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1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA TR IBU NA L D E J US TIÇ A - RS - CORREIÇÃO PARCIAL. DECISÃO EX OFFICIO. BAIXA D O S A U T O S À D P P A R A E F E I T O S D E RECONHECIMENTO DO RÉU. VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO. O Juiz não pode, pena de ferir o sistema acusatório consagrado na Constituição Federal de 1988, determinar diligências policiais, especialmente reconhecimento do acusado pelas vítimas. No sistema acusatório o réu é tratado como sujeito de direitos, devendo ter, portanto, suas garantias individuais (constitucionais) respeitadas. A regra é clara e comum: O Estado acusador, através do agente ministerial manifesta a pretensão ao agente imparcial que é o Estado-juiz. Essa imparcialidade que se apresenta mais nítida agora, com a definição constitucional dos papéis processuais, é a plataforma na construção de uma ciência processual penal democrática, vedando a iniciativa ex officio na produção da prova. Correição acolhida, por maioria. CORREIÇÃO PARCIAL QUINTA CÂMARA CRIMINAL Nº 70014869697 COMARCA DE CORONEL BICACO ALENCAR SANTOS RODRIGUES REQUERENTE JUIZ DE DIR DA COMARCA DE CORONEL BICACO REQUERIDO A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em julgar procedente a correição parcial para o efeito de revogar definitivamente o despacho que ordenou a baixa dos autos à delegacia de polícia para os efeitos de reconhecimento, seguindo o feito seus demais trâmites, até final sentença, vencida a Desembargadora Genacéia da Silva Alberton que julgava parcialmente procedente. Custas na forma da lei. AN Nº 70014869697 2006/CRIME 2 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA TR IBU NA L D E J US TIÇ A - RS - Participou do julgamento, além dos signatários, o eminente Senhor DES. AMILTON BUENO DE CARVALHO. Porto Alegre, 21 de junho de 2006. DES. ARAMIS NASSIF, Relator. R E L AT Ó R I O DES. ARAMIS NASSIF (RELATOR) ALENCAR SANTOS RODRIGUES pelo advogado Gilmar Ribeiro Fragoso, interpõe a presente CORREIÇÃO PARCIAL, com pedido de liminar, contra decisão do JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE CORONEL BICACO que, com o encerramento da instrução em feito que responde pela imputação de ter cometido o delito de roubo majorado (Art. 157, II, CP), determinou de ofício a baixa do feito à Delegacia de Polícia da cidade de Redentora para a ‘realização do reconhecimento de pessoas’, propiciando às vítimas, pudessem proceder ao ato de reconhecimento do acusado pelas vítimas. Afirmou haver ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, além de inversão tumultuária do processo. A liminar foi deferida para que fosse sustada a produção da prova (fl. 89). Nesta instância o parecer foi no sentido de ser acolhida a correição. É o relatório. V O T O S DES. ARAMIS NASSIF (RELATOR) “No procedimento inquisitório, não existe relação jurídico- processual, podendo haver, quando muito, uma relação que traduza AN Nº 70014869697 2006/CRIME 3 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA TR IBU NA L D E J US TIÇ A - RS - a submissão do indivíduo ao Estado, com a ampliação dos poderes de sujeição estatal” MARQUES, José Frederico. Estudos de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p.22. O douto magistrado de primeiro grau determinou a baixa do feito à Delegacia de Polícia para a ‘realização do reconhecimento de pessoas’, propociando às vítimas, possam proceder ao ato de econhecimento...” O tema proposto pela decisão judicial e pela medida correicional envolve, obviamente, a interpretação do competente magistrado dos sistemas que, entendemos nós, estão em conflito no direito positivo brasileiro: inquisitório e acusatório, a partir de uma leitura presa ao dogmatismo processual infra-constitucional e aquela que não prescinde da filtragem constitucional. Impositiva a divergência com o respeitável entendimento do juízo singular. É que a realidade trazida pela Carta de 1988 diz com o sistema acusatório, ou seja, como afirma Geraldo Prado, tal foi eleito em sede constitucional. Apesar das imperfeições, que deveriam ser reparadas por nossos Tribunais e não são, esse é o modelo adotado pelo ordenamento pátrio (PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2001). Marcellus Polastri Lima (LIMA, Marcellus Polastri. Ministério Público e Persecução Criminal, págs. 124/125, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 1997), sem hesitação afirma ser induvidoso “que constitucionalmente foi adotado no Brasil o sistema acusatório” identificado na carga principiológica da Constituição Federal, destacando-se o princípio do juiz natural e dele, do juiz imparcial (arts. 5º, LIII, 92 e 126), além de ter sido reservado ao Ministério Público a promoção da ação penal pública (art. 129, I, CF). De há muito, para que não se diga que trata de novidade, o sempre atual mestre José Frederico Marques, elencava as características do sistema acusatório:: “a) separação entre os órgãos da acusação, defesa, e julgamento, instaurando-se assim um processo de partes; AN Nº 70014869697 2006/CRIME 4 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA TR IBU NA L D E J US TIÇ A - RS - b) liberdade de defesa e igualdade de posição das partes; c) a regra do contraditório; d) livre apresentação das provas pelas partes; e) regra do impulso processual autônomo, ou ativação inicial da causa pelos interessados.” (MARQUES, José Frederico. Estudos de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1960). Também Ada Pellegrini Grinover, se manifesta a respeito e afirma