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HOBSBAWM, Eric - Podemos Escrever a História da Revolução Russa

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19.	PODEMOS	ESCREVER	A	HISTÓRIA	DA
REVOLUÇÃO	RUSSA?
Este	texto,	aqui	publicado	pela	primeira	vez,	foi	apresentado	como	“Isaac
Deutscher	Lecture”	em	Londres,	em	3	de	dezembro	de	1996.	Seu	objetivo	é
discutir,	entre	outros	temas,	o	problema	da	história	contrafactual	(“e	se...”).
	
Escolhi	 meu	 tema	 como	 um	 tributo	 a	 Isaac	 Deutscher,	 cuja	 obra	 mais
permanente	 é	 um	 clássico	 na	 história	 da	 Revolução	 Russa,	 ou	 seja,	 sua
biograƘa	de	Trótski.	Assim,	a	resposta	imediata	a	essa	pergunta	do	título	é,
obviamente,	sim.
Mas	 isso	 deixa	 em	 aberto	 a	 questão	 mais	 ampla:	 podemos	algum	 dia
escrever	 a	 história	 deƘnitiva	 de	 alguma	 coisa	 —	 não	 apenas	 a	 história
conforme	vista	hoje,	ou	em	1945	—,	inclusive,	é	claro,	da	Revolução	Russa?
Nesse	caso,	em	um	sentido	óbvio	a	resposta	é	não,	a	despeito	do	fato	de	que
há	 uma	 realidade	 histórica	 objetiva,	 que	 os	 historiadores	 investigam,	 para
estabelecer,	entre	outras	coisas,	a	diferença	entre	fato	e	Ƙcção.	Somos	livres
para	crer	que	Hitler	fugiu	dos	russos	e	se	refugiou	no	Paraguai,	mas	não	foi
assim.	 Todavia,	 cada	 geração	 faz	 suas	 próprias	 perguntas	 novas	 sobre	 o
passado.	 E	 todas	 continuarão	 a	 fazer	 isso.	 Lembremos	 também	 que	 na
história	 do	mundo	moderno	 estamos	 lidando	 com	uma	 acumulação	 quase
inƘnita	 de	 registros	 públicos	 e	 privados.	 Não	 há	 jeito	 nem	 mesmo	 de
imaginar	o	que	os	futuros	historiadores	procurarão	e	descobrirão	neles	que
nós	 não	 havíamos	 pensado.	 Os	 arquivos	 revolucionários	 franceses
mantiveram	 os	 historiadores	 ocupados	 durante	 duzentos	 anos,	 e	 não	 há
nenhum	 indício	 de	 que	 os	 retornos	 estejam	 decrescendo.	 Mal	 estamos
começando	 a	 escalar	 o	 himalaia	 de	 documentação	 dos	 arquivos	 soviéticos.
Portanto,	não	é	possível	uma	história	deƘnitiva.	No	entanto,	a	história	como
atividade	séria	é	possível	porque	os	historiadores	podem	concordar	sobre	o
que	 estão	 falando,	 sobre	 quais	 questões	 estão	 discutindo	 e	 até	 sobre	 boa
parte	 das	 respostas	 para	 reduzir	 suas	 diferenças	 o	 bastante	 para	 o	 debate
significativo.
