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Os Filósofos através dos textos

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Os Fil�sofos atrav�s dos textos/01 Plat�o 1-6/1 As verdadeiras causas.doc
PLATÃO
(428-348)
Nascido em Atenas numa família aristocrática, assiste ao declínio do poder ateniense, à instalação do regime oligárquico dos Trinta Tiranos, que cedo ele execrou por seus crimes. Mas o restabelecimento da democracia reserva-lhe a mais cruel decepção, a condenação e a morte de seu mestre Sócrates (399). Criou a escola da Academia, perto de Atenas (387). Suas três viagens à Sicília, onde esperava exercer a influência de filósofo sobre a política, acabrunham-no com decepção.
PRINCIPAIS OBRAS DE PLATÃO
Protágoras — A apologia de Sócrates — Críton — Górgias — Mênon — Crátilo — O banquete — Fédon — A república (10 livros) — Fedro — Teeteto — Parmênides — O sofista — O político — Timeu —As Leis (12 livros).
l. AS VERDADEIRAS CAUSAS
Anaxágoras, o físico, não mantém suas promessas, simples​mente porque é só um físico. Prometia explicar verdadeiramente todas as coisas, isto é, torná-las inteligíveis. Prometia dar con​ta disso do único modo que verdadeiramente fornece razões, pelas causas, as únicas que respondem até o fim à questão por quê. Mas as causas físicas, como a emissão do ar ou a articula​ção dos ossos, são apenas efeitos, posto que se permanecerá sempre por explicar o porquê da emissão do ar ou da articula​ção dos ossos. As propriedades dos ossos e dos músculos são, sim, as condições sem as quais Sócrates não estaria sentado na sua prisão, mas não explicam positivamente por quê, em vez de fugir, Sócrates está precisamente sentado nesse lugar.
O que se chama hoje de determinismo mecânico não é abso​lutamente, como se poderia acreditar, a promoção das causas no nível da cientificidade; situa-se inteiramente fora das cau​sas, posto que incapaz de explicar fato algum. O determinismo mecânico é ao mesmo tempo indeterminado e abstrato, posto que é apenas a determinação do possível: a articulação dos os​sos permite sentarmos ou não sentarmos, mas não explica por que Sócrates está antes aqui do que alhures. Indeterminado e abstrato, não por acidente, mas por essência, não em virtude de alguma lacuna a preencher ou por falta de rigor, mas por natureza.
As verdadeiras causas, as que são inteligíveis, são as causas finais, que se exprimem no princípio do melhor; só elas dizem enfim por que Sócrates está sentado na sua prisão. Não preten​dem substituir-se às pseudocausas mecânicas; Platão não pro​põe absolutamente uma física finalista. Pelo reconhecimento das verdadeiras causas, trata-se de pôr no seu lugar o determinismo mecânico, para que cesse de pretender o nível de causa.
Texto
A respeito disto, ouvi certo dia uma leitura de um livro que, dizia-se era de Anaxágoras e onde se achava expressa esta idéia, que é a inteligência que põe tudo em ordem e que é a causa universal. Esta causalidade me encheu de alegria, em virtude do interesse que eu sentia, num sentido, de fazer da inteligência a causa de todas as coi​sas. Se é assim, pensava, o espírito ordenador ordena todas as coisas e dispõe cada uma da melhor maneira possível; se pois se deseja, para cada coisa, descobrir em que condições nasce, perece ou existe, então o que a seu respeito é necessário descobrir é qual é, para esta coisa, a melhor maneira possível, seja de existir, seja de sofrer ou de produzir não importa qual ação; logo, partindo desta concepção, o que conviria para o homem considerar, tanto no que concerne a si mesmo pessoal​mente quanto no que concerne às outras coisas, é só o que o perfaz e o que é melhor; o mesmo homem, é forçoso, reconhecerá também o pior, porque é uma mesma ciência que lhe é relativa. Tais eram pois mi​nhas reflexões e, alegre, eu me figurava haver descoberto o homem que, concernindo aos seres, me ensinaria a causalidade que, para mim, concordaria com minha inteligência: Anaxágoras! Ele me explicaria, em primeiro lugar, se a terra é chata ou redonda; e posto que me expli​caria, exporia amplamente as razões e a necessidade disso; ensinan​do-me, ele que diz o que é o melhor, afirmaria que era melhor para a terra ter tal ou tal forma! E, se me dissesse que ela está no centro do mundo, expor-me-ia amplamente que era melhor para ela estar no centro: ele me fez esta revelação e eu estava totalmente preparado a não desejar no futuro outra espécie de causalidade! Naturalmente, quanto ao sol também, eu estava do mesmo modo totalmente prepa​rado, posto que se deveria me instruir de modo semelhante; e, em seguida, quanto à lua e ao resto dos astros, concernindo à revelação de suas mútuas velocidades, suas revoluções, assim como suas outras particularidades; em suma, concernindo ao modo que poderia bem ser o melhor para cada um de produzir ou sofrer tais ações, que está na sua natureza produzir ou sofrer. De fato, não teria nunca me figurado que, declarando estas coisas ordenadas por uma inteligência, ele pu​desse atribuir-lhes outras causas, senão que era para elas melhor com​portarem-se precisamente como se comportam; dado que a cada uma em particular e a todas em comum ele dá esta causa, vai também, figurava-me, expor-me amplamente o que é melhor para cada uma e o que é para todas o bem comum. Enfim, por pouco não desisti de mi​nhas esperanças; mas antes, tendo posto todo meu ardor em buscar o livre, fazia sua leitura o mais rápido que podia, a fim de conhecer o mais rápido possível o melhor e o pior!
"E então, da maravilhosa esperança fui, camarada, arrebatado para longe, dado que, avançando na minha leitura, vejo um homem que não recorre à inteligência e que não lhe imputa causalidade, em vista do arranjo ordenado das coisas particulares, mas que, para tan​to, invoca as ações do ar, do éter, da água, de uma infinidade de outras coisas completamente desconcertantes! Em suma, seu caso me pare​ceu inteiramente semelhante ao de um homem que, ao mesmo tempo que diz que Sócrates realizou com sua inteligência tudo o que reali​zou, em seguida, quando tratava de dizer as causas de cada um dos atos que realizei, se exprimisse nestes termos: Primeiramente, a ra​zão pela qual estou sentado agora neste lugar é que meu corpo é cons​tituído de ossos e músculos; que os ossos são sólidos e têm comissuras a separá-los uns dos outros, enquanto os músculos têm a propriedade de se esticar e de se relaxar, constituindo para os ossos um envoltório de carnes e de pele que mantém as carnes; em conseqüência disso, quando os ossos oscilam nos seus próprios encaixes, os músculos, que se distendem ou se contraem, me põem no estado de flexionar presen​temente meus membros; e eis a causa em virtude da qual, estando dobrado deste modo, estou sentado neste lugar! Concernindo, desta vez, à conversação que tive convosco, alegaria outras causas da mes​ma ordem, a articulação dos sons, a emissão do ar, a audição, invocan​do mil outras razões análogas e negligenciando mencionar as causas que verdadeiramente o são: a saber, que os atenienses, tendo julgado que seria melhor condenar-me, eu, de meu lado e precisamente por esta razão, julguei que seria melhor, para mim também, estar senta​do neste lugar; dito de outro modo, à qual era mais justo, ficando aqui, submeter-me à pena à qual me sentenciaram. De fato, pelo Cão!, pode​ria, creio, dar-se que estes músculos e estes ossos estivessem do lado de Mégara ou da Beócia, aonde os tivesse levado um juízo sobre o que é melhor, no caso em que não tivesse me figurado que era mais justo e mais belo, em vez de fugir e me evadir, reconhecer à Cidade a pena que ela eventualmente decide infligir-me."
Platão, Phédon, (Fédon), Bibliothèque de Ia Plêiade, Gailimard, 1.1, pp. 825-827.
ESTUDO DO TEXTO
1) Explique o princípio segundo o qual a inteligência é a causa de todas as coisas; que outra formulação pode-se dar disso? Busque a resposta a esta questão no próprio texto. Por que esta causalidade enche Sócrates de alegria?
Qual é a verdadeira maneira de responder à questão das condições da existência de uma coisa? Por que dar conta de uma coisa é explicar por
que ela é assim em vez de ser de outro modo?
2) Por que Sócrates ficou decepcionado com a leitura de Anaxágoras? Explique por que invocar as ações do ar, do éter, da água, etc., não é recor​rer à inteligência.
Por que a causa de Sócrates estar sentado na prisão não pode ser as propriedades dos ossos e dos músculos? Por que a causa da conversa de Sócrates e de seus amigos não pode ser a articulação dos sons, a emissão do ar, etc.?
De que ordem, na realidade, são todas estas "causas" a que Anaxágoras apela? Mesmo se não são causas verdadeiras, segue-se que não explicam nada, e que é preciso silenciar sobre elas?
Os Fil�sofos atrav�s dos textos/01 Plat�o 1-6/2 O anel de giges.doc
PLATÃO
(428-348)
Nascido em Atenas numa família aristocrática, assiste ao declínio do poder ateniense, à instalação do regime oligárquico dos Trinta Tiranos, que cedo ele execrou por seus crimes. Mas o restabelecimento da democracia reserva-lhe a mais cruel decepção, a condenação e a morte de seu mestre Sócrates (399). Criou a escola da Academia, perto de Atenas (387). Suas três viagens à Sicília, onde esperava exercer a influência de filósofo sobre a política, acabrunham-no com decepção.
PRINCIPAIS OBRAS DE PLATÃO
Protágoras — A apologia de Sócrates — Críton — Górgias — Mênon — Crátilo — O banquete — Fédon — A república (10 livros) — Fedro — Teeteto — Parmênides — O sofista — O político — Tïmeu —As Leis (12 livros).
