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Universidade Federal do ABC Bacharelado em Ciências e Humanidades Temas e Problemas em Filosofia Introdução à disciplina Filosofia: Em busca de uma caracterização Prof. Valter A. Bezerra (CCNH) Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 2 Alguns dos ‘Grandes Temas’ da Filosofia (e não só da Filosofia): • O Indivíduo, o Sujeito, o Eu • A Existência • O Conhecimento • A Razão • O Método científico • A natureza do Pensamento • A existência e os atributos de Deus • A natureza do Belo e da Arte • A natureza do Espaço e do Tempo • A História e a possibilidade do Progresso • A possibilidade e a natureza da Mudança • A Consciência e a Mente... Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 3 Porém esses “grandes temas” podem ser abordados segundo maneiras e enfoques muito diferentes. Eles não são, por si sós, “intrinsecamente filosóficos”. Quando eles se tornam filosóficos? O que os torna filosóficos? Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 4 Antes de falar de Filosofia propriamente dita, consideremos, primeiro, alguns exemplos típicos das chamadas “Grandes Questões” que têm interessado o ser humano ao longo dos séculos (porém, ao mesmo tempo, em certo sentido já estamos falando da Filosofia): Alguns problemas que são (também) filosóficos: Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 5 • O que há? Por que existe algo, ao invés de nada? • O que significa existir? • É possível a metafísica — isto é, é possível uma investigação do “ser enquanto ser”? • É possível conhecer o mundo? Caso afirmativo, como podemos conhecê-lo? • Podemos confiar nos dados dos sentidos como guias para conhecermos o mundo? • De que o mundo é constituído? (Nas palavras do filósofo Mário Bunge, qual é o “mobiliário do mundo”?) Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 6 • O que é o tempo? • O que é o infinito? Ele pode ser pensado? Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 7 • Aliás, o que é pensar? Como é possível o pensamento? • E a lógica, corresponde às “leis do pensamento”? Será ela única ou serão várias? • O que é o acaso? Qual é o seu papel no funcionamento do mundo? • Existem o certo e o errado? Existe o bem? • Em que consiste a justiça? E a virtude? • Existe o Belo? Que papel ele tem a desempenhar na Arte, se é que tem? Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 8 • Como o ser humano (finito, mortal e limitado) se posiciona (deve se posicionar) frente ao mundo? E frente à sociedade? E frente à guerra? E frente à morte? Umberto Boccioni Visões simultâneas (1912) Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 9 • O que é o ser humano? O que somos? • O ser humano é genuinamente livre? • A vida tem um sentido? Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 10 O que torna uma investigação especificamente filosófica? • Não é apenas o fato de discutir as “grandes questões” — pois constatamos que isso a arte e a literatura também fazem. Exemplo: contrastar duas abordagens — uma poética, outra filosófica — ao tema da existência: • por um lado, poemas de Drummond e Paulo Henriques Britto; • e, por outro lado, um trecho de “Sobre o que há”, importante ensaio sobre ontologia de Quine. [Ontologia = estudo do ser; ver adiante] Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 11 A suposta existência Carlos Drummond de Andrade Como é o lugar quando ninguém passa por ele? Existem as coisas sem ser vistas? O interior do apartamento desabitado, a pinça esquecida na gaveta, os eucaliptos à noite no caminho três vezes deserto, a formiga sob a terra no domingo, os mortos, um minuto depois de sepultados, nós, sozinhos no quarto sem espelho? Que fazem, que são as coisas não testadas como coisas, minerais não descobertos — e algum dia o serão? Estrela não pensada, palavra rascunhada no papel que nunca ninguém leu? Existe, existe o mundo apenas pelo olhar que o cria e lhe confere espacialidade? Concretitude das coisas: falácia de olho enganador, ouvido falso, mão que brinca de pegar o não e pegando-o concede-lhe a ilusão de forma e, ilusão maior, a de sentido? Ou tudo vige planturosamente, à revelia de nossa judicial inquirição e esta apenas existe consentida pelos elementos inquiridos? Será tudo talvez hipermercado de possíveis e impossíveis possibilíssimos que geram minha fantasia de consciência enquanto exercito a mentira de passear mas passeado sou pelo passeio, que é o sumo real, a divertir-se com esta bruma-sonho de sentir-me e fruir peripécias de passagem? Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 12 Eis se delineia espantosa batalha entre o ser inventado e o mundo inventor. Sou ficção rebelada contra a mente Universal e tento construir-me de novo a cada instante, a cada cólica, na faina de traçar meu início só meu e distender um arco de vontade para cobrir todo o depósito de circunstantes coisas soberanas. A guerra sem mercê, indefinida prossegue, feita de negação, armas de dúvida, táticas a se voltarem contra mim, teima interrogante de saber se existe o inimigo, se existimos ou somos todos uma hipótese de luta ao sol do dia curto em que lutamos. In: A Paixão Medida (1980), pp. 14-16 Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 13 Ontologia sumaríssima Paulo Henriques Britto Umas quatro ou cinco coisas, no máximo, são reais. A primeira é só um gás que provoca a sensação de que existe no mundo uma profusão de coisas. A segunda é comprida, aguda, dura e sem cor. Sua única serventia é instaurar a dor. A terceira é redondinha, macia, lisa, translúcida, e mais frágil do que espuma. Não serve para coisa alguma. A quarta é escura e viscosa, como uma tinta. Ela ocupa todo e qualquer espaço onde não se encontre a quinta (se é que existe mesmo a quinta), a qual é uma vaga suspeita de que as quatro acima arroladas sejam tudo o que resta de alguma coisa malfeita torta e mal-ajambrada que há muito já apodreceu. Fora essas quatro ou cinco não há nada, nem tu, leitor, nem eu. In: Mínima lírica (1989),pp. 97-98. Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 14 W. V. Quine Sobre o que há (Parte final — pp. 226-229) «Como decidir diante de ontologias rivais? A resposta não é certamente proporcionada pela fórmula semântica "Ser é ser o valor de uma variável"; pelo contrário, essa fórmula serve antes para testar a conformidade de uma certa afirmação ou doutrina com respeito a um critério ontológico prévio. Atentamos a variáveis ligadas no contexto da ontologia não a fim de saber o que há, mas a fim de saber o que uma certa afirmação ou doutrina, nossa ou de outrem, diz que há; enquanto tal, esse é propriamente um problema que diz respeito à linguagem. Mas o que há é uma outra questão. Na discussão acerca do que há, ainda há razões para operarmos num plano semântico. Uma razão é escapar do embaraço apontado no início deste ensaio: o fato de não poder eu admitir que há coisas que McX sustenta e eu não. Enquanto eu estiver ligado à minha ontologia, oposta que é à de McX, não poderei permitir que minhas variáveis ligadas se refiram a entidades que pertençam à ontologia de McX e não à minha. Posso, no entanto, descrever coerentemente nossa divergência, caracterizando os enunciados que McX afirma. Desde que minha ontologia simplesmente admita formas lingüísticas, ou ao menos inscrições concretas e emissões, posso falar a respeito das sentenças de McX. Outra razão para retirarmo-nos a um plano semântico é encontrar terreno comum para argumentar. Divergências quanto à ontologia envolvem divergências básicas, quanto a esquemas conceituais; entretanto, a despeito dessas divergências básicas, McX e eu damo-nos conta de que nossos esquemas conceituais convergem em suas ramificações intermediárias e superiores o bastante para capacitar-nos a uma comunicação proveitosa a respeito de tópicos como política, tempo e, em particular, linguagem. Na medida em que nossa controvérsia básica sobre ontologia puder ser transformada numa controvérsia semântica acerca de palavras e do que fazer com elas, a degeneração da controvérsia em petições de princípios poderá ser adiada. Não é de admirar, pois, que controvérsias ontológicas devam levar a controvérsias sobre linguagem. Mas não devemos saltar à conclusão de que o que há depende de palavras. A tradutibilidade de' uma questão em Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 15 termos semânticos não é uma indicação de que a questão seja lingüística. Ver Nápoles é carregar um nome que, anteposto às palavras "vê Nápoles", produz uma sentença verdadeira; ainda assim, não há nada de lingüístico em ver Nápoles. Nossa aceitação de uma ontologia