No	campo	da	história	russa	do	século	XX,	durante	muito	tempo,	isso	foi
quase	impossível.	Agora,	o	Ƙm	da	União	Soviética	inevitavelmente	alterou	o
modo	 como	 todos	 os	 historiadores	 encaram	 a	 Revolução	 Russa,	 porque
agora	são	capazes	ou,	de	fato,	obrigados	a	vê-la	numa	perspectiva	diferente,
como	um	biógrafo	de	uma	pessoa	morta,	em	contraste	com	o	de	uma	pessoa
viva.	 É	 claro	 que	 levará	 muito	 tempo	 até	 que	 as	 paixões	 daqueles	 que
escrevem	a	história	da	URSS	se	reduzam	à	temperatura	morna	daqueles	que
hoje	 escrevem	 a	 história	 da	 Reforma	 Protestante,	 que	 costumava	 ser	 um
assunto	 de	 grande	 rancor	 entre	 estudiosos	 católicos	 e	 protestantes,	 ou
daqueles	que	escrevem	sobre	a	Revolução	de	1688	fora	dos	distritos	de	Derry
de	Martin	McGuiness	 e	 Bushmills	 do	 reverendo	 Ian	 Paisley,	 terra	 daquilo
que	uma	vez	me	foi	descrito	por	um	ideológico	bebedor	irlandês	como	“um
uísque	 protestante”.	 Na	 ex-URSS	 e	 sucessores	 dos	 Estados	 socialistas,	 a
história	da	Revolução	Russa	ainda	é	escrita	nesse	espírito,	motivo	pelo	qual
nada	além	de	novas	fontes	para	história,	embora	não	para	boa	história,	tenda
a	vir	de	lá.	Mesmo	do	lado	de	fora,	a	maioria	de	nós	ainda	é	emocionalmente
muito	 próxima	 e	 parcial	 para	 considerar	 a	Guerra	 Fria	 entre	 capitalismo	 e
comunismo	—	uma	vez	que	os	dois	sistemas	jamais	combateram	um	contra	o
outro	no	campo	de	batalha	—	com	os	mesmos	olhos	com	que	consideramos
a	Guerra	dos	Trinta	Anos.
Há	ainda	outra	coisa.	Podemos	fazer	um	juízo	da	revolução	que	deu	início
à	 URSS,	 mas	 não	 ainda	 do	 seu	 Ƙm,	 e	 isso	 certamente	 afetará	 o	 juízo
histórico.	A	catástrofe	na	qual	mergulhou	a	gente	comum	da	antiga	URSS	ao
Ƙnal	 do	 antigo	 sistema	 ainda	 não	 acabou.	 Penso	 que	 o	 salto	 súbito,
revolucionário,	 do	 antigo	 sistema	 para	 o	 capitalismo	 que	 lhes	 foi	 imposto
talvez	tenha	perturbado	mais	a	economia	que	a	Segunda	Guerra	Mundial	e
mais	 que	 a	 Revolução	 de	Outubro,	 e	 a	 economia	 da	 região	 já	 levou	mais
tempo	para	se	recuperar	disso	que	nos	anos	1920	e	1940.	Nossa	avaliação	de
todo	 o	 fenômeno	 soviético	 continua	 provisória.	 Não	 obstante,	 podemos
agora	 começar	 a	 perguntar:	 sobre	 o	 que	 podem	 hoje	 legitimamente
concordar	 os	 historiadores	 da	 Revolução	 Russa?	 Podemos	 alcançar	 um
consenso	sobre	algumas	perguntas	que	precisam	ser	feitas	quanto	à	história
da	 Revolução	 Russa,	 e	 sobre	 alguns	 de	 seus	 elementos	 que	 possam	 ser
solidamente	 estabelecidos	 pelas	 regras	 da	 pesquisa	 e	 da	 evidência	 e	 que,
portanto,	sejam	realmente	indiscutíveis?