2.O ANEL DE GIGES
É Glauco, irmão de Platão, quem fala; suas palavras não são inteiramente estranhas à verdade. O que diz de verdadei​ro é a verdade que contém a lenda de Giges, o pastor, figura dos homens honestos. Vejam sua história: ele, homem pacífico como o rebanho que conduz à pastagem, fiel e pontual servidor de seu senhor, o rei da Lídia, comete as piores injustiças, os crimes mais odiosos, por causa de um acontecimento aciden​tal, a descoberta de um anel maravilhoso que o torna invisível. As peripécias da descoberta, o tremor de terra, o cavalo de bron​ze, o cadáver gigantesco, a experiência das virtudes do anel, por mais surpreendentes e dramáticas que sejam, não consti​tuem a verdadeira tragédia, que se trama e se desenvolve com a rapidez de uma torrente devastadora.
Que cada um de nós saiba que não pode responder por si, desde que, tendo descoberto em si a potência, permite-se o pri​meiro início de seu exercício. O domínio de si não é essencial​mente o bom exercício da potência, nem o poder de deter a po​tência, uma vez desencadeada; consiste em não se permitir aqui​lo de que não se pode prever as conseqüências nem saber onde nos conduzirá.
Mas Glauco extrai desta verdade uma conclusão falsa; to​mando ao pé da letra a história do anel, conclui que ninguém praticaria a justiça se fosse como Glauco, invisível, isto é, se não estivesse submetido à vigilância das leis. Que, em conseqüência, a injustiça, que todos cometem logo que são entre​gues a si mesmos, é vista por todos como um bem; que a justiça, longe de ser um bem verdadeiro, é só a convenção, contrá​ria à sinceridade, pela qual os homens, por temor de serem vítimas da injustiça, fingem cantar louvores. Sócrates tomará outros caminhos, que levarão a mostrar que a injustiça é o mal mortal da alma e que a justiça é o mais autêntico dos bens.
Texto
Ora, que aqueles mesmos que, por impotência em cometer in​justiça, tratam de ser justos e não se esforçam de bom grado, é do que nos daríamos conta; não poderíamos fazê-lo melhor lançando uma hipótese como esta: depois de ter dado licença a cada um de fazer tudo o que pudesse querer fazer, tanto ao justo quanto ao in​justo, nós os acompanharíamos em seguida, observando onde a in​clinação conduzirá cada um. Dado isto, surpreenderíamos o justo em vias de ir ao mesmo fim que o injusto, em virtude da cobiça por mais, deste fim que é natural a todo ser buscar como um bem, en​quanto por imposição a lei o desvia em direção ao grande caso que ele deve fazer da igualdade! Teríamos a melhor ilustração da espécie de licença de que falo, se pudesse acontecer a cada um desses dois homens possuir um poder análogo ao que, segundo a lenda, coube outrora a Giges, o lídio. Ele era, vocês sabem, um pastor empregado do príncipe que reinava então na Lídia; depois de uma chuva abun​dante e de um tremor de terra, a terra se abriu num ponto e um abismo se produziu no lugar do pasto. Vendo isto, cheio de surpresa, desceu ao abismo e, entre outras maravilhas, comuns nos contos, percebeu aí um cavalo de bronze, oco, com janelas que lhe permiti​ram, inclinando-se para o interior, ver que aí se achava um cadáver (era evidentemente um), de um tamanho que sobrepujava o de um homem e sem mais nada com ele do que um anel de ouro na mão; tendo retirado o anel, voltou à superfície. Ora, na época da reunião costumeira dos pastores, para apresentar ao rei um relato no que se refere aos rebanhos, ele chegou usando o anel em questão. Mas, uma vez estando com os outros, aconteceu-lhe de girar em direção de si, por acaso, o engaste do anel dentro de sua mão. Ora, tão logo aconte​ceu isso, ele se tornou invisível para os que estavam sentados ao seu lado, que se puseram a falar dele como de alguém que tivesse ido embora. Surpreso com isso e, tendo recomeçado a tatear discreta​mente o anel, voltou o engaste para fora e, uma vez que o girou, tornou-se visível novamente. Tendo refletido em seguida sobre isso, põe à prova a propriedade do anel e os resultados respondem à sua expectativa: quando gira para dentro o engaste, torna-se invisível e visível quando gira para fora. Depois de ter assim reconhecido que o efeito era infalível, introduz-se na delegação que vai até o rei, e uma vez chegado ao palácio, seduz a esposa deste; depois, com a cumplici​dade desta, ataca o rei, mata-o e se apossa do poder.
Dito isto, suponhamos que haja dois anéis deste gênero; que um, o justo põe no dedo e o outro, o injusto o põe; pode-se crer que não se encontraria um só homem com coração de suficiente boa têm​pera para permanecer na justiça, de ter a coragem de se manter à distância do que pertence a outro e não se apossar disso, quando lhe é possível tomar com segurança, no mercado, tudo o que lhe agra​dasse; penetrando nas casas, ter comércio com quem lhe agradasse; matar, tanto quanto libertar das cadeias quem lhe agradasse; em suma, fazer tudo, como um deus na condição humana! Ora, condu​zindo-se deste modo, este justo não faria nada que o distinguisse do outro, mas seria para o mesmo objetivo que ambos caminhariam. E seguramente existe, poder-se-ia dizer, séria razão em pensar que ninguém é justo de bom grado, mas por imposição; indício de que não existe aí um bem possuindo um valor independente, posto que em todas as ocasiões em que alguém puder sequer ter imaginado ser indiferente cometer uma injustiça, cometerá esta injustiça; sim, por​que todo homem está convencido de que a injustiça possui um valor independente, vantagens muito superiores à da justiça: convicção justificada, dirá o que fala a favor de tal doutrina. Se, com efeito, um homem que se arrogasse tal licença, não consentisse nunca em co​meter uma injustiça, não tomasse o que pertence a outro, seria, na opinião de todos comumente, o que há de mais infeliz e o que há de mais irracional. Por outro lado, em face uns dos outros, fariam seu elogio, mentindo uns aos outros em virtude do medo que têm de ser vítimas da injustiça. Eis, pois, sem dúvida, o que é, quanto a este ponto.
Platão, La republique (A república), livro II, Bibliothèque de Ia Plêiade, Gailimard, t.I, pp. 900-902.
ESTUDO DO TEXTO
1) Que é que Glauco se propõe demonstrar, concernente ao homem injusto? Qual é sua tese? Por que meio se propõe demonstrá-la? Há aí certa concepção da lei: qual? Em que sentido a lei estabelece a igualdade? Fazendo isso, é conforme à natureza?
2) Considere a lenda de Giges da Lídia, país do Oriente, donde vêm geralmente os contos. Como se pode dividir o texto que a expõe? Justifique esta divisão, e explique a desigualdade
de extensão das partes que se pode distinguir.
Por que se trata de um pastor, mais que de qualquer outro homem? As últimas linhas da história de Giges exprimem a idéia de um destino ou de uma fatalidade; onde reside a fatalidade: na descoberta das propriedades do anel, ou no encadeamento dos crimes de Giges?
3) Que é um homem justo, segundo Glauco? A justiça no homem justo é uma determinação essencial ou uma circunstância acidental? Há entre o homem justo e o homem injusto uma diferença essencial?
A justiça, segundo Glauco, é um verdadeiro bem? Qual é, segundo ele, o verdadeiro bem?
Os Fil�sofos atrav�s dos textos/01 Plat�o 1-6/3 Vantagens da disis�o social do trabalho.doc
PLATÃO
(428-348)
Nascido em Atenas numa família aristocrática, assiste ao declínio do poder ateniense, à instalação do regime oligárquico dos Trinta Tiranos, que cedo ele execrou por seus crimes. Mas o restabelecimento da democracia reserva-lhe a mais cruel decepção, a condenação e a morte de seu mestre Sócrates (399). Criou a escola da Academia, perto de Atenas (387). Suas três viagens à Sicília, onde esperava exercer a influência de filósofo sobre a política, acabrunham-no com decepção.
PRINCIPAIS OBRAS DE PLATÃO
Protágoras — A apologia de Sócrates — Críton — Górgias — Mênon — Crátilo — O banquete — Fédon — A república (10 livros) — Fedro — Teeteto — Parmênides — O sofista — O político — Timeu —As Leis (12 livros).
3. VANTAGENS DA DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO
A questão à qual tratamos aqui de responder é a de saber qual é a condição primeira e fundamental da existência de uma sociedade propriamente dita. Uma verdadeira sociedade é uma cidade, ou uma sociedade política, isto é, uma sociedade orga​nizada de tal sorte que cada um de seus membros exerce fun​ção complementar às que os outros exercem.
Não há sociedade enquanto existe só um ajuntamento e en​quanto os indivíduos, bastando-se a si mesmos, estão como se encerrados em si, sem consideração aos outros. Não se pode, pois, dar conta da existência da sociedade política nem pelo instinto gregário, que só explicaria a reunião, nem pela pre​sença, em cada indivíduo, de uma pluralidade de aptidões ca​pazes de prover à pluralidade das necessidades. A única expli​cação possível do nascimento de uma sociedade é o fato de "que cada um de nós, longe de bastar a si mesmo, tem, ao contrário, necessidade de grande número de pessoas".
E preciso dizer ainda por que é assim e não de outra forma, isto é, dizer por que é melhor que seja assim do que de outra forma. Pode-se muito bem conceber que nossas múltiplas neces​sidades, das quais as principais e menos imperiosas são as de nos nutrirmos, de morarmos e de nos vestirmos, sejam satisfei​tas por cada um de nós, exercendo alternativamente os ofícios de agricultor, de pedreiro e de tecelão. A divisão individual do trabalho não é impossível, absolutamente. É preciso mesmo acrescentar que a questão não é saber se o trabalho deve ou não ser dividido, porque todo trabalho necessariamente o é, não so​mente por causa da pluralidade das necessidades, cuja satisfa​ção exige a pluralidade das tarefas, mas também por causa da multiplicidade de operações, repartidas no tempo, que uma mesma tarefa supõe; o agricultor bem sabe que a colheita supõe a lavoura, a semeadura, a aração, que exigem ser praticadas em tempo hábil; a questão é de saber qual é a melhor, a divisão individual ou a divisão social do trabalho.
