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18.a Correição parcial

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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CORREIÇÃO PARCIAL. DECISÃO EX OFFICIO. BAIXA 
D O S A U T O S À D P P A R A E F E I T O S D E 
RECONHECIMENTO DO RÉU. VIOLAÇÃO DO 
SISTEMA ACUSATÓRIO.
O Juiz não pode, pena de ferir o sistema acusatório 
consagrado na Constituição Federal de 1988, 
determinar diligências policiais, especialmente 
reconhecimento do acusado pelas vítimas. No 
sistema acusatório o réu é tratado como sujeito de 
direitos, devendo ter, portanto, suas garantias 
individuais (constitucionais) respeitadas. A regra é 
clara e comum: O Estado acusador, através do agente 
ministerial manifesta a pretensão ao agente imparcial 
que é o Estado-juiz. Essa imparcialidade que se 
apresenta mais nítida agora, com a definição 
constitucional dos papéis processuais, é a plataforma 
na construção de uma ciência processual penal 
democrática, vedando a iniciativa ex officio na 
produção da prova. Correição acolhida, por maioria.
CORREIÇÃO PARCIAL QUINTA CÂMARA CRIMINAL
Nº 70014869697 COMARCA DE CORONEL BICACO
ALENCAR SANTOS RODRIGUES REQUERENTE
JUIZ DE DIR DA COMARCA DE 
CORONEL BICACO 
REQUERIDO
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos. 
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara 
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em julgar procedente a 
correição parcial para o efeito de revogar definitivamente o despacho que 
ordenou a baixa dos autos à delegacia de polícia para os efeitos de 
reconhecimento, seguindo o feito seus demais trâmites, até final sentença, 
vencida a Desembargadora Genacéia da Silva Alberton que julgava 
parcialmente procedente.
Custas na forma da lei.
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Participou do julgamento, além dos signatários, o eminente 
Senhor DES. AMILTON BUENO DE CARVALHO.
Porto Alegre, 21 de junho de 2006.
DES. ARAMIS NASSIF, 
Relator.
R E L AT Ó R I O
DES. ARAMIS NASSIF (RELATOR)
ALENCAR SANTOS RODRIGUES pelo advogado Gilmar Ribeiro 
Fragoso, interpõe a presente CORREIÇÃO PARCIAL, com pedido de liminar, 
contra decisão do JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE CORONEL BICACO 
que, com o encerramento da instrução em feito que responde pela imputação 
de ter cometido o delito de roubo majorado (Art. 157, II, CP), determinou de 
ofício a baixa do feito à Delegacia de Polícia da cidade de Redentora para a 
‘realização do reconhecimento de pessoas’, propiciando às vítimas, pudessem 
proceder ao ato de reconhecimento do acusado pelas vítimas. 
Afirmou haver ofensa aos princípios do contraditório e da ampla 
defesa, além de inversão tumultuária do processo.
A liminar foi deferida para que fosse sustada a produção da prova 
(fl. 89).
Nesta instância o parecer foi no sentido de ser acolhida a 
correição.
É o relatório.
V O T O S
DES. ARAMIS NASSIF (RELATOR)
 “No procedimento inquisitório, não existe relação jurídico-
processual, podendo haver, quando muito, uma relação que traduza 
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a submissão do indivíduo ao Estado, com a ampliação dos poderes 
de sujeição estatal” MARQUES, José Frederico. Estudos de Direito 
Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p.22.
O douto magistrado de primeiro grau determinou a baixa do feito à 
Delegacia de Polícia para a ‘realização do reconhecimento de pessoas’, propociando 
às vítimas, possam proceder ao ato de econhecimento...”
O tema proposto pela decisão judicial e pela medida correicional 
envolve, obviamente, a interpretação do competente magistrado dos sistemas que, 
entendemos nós, estão em conflito no direito positivo brasileiro: inquisitório e 
acusatório, a partir de uma leitura presa ao dogmatismo processual infra-constitucional 
e aquela que não prescinde da filtragem constitucional.
Impositiva a divergência com o respeitável entendimento do juízo 
singular.
É que a realidade trazida pela Carta de 1988 diz com o sistema 
acusatório, ou seja, como afirma Geraldo Prado, tal foi eleito em sede constitucional. 
Apesar das imperfeições, que deveriam ser reparadas por nossos Tribunais e não são, 
esse é o modelo adotado pelo ordenamento pátrio (PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório A 
Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2001). 
Marcellus Polastri Lima (LIMA, Marcellus Polastri. Ministério 
Público e Persecução Criminal, págs. 124/125, Editora Lumen Juris, Rio de 
Janeiro, 1997), sem hesitação afirma ser induvidoso “que constitucionalmente 
foi adotado no Brasil o sistema acusatório” identificado na carga principiológica 
da Constituição Federal, destacando-se o princípio do juiz natural e dele, do 
juiz imparcial (arts. 5º, LIII, 92 e 126), além de ter sido reservado ao Ministério 
Público a promoção da ação penal pública (art. 129, I, CF). 
De há muito, para que não se diga que trata de novidade, o 
sempre atual mestre José Frederico Marques, elencava as características do 
sistema acusatório::
“a) separação entre os órgãos da acusação, defesa, e julgamento, 
instaurando-se assim um processo de partes; 
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b) liberdade de defesa e igualdade de posição das partes; 
c) a regra do contraditório; 
d) livre apresentação das provas pelas partes; 
e) regra do impulso processual autônomo, ou ativação inicial da 
causa pelos interessados.” (MARQUES, José Frederico. Estudos de Direito Processual Penal. Rio de 
Janeiro: Forense, 1960).