Um	problema	é	que	 as	mais	 complexas	dessas	questões	 residem	 fora	do
alcance	habitual	da	prova	e	refutação,	porque	dizem	respeito	ao	que	poderia
ter	acontecido.	Muito	do	que	de	 fato	aconteceu	pode	agora	 ser	conhecido
porque	 se	 dispõem	 de	 informações,	 embora	 durante	 praticamente	 toda	 a
existência	 da	URSS	 grande	 parte	 fosse	 inacessível,	 oculta	 atrás	 de	 arquivos
trancados	e	barricadas	de	mentiras	e	meias	verdades	oƘciais.	É	por	isso	que
um	volume	enorme	da	 literatura	 surgida	naquele	período	agora	 terá	de	 ser
sucateada,	apesar	de	sua	engenhosidade	na	utilização	de	fontes	fragmentárias
e	da	plausibilidade	de	suas	conjecturas.	Simplesmente	não	precisaremos	mais
dela.	The	 Great	 Terror 	 [O	 grande	 terror],	 de	 Robert	 Conquest,	 por
exemplo,	desaparecerá	como	grande	abordagem	de	seu	 tema,	 simplesmente
porque	as	fontes	dos	arquivos	encontram-se	agora	disponíveis,	ainda	que	elas
não	eliminem	toda	discussão.	Conquest	será	 lido	como	um	notável	esforço
pioneiro	de	avaliar	o	Terror	de	Stálin,	mas	um	livro	que	 inevitavelmente	se
tornará	 obsoleto	 enquanto	 abordagem	 dos	 fatos	 terríveis	 que	 tentou
investigar.	Em	 suma,	 acabará	 lido	mais	 por	 aquilo	que	 seu	 livro	nos	 conta
sobre	a	historiograƘa	da	era	soviética	que	por	aquilo	que	nos	conta	sobre	sua
história.	Quando	dados	melhores	ou	mais	completos	se	tornam	disponíveis,
devem	 tomar	 o	 lugar	 dos	 dados	 deƘcientes	 e	 incompletos.	 Por	 si	 só,	 isso
transformará	a	historiograƘa	da	era	soviética,	mas	não	responderá,	contudo,
a	 todas	 as	 nossas	 perguntas,	 particularmente	 as	 concernentes	 ao	 período
soviético	inicial	antes	da	burocratização	plena	do	regime,	quando	o	governo
e	o	partido	soviéticos	de	fato	não	sabiam	muito	do	que	estava	acontecendo
em	seu	território.
Por	outro	lado,	os	debates	mais	acalorados	sobre	a	história	russa	do	século
XX	 não	 giram	 em	 torno	 do	 que	 aconteceu,	 mas	 do	 que	 poderia	 ter
acontecido.	 Eis	 aqui	 algumas	 questões.	 Era	 inevitável	 uma	 revolução	 na
Rússia?	O	czarismo	podia	ter	se	salvado?	Estaria	a	Rússia	a	caminho	de	um
regime	capitalista	liberal	em	1913?	Uma	vez	ocorrida	a	revolução,	dispomos
de	 um	 conjunto	 ainda	 mais	 explosivo	 de	 contrafactuais.	 E	 se	 Lênin	 não
tivesse	voltado	para	a	Rússia?	A	Revolução	de	Outubro	teria	sido	evitada?	O
que	teria	acontecido	na	Rússia	 se	ela	 tivesse	sido	evitada?	Mais	centrais	aos
marxistas:	o	que	levou	os	bolcheviques	a	decidirem	tomar	o	poder	com	um
programa	de	revolução	socialista	obviamente	irrealista?	Deviam	ter	tomado	o
poder?	 E	 se	 a	 revolução	 europeia	—	 ou	 seja,	 a	 revolução	 alemã,	 na	 qual
apostavam	 suas	 Ƙchas	 —	 tivesse	 acontecido?	 Os	 bolcheviques	 poderiam
perder	 a	 Guerra	 Civil?	 Mas	 não	 fosse	 a	 Guerra	 Civil,	 como	 teriam	 se
desenvolvido	o	Partido	Bolchevique	e	a	política	soviética?	Vencendo-a,	havia
alternativas	para	o	retorno	a	uma	economia	de	mercado	sob	a	NEP	 (“Nova
Política	 Econômica”)?	 O	 que	 poderia	 ter	 acontecido	 se	 Lênin	 tivesse
continuadoem	 plena	 atividade?	 A	 lista	 não	 tem	 Ƙm,	 e	 apenas	 mencionei
algumas	das	questões	contrafactuais	óbvias	do	período	até	a	morte	de	Lênin.
O	objetivo	desta	conferência	não	é	dar	a	minha	resposta	a	essas	perguntas,
mas	 tentar	 colocar	 essas	 questões	 na	 perspectiva	 de	 um	 historiador	 em
atividade.