Ora, é a divisão social do trabalho que é a melhor, que foi pois adotada; e é por isso que os homens fazem sociedade. Para demonstrá-lo, não basta evocar a pluralidade das necessida​des; é preciso também considerar a diversidade das aptidões, que não podem se achar todas no mesmo homem com toda a perfeição requerida pela perfeição do trabalho. É preciso, en​fim, considerar as regras objetivas de dado trabalho, que que​rem que se faça, não importa o que, não importa quando. A hipótese de um único homem, que seria alternativamente agri​cultor, pedreiro, tecelão, é um ponto de vista do espírito: não leva em conta esta norma teimosa de trabalho, que há um tem​po para toda tarefa, de sorte que, quando se deixou passar o bom momento, o trabalho é estragado. A divisão social do tra​balho apresenta, pois, a tríplice vantagem do rendimento, da perfeição dos produtos, da facilidade de sua produção. Estas não são qualidades contingentes do trabalho: distinguem pro​priamente o trabalho do amadorismo.
Texto
E agora, retomo, se pelo pensamento nós nos tornamos especta​dores do nascimento de uma sociedade política, veríamos nascer aí também a justiça e a injustiça? Pode ser! disse ele. — Mas realizado isso, existiria a esperança de estarmos mais à vontade para ver o que buscamos? — Muito mais à vontade, certamente! — Mas, é sua opinião que é preciso tentar ter êxito? Porque, reflita, não é tarefa pequena, creio... — Acabo de refletir! Diz Adimante. Cabe a você exe​cutar! — Pois bem! Há, eu acho, nascimento de sociedade pelo fato de cada um de nós, longe de bastar a si mesmo, ao contrário tem ne​cessidade de grande número de pessoas. Você pensa que há algum outro princípio da fundação de um grupo social? — Não há outro, dis​se ele. — Se é assim, um homem junta-se a outro em virtude da neces​sidade que tem de uma coisa, um terceiro em virtude da necessidade de outra coisa; tal multiplicidade de necessidades leva a reunir num mesmo lugar, para habitar tal multiplicidade, homens que vivem em comunidade e em ajuda mútua, é para este modo de habitar junto que instituímos o nome de sociedade política, não é verdade? — Oh! abso​lutamente. — Eis, pois, um homem que comunica alguma coisa a um outro: o que quer que ele comunique ou que receba, é com a convicção de que isto é melhor para ele? —Absolutamente certo.
— Pois bem! vamos, retomo; que pelo pensamento, partindo do começo, constituímos uma sociedade política. Ora, o que a constituirá será, ao que parece, a existência em nós da necessidade. — E como não? — Mas, em verdade é bem certo que a primeira e a mais impe​riosa de nossas necessidades é a de buscar o alimento em vista de nossa existência, de nossa vida. — Perfeitamente certo, sim. — A segunda, então, é a de cuidar de uma moradia; a terceira tem rela​ção com a vestimenta e tudo o que é da mesma ordem. — É exato. — Vejamos, pois, continuando: como a sociedade bastará para uma or​ganização tão considerável? Não será sob a condição de que este in​divíduo seja um agricultor; aquele um pedreiro; um outro, um tece​lão? E juntemos ainda um sapateiro, ou outro a serviço do que os cuidados do corpo reclamam? — Absolutamente certo. — Então se​ria de quatro ou cinco homens que a sociedade se comporia, ao me​nos a que está limitada ao estritamente necessário. — Evidentemen​te. — Mas então? Cada um destes homens é obrigado, individual​mente, a fazer de sua produção objeto de contribuição pública? As​sim, o agricultor, por ter, sozinho, o encargo de buscar alimentos para quatro homens, tem que despender um tempo, um esforço quá​druplo para este fornecimento de alimentação e de pô-la em comum com outros indivíduos? Ou seria então preciso que, sem se preocu​par com eles, seja somente para si que produza um quarto desta alimentação num quarto de tempo, enquanto dos três outros um tra​tará de se prover de uma habitação, o outro, de vestimenta, o tercei​ro, de sapatos; e que em vez de pôr em comum com os outros o fruto de todo o incômodo que tem, faça antes só para si, por seus próprios meios, as coisas que são suas? Pois bem! Sócrates, talvez seja mais fácil o primeiro modo que este?
— Não é absolutamente inverossímil, por Zeus! repliquei. E uma reflexão de fato que faço da minha parte, ouvindo sua resposta, que, primeiro, cada um de nós não é, por sua natureza, inteiramente se​melhante a cada outro, mas que esta natureza ao contrário o distin​gue, e que para a execução de tarefas diferentes convém homens diferentes; não é sua opinião? — Sim, é a minha. — Que quer dizer? A execução da tarefa
será mais bela quando só para nós mesmos pomos em andamento uma pluralidade de ofícios, que quando é um só e por um só homem? — Quando, disse ele, é um só e por um só homem. — Mas, na verdade, eis ainda, creio, o que é manifesto: quan​do se deixou passar o bom momento de fazer uma tarefa, tudo está perdido. — É manifesto, de fato. — É que, penso, a tarefa executada não aceita esposar o lazer daquele que a executa, mas é necessário ao executante tratar de seguir as exigências da tarefa executada, em vez de ver só um aspecto desta. — É necessário. — Em conseqüência disso, há seguramente, em cada tipo de trabalho, crescimento tanto do número dos produtos, quanto de sua qualidade, quanto da facilidade da execução, quando é um só homem que executa uma única tarefa, em conformidade com suas aptidões naturais, no mo​mento desejado, concedendo-se o lazer de executar as outras. Oh! absolutamente.
Platão, La republique (A república), livro II, Bibliothèque de Ia Plêiade, Gailimard, 1.1, pp. 914-916.
ESTUDO DO TEXTO
1) Que é que explica o nascimento de uma sociedade? Quais caracte​rísticas essenciais de uma sociedade propriamente dita supõem as condi​ções de seu nascimento?
2) Os homens formariam sociedade se não tivessem necessidades? Pode-se dizer que a pluralidade das necessidades basta para explicar a existência de uma sociedade? Justifique com precisão sua resposta.
3) Há razões pelas quais a divisão social do trabalho tem mais importân​cia que a divisão individual do trabalho; levante com precisão estas três razões. Note que nenhuma destas razões alude à pluralidade das necessi​dades. Por quê?
O trabalho se acomoda ao humor do trabalhador, do que ele tem o gosto ou o desejo de fazer num dado momento? Pergunte qual nome se deveria dar àquele que fizesse o que tem vontade de fazer e no momento em que tivesse vontade de fazer.
Os Fil�sofos atrav�s dos textos/01 Plat�o 1-6/4 O sis�vel e o intelig�vel.doc
PLATÃO
(428-348)
Nascido em Atenas numa família aristocrática, assiste ao declínio do poder ateniense, à instalação do regime oligárquico dos Trinta Tiranos, que cedo ele execrou por seus crimes. Mas o restabelecimento da democracia reserva-lhe a mais cruel decepção, a condenação e a morte de seu mestre Sócrates (399). Criou a escola da Academia, perto de Atenas (387). Suas três viagens à Sicília, onde esperava exercer a influência de filósofo sobre a política, acabrunham-no com decepção.
PRINCIPAIS OBRAS DE PLATÃO
Protágoras — A apologia de Sócrates — Críton — Górgias — Mênon — Crátilo — O banquete — Fédon — A república (10 livros) — Fedro — Teeteto — Parmênides — O sofista — O político — Timeu —As Leis (12 livros).
4. O VISÍVEL E O INTELIGÍVEL
Compreendemos o que é claro, não compreendemos o que é obscuro; a questão de saber o que é compreender é o mesmo de saber como se ordena, segundo seu grau de clareza e de obscu​ridade, os objetos que a inteligência se esforça em apreender.
Ora, o que é perfeitamente obscuro é o que não tem, de modo algum, sua razão em si mesmo; o que é perfeitamente obscuro é o que sempre recebe suas razões de outra coisa que não si mesmo; tais são as sombras, que necessariamente, sendo som​bras de alguma coisa, remetem, para ser apreendidas precisa​mente como sombras, àquilo de que são sombras; a sombra, em si mesma, é feita de obscuridade; é de sua natureza ser, em si mesma e por si mesma, absolutamente ininteligível.
Somente um pouco mais claras são as imagens refletidas, posto que, como as sombras, remetem, para serem determina​das como tais, àquilo de que são os reflexos. Sombras e reflexos têm isto de comum: são todas cópias, posto que é da natureza de uma cópia envolver, para sua própria definição, a devolução àquilo de que é cópia. Vê-se por isso que a relação da cópia com o original é o modelo pelo qual apreendemos, ao mesmo tempo, a relação do mais obscuro com o mais claro e o próprio movi​mento de compreender. Compreender é reportar à sua razão o que não tem em si mesmo sua razão ou explicação.
Vê-se também por isso que, se dispomos numa linha os ob​jetos segundo seu grau de claridade, indo destes que são per​feitamente obscuros até aqueles que são apenas luz, obtém-se por isso mesmo o movimento de compreender, do qual estamos seguros que só será perfeito quando tiver atingido o princípio que já não tem necessidade de explicação ou de justificação, porque explica e justifica tudo o mais. A linha deve evidente​mente estar dividida em duas secções, que se compreenderá que devem ser desiguais, se se quer dar conta do grau de im​portância dos objetos e dos estados de alma correspondentes a estes objetos que elas representam; porque é claro que os obje​tos que não têm em si mesmos sua razão, que por isso devem ser chamados cópias, são os objetos visíveis; e os outros, que dão conta dos primeiros, são os objetos inteligíveis.
A divisão em duas secções da linha significa que compreen​der não é nunca olhar e que conhecer não é jamais ver com os olhos. Sem dúvida, cremos saber, segundo o que nossos senti​dos nos oferecem, as propriedades das coisas; e mesmo a prova sensível pode permitir distinguir os reflexos e as sombras, que são só ilusão, do que existe realmente, como quando o olhar vai da sombra à coisa. Mas o que se vê é sempre objeto de opinião, e a opinião não diz nunca a verdade das coisas. A primeira secção da linha, que representa o que é visível, subdivide-se, sem dúvida, em duas subsecções: uma representa as sombras e os reflexos, que sempre decepcionam; a outra, as coisas sobre a existência das quais assentamos nossa confiança. Mas a se​gunda subsecção não se compõe daquilo que os sentidos ofere​cem, daquilo que, por isso, não contém sua razão; a verdade do quadrado não está na figura do quadrado traçada na areia, mas nas suas propriedades, que são relações, como a do lado e da diagonal, que a inteligência concebe e que os olhos não vêem.