Também Ada Pellegrini Grinover, se manifesta a respeito e afirma 
que a principal característica é a nítida separação das funções de acusar, 
defender e julgar (GRINOVER, Ada Pellegrini. A Marcha do Processo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 
2000. p. 77-78).
 A forma acusatória, tal como disserta Frederico Marques, “traduz a 
regra de que a descoberta da verdade se opera através do exercício de funções 
específicas e distintas, dos órgãos fundamentais do processo” (citada, p. 21). 
Do exposto, pode-se concluir com Frederico Marques, que “o sistema 
acusatório, naquilo que tem de essencial e básico, é a única forma de processo que 
pode ser aceita pelo direito hodierno” (citada, p. 24). 
Ora, se no sistema acusatório o réu é tratado como sujeito de direitos, 
devendo ter, portanto, suas garantias individuais (constitucionais) respeitadas. A regra 
é clara e comum: O Estado acusador, através do agente ministerial, como a hipótese 
dos autos, ou o querelante, manifestam a pretensão ao agente imparcial que é o 
Estado-juiz. Essa imparcialidade que se apresenta mais nítida agora, com a definição 
constitucional dos papéis processuais, é a plataforma na construção de uma ciência 
processual penal democrática. 
Salo de Carvalho sustenta que “não restam dúvidas de que é 
imprescindível no interior de um sistema acusatório o distanciamento entre quem inicia o 
processo e quem o julga. Todavia, tais princípios são relativos ao direito de ação, orientados 
pelos princípios da oficialidade e da obrigatoriedade.
Sustentamos, evocando novamente as lições de Jacinto Coutinho, que o 
princípio unificador e diferenciador entre os sistemas se refere aos critérios de gestão probatória, 
pois “se o processo tem por finalidade, entre outras, a reconstrução de um fato pretérito crime, 
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através da instrução probatória, a forma pela qual se realiza a instrução identifica o princípio 
unificador”17.
Comungamos, pois, das lições de Cordero difundidas no Brasil por Jacinto 
Coutinho, quando caracteriza como inquisitorial o sistema processual no qual o critério de gestão 
da prova se encontra, facultativa ou obrigatoriamente, nas mãos do juiz. Em sentido inverso, é 
acusatório o sistema orientado pelo princípio dispositivo, cuja iniciativa probatória está dividida 
paritariamente entre defesa e acusação.
Dessa forma, enquanto “al sistema accusatorio conviene un giudicespetatore 
deputato soprettutto all’oggettiva e imparziale valutazione dei fatti, equindi piú saggio che 
sapiente, il rito inquisitorio esige un giudice attore,rappresentante dell’interesse punitivo, e perciò 
leguleio, versato nelle procedure e dotato di capacità investigativa”. Trata-se, como frisa Ferrajoli, 
de uma opção entre juízes-cidadãos e juízes-magistrados, respectivamente (CARVALHO, Salo de -
org.- Da necessidade de efetivação do Sistema Acusatório no Processo de Execução Penal (in Crítica à Execução 
Penal. RJ: Lumen Juris, 2002).
Óbvio, pois, que, pelo sistema processual acusatório, o juiz não 
pode provocar a produção probatória. Se assim fosse possível, a relação 
processual assumiria uma feição própria do sistema inquisitório. A inicitiva está 
dispensando o autor da ação penal que, pela Constituição da República, é 
exclusivamente o Ministério Público na ação penal pública. 
Pimenta Bueno já criticava severamente a atuação de ofício do 
juiz, com os seguintes questionamentos: “Que faz o juiz quando procede ‘ex 
officio’? Constitui-se simultaneamente julgador e parte adversa do delinqüente; 
dá denúncia a si próprio, escolhe as testemunhas e inquire-as, perguntando o 
que julga conveniente; e, por fim, avalia as provas que ele criou, e pronuncia 
ou não, como entende. Há nisto alguma garantia?” (Pimenta Bueno, apud Hugo 
Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 3ª ed., São Paulo:Saraiva, 
1996, p. 218 e 219).
Por tudo, o ato de iniciativa do magistrado é constitucionalmente 
inadequado, merecendo, com renovada vênia, ser sustado.
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O voto é no sentido de julgar procedente a correição parcial para 
o efeito de revogar definitivamente o despacho que ordenou a baixa dos autos 
à Delegacia de Polícia para os efeitos de reconhecimento, seguindo o feito 
seus demais trâmites, até final sentença.
DES. AMILTON BUENO DE CARVALHO - De acordo com o Relator.
DESA. GENACÉIA DA SILVA ALBERTON
Em que pese o posicionamento exposto pelo eminente Relator, 
tendo em vista o disposto no art. 156 do CPP, pode o juiz determinar de ofício 
diligências para afastar dúvida em ponto relevante. Entendo tão-somente que a 
prova deve ser feita via precatória, quanto à autoridade judicial e não perante a 
autoridade policial.
Voto, pois, no sentido de julgar parcialmente procedente a 
correição, para admitir o reconhecimento a ser feito em juízo e não como foi 
determinado.
DES. ARAMIS NASSIF - PRESIDENTE - CORREIÇÃO PARCIAL Nº 
70014869697, COMARCA DE CORONEL BICACO: "POR MAIORIA, 
JULGARAM PROCEDENTE A CORREIÇÃO PARCIAL PARA O EFEITO DE 
REVOGAR DEFINITIVAMENTE O DESPACHO QUE ORDENOU A BAIXA 
DOS AUTOS À DELEGACIA DE POLÍCIA PARA OS EFEITOS DE 
RECONHECIMENTO, SEGUINDO O FEITO SEUS DEMAIS TRÂMITES, ATÉ 
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FINAL SENTENÇA, VENCIDA A DESEMBARGADORA GENACÉIA DA SILVA 
ALBERTON QUE JULGAVA PARCIALMENTE PROCEDENTE."
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