é, creio eu, semelhante em princípio a nossa aceitação de uma teoria científica, digamos, de um sistema de física: adotamos, ao menos na medida em que somos razoáveis, o esquema conceitual mais simples no qual os fragmentos desordenados da experiência bruta podem ser acomodados e organizados. Nossa ontologia fica determinada uma vez fixado o esquema conceitual global destinado a acomodar a ciência no sentido mais amplo; e as considerações que determinam uma construção razoável de qualquer parte desse esquema conceitual, por exemplo, da parte física ou da biológica, não são diferentes em espécie das considerações que determinam uma construção razoável do todo. Tanto quanto a adoção de qualquer sistema de teoria científica pode ser dita uma questão de linguagem, o mesmo — mas não mais — pode ser dito da adoção de uma ontologia. A simplicidade, porém, enquanto princípio orientador da construção de esquemas conceituais, não é uma idéia clara e despida de ambigüidade; e ela é perfeitamente capaz de apresentar um critério duplo ou múltiplo. Imaginem, por exemplo, que tenhamos arquitetado o conjunto de conceitos mais econômico e adequado ao relato ponto-por-ponto da experiência imediata. As entidades determinadas por esse esquema — os valores das variáveis ligadas — são, suponhamos, eventos subjetivos individuais de sensação e reflexo. Ainda assim, concluiríamos, sem dúvida nenhuma, que um esquema conceitual fisicalista, que pretende falar de objetos externos, oferece muitas vantagens ao simplificar nossos relatos globais. Reunindo os eventos sensíveis dispersos e tratando-os como percepções de um objeto, reduzimos a complexidade de nosso fluxo de experiência a uma simplicidade conceitual manipulável. A regra da simplicidade é, na verdade, a máxima que nos orienta na atribuição de dados sensíveis a objetos: associamos uma sensação anterior de redondo e uma sensação posterior de redondo à mesma assim chamada moeda, ou a duas assim chamadas moedas diferentes, obedecendo às exigências de simplicidade máxima para nosso quadro global do mundo. [...] Em páginas anteriores empenhei-me em mostrar que alguns argumentos comuns em favor de certas ontologias são falaciosos. Adiantei, em seguida, um critério explícito para decidir quais os compromissos Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 16 ontológicos de uma teoria. Mas a questão de saber que ontologia efetivamente adotar permanece ainda aberta, e o conselho óbvio é tolerância e espírito experimental. Usemos de todos os meios para verificar quanto do esquema conceitual fisicalista pode ser reduzido a um fenomenalista; ainda assim, a física também requer, naturalmente, ser levada adiante, mesmo se irredutível in toto. Verifiquemos como e em que grau pode-se tornar a ciência natural independente da matemática platônica; mas também levemos adiante a matemática, e aprofundemo-nos em seus fundamentos platônicos. Dentre os vários esquemas conceituais mais apropriados a essas várias empresas, um deles — o fenomenalista — reivindica prioridade epistemológica. Encaradas do interior do esquema conceitual fenomenalista, as ontologias dos objetos físicos e dos objetos matemáticos são mitos. A qualidade de mito, no entanto, é relativa; relativa, nesse caso, ao ponto de vista epistemológico. Esse ponto de vista é um entre vários, correspondendo a um entre vários de nossos interesses e propósitos.» W. V. Quine, “Sobre o que há”, in: From a logical point of view (De um ponto de vista lógico) (Harvard University Press, 1953). Trad. port. por Luiz Henrique L. dos Santos, in: Os Pensadores – Ryle / Strawson / Austin / Quine, pp. 217-229. São Paulo: Abril Cultural, 1980. Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 17 Um artista considerado “filosófico” — Maurits Cornelius Escher: Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 18 Outro artista: René Magritte: Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 19 • A especificidade da Filosofia também não reside apenas o fato de pensar de modo sistemático — pois isso a ciência, a teoria literária e o direito, por exemplo, também fazem. Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 20 É essencial notar que podermos detectar a existência de uma superposição importante entre os campos da Filosofia, da Arte, da Literatura e da Ciência, porém são formas de conhecimento distintas, que não se confundem. Fil Cie Lit Art Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemasem Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 21 Para “piorar” um pouco as coisas, um dos problemas perenes da Filosofia é, precisamente... O que é a Filosofia? Qual o seu objeto? Quais os seus métodos? Qual a sua validade? A Filosofia é o único campo do conhecimento que elege como uma de suas questões prioritárias a sua própria natureza. • Ela problematiza a si mesma. • Ela repensa constantemente o seu próprio objeto de estudo e os seus métodos. • Em outras palavras, ela é reflexiva. A Filosofia da Filosofia é ainda Filosofia! O falar sobre a Filosofia é filosofar. É filosofante. Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 22 Karl Popper: «Antes de desenvolver meu plano desejo reafirmar a convicção de que os filósofos devem filosofar — devem tentar resolver problemas filosóficos, em vez de falar sobre a filosofia. Se a doutrina de Wittgenstein fosse verdadeira, ninguém poderia filosofar, nesse sentido. Se pensasse assim, abandonaria a filosofia. Acontece, porém, que não só estou profundamente interessado em certos problemas filosóficos (não me importa muito se é "correto" chamá-los assim), mas alimento a esperança de poder contribuir — um pouco, e mediante muito trabalho — para a sua solução. A única desculpa que posso dar por estar aqui falando a respeito da filosofia, em vez de filosofar, é a esperança de que, ao cumprir o programa que me propus para o preparo desta conferência, poderei encontrar uma oportunidade para filosofar.» [Popper, “A natureza dos problemas filosóficos e suas raízes científicas”] Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 23 Martin Heidegger: «Por esta via [isto é, considerando as diferentes maneiras pelas quais se tentou definir a Filosofia ao longo de sua história] nunca chegaremos a uma resposta autêntica, isto é, legítima, para a questão: Que é isto — a filosofia? A resposta somente pode ser uma resposta filosofante, uma resposta que enquanto res-posta filosofa por ela mesma. Mas como compreender esta afirmação? Em que medida uma resposta pode, na medida em que é res-posta, filosofar? [...] Quando é que a resposta à questão: Que é isto — a filosofia? é uma resposta filosofante? Quando filosofamos nós? Manifestamente apenas então quando entramos em diálogo com os filósofos. Disto faz parte que discutamos com eles aquilo de que falam. Este debate em comum sobre aquilo que sempre de novo, enquanto o mesmo, é tarefa específica dos filósofos, é o falar, o légein no sentido do dialégesthai, o falar como diálogo. Se e quando o diálogo é necessariamente uma dialética, isto deixamos em aberto. Uma coisa é verificar opiniões dos filósofos e descrevê-las. Outra coisa bem diferente é debater com eles aquilo que dizem, e isto quer dizer, do que falam.» [M. Heidegger, “Que é isto — A Filosofia?”, trad. por Ernildo Stein, in Os Pensadores — Heidegger, p. 19. SP: Abril Cultural, 1980.] Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 24 Gilles-Gaston Granger: «O conhecimento científico exige e suscita um metaconhecimento que o examina, descreve, critica ou fundamenta, mas que não poderia, sem impostura, pretender-se inteiramente científico; é, ao mesmo tempo, lógica e filosofia da ciência. A filosofia, ao contrário, qualquer que seja seu ponto de apoio primeiro, exige e suscita um reconhecimento de si mesma, que se deve admitir como homogêneo a ela. O operador “filosofar”, de modo semelhante aos operadores idempotentes da álgebra, por mais que seja reiterado, não produz nada diverso de si mesmo.» [Por um conhecimento filosófico, pp. 10-11. Trad. por Constança M. Cesar e Lucy M. Cesar. Campinas, SP: Papirus, 1989.] SImbolicamente: ϕ x = ϕ( x ) ϕ ϕ = ϕ Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 25 Então, o que é a Filosofia? Algumas propostas de definição ou caracterização: Aristóteles: aquilo que começa com o assombro? «Foi, com efeito, pela admiração [“espanto” / “assombro”] que os homens, assim hoje como no começo, foram levados a filosofar, sendo primeiramente abalados pelas dificuldades mais óbvias, e progredindo em seguida pouco a pouco até resolverem problemas maiores: por exemplo, as mudanças da Lua, as do Sol e dos astros e a gênese do Universo. Ora, quem duvida e se admira julga ignorar: por isso, também quem ama os mitos é, de certa maneira, filósofo, porque o mito resulta do maravilhoso. Pelo que, se foi para fugir da ignorância que filosofaram, claro está que procuraram a ciência pelo desejo de conhecer, e não em vista de qualquer utilidade.» (Aristóteles, Metafísica, Livro I, Capítulo II, trad. por Vincenzo Cocco, em Os Pensadores - Aristóteles (II), p. 14.) Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 26 Heidegger, ecoando a visão de Aristóteles: «Já os pensadores gregos, Platão e Aristóteles, chamaram a atenção para o fato de que a filosofia e o filosofar fazem parte de uma dimensão do homem, que designamos dis-posição (no sentido de uma tonalidade afetiva que nos harmoniza e nos convoca por um apelo). Platão diz (Teeteto, 155d): [...] "É verdadeiramente de um filósofo este páthos o espanto; pois não há outra origem imperante da filosofia que este”. O espanto é, enquanto páthos, a arkhé da filosofia. Devemos compreender, em seu pleno sentido, a palavra grega arkhé. Designa aquilo de onde algo surge. Mas este "de onde" não é deixado para trás no surgir; antes, a arkhé torna-se aquilo que é expresso pelo verbo arkhein, o que impera. O páthos do espanto não está simplesmente no começo da filosofia, como, por exemplo, o lavar das mãos precede a operação do cirurgião. O espanto carrega a filosofia e impera em seu interior. Aristóteles diz o mesmo (Metafísica, I, 2, 982b12 ss.): [...] "Pelo espanto os homens chegam agora e chegaram antigamente à origem imperante do filosofar" (àquilo de onde nasce o filosofar e que constantemente determina sua marcha).» [M. Heidegger, “Que é isto — A Filosofia?”, trad. por Ernildo Stein, in Os Pensadores — Heidegger, p. 21. SP: Abril Cultural, 1980.] Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 27 Olgária Matos: «Inventores da palavra “filosofia”, os gregos não se teriam enganado. Se é preciso pensar bem, é para viver melhor. (...) A filosofia forma almas fortes pelo exercício da análise de si e do pensamento autônomo. (...) Nas páginas que se seguem, a filosofia é apresentada como uma pedagogia da razão e uma medicina do espírito. (...) A filosofia como uma paidéia (educação formadora) nasce de uma reflexão sobre a racionalidade, pois o espírito “tem sempre a idade de todos os seus preconceitos”. Neste sentido, a educação da razão é, para a filosofia, uma das mais nobres tarefas do pensamento. (...) Filosofia e educação guardam, hoje, preocupações comuns porque tomam o homem como enigma a ser decifrado diante das incertezas da vida e as da história. Em sentido amplo, preparam os homens para enfrentar infortúnio e boa sorte. Os autores aqui referidos reúnem- se em torno de um tema central: o da construção da filosofia como medicina da alma, suas possibilidades e seus limites.» [O. Matos — Filosofia, a polifonia da razão: Filosofia e educação. São Paulo: Scipione, 1997, pp. 7- 11.]Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 28 ⇒ Marilena Chauí, prefácio a Ensaios de Filosofia Ilustrada de Rubens R. Torres Filho, ed. Iluminuras. Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 29 A relação da Filosofia com a realidade empírica é apenas indireta: Filosofia Ciência Experiência Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 30 Kant: «A razão jamais se refere diretamente a um objeto, mas unicamente ao entendimento e através dele ao seu próprio uso empírico; portanto, não produz conceitos (de objetos), mas apenas os ordena e dá-lhes aquela unidade que podem ter na máxima extensão possível, a qual não é absolutamente considerada pelo entendimento, que se ocupa só com a conexão pela qual por toda parte as séries das condições são produzidas segundo conceitos. Logo, a razão propriamente tem por objeto só o entendimento e o seu emprego adequado; e assim como o entendimento reúne o múltiplo no objeto mediante conceitos, a razão por sua vez reúne o múltiplo dos conceitos mediante idéias ao pôr uma certa unidade coletiva como objetivo das ações do entendimento, que do contrário só se ocupam com uma unidade distributiva.» [Kant, Crítica da Razão Pura, B 671, trad. bras. Rohden-Moosburger, in: Os Pensadores – Kant (I), p. 319]» Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 31 Gilles-Gaston Granger: «As ciências