A ciência só começa com o ato de compreender, que põe até as coisas visíveis existentes, como o são os traços sobre a areia, ao nível de cópias. A geometria consiste em não confiar naquilo em que nossos olhos nos persuadem de confiarmos, porque ela come​ça só com a demonstração. Há sem dúvida muitas maneiras, das quais não se poderia provavelmente dizer o número, de demonstrar, por exemplo, que dois ângulos são iguais; mas há ao menos um método do qual se está certo que é preciso recusar absolutamente, que é o de medir seus traços. Também é claro que as ciências não podem ocupar a secção do visível, mas somente a secção do inteligível; não que as ciências não tenham como objeto as coisas visíveis, mas porque, pedindo razões à opinião, que por si mes​ma nunca as pede, colocariam a opinião no mesmo nível que elas.
As ciências só ocupam do inteligível a primeira secção, por​que não cumprem até o fim o ato de compreender. É que elas procedem por hipóteses que são, não fundamentos, mas iní​cios. Sem dúvida, a demonstração de uma proposição consiste em afirmar estritamente só o que os teoremas permitem dizer, e analogamente os primeiros princípios, que a precedem na ordem dedutiva. Mas os primeiros princípios só são primeiros no que permitem começar, não no conter sua própria luz. "Se..., então necessariamente...": tal é a forma de todas as proposi​ções científicas; permitem compreender alguma coisa, porque mostram um elo necessário entre a hipótese e suas conseqüências, mas não permitem compreender tudo porque pedem que se admita aquilo sem o que não podem compreender nada, ex​plicar nada, demonstrar nada.
Mas compreender que a maneira científica de compreender é a maneira hipotética, é situar as ciências no seu grau próprio de clareza, que não é o nível supremo; há, pois, acima delas, a pura intelecção, representada pela segunda secção do inteligível. Aci​ma das ciências, há a dialética, assim chamada porque seu mo​vimento é o de ir, como se faz num diálogo, das opiniões lançadas de início estouvadamente em direção ao princípio que
as funda ou rejeita; daquilo que dizem a respeito de sua especialidade os especialistas, sapateiros, navegadores, homens políticos, ou matemáticos, à definição de suas competências, que necessaria​mente exige que cessem de descrever o que fazem. Porque o geômetra não disse ainda o que é a geometria, nem de que tipo de inteligibilidade ela é, quando diz como é preciso considerá-la para demonstrar uma proposição, nem sequer quando opera uma demonstração diante de seu interlocutor; não cessa de ser ape​nas geômetra quando, praticando a geometria, continua a usar hipóteses como se fossem claras para todo mundo.
Platão responde previamente, e de vez por todas, àqueles que, hoje, pretendem tratar suficientemente do fundamento e do valor da ciência limitando-se a descrever o que ela faz e dispensando a filosofia, encarregando os especialistas de falar sobre sua especialidade. O próprio termo epistemologia, inven​tado há pouco, leva a crer que se sabe o bastante o que são as ciências, quando se fala delas, e que se faz tudo o que se pode, quando se atribui o cuidado de falar disso àqueles que, prati​cando-as, sabem fazê-lo melhor que ninguém. E recusar ver que permanece sempre, depois desse discurso dos competen​tes, por tratar de compreender, como faz Sócrates no Fédon, como é que, na adição de 1+1, vem o número 2 que é sua soma, quando nem o primeiro l é 2, nem o segundo. 
Texto
A respeito disto tome, por exemplo, uma linha seccionada em duas partes, que são dois segmentos desiguais; seccione outra vez, segundo a mesma referência, cada um dos dois segmentos, o do gênero visível como o do gênero inteligível. Assim, quanto a uma rela​ção recíproca de clareza e de obscuridade, você obterá, no visível, seu segundo segmento, as cópias: por cópias, entendo primeiramente as sombras carregadas, em segundo lugar as imagens refletidas na su​perfície da água ou na de todos os corpos que são ao mesmo tempo compactos, lisos e luminosos, com tudo o que é constituído do mesmo tipo. Suponho que você me compreende. — Mas claro, compreendo! — Ponha então o outro segmento com o qual este se parece, os ani​mais de nossa experiência e, no seu conjunto, o gênero do que se procria e do que se fabrica. — Ponho, disse ele. — Você aceitará, ademais, repliquei, falar de uma divisão do visível com relação à verdade e à ausência de verdade? O que o opinável é para o cognoscível, a coisa feita à semelhança o seria em relação àquilo com que se assemelha? —Aceito, disse ele, de todo o coração! — Examine agora de que modo também a secção do inteligível deverá, por sua vez, ser seccionada. — De que modo? — Deste modo: numa das secções do inteligível, a alma, tratando como cópias as coisas que preceden​temente eram as que se imitavam, é obrigada na sua investigação a partir de hipóteses, a caminho, não de um princípio, mas de uma conclusão; mas, em troca, na outra secção, avançando de sua hipóte​se a um princípio não-hipotético, a alma, sem sequer recorrer a es​tas coisas que justamente na primeira secção tratava-se como de cópias, prossegue sua investigação com a ajuda das naturezas es​senciais, tomadas em si mesmas, e movendo-se entre elas. — A lin​guagem que você usa, disse ele, não a compreendo plenamente.
— Pois bem! repliquei, recomecemos! Depois destas explicações você compreenderá, com efeito, mais facilmente. Aqueles que traba​lham em geometria, em cálculo, em tudo aquilo que é desta ordem (você deve, penso, sabê-lo), uma vez que puseram, por hipótese, a existên​cia do ímpar e do par, a das figuras, a de três espécies de ângulos, a de outras coisas ainda da mesma família segundo cada disciplina, procedem quanto a estas noções como quanto às coisas que sabem; manejando-as para seu uso como hipóteses, já não estimam ter que dar absolutamente explicações disso, nem a si mesmos, nem a outrem, como se elas fossem claras para todo mundo; depois, tomando-as como ponto de partida, percorrendo então o resto do caminho, acabam por atingir, permanecendo de acordo consigo mesmos, a pro​posição ao exame da qual poderiam ater-se ao partir. — E! sim, abso​lutamente! disse ele; isso é bem uma coisa que não ignoro! Você deve também saber ainda que, ademais, eles fazem uso de figuras visí​veis e que, a respeito destas figuras, constroem raciocínios, sem ter no espírito estas figuras mesmas, mas as figuras perfeitas de que estas são imagens, raciocinando em vista do próprio quadrado, de sua diagonal em si mesma, mas não em vista da diagonal que tra​çam; e do mesmo modo, quanto às outras figuras! O que eles fazem e cardam, objetos que produzem sombras ou que se refletem na super​fície da água, por sua vez são tratados por eles como cópias, quando tratam de ver as figuras absolutas, objetos cuja visão não deve ser possível para ninguém senão por meio do pensamento. — E verda​de, disse ele, o que você diz. — Assim, pois, enquanto chamava de inteligível este modo de pensar, de outro lado eu dizia que, para aí conduzir sua investigação, a alma é obrigada a recorrer às hipóte​ses, não ir ao princípio, enquanto é impotente para superar o nível das hipóteses, e tratando de cópias estes objetos, que são por sua vez cópias dos fatos que estão abaixo deles, os objetos de que falo tendo, em relação às imitações, obtido no seccionamento a forma de reali​dades evidentes. — Compreendo, disse ele: você quer falar do que se refere à geometria e, também, às disciplinas que são da mesma fa​mília desta.
— Pois bem! compreenda-me ainda quando falo da outra secção do inteligível, a que só o raciocínio atinge, pela virtude do diálogo, sem empregar hipóteses como se elas fossem princípios, mas como o que elas de fato são, a saber, pontos de apoio para nos lançarmos adiante; a fim de que, indo na direção do princípio universal até o que é não-hipotético, o raciocínio, uma vez atingido este princípio, atendo-se a seguir a tudo o que segue este princípio supremo, desça​mos, assim, inversamente em direção a uma conclusão, sem recorrer a nada absolutamente que seja sensível, mas às naturezas essen​ciais apenas, passando por elas para ir até elas, e é nestas naturezas essenciais que vem desembocar seu procedimento. — Compreendo, disse ele (na verdade, não completamente, porque é, na minha opi​nião, de uma grande tarefa que você fala!), que sua intenção certa​mente é a de esclarecer que há mais certeza nesse tipo de realidade, de inteligibilidade, da qual a contemplação pelo espírito é o efeito do conhecimento de uma arte de dialogar; mais que nesta outra, que se refere àquilo que, sob o nome de ciências, toma seus princípios nas hipóteses e onde, naquele que contempla, a contemplação pelo espí​rito é bem a obra de um discurso forçosamente relativo a objetos tomados em si mesmos e sem recurso às sensações, mas onde o exa​me falho, para eles, que partem ao contrário das hipóteses, em vez de remontar ao princípio, as deixa, na sua opinião, incapazes de inteligir estes objetos, embora estes, acompanhados por seu princí​pio, sejam inteligíveis. Este nome de discurso você dá, creio, à ma​neira de pensar própria dos geômetras e de seus pares, em vez de chamá-lo de intelecção, com a idéia de que o discurso é algo de inter​mediário entre a opinião e a pura intelecção.
Platão, La republique (A república), livro VI, Bibliothèque de Ia Plêiade, ed. Gailimard, 1.1, pp. 1098-1101.
ESTUDO DO TEXTO
1) Todo o texto está construído a partir do símbolo da linha, dividida em duas secções desiguais e subdivididas em duas subsecções desiguais: gênero visível ( gênero inteligível
Cada uma das secções representa ao mesmo tempo objetos ordenados segundo seu grau de clareza e os estados de espírito ordenados da menor à maior certeza. Que significa a diferença entre o gênero visível e o gênero inteligível? Pergunte-se, para responder a esta questão, o que é uma som​bra, o que é um reflexo e, de modo geral, o que é uma cópia.
Distribua, primeiro segundo as duas grandes divisões da linha, depois segundo cada uma de suas quatro secções: os objetos; os estados
de espí​rito que estas divisões e estas secções representam.