que a principal característica é a nítida separação das funções de acusar, defender e julgar (GRINOVER, Ada Pellegrini. A Marcha do Processo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p. 77-78). A forma acusatória, tal como disserta Frederico Marques, “traduz a regra de que a descoberta da verdade se opera através do exercício de funções específicas e distintas, dos órgãos fundamentais do processo” (citada, p. 21). Do exposto, pode-se concluir com Frederico Marques, que “o sistema acusatório, naquilo que tem de essencial e básico, é a única forma de processo que pode ser aceita pelo direito hodierno” (citada, p. 24). Ora, se no sistema acusatório o réu é tratado como sujeito de direitos, devendo ter, portanto, suas garantias individuais (constitucionais) respeitadas. A regra é clara e comum: O Estado acusador, através do agente ministerial, como a hipótese dos autos, ou o querelante, manifestam a pretensão ao agente imparcial que é o Estado-juiz. Essa imparcialidade que se apresenta mais nítida agora, com a definição constitucional dos papéis processuais, é a plataforma na construção de uma ciência processual penal democrática. Salo de Carvalho sustenta que “não restam dúvidas de que é imprescindível no interior de um sistema acusatório o distanciamento entre quem inicia o processo e quem o julga. Todavia, tais princípios são relativos ao direito de ação, orientados pelos princípios da oficialidade e da obrigatoriedade. Sustentamos, evocando novamente as lições de Jacinto Coutinho, que o princípio unificador e diferenciador entre os sistemas se refere aos critérios de gestão probatória, pois “se o processo tem por finalidade, entre outras, a reconstrução de um fato pretérito crime, AN Nº 70014869697 2006/CRIME 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇATR IBU NA L D E J US TIÇ A - RS - através da instrução probatória, a forma pela qual se realiza a instrução identifica o princípio unificador”17. Comungamos, pois, das lições de Cordero difundidas no Brasil por Jacinto Coutinho, quando caracteriza como inquisitorial o sistema processual no qual o critério de gestão da prova se encontra, facultativa ou obrigatoriamente, nas mãos do juiz. Em sentido inverso, é acusatório o sistema orientado pelo princípio dispositivo, cuja iniciativa probatória está dividida paritariamente entre defesa e acusação. Dessa forma, enquanto “al sistema accusatorio conviene un giudicespetatore deputato soprettutto all’oggettiva e imparziale valutazione dei fatti, equindi piú saggio che sapiente, il rito inquisitorio esige un giudice attore,rappresentante dell’interesse punitivo, e perciò leguleio, versato nelle procedure e dotato di capacità investigativa”. Trata-se, como frisa Ferrajoli, de uma opção entre juízes-cidadãos e juízes-magistrados, respectivamente (CARVALHO, Salo de - org.- Da necessidade de efetivação do Sistema Acusatório no Processo de Execução Penal (in Crítica à Execução Penal. RJ: Lumen Juris, 2002). Óbvio, pois, que, pelo sistema processual acusatório, o juiz não pode provocar a produção probatória. Se assim fosse possível, a relação processual assumiria uma feição própria do sistema inquisitório. A inicitiva está dispensando o autor da ação penal que, pela Constituição da República, é exclusivamente o Ministério Público na ação penal pública. Pimenta Bueno já criticava severamente a atuação de ofício do juiz, com os seguintes questionamentos: “Que faz o juiz quando procede ‘ex officio’? Constitui-se simultaneamente julgador e parte adversa do delinqüente; dá denúncia a si próprio, escolhe as testemunhas e inquire-as, perguntando o que julga conveniente; e, por fim, avalia as provas que ele criou, e pronuncia ou não, como entende. Há nisto alguma garantia?” (Pimenta Bueno, apud Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 3ª ed., São Paulo:Saraiva, 1996, p. 218 e 219). Por tudo, o ato de iniciativa do magistrado é constitucionalmente inadequado, merecendo, com renovada vênia, ser sustado. AN Nº 70014869697 2006/CRIME 6 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA TR IBU NA L D E J US TIÇ A - RS - O voto é no sentido de julgar procedente a correição parcial para o efeito de revogar definitivamente o despacho que ordenou a baixa dos autos à Delegacia de Polícia para os efeitos de reconhecimento, seguindo o feito seus demais trâmites, até final sentença. DES. AMILTON BUENO DE CARVALHO - De acordo com o Relator. DESA. GENACÉIA DA SILVA ALBERTON Em que pese o posicionamento exposto pelo eminente Relator, tendo em vista o disposto no art. 156 do CPP, pode o juiz determinar de ofício diligências para afastar dúvida em ponto relevante. Entendo tão-somente que a prova deve ser feita via precatória, quanto à autoridade judicial e não perante a autoridade policial. Voto, pois, no sentido de julgar parcialmente procedente a correição, para admitir o reconhecimento a ser feito em juízo e não como foi determinado. DES. ARAMIS NASSIF - PRESIDENTE - CORREIÇÃO PARCIAL Nº 70014869697, COMARCA DE CORONEL BICACO: "POR MAIORIA, JULGARAM PROCEDENTE A CORREIÇÃO PARCIAL PARA O EFEITO DE REVOGAR DEFINITIVAMENTE O DESPACHO QUE ORDENOU A BAIXA DOS AUTOS À DELEGACIA DE POLÍCIA PARA OS EFEITOS DE RECONHECIMENTO, SEGUINDO O FEITO SEUS DEMAIS TRÂMITES, ATÉ AN Nº 70014869697 2006/CRIME 7 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA TR IBU NA L D E J US TIÇ A - RS - FINAL SENTENÇA, VENCIDA A DESEMBARGADORA GENACÉIA DA SILVA ALBERTON QUE JULGAVA PARCIALMENTE PROCEDENTE." AN Nº 70014869697 2006/CRIME
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