visam construir modelos abstratos dos fenômenos. [...] A filosofia, ao contrário, nunca chegou a propor verdadeiros modelos dos fenômenos, pela simples razão de que este não pode ser o seu objetivo. [...] A filosofia, contrariamente às diversas ciências, também não pretende explicar fatos. [...] Não se poderia, com certeza, exigir das ciências uma definição universal de ‘fato’. [...] Desejamos, aqui, só sublinhar o contraste, quanto a este ponto, com a perspectiva dos filósofos, para quem a questão “O que é, em geral, um fato?” é, ao contrário, um verdadeiro e fundamental problema. [...] Mesmo que um filósofo chegue a elucidar, a seu modo, a noção de ‘fato’, não terá contudo determinado nenhum fato que pudesse explorar, à maneira do cientista. Assim, pode-se dizer que a filosofia não tem objeto, por menos que se tenha a preocupação de dar a esta palavra um alcance racionalmente rigoroso, embora bastante amplo, para ser aplicado ao mesmo tempo aos objetos do senso comum e aos objetos da ciência. A crença, muito difundida em geral, de que “a filosofia fala de tudo” é perfeitamente correta, no fundo: o campo de aplicação de seu exercício é, com efeito, o conjunto da experiência humana. Mas a filosofia não poderia tratar esta experiência como um mosaico de diferentes classes de fatos, que lhe caberia definir e explicar, colocando-se num nível de generalidade superior ao das ciências.» [Por um conhecimento filosófico, pp. 13-14. Trad. por Constança M. Cesar e Lucy M. Cesar. Campinas, SP: Papirus, 1989.] Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 32 Jay Rosenberg: «Um filósofo é, entre outras coisas, alguém que procura encontrar repostas para [as “grandes questões”]. Parte da atividade dos filósofos profissionais consiste em ir além da sensação [algo frustrante] de que se trata de questões importantes, com repostas que seriam também importantes, e trazer tais questões para o âmbito da atividade racional. [...] Parte da tarefa do filósofo é justamente tomar as “grandes questões” e transformá-las em questões acerca das quais se pode pensar [de maneira sistemática] — e então, passar a pensar sobre elas. [...] Talvez seja mais frutífero pensar na filosofia enquanto disciplina como distinguindo-se pelo seu método, mais do que pelo seu assunto [subject matter]. É, na melhor das hipóteses, extremamente difícil — senão impossível — dar uma descrição sucinta daquilo que a filosofia estuda.» Jay F. Rosenberg — The Practice of Philosophy: A Handbook for Beginners. [2nd edition.], p. 6. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1984. Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 33 As “grandes áreas” da Filosofia: Epistemologia e Filosofia da Ciência Metafísica e Ontologia Lógica, Semântica e Metamatemática Ética Estética e Filosofia da Arte Filosofia Política Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 34 Poderíamos ainda mencionar inúmeras áreas do tipo “Filosofia de (...X...)”, como: • Filosofia do Direito • Filosofia da História • Filosofia da Matemática • Filosofia da Lógica • Filosofia da Química • Filosofia da Tecnologia... (Aplica-se aqui o comentário feito há pouco sobre a “Filosofia da Filosofia”.) Note-se que “Metafísica”, aqui, não significa especulação ou devaneio. Por “Metafísica” entende-se aqui Ontologia, significando: O estudo sistemático dos pressupostos gerais acerca das entidades e processos que são postulados pelas teorias e/ou outras representações que versam acerca de um determinado domínio de investigação. Introdução — Filosofia: em busca de uma caracterização Temas e Problemas em Filosofia — Prof. Valter Alnis Bezerra — UFABC 35 Filosofia — Uma proposta de caracterização: Uma forma de conhecimento que: • É capaz de ser reflexiva; • É capaz de problematizar e redefinir seu próprio objeto de estudo; • Só possui relação no máximo indireta com os fenômenos; • Assume sempre uma atitude crítica, no sentido de investigação dos fundamentos e pressupostos; • Vale-se de um método caracterizado pela formulação e análise de conceitos e de argumentos; • Nesse processo, revisita várias das “grandes questões” da existência, mas segundo sua abordagem peculiar; • Aborda essas questões transformando-as em problemas de são suscetíveis de investigação sistemática.
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