Elas	 não	 podem	 ser	 respondidas	 com	 base	 na	 evidência	 sobre	 o	 que
aconteceu	porque	giram	em	 torno	do	que	não	 aconteceu.	Assim	podemos
dizer,	para	lá	da	dúvida	relevante,	que	no	outono	de	1917	uma	onda	enorme
de	 radicalização	 popular,	 da	 qual	 os	 bolcheviques	 foram	 os	 principais
beneƘciários,	 varreu	 para	 o	 lado	 o	 governo	 provisório,	 de	 sorte	 que,	 no
momento	da	Revolução	de	Outubro,	tratava-se	menos	de	capturar	o	poder
que	recolhê-lo	de	onde	havia	caído.	Dispomos	de	fortes	evidências	disso.	A
ideia	de	que	Outubro	não	foi	mais	que	uma	espécie	de	golpe	conspiratório
simplesmente	 não	 conseguiria	 ser	 sustentada.	 Para	 reconhecer	 isso	 temos
apenas	 de	 ler	 o	 relato,	 escrito	antes	 da	Revolução	 de	Outubro	 pelo	 então
correspondente	do	Manchester	Guardian,	Philips	Price,	após	uma	viagem	de
várias	semanas	pelas	províncias	do	Volga.	A	propósito,	não	sei	de	nenhuma
outra	 testemunha	estrangeira,	com	bom	conhecimento	da	Rússia	e	ƙuência
na	língua,	que	tenha	feito	semelhante	viagem	pelo	coração	da	Rússia	naquela
época.	 “Os	 fanáticos	maximalistas”,	 escreveu,	 “que	ainda	 sonham	com	uma
revolução	 social	 por	 toda	 a	 Europa,	 segundo	 minhas	 observações	 nas
províncias,	recentemente	adquiriram,	ainda	que	amorfo,	um	imenso	número
de	seguidores.”	No	momento	que	o	artigo,	enviado	de	Yaroslav,	chegava	a
Manchester,	os	bolcheviques	haviam	tomado	o	poder	e,	por	isso,	o	jornal	o
publicou	 em	 dezembro	 de	 1917	 com	 a	 manchete	 “Como	 os	 maximalistas
obtiveram	o	comando”,	mas	na	verdade	havia	sido	enviado	antes	de	outubro.
Mas,	 naturalmente,	 questões	 sobre	 alternativas	 não	 podem	 ser
solucionadas	dessa	maneira	—	o	que	poderia	ter	acontecido,	por	exemplo,	se
os	 bolcheviques	 não	 tivessem	 decidido	 tomar	 o	 poder,	 ou	 tivessem	 se
disposto	 a	 tomar	 o	 poder	 à	 frente	 de	 uma	 ampla	 coalizão	 com	 os	 demais
partidos	socialistas	e	social-revolucionários.	Como	poderíamos	saber?	Philips
Price,	 por	 exemplo,	 no	mesmo	despacho,	 sugeria	 a	 possibilidade	de	que	o
enorme	ódio	da	guerra,	que,	segundo	ele	imaginava,	era	o	que	organizara	“a
confusa	massa	social”	da	revolução	(palavras	suas),	produziria	“um	Napoleão
—	um	ditador	da	paz	 [...]	que	colocará	um	Ƙm	à	guerra	mesmo	à	custa	de
perdas	 territoriais	 para	 a	 Rússia	 e	 ao	 preço	 das	 liberdades	 políticas
conquistadas	 pela	 Revolução”.	 Sabemos	 que	 alguma	 coisa	 desse	 tipo
aconteceu.	Retrospectivamente,	podemos	notar	que,	na	situação	de	1917,	ele
certamente	tinha	razão	de	supor	que,	de	um	modo	ou	de	outro,	era	inevitável
que	a	Rússia	 logo	saísse	da	guerra.	Mas	ele	também	supunha	que	logo	que
isso	acontecesse	a	Revolução	se	dividiria	em	facções	em	luta	que	resultariam
em	 sua	 derrota.	 Isso	 não	 aconteceu,	 mas,	 para	 um	 excelente	 observador
contemporâneo,	 também	 parecia	 muito	 provável.	 Como	 não	 aconteceu,
mesmo	os	historiadores	não	podem	fazer	mais	que	especulações	a	respeito.