2) O gênero visível e o gênero inteligível são divididos cada um em duas secções: há pois analogia entre um e outro, dado que a primeira secção do visível é para a segunda o que a primeira secção do inteligível é para a segunda. Pergunte-se o que significa esta analogia.
3) Por que as ciências ocupam a primeira secção do inteligível, quer dizer: por que a primeira secção do inteligível e não a segunda secção do visível? Por que a primeira secção do inteligível e não a segunda secção do inteligível?
Para responder a estas questões, veja, de um lado, como os geômetras usam as figuras sensíveis; de outro lado, como estabelecem suas demons​trações e qual diferença há entre uma hipótese e um princípio.
4) Qual diferença essencial há entre as ciências que ocupam a primei​ra secção do inteligível e a arte do diálogo ou dialética, que ocupa a se​gunda?
Pergunte-se, para responder a esta questão, qual é a diferença entre a "pura intelecção" (em grego, noésis) e o "discurso" (em grego, dianóia); esta diferença coincide com a distinção clássica entre a intuição e o raciocínio?
5) Por que a pura intelecção é chamada de "arte do diálogo"? Indague, para responder a esta questão, o que é um diálogo.
A arte do diálogo ou dialética procede de duas maneiras. Quais são elas? Quais diferenças há entre cada uma destas duas vias e o método dos geômetras? É dito da dialética que ela recorre "às naturezas essenciais apenas". Como você entende isto? Para responder a esta questão, indague o que é a essência de uma coisa. Qual diferença há entre o geômetra e o dialético ou filósofo, dado que ambos consideram a essência das coisas? Para responder a esta questão, interrogue-se sobre a diferença entre o método do geômetra e o do filósofo.
Os Fil�sofos atrav�s dos textos/01 Plat�o 1-6/5 Os desejos ter�veis, selvagens e desregrados.doc
PLATÃO
(428-348)
Nascido em Atenas numa família aristocrática, assiste ao declínio do poder ateniense, à instalação do regime oligárquico dos Trinta Tiranos, que cedo ele execrou por seus crimes. Mas o restabelecimento da democracia reserva-lhe a mais cruel decepção, a condenação e a morte de seu mestre Sócrates (399). Criou a escola da Academia, perto de Atenas (387). Suas três viagens à Sicília, onde esperava exercer a influência de filósofo sobre a política, acabrunham-no com decepção.
PRINCIPAIS OBRAS DE PLATÃO
Protágoras — A apologia de Sócrates — Críton — Górgias — Mênon — Crátilo — O banquete — Fédon — A república (10 livros) — Fedro — Teeteto — Parmênides — O sofista — O político — Timeu —As Leis (12 livros).
5. OS DESEJOS TERRÍVEIS, SELVAGENS E DESREGRADOS
O domínio de si, pelo qual se faz aquilo que se quer, e não o que querem os desejos tirânicos e descontrolados, não é jamais uma aquisição, mas uma conquista. Porque todos os homens, até os mais sábios, têm em si "uma espécie de desejo terrível, selvagem e desregrado", que a razão domina mas não destrói; e a prova de que estes desejos horríveis, de assassínio e de violação, de incesto e de bestialidade, ainda estão aí, ocultos no fundo de nós próprios, é que ainda quando não ousam ressur​gir à luz do dia e se satisfazer realmente, aproveitam do sono da razão para aparecerem nos sonhos.
Qua cada um saiba, pois, que a história sobre o que contém de horrível e de bestial nunca é definitiva, por pouco que rela​xem o comando da razão e a autoridade das leis. Que cada um saiba que não há regime político que não possa, um dia, dege​nerar em tirania.
Não é, pois, de hoje que se sabe que o inferno nos habita, e se dá no sonho a ocasião de mostrar sua face aterradora. Mas este texto, que sob certos aspectos anuncia, em termos singularmente sugestivos, a psicanálise, é, no fundo, profundamente antifreudiano. Não descreve fatos que conduzam a uma psiquiatria: os fatos que evoca constituem uma advertência que introduz a uma ética. E, outrossim, possível tratar dos desejos interditos e bes​tiais, sem por isso nos acharmos em pleno problema moral? Que a experiência do sonho nos instrua, pois, sobre o perigo que a sabedoria mais assentada não cessa de correr, mas que não nos induza a pensar que não se deve tentar nada para diminuir a audá​cia e enfraquecer a força dos desejos selvagens.
É preciso começar por não acreditar, a partir dos sonhos, numa espécie de princípio físico da conservação de sua energia, que não teria nenhum ponto de contato com a arte de viver. Os dese​jos só ousam desregrar estes sonhos se os empazinamos duran​te a vigília com alimento e bebida, se os enchemos com importân​cia e pretensão; mas eles não vêm desfigurar os sonhos daquele que, fugindo da dupla intemperança da saciedade e da privação, os põe no seu lugar. Temos os sonhos que merecemos; com maior razão, como desculpar, por qualquer psicologia, os que cometem realmente os crimes que outros só vêem em sonho?
É preciso saber, também, que a razão não está diretamente às voltas com os desejos selvagens, como se não existisse no ho​mem senão a cabeça e o ventre. A vergonha que os desejos desre​grados nos inspiram, a santa cólera que desencadeia em nós o espetáculo dos crimes aos quais às vezes tais desejos impulsio​nam não têm fonte nem na razão, nem, é claro, na parte dese-jante da alma, contra a qual toma partido a razão. Mas não são também a projeção em nós das normas e da vigilância sociais, como os sofistas crêem, sempre prontos a deixar por conta das circunstâncias de civilização o que nos impede de cometer a injustiça; a vergonha e a santa cólera provêm do coração, esta parte da alma intermediária entre o desejo e a razão, da qual os arroubos combatem as vergonhosas torpezas, mas pertur​bam a contemplação serena da verdade.
Texto
Dentre aqueles prazeres ou desejos que não são necessários há, em meu entendimento, os que são desregrados: cada um está exposto a encontrá-los em si; mas, de outro lado, há a possibilidade, se eles são reprimidos pelas leis e pelos desejos que valem mais, que alguns ho​mens, com o concurso do raciocínio, ou se desembaracem deles completamente, ou então só os deixem subsistir em pequeno número e sem força; há a possibilidade também que ganhem força e número. — Quais são, perguntou ele, estes desejos dos quais você quer falar? — São, respondi, os que despertam por ocasião do sono, todas as vezes que dorme a parte da alma cujo papel é raciocinar e comandar outrem pela doçura, enquanto a parte bestial e selvagem, enchendo-se de ali​mento ou bebida, se agita e, repudiando o sono, trata de tomar a dian​teira e de saciar sua própria inclinação. Você sabe muito bem que, em tal ocorrência, não há audácia diante da qual esta recue, como desata​da, desembaraçada de toda vergonha e de toda reflexão: nem, com efeito, diante da idéia de querer se unir à sua mãe ou a não importa quem, homem, divindade, besta; de se manchar com não importa qual assassínio; de não se abster de alimento algum. Numa palavra, em ponto algum está a salvo da desrazão nem da indiferença à vergonha. _ Sua linguagem, diz ele, é a própria verdade!
Mas todas as vezes imagino que, ao contrário, se tem a saúde em seu foro interior e uma sábia moderação; que se passa ao sono depois de ter acordado o elemento de si que raciocina e calcula; que se fez seu festim de belos discursos e de belas reflexões; que se alcan​çou a concentrar sobre si mesmo sua meditação pessoal; que não nos entregamos a função desejante nem às privações nem à saciedade, a fim de adormecê-la e de impedi-la de vincular ao que há de melhor, o tumulto de suas alegrias ou de suas tristezas, que, antes, permitiu-se àquele ter por si mesmo, de acordo consigo mesmo, sozinho, na pureza de seus exames e de suas aspirações, a percepção de alguma coisa que não conhece, coisa passada, atual, futura; que, depois de ter de tal modo apaziguado o elemento que se caracteriza pelo ardor do sentimento, adormecemos sem que, com um coração agitado, fi​quemos encolerizados contra
tal ou tal; todas as vezes, ao contrário, que, depois de haver tranqüilizado estas duas formas da alma e de haver dado impulso à terceira, aquela na qual se produz o ato de pensar, experimenta-se assim o repouso; você não sabe que é neste estado que se está, no mais alto grau, em contato com a verdade e que também é o mínimo possível do desregramento das visões que nos aparecem em nossos sonhos? — Sim, claro! disse ele: é perfeita​mente o estado do qual você fala! — Pois bem! deixamos prolongar excessivamente esta digressão! Mas nosso propósito é de bem com​preender que, decididamente, há em cada um de nós uma espécie de desejo terrível, selvagem, desregrado; e é nossa opinião que dá-se o mesmo com algumas pessoas que, dentre nós, são completamente comedidas. Ora, a consideração dos sonhos tornou isso manifesto, como vimos; pois bem, reflita sobre isso, veja se minha opinião vale, a seus olhos, e se você adere a ela. — Mas adiro!
Platão, La republique (A república), livro IX, Bibliothèque de Ia Plêiade, Gailimard, 1.1, pp. 1174-1176.
ESTUDO DO TEXTO
1) Por que os desejos desregrados só podem se achar dentre os dese​jos que não são necessários? A repressão desses desejos desregrados pode algo, ou nada, quanto à sua força e seu número?
2) Quais são os desejos desregrados? Que nomes lhes daríamos hoje? Que é que explica que despertem por ocasião do sono? Quais são as partes da alma que estão no sono quando eles despertam? Para responder a esta questão, note que estão desembaraçados de toda vergonha e de toda refle​xão. Quais são as funções da razão? Em que sentido ela é doce? Os desejos des​regrados aparecem em todos os sonhos? Quando temos sonhos horríveis?
3) Mostre, a partir do texto, que o conteúdo de nossos sonhos depende de nossa conduta. Para apaziguar a parte concupiscente da alma, é preciso satisfazê-la ou ridicularizá-la?
Os que descobrem, durante o sono, a verdade, são beneficiários do dom gratuito da inspiração?
