dos “novos”direitos, legitimados pela consensualidade 
de forças populares emergentes, não está obrigatoriamente estabelecido ou sancionado por 
procedimentos técnico-formais, porquanto diz respeito a direitos concebidos pelas condições de 
vida e exigências de um devir, direitos que “só se efetivam, se conquistados”.11 
Assim, pois, trata-se de configurar uma nova ordenação político-jurídica 
pluralista, duradouramente redefinida na minimização das insatisfações e na plena vivência de 
“direitos comunitários”. Direitos comunitários que se impõem como exigências de uma vida que 
vai dialeticamente se constituindo. Afinal, neste processo de afirmação de “novos direitos”, 
fundados na legitimidade de ação dos novos sujeitos coletivos, a inscrição plural e cotidiana do 
“jurídico” alcança uma humanização mais integral e democrática. 
A imprevisibilidade, a autenticidade e a autonomia que transgride e escapa do 
“instituído” deve ser redimensionada num pluralismo comunitário-participativo, cuja fonte de 
direito é o próprio homem projetado em nível de ações coletivas, internalizadoras da 
historicidade concreta e da liberdade emancipada. Enfim, a formação de sujeitos coletivos e a 
ampliação de focos de poder social autodeterminados, num espaço de “invenção democrática” 
se processam, concomitantemente,com a “subversão contínua do estabelecido”, com a 
“reivindicação permanente do social e do político” e “a criação ininterrupta de novos direitos”12, 
direitos que vão se refazendo na circunstancialidade das situações, direitos que vão se 
redefinindo a cada momento. 
Eis, portanto, que a emergência de uma juridicidade “nova”, plural e alternativa, 
passa, presentemente, pela delimitação do conceito de “justas necessidades” e “sujeitos sociais 
emergentes”. 
 
 
10 Idem, ibidem, op. cit., p. 165. 
11 DEMO, Pedro. Participação é conquista. São Paulo: Cortez, 1988. p. 61. Ver também: ALDUNATE, 
José (Coord.) Direitos humanos, direitos dos pobres. São Paulo: Vozes, 1991. p. 191. 
12 LEFORT, Claude. A invenção democrática. São Paulo: Brasiliense, 1983. pp. 11 e 59-60.

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