Mas	 como	 exatamente	 especulamos?	 E	 qual	 o	 sentido	 de,	 pelo	 menos,
algumas	dessas	especulações?	A	diƘculdade	reside	em	que	há	pelo	menos	três
tipos	 diferentes	 de	 contrafactuais.	 Um	 deles,	 apesar	 de	 fascinante,	 é
analiticamente	 inútil.	Considere-se	Lênin,	 ou	 a	 esse	 respeito,	 Stálin.	 Sem	 a
presença	 pessoal	 desses	 homens	 singulares,	 a	 história	 da	 Revolução	 Russa
certamente	 teria	 sido	muito	 diferente.	 A	 despeito	 de	 uma	 série	 de	 evasivas
gerais	de	ordem	política	e	ideológica,	os	indivíduos	nem	sempre	fazem	tanta
diferença	 assim	 na	 história.	 Os	EUA,	 por	 exemplo,	 perderam	 de	 fato	 sete
presidentes	 antes	 do	 Ƙnal	 de	 seu	 mandato	 devido	 a	 assassinato	 ou	 outras
circunstâncias	desde	1865,	mas,	na	perspectiva	do	século,	isso	não	parece	ter
feito	muita	diferença	ao	perƘl	da	história	norte-americana.	Por	outro	lado,	às
vezes	 os	 indivíduos	 realmente	 fazem	 diferença,	 como	 no	 caso	 de	 Lênin	 e
Stálin	—	 ou,	 nesse	 sentido,	 nos	 últimos	 anos	 da	URSS.	Um	ex-diretor	 da
CIA	contou	ao	professor	Fred	Halliday	em	uma	entrevista	à	BBC:	“Acredito
que,	se	Andropov	fosse	quinze	anos	mais	novo	quando	tomou	o	poder	em
1982,	ainda	teríamos	conosco	uma	União	Soviética,	continuando	a	declinar
economicamente,	 cada	 vez	 mais	 deƘciente	 tecnicamente	 [...]	 mas	 ainda
sobrevivente”.1	Não	gosto	de	concordar	com	diretores	da	CIA,	mas	isso	me
parece	totalmente	plausível.	Entretanto,	após	dizer	isso,	quase	não	há	muito
mais	 a	 ser	 dito.	 Pode-se	 analisar	 o	 tipo	 de	 situações	 históricas	 nas	 quais
pessoas	singulares	podem	representar	uma	drástica	diferença,	 tanto	positiva
quanto	 negativamente.	 Talvez,	 como	 faz	 Alan	 Bullock	 em	 suas	 biograƘas
paralelas	de	Hitler	e	Stálin,	possamos	investigar	as	maneiras	como	as	mesmas
se	 combinam	para	 reforçar	 seu	poder	 pessoal,	 como	 certamente	 fez	 Stálin,
mas	 Lênin	 claramente	 não	 tentou	 fazer.	 Podemos	 estabelecer	 os	 limites
daquilo	 que	 tais	 indivíduos	 dotados	 de	 poder	 interno	 absoluto	 podem
alcançar,	ou	de	que	maneira	suas	metas	e	políticas	não	eram	especíƘcas	a	si
mesmos	enquanto	indivíduos,	mas	essenciais	a	seu	tempo,	lugar	e	situação.