4) Por que é importante compreender que existe em cada um de nós uma espécie de desejo terrível, selvagem, desregrado? Por que Platão su​blinha que ele existe até para aqueles que são completamente comedidos?
Os Fil�sofos atrav�s dos textos/01 Plat�o 1-6/6 A necessidade das leis.doc
PLATÃO
(428-348)
Nascido em Atenas numa família aristocrática, assiste ao declínio do poder ateniense, à instalação do regime oligárquico dos Trinta Tiranos, que cedo ele execrou por seus crimes. Mas o restabelecimento da democracia reserva-lhe a mais cruel decepção, a condenação e a morte de seu mestre Sócrates (399). Criou a escola da Academia, perto de Atenas (387). Suas três viagens à Sicília, onde esperava exercer a influência de filósofo sobre a política, acabrunham-no com decepção.
PRINCIPAIS OBRAS DE PLATÃO
Protágoras — A apologia de Sócrates — Críton — Górgias — Mênon — Crátilo — O banquete — Fédon — A república (10 livros) — Fedro — Teeteto — Parmênides — O sofista — O político — Timeu —As Leis (12 livros).
6. NECESSIDADE DAS LEIS
Sem leis, a vida social seria impossível, porque sem elas o interesse comum seria completamente esquecido e achincalhado em favor do interesse individual, potente e tumultuosa força que suplanta a razão. Sem leis, não há governo do Estado, porque o magistrado, sem dúvida mais que qualquer outro homem, está submetido à condição humana, de esquecer a fidelidade devida ao interesse comum em favor de seu próprio interesse. As leis são, pois, necessárias para paliar a cegueira e a inconstância dos homens, especialmente dos homens de Estado: porque, su​pondo-se que não sejam cegos na escolha do melhor, permanece​ria ainda o mais difícil, que é pôr o melhor fielmente em prática. A lei reconduz, se preciso pela imposição, os espíritos extravia​dos que a razão não ilumina e nem sempre conduz.
Mas, se são necessárias, as leis são só necessárias. Não são absolutamente o substituto da inteligência e da ciência do bem; não têm autoridade sobre a inteligência. Platão responde aí, de vez por todas, ao partido da ordem, que sempre pretende tornar a lei o diretor exclusivo da consciência e que sempre quer a obediência sem a inteligência.
Não é verdade que Platão, em As Leis, voltando atrás a res​peito da idéia do rei-filósofo, transporte a realeza da filosofia à lei; permanece verdade que o governo de nós próprios está no interior de nós, na filosofia. Mas é preciso saber também que os homens e, singularmente os que estão investidos de poder, são o que são. Isto situa as leis no seu verdadeiro lugar, ao abri​go do desprezo dos sonhadores, que, esquecendo o que são real​mente os homens, julgam-nos inúteis, mas também abaixo do nível supremo, onde os seus adoradores gostariam de elevá-las.
Texto
No exame de toda esta ordem de questões, é preciso certamente dar um prefácio, no gênero deste: "É decididamente indispensável aos homens atribuírem-se leis e viverem conforme a estas leis; de outro modo, não existe nenhuma diferença entre eles e os animais que, sob todos os aspectos, são os mais selvagens. E eis qual a razão disso: não há, absolutamente, nenhum homem que nasça com apti​dão natural tanto de discernir pelo pensamento o que é vantajoso para a humanidade em vista da organização política, quanto, uma vez discernido isto, de possuir constantemente a possibilidade, como a vontade, de realizar na prática o que vale mais. Em primeiro lu​gar, é difícil, com efeito, reconhecer a necessidade, para uma arte política verdadeira, de se preocupar, não com o interesse individual, mas com o interesse comum, porque o interesse comum forma a coe​são dos Estados, enquanto o interesse individual os desagrega bru​talmente; difícil, ademais, reconhecer que a vantagem, ao mesmo tempo do interesse comum e do interesse individual, de ambos conjuntamente, é que se ponha em boa condição o que é de interesse comum, mais que o que é de interesse individual. Em segundo lugar, supondo que porventura se tenha adquirido nas condições científi​cas exigidas o conhecimento desta necessidade natural, supondo, ademais, que no Estado se seja investido de sabedoria absoluta e que não se tenha contas a prestar, não seria nunca possível que se permanecesse sempre fiel a esta convicção, isto é, que ao longo de toda a vida se mantenha no lugar superior o interesse comum e o interesse individual em estado de subordinação quanto ao interesse comum. Ao contrário, a natureza mortal impulsionará o homem cons​tantemente à cobiça do ter mais e à atividade egoísta; esta natureza, que foge irracionalmente da pena, que persegue irracionalmente o prazer, fará de uma e de outra dessas coisas um anteparo ante do que é o mais justo e o melhor; produzindo assim a obscuridade em si mesma, acabará por encher de todos os males ao mesmo tempo a si própria e ao Estado no seu conjunto. Bem entendido, se algum dia nascesse um homem que, em virtude de uma graça divina, possuísse por natureza a capacidade de unir uma a outra as duas condições de que falei, não teria necessidade alguma de leis para reger sua con​duta pessoal; não há, com efeito, nem lei, nem regulamento algum que tenha poder superior ao do saber, e não é também permitido submeter a inteligência ao que quer que seja, menos ainda torná-la uma escrava, ela a quem pertence, ao contrário, legítima autoridade sobre todas as coisas: sob esta precisa condição, contudo, que seja uma inteligência autêntica, uma inteligência realmente livre em conformidade com sua natureza. Mas é fato que em lugar algum é inteiramente assim, senão numa medida bem restrita. Eis, pois, por que é a alternativa de segundo nível que é preciso escolher, a da regulamentação e da lei, as quais têm, seguramente, uma visão do que é ordinário e fixam sobre ele o seu olhar, mas são impotentes em praticar o mesmo em relação a tudo".
Platão, Lês lois (As Leis), livro IX, Bibliothèque de Ia Plêiade, Gailimard, t. II, pp. 989-991.
ESTUDO DO TEXTO
1) A ordem de questões de que se trata é a ordem das questões jurídi​cas
e, particularmente, das questões de direito penal. O conjunto do texto é um prefácio, isto é, uma exposição de motivos das leis em geral. A quem se dirige especialmente este prefácio?
2) Por que, se os homens não se atribuíssem leis e não vivessem con​forme a elas, seriam semelhantes, não a qualquer animal, mas aos animais mais selvagens? Pode-se dizer que o homem é um animal naturalmente político?
Que significa dizer que a arte política é uma arte? A arte política é difícil; donde provém sua dificuldade? Para responder a esta questão, examine atentamente as duas razões dadas por Platão.
3) Platão recusa absolutamente que um homem de Estado seja investi​do de soberania absoluta, isto é, de um poder que não tem que prestar contas? Que é que torna legítimo tal poder soberano?
Um poder soberano está, por natureza, acima das leis? Que é que, con​tudo, torna necessária a existência das leis?
4) Qual é o sentido da suposição de que nasça algum dia um homem que não teria necessidade de leis para regrar sua conduta? A lei é por si mesma seu próprio fundamento e sua própria justificação?
Recusando-se tomar a inteligência a escrava da lei, qual concepção da lei Platão condena? Explique o que Platão quer dizer quando afirma que a lei visa somente que é ordinário.
Os Fil�sofos atrav�s dos textos/02 Arist�teles 7-9/7 A troca e a moeda.doc
ARISTÓTELES
(384-322)
Nasceu em Estagira, na Macedônia. Seu pai, Nicômaco, era médico. Torna-se discípulo de Platão na Academia (366). É chamado a ser o preceptor de Alexan​dre, filho de Felipe da Macedônia (343). De volta a Atenas, funda o Liceu, escola rival da Academia. Ameaçado com um processo de impiedade, refugia-se de Ate​nas em Caleis, numa ilha da Eubéia (323).
PRINCIPAIS OBRAS DE ARISTÓTELES
A obra conservada de Aristóteles não foi publicada pelo próprio Aristóteles, e os títulos dos trabalhos não são de Aristóteles, mas de seus editores:
Organon, que compreende: Categorias — Da interpretação — Primei​ros analíticos — Segundos analíticos — Tópicos —Refutações sofísticas, trad. francesa Tricot, Vrin (5 volumes). Ética a Nicômaco, trad. francesa Tricot, Vrin, ou trad. de Voilquin, Garnier-Flammarion.
Física, texto e trad. franceses Carteron, Lês Belles Lettres (2 volumes). Metafísica, trad. francesa Tricot, Vrin (2 volumes). A Política, trad. francesa Tricot, Vrin (2 volumes), ou texto e trad. fran​ceses Aubonnet, Lês Belles-Lettres (3 volumes).
7. A TROCA E A MOEDA
O que se troca são bens, isto é, coisas úteis. Mas as coisas úteis são as que satisfazem uma necessidade, e a necessidade pode ser mais ou menos premente, segundo as circunstâncias. Ora, é preciso que a troca seja justa, enquanto as circunstân​cias não o são: a necessidade premente de uma casa conduzirá o sapateiro a dar, para adquiri-la, um número exagerado de calçados. Como, pois, conseguir que a troca seja justa, isto é, que sejam iguais os bens trocados?
Não o são por suas propriedades intrínsecas: como compa​rar uma casa e calçados? A igualdade dos bens trocados não é uma igualdade constatada, mas uma igualdade feita; resulta da possibilidade de troca desses bens com um bem tomado como referência universal. A igualdade de bens trocados não é, pois, logicamente anterior à troca, mas posterior a ela. O que se chama hoje de valor de troca dos produtos, ou ainda de seu valor econômico, não é propriedade intrínseca das coisas, mas resulta da própria troca. O estalão ou a referência uni​versal, graças a que os bens trocados são tornados compa​ráveis, é uma mercadoria, posto que sua qualidade de estalão provém de sua troca ou ajuste possível com não importa qual produto. Quando Aristóteles declara que houve trocas antes do emprego da moeda, não quer dizer que as trocas eram pos​síveis antes da escolha de um produto como estalão; quer di​zer que a moeda sucede ao estalão e que, por conseqüência, sua verdadeira natureza é a de ser mercadoria, promo​vida ao nível de unidade de medida e portadora de uma re​presentação. As presentes análises anunciam as de Marx, que se compraz em reconhecer em Aristóteles um grande pensa​dor.
Texto
Tomemos, por exemplo, um arquiteto A, um sapateiro B, uma casa C, um calçado D. E preciso que o arquiteto receba do sapatei​ro o trabalho deste e que lhe dê em troca o seu. Se, pois, primeira​mente, é realizada esta igualdade proporcional e se, em segundo lu​gar, a reciprocidade existe, as coisas se passarão como acabamos de dizer. Sem isso, a igualdade será destruída e estas relações não exis​tem mais. Porque nada impede então a obra de um ter primazia sobre a obra do outro. E preciso pois torná-los iguais. Isto existe tam​bém nas outras artes; desapareceriam se o que faz a parte atuante, em quantidade e qualidade, não fosse suportado pela parte que é paciente, nas mesmas condições. Não pode existir comunidade de relações entre dois médicos; em contrapartida, a coisa é possível en​tre um medido e um lavrador, e, de modo geral, entre pessoas di​ferentes e de situação dessemelhante. Contudo, é indispensável, pri​meiro, torná-los iguais. Também é preciso que todas as coisas sejam de algum modo comparáveis, quando se quer trocá-las. É por isso que se recorre à moeda que é, por assim dizer, um intermediário. Ela mede tudo, o valor superior de um objeto e o valor inferior de outro; por exemplo, quantos calçados é preciso para equivaler a uma casa ou à alimentação de uma pessoa. É preciso, pois, mantendo a rela​ção entre o arquiteto e o sapateiro, número proporcional de calça​dos para equivaler a uma casa ou à alimentação de uma pessoa, sem o que não haverá nem troca nem comunidade de relações. Esta rela​ção não seria realizada, se não existisse meio de estabelecer a igual​dade entre coisas dessemelhantes. É pois necessário referir-se para tudo a uma medida comum, como dissemos antes. E esta medida é exatamente a necessidade que temos uns dos outros, a qual salva​guarda a vida social; porque, sem necessidade e sem necessidades semelhantes, não haveria trocas, ou as trocas seriam diferentes. A moeda torna-se, por assim dizer, em virtude de uma convenção, meio de troca para o que nos faz falta. E por isso que se deu a ela o nome de nómisma, porque ela é de instituição não natural, mas legal (nómos: lei), e está ao nosso alcance, seja mudá-la, seja decretar que ela não servirá mais. Em conseqüência, estas trocas recíprocas se da​rão, quando se tiverem tornado iguais os objetos. A relação que exis​te entre o camponês e o sapateiro deve se encontrar no trabalho de um e de outro. Contudo, não é no momento em que se fará a troca que é preciso pôr esta relação de proporção; de outro modo, um dos termos extremos teria duplamente a superioridade da qual faláva​mos há pouco; é no momento em que cada um está ainda na posse de seus produtos. Sob esta condição, as pessoas são iguais e verdadeiramente associadas porque a igualdade em questão está em seu po​der; por exemplo, um camponês A, certa quantidade de alimento C, um sapateiro B e o trabalho deste D, que se estima equivaler a esta quantidade. Se não se pudesse estabelecer esta reciprocidade, não haveria comunidade social possível/Quanto ao fato de que é a neces​sidade que mantém a sociedade, como uma espécie de laço, eis aqui a prova: se duas pessoas não têm necessidade uma da outra, ou se uma delas não tem necessidade da outra, não trocam nada. É o con​trário se se tem necessidade do que é propriedade de outra pessoa, por exemplo, do vinho, e que se dê o seu trigo para levar. Eis por que estes produtos devem ser avaliados. Para a transação vindoura, a moeda nos serve, de algum modo, como garantia e, admitindo que nenhuma troca ocorra imediatamente, nós a teremos à nossa dispo​sição em caso de necessidade. É preciso, pois, que o que dispõe de dinheiro tenha a possibilidade de receber esta troca da mercadoria. Esta moeda mesma experimenta depreciação, não tendo sempre o mesmo poder de compra. Contudo, ela tende mais a ser estável. Em conseqüência do que é necessário
que todas as coisas sejam avaliadas; nestas condições, a troca será sempre possível e, logo, a vida social. Assim, a moeda é uma espécie de intermediário que serve para apreciar todas as coisas, reconduzindo-as a uma medi​da comum. Porque, se não houvesse trocas, não seria possível exis​tir vida social; não existiria também troca sem igualdade, nem igual​dade sem medida comum. Notemos que em si é impossível, para objetos tão diferentes, torná-los comensuráveis entre si, mas, para o uso corrente, chega-se a isto de modo satisfatório. Basta encon​trar um estalão, qualquer que seja — e isto, em virtude de uma convenção, donde o nome de nómisma dado à moeda. Ela submete tudo, com efeito, a uma mesma medida; tudo se avalia por moeda. Sejam uma casa A, dez minas que designamos por B, um leito C; suponhamos que A seja a metade de B, a casa custando cinco minas ou equivalendo a cinco minas; o leito C, sendo a décima parte de B, vê-se claramente quantos leitos equivalem a uma casa, são cinco leitos. E que se realizavam trocas antes do emprego da moeda, é bem evidente; pouco importa que a troca se refira a cinco leitos con​tra uma casa ou contra qualquer objeto correspondendo, em valor, a cinco leitos.
Aristóteles, Éthique à Nicomaque (Ética a Nicômaco), livro V, 
cap. V, Garnier — Flammarion, pp. 133-135.
ESTUDO DO TEXTO
1) Quais são as duas condições da troca?
Que é uma igualdade proporcional ou proporção? Por que é preciso que a igualdade proporcional, e não a igualdade aritmética, seja realizada, para que a troca seja justa?
A troca se refere única e estritamente às coisas trocadas? A que se refere o ato de igualar e por que é indispensável?
2) Mostre, a partir do texto, que a moeda, porque é uma medida comum, é necessariamente um intermediário e que é necessariamente, não dada naturalmente, mas instituída. Não basta, para caracterizar a moeda, dizer que ela é uma medida comum; Aristóteles acrescenta que ela "mede tudo". Aprecie o sentido e o alcance desta afirmação.
3) Por que a medida comum é a necessidade que temos uns dos ou​tros? Indague, para responder a esta questão, se a medida comum não seria vazia de sentido, no caso em que as necessidades de uns não fossem também as necessidades dos outros.
A moeda é "um meio de troca do que nos faz falta"; como designamos, hoje, esta característica da moeda? Em que a moeda é convencional? A convenção é sinônimo de arbitrário?
4) Levante as razões pelas quais "não é no momento em que se fará a troca que é preciso adotar esta relação de proporção". Sob que condição o preço de uma mercadoria é seu- preço justo?
5) A moeda extrai seu significado da troca atual ou da possibilidade de trocar? A resposta a esta questão permitirá encontrar de novo os termos pelos quais designamos hoje esta característica da moeda. A moeda serve de garantia: explique por quê. Tem-se o direito de recusar dinheiro em troca de uma mercadoria ou de um serviço? Aprofunde as razões pelas quais se justifica o nome grego, nómisma, da moeda.
6) Como Aristóteles pode afirmar ao mesmo tempo que a troca não pode existir sem uma medida comum universal, e que se pode fazer trocas antes do emprego da moeda?
A permuta e o comércio são trocas de natureza profunda e essencial​mente diferentes? A resposta a esta questão o levará a refletir sobre o sig​nificado originário da moeda.
Os Fil�sofos atrav�s dos textos/02 Arist�teles 7-9/8 O Rei e o Magistrado.doc
ARISTÓTELES
(384-322)
Nasceu em Estagira, na Macedônia. Seu pai, Nicômaco, era médico. Torna-se discípulo de Platão na Academia (366). É chamado a ser o preceptor de Alexan​dre, filho de Felipe da Macedônia (343). De volta a Atenas, funda o Liceu, escola rival da Academia. Ameaçado com um processo de impiedade, refugia-se de Ate​nas em Caleis, numa ilha da Eubéia (323).
PRINCIPAIS OBRAS DE ARISTÓTELES
A obra conservada de Aristóteles não foi publicada pelo próprio Aristóteles, e os títulos dos trabalhos não são de Aristóteles, mas de seus editores:
Organon, que compreende: Categorias — Da interpretação — Primei​ros analíticos — Segundos analíticos — Tópicos —Refutações sofísticas, trad. francesa Tricot, Vrin (5 volumes). Ética a Nicômaco, trad. francesa Tricot, Vrin, ou trad. de Voilquin, Garnier-Flammarion.
Física, texto e trad. franceses Carteron, Lês Belles Lettres (2 volumes). Metafísica, trad. francesa Tricot, Vrin (2 volumes). A Política, trad. francesa Tricot, Vrin (2 volumes), ou texto e trad. fran​ceses Aubonnet, Lês Belles-Lettres (3 volumes).
8. O REI E O MAGISTRADO
Quando se trata de distinguir, para além das diferenças menores, as formas fundamentais da autoridade, temos hoje o hábito de classificar os regimes políticos em duas grandes categorias, as monarquias e as repúblicas. Nada aparentemente mais claro, nada de mais confuso, na realidade, porque uma monarquia é um regime onde um só detém o poder, e a idéia de república alude, não ao número daqueles que governam, mas à participação de todos, de um modo ou de outro, nos assuntos públicos. Embora falte-lhe rigor, esta classificação não é, contu​do, destituída de verdade, porque contém também a distinção, é verdade que frequentemente implícita e mal compreendida, da eleição e da herança como fontes, num e noutro caso, do poder.
E esta distinção fundamental que Aristóteles faz aí. A dife​rença essencial é entre o rei, que extrai seu poder da heredi​tariedade, e o magistrado, que o extrai da eleição; põe em segun​do plano as diferenças que se atêm ao número dos governantes, ao modo de eleição, em geral àquilo que se chamava hoje de direito constitucional. É preciso ainda compreender o sentido desta diferença. Responde a duas concepções de autoridade. A do rei está fundada na superioridade que conferem a ancianidade, por si mesma venerável, da dinastia e a afeição análo​ga à de um pai que quer o bem de suas crianças e que sabe, sendo o pai, melhor que elas, o que é bom para elas. A essência do poder real é a superioridade natural do rei sobre seus súdi​tos, tal que, em conseqüência, ninguém, dentre os súditos, pode pretender a realeza. A autoridade do magistrado está fundada no princípio da igualdade de todos os cidadãos, igualmente membros do Estado: todos podem pretender o poder; e é da natureza de um magistrado ser só o titular de uma função que pode, em seguida, ser ocupada por outro; sua autoridade de​corre da função que ele ocupa, não de ele mesmo ser, por natu​reza, superior aos outros cidadãos.