Pode-se	aƘrmar,	por	exemplo,	com	total	plausibilidade,	que	havia	margem
para	 mais	 ou	 menos	 rigidez	 no	 projeto	 de	 industrialização	 acelerada	 pelo
planejamento	estatal	 soviético,	mas	 se	a	URSS	se	envolvesse	em	semelhante
projeto	 na	 época,	 por	 maior	 que	 fosse	 o	 envolvimento	 genuíno	 a	 ele
dedicado	 por	 milhões	 de	 pessoas,2	 iria	 exigir	 uma	 boa	 dose	 de	 coerção,
mesmo	 se	 a	URSS	 tivesse	 sido	governada	por	alguém	não	 tão	 implacável	e
cruel	 quanto	 Stálin.	 Ou	 então	 se	 pode	 aƘrmar,	 com	 Moshe	 Lewin,	 que
mesmo	 o	 poder	 total	 não	 propiciaria	 a	 Stálin	 controle	 sobre	 a	 máquina
burocrática	 em	 constante	 dilatação	 na	 qual	 a	URSS	 necessariamente	 se
convertia.	 Apenas	 o	 terror,	 o	 medo	 da	 morte	 para	 funcionários
temporariamente	 onipotentes,	 poderia	 garantir	 que	 obedecessem	 ao
autocrata	e	não	o	enredassem	na	teia	de	aranha	burocrática.	Ou,	além	disso,
pode-se	 demonstrar	 que,	 dados	 antecedentes	 históricos	 determinados,
mesmo	o	 que	 fazem	os	 autocratas	 obedece	 a	 velhos	 padrões.	Tanto	 Stálin
quanto	Mao	 sabiam	que	eram	os	herdeiros	de	 imperadores	 absolutos,	 e	 se
conformaram,	pelo	menos	até	certo	ponto,	a	seus	predecessores	imperiais	—
certamente	 tinham	 consciência	 de	 que	 seriam	 vistos	 a	 essa	 luz	 por	 seus
súditos.	Mas,	 quando	 se	 disse	 tudo	 isso	 e	mais,	 ainda	 não	 se	 respondeu	 a
questão	das	alternativas	históricas.	Tudo	que	se	disse	é:	“as	coisas	teriam	sido
diferentes	 se	Lênin	não	 tivesse	 conseguido	 sair	 da	 Suíça	 até	 1918”,	 ou,	 no
extremo,	“as	coisas	teriam	sido	muito	diferentes”	ou	“não	muito	diferentes”.
E	não	se	pode	ir	mais	longe,	exceto	na	ficção.
Uma	 segunda	 série	 de	 contrafactuais	 é	 um	 pouco	mais	 interessante,	 no
mínimo	porque	 de	 fato	 ajuda	 a	 história	 da	Revolução	Russa	 a	 remover	 os
antolhos	 da	 polêmica	 ideológica.	 Tomemos	 o	 exemplo	 da	 queda	 do
czarismo.	Nenhum	observador	sério,	mesmo	antes	de	1900,	esperava	que	o
czarismo	sobrevivesse	muito	tempo	no	século	XX.	Uma	revolução	russa	era
universalmente	 prevista.	 O	 próprio	 Marx,	 em	 1879,	 esperava	 “um	 grande
desastre	 e	 não	 muito	 distante	 na	 Rússia;	 imagina-se	 que	 começará	 por
reformas	de	cima	para	baixo	que	o	velho	edifício	não	será	capaz	de	suportar	eque	 levarão	 ao	 seu	 desabamento	 total”,3	 e	 o	 político	 britânico	 que	 relatou
suas	 opiniões	 à	 Ƙlha	 da	 rainha	 Vitória	 achava	 essa	 visão	 “não
despropositada”.	 Retrospectivamente,	 parece	 inegável	 que	 as	 chances	 do
czarismo,	após	sobreviver	a	sua	primeira	revolução	em	1905,	eram	pequenas,
e	 praticamente	 nulas	 bem	 antes	 da	 Grande	 Guerra;	 e	 não	 havia	 muitas
pessoas	na	época	que	pensassem	o	contrário	durante	mais	que	um	momento.
Não	precisamos	nos	incomodar	muito	com	a	teoria	de	que	a	Rússia	czarista
fazia	progressos	no	sentido	de	se	tornar	uma	próspera	sociedade	capitalista
liberal	quando	a	Primeira	Guerra	Mundial	e	os	bolcheviques	surgiram,	como
se	 do	 nada,	 e	 a	 arruinaram.	 Não	 fosse	 por	 necessidade	 do	 argumento
antimarxista,	essa	teoria	jamais	teria	sido	levada	a	sério.
A	propósito,	 nem	mesmo	os	 liberais	 aƘrmaram	 com	conƘança	 que	uma
Rússia	liberal,	democrático-parlamentar,	era	uma	possibilidade	muito	grande
após	a	queda	do	czar.	Muitos	deles	gostariam	de	acreditar	que	não	foi	mais
que	um	golpe	leninista	que	cortou	a	garganta	de	uma	promissora	democracia
liberal	 russa,	 mas	 eles	 o	 fazem	 sem	 convicção.	 Posso	 lembrar	 apenas,	 de
passagem,	que	nas	únicas	eleições	relativamente	livres,	realizadas	logo	após	a
Revolução	de	Outubro,	para	a	Assembleia	Constituinte,	os	liberais	burgueses
somaram	5%	e	os	mencheviques	3%.
Por	 outro	 lado,	 os	 comunistas	 também	 dispõem	 de	 seus	 mitos	 sobre
possibilidades	 diferentes	 de	 história.	 Minha	 geração,	 por	 exemplo,	 foi
educada	 no	 conto	 da	 traição	 da	 Revolução	 Alemã	 de	 1918	 pelos	 líderes
social-democratas	 moderados.	 Os	 Ebert	 e	 os	 Scheidemann	 abortaram	 a
Revolução	 Alemã	 potencialmente	 socialista	 e	 proletária,	 a	 Rússia	 soviética
continuou	 isolada	 —	 e	 o	 desenvolvimento	 lógico	 esperado	 por	 Marx	 e
Engels	não	aconteceu,	ou	 seja,	uma	revolução	 russa	acendendo	o	pavio	da
revolução	proletária	em	países	menos	obviamente	despreparados	para	erigir
uma	economia	socialista.
Ora,	 esse	mito	 difere	 daquele	 sobre	 um	 czarismo	 liberal	 em	um	 aspecto
importante.	 Antes	 de	 1917,	 nenhum	 observador	 realista	 esperava,	 durante
mais	que	um	único	momento,	que	o	czarismo	sobrevivesse,	e	muito	menos
superasse	seus	problemas,	mas	em	1917-8,	o	roteiro	de	Marx	e	Engels	parecia
muito	 provável.	Não	 culpo	 os	 revolucionários	 alemães	 e	 russos	 por	 terem
essas	 esperanças	 no	 período	 de	 1917	 a	 1919,	 embora	 eu	 tenha	 aƘrmado
alhures	 que	 Lênin	 não	 deveria	 ter	 acreditado	 nisso	 até	 1920.	 Durante
algumas	 semanas	 ou	 mesmo	 meses	 no	 período	 de	 1918	 a	 1919,	 poderia
parecer	provável	uma	expansão	da	Revolução	Russa	para	a	Alemanha.
Mas	não	era.	Penso	que	hoje	há	um	consenso	histórico	a	esse	respeito.	A
Primeira	 Guerra	 Mundial	 abalou	 profundamente	 todos	 os	 povos	 nela
envolvidos,	e	as	revoluções	de	1917-8	foram,	acima	de	tudo,	revoltas	contra
aquele	holocausto	 sem	precedentes,	principalmente	nos	países	do	 lado	que
estava	perdendo.	Mas	em	certas	áreas	da	Europa,	e	em	nenhuma	outra	mais
que	 na	 Rússia,	 foram	 mais	 que	 isso:	 foram	 revoluções	 sociais,	 rejeições
populares	do	Estado,	das	classes	dominantes	e	do	status	quo.	Não	acho	que
a	Alemanha	pertencesse	 ao	 setor	 revolucionário	da	Europa.	Não	acho	que
parecesse	pelo	menos	provável	uma	revolução	social	na	Alemanha	em	1913.