Nenhuma destas duas formas de autoridade, característi​cas dos dois grandes tipos de regime político, é arbitrária ou ilegítima. Ambas têm seu análogo na natureza: o rei é como o pai em relação a seus filhos, o magistrado é como o marido em relação à sua esposa. Mas não são igualmente boas, porque não são igualmente próprias para o governo de uma cidade digna deste nome; só o magistrado é, propriamente falando, um homem político, porque os membros de uma cidade são to​dos igualmente cidadãos, e um rei não reina sobre seus iguais.
Quanto à autoridade que um senhor (.despotés) exerce sobre seus escravos, ela não pode ser comparada nem à de um rei, nem à de um magistrado: os regimes despóticos não são de modo algum verdadeiros regimes políticos.
Texto
Diz-se que existiam três partes na administração doméstica: uma concerne à autoridade do senhor, da qual já se falou, outra à do pai, a terceira à do esposo. O chefe de família exerce sua autoridade so​bre sua mulher e sobre seus filhos como sobre seres igualmente li​vres, mas esta autoridade é diferente num e noutro caso: é para a mulher a autoridade de um homem do Estado e para as crianças a de um rei. O homem é por natureza mais apto a comandar que a mulher (salvo exceção contra a natureza), como a idade e a maturi​dade o são mais que a juventude e a falta de maturidade. Na maior parte dos regimes onde os cidadãos governam, estes são alternativa​mente governantes e governados, porque todos tendem por sua natu​reza
a uma igualdade sem nenhuma diferença; contudo, quando uma parte dos cidadãos governa e outra é governada, os primeiros bus​cam obter uma diferença pelas atitudes, pelos títulos e pelas marcas da honra, que evocam a palavra de Amasis sobre seu lava-pés. Entre o homem e a mulher esta relação de superioridade existe sempre.
A autoridade do pai sobre seus filhos, ao contrário, é real; o pai tem autoridade fundada sobre a afeição e sobre a superioridade da idade: é precisamente o caráter distintivo da autoridade real. É por isso que Homero tem razão de invocar, como "pai dos homens e dos deuses", Zeus, que é o rei de todos estes seres. O rei deve ter uma su​perioridade natural, embora seja da mesma raça que seus súditos; ora, tal é justamente a relação do mais velho com o mais jovem, do pai com o filho.
Aristóteles, Politique (Política), livro I, cap. XII, Lês 
Belles-Lettres, pp. 34-35.
ESTUDO DO TEXTO
1) É preciso ler linearmente a enumeração da autoridade do senhor, da do pai e da do esposo, ou é preciso separar estes três tipos de autoridade em duas categorias?
Por que só a autoridade do pai e a autoridade do esposo são compará​veis às duas formas de autoridade política?
2) Em que está fundada a autoridade do pai sobre seus filhos? Há iden​tidade ou analogia entre a autoridade de um rei e a autoridade de um pai? Aristóteles quer dizer que o rei é necessariamente mais velho que algum de seus súditos? Explique em que a autoridade de um rei, como a autoridade de um pai, estão fundadas na afeição.
3) Qual diferença essencial há entre um rei e um magistrado? Em que a autoridade de um magistrado e a do esposo são análogas? Por que esta analogia pode ser sustentada, embora o marido e a mulher não sejam como os governantes e os governados, que são alternativamente governantes e governados?
As diferenças que um magistrado em exercício trata de obter, em rela​ção aos governados, são diferenças de natureza? Amasis, de nascimento obscuro, tendo ascendido ao poder, acreditava que da mesma maneira que se a bacia de ouro que tivesse servido para lavar os pés de seus convivas, fosse transformada na estátua de um deus, esta deveria ser tratada não segundo o que foi, mas segundo o que é. Por que Aristóteles cita a palavra de Amasis? Que lição ele tira disso?
Os Fil�sofos atrav�s dos textos/02 Arist�teles 7-9/9 Os futuros contingentes.doc
ARISTÓTELES
(384-322)
Nasceu em Estagira, na Macedônia. Seu pai, Nicômaco, era médico. Torna-se discípulo de Platão na Academia (366). É chamado a ser o preceptor de Alexan​dre, filho de Felipe da Macedônia (343). De volta a Atenas, funda o Liceu, escola rival da Academia. Ameaçado com um processo de impiedade, refugia-se de Ate​nas em Caleis, numa ilha da Eubéia (323).
PRINCIPAIS OBRAS DE ARISTÓTELES
A obra conservada de Aristóteles não foi publicada pelo próprio Aristóteles, e os títulos dos trabalhos não são de Aristóteles, mas de seus editores:
Organon, que compreende: Categorias — Da interpretação — Primei​ros analíticos — Segundos analíticos — Tópicos —Refutações sofísticas, trad. francesa Tricot, Vrin (5 volumes). Ética a Nicômaco, trad. francesa Tricot, Vrin, ou trad. de Voilquin, Garnier-Flammarion.
Física, texto e trad. franceses Carteron, Lês Belles Lettres (2 volumes). Metafísica, trad. francesa Tricot, Vrin (2 volumes). A Política, trad. francesa Tricot, Vrin (2 volumes), ou texto e trad. fran​ceses Aubonnet, Lês Belles-Lettres (3 volumes).
9. OS FUTUROS CONTINGENTES
O que dizemos não é verdade somente porque o dizemos: uma proposição só é verdadeira se é conforme à realidade. Tal é a regra que domina todas as outras e na qual consiste a ver​dadeira lógica. Mas a esquecemos sempre, por falta de vigiar nosso discurso, o qual nos envolve apesar de nós e que nos leva a crer que somos de uma lógica imperturbável no momento mesmo em que apenas falamos. Vejam como nasce o fatalismo, esta crença tão perigosa para a ação e no fundo tão pueril, se​gundo a qual o que quer que façamos, um acontecimento se produzirá necessariamente, ou então, o que quer que façamos, necessariamente não se produzirá. Para que então os esforços dos diplomatas para evitar a guerra, se necessariamente deve acontecer uma batalha naval? Para que então o engenho dos almirantes, se necessariamente uma batalha naval não deve se produzir?
O fatalista é um homem que deixa funcionar em si as re​gras do discurso, esquecendo o que diz, isto é, esquecendo o sentido destas regras. Cada um conhece a regra das proposi​ções opostas contraditoriamente: se uma é verdadeira, a outra é necessariamente falsa; duas proposições contraditórias não podem ser nem ambas verdadeiras, nem ambas falsas; consti​tuem uma alternativa. Duas proposições são contraditórias quando uma é a negação da outra. Por exemplo, a proposição:
Todo homem é mortal, é oposta contraditoriamente à proposi​ção: Não [todo homem é mortal], melhor dizendo: Alguns ho​mens não são mortais.
Duas proposições só podem ser contraditórias nos dois ca​sos: se seu sujeito universal (por exemplo, o homem) é, como diríamos hoje, quantificado, isto é, considerado quer na sua totalidade (todo homem) quer na sua parte (alguns homens); se seu sujeito é singular (Sócrates, ou tal batalha naval). Por exemplo, as proposições: Haverá amanha uma batalha naval, Não haverá, são contraditórias. E está feito. Se uma destas duas proposições, por exemplo: Haverá amanha uma batalha naval, é necessariamente verdadeira, a outra é necessariamente falsa; é impossível que não haja amanhã uma batalha naval; faça depois o que você quiser, isso não mudará nada no que resulta da estrita aplicação da regra das contraditórias. E não diga que os acontecimentos futuros são exceção: a regra das contraditórias se aplica muito bem às proposições cujo sujeito é singular, quer esteja no passado, no presente ou no futuro.
Não se trata, com efeito, de defender mal e fracamente o fatalismo, indo buscar exceções às regras; não se trata de en​fraquecer a lógica, mas de situá-la devidamente. Desejar-se-ia que a necessidade lógica fosse a necessidade da existência, quando ela é só a necessidade do possível; o fatalismo é só um exemplo particularmente marcante deste contra-senso. Qual​quer que seja o par de proposições ao qual se aplique, a regra das contraditórias significa, não que o que é dito por uma ne​cessariamente existe, e que o que é dito pela outra necessaria​mente não existe, mas que necessariamente se uma das duas é verdadeira, necessariamente a outra é falsa.
A lógica não autoriza absolutamente a dizer que haverá ama​nhã uma batalha naval; diz somente que, se é possível haver amanhã uma batalha naval, então necessariamente a outra possibilidade, que não haja, estará excluída. A necessidade estabelecida pela regra das contraditórias é uma necessidade hipotética, não uma necessidade absoluta. Porque o discurso nunca evoca senão os possíveis; não força nunca a existir ou a não existir; só o choque das frotas inimigas permitirá que ama​nhã haja uma batalha naval, e a vontade dos almirantes de evitar o confronto é que conseguirá que não haja.
Texto
Que o que é seja, quando é, e que o que não é não seja, quando não é, eis o que é verdadeiramente necessário. Mas isso não significa que tudo o que é deva necessariamente existir e que tudo o que não é deva necessariamente não existir; porque não é a mesma coisa dizer que todo ser, quando é, é necessariamente, e dizer, de modo absoluto, que é necessariamente. Dá-se o mesmo quanto a tudo o que não é. E a mesma distinção que se aplica às proposições contra​ditórias. Cada coisa, necessariamente, é ou não é, será ou não será, e, contudo, se são enfocados separadamente estes ramos da alterna​tiva, não se pode dizer qual dos dois é necessário. Dou um exemplo. Necessariamente haverá amanhã uma batalha naval ou não have​rá; mas não é necessário que haja amanhã uma batalha naval, nem necessário que não haja. Mas que haja ou que não haja amanhã uma

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