Ao	 contrário	 do	 czar,	 acredito	 que,	 não	 fosse	 pela	 guerra,	 a	Alemanha	 do
kaiser	poderia	ter	solucionado	seus	problemas	políticos.	Isso	não	quer	dizer
que	 a	guerra	 fosse	um	acaso	 inesperado	e	 inevitável,	mas	 essa	 é	uma	outra
questão.	 Claro	 que	 os	 líderes	 social-democratas	 moderados	 desejavam
impedir	 que	 a	 Revolução	 Alemã	 caísse	 nas	 mãos	 dos	 socialistas
revolucionários,	 porque	 eles	 próprios	 não	 eram	 nem	 socialistas	 nem
revolucionários.	De	fato,	nem	mesmo	desejavam	se	livrar	do	imperador.	Mas
não	 é	 esse	 o	 ponto.	 Uma	 revolução	 de	 outubro	 na	 Alemanha,	 ou	 algo
parecido,	não	era	um	risco	sério	e,	portanto,	não	precisou	ser	traída.
Penso	 que	 Lênin	 estava	 enganado	 ao	 apostar	 suas	 Ƙchas	 em	 uma
revolução	alemã,	mas	não	acho	que	ele	pudesse	ter	percebido	isso	em	1917
ou	 1918.	 Simplesmente	 não	 parecia	 provável.	 É	 nisso	 que	 a	 retrospecção
histórica	difere	da	avaliação	contemporânea	das	possibilidades.	Se	em	política
temos	 de	 tomar	 decisões,	 como	 Lênin	 teve,	 nós	 as	 tomamos	 conforme	 as
percebemos	 —	 e	 para	 ele	 era	 natural	 percebê-las	 dessa	 maneira.	 Mas	 o
passado	 aconteceu,	 a	 partida	 não	 pode	 ser	 jogada	 de	 novo	 e,	 por	 isso,
podemos	perceber	 as	 coisas	 com	mais	 clareza.	A	Revolução	Alemã	não	 foi
um	 partida	 perdida	 comparada	 ao	 ponto	 da	 jogada	 anterior	 do	 time.	 A
Revolução	Russa	estava	destinada	a	erigir	o	socialismo	em	um	país	atrasado	e
logo	extremamente	arruinado,	embora	eu	ainda	precise	 ser	convencido	por
Orlando	Figes,	que	aƘrma	que	em	1918	Lênin	 já	havia	desistido	de	pensar
em	 uma	 revolução	 se	 expandindo	 para	 mais	 algum	 lugar	 da	 Europa.	 Ao
contrário,	desconƘo	que	os	arquivos	irão	mostrar	que,	por	vários	anos	ainda,
a	liderança	soviética,	ainda	que	não	preparada	para	colocar	em	risco	sua	base
doméstica	na	Rússia,	permanecia	tão	envolvida	com	a	revolução	internacional
quanto	 Fidel	 Castro	 e	 Che	 Guevara	 o	 estiveram,	 e,	 se	 assim	 posso	 dizer,
muitas	vezes	com	tantas	ilusões	e	a	mesma	ignorância	que	os	cubanos	sobre	a
situação	no	exterior.4
Tendo	a	pensar	que	Lênin	teria	desejado	tumultuar	o	Palácio	de	Inverno
mesmo	se	tivesse	certeza	que	os	bolcheviques	seriam	derrotados,	naquilo	que
poderia	ser	chamado	pelos	irlandeses	de	princípio	da	“Ascensão	da	Páscoa”:
fornecer	 inspiração	 para	 o	 futuro,	 mesmo	 da	 forma	 como	 a	 derrotada
Comuna	 de	 Paris	 havia	 feito.	 Todavia,	 tomar	 o	 poder	 e	 declarar	 um
programa	socialista	apenas	fazia	sentido	se	os	bolcheviques	esperassem	uma
revolução	europeia.	Ninguém	acreditava	que	a	Rússia	pudesse	fazê-la	por	si
mesma.	Então,	a	Revolução	de	Outubro	deveria	ter	sido	feita?	E	se	deveria,
com	que	objetivos?	 Isso	nos	 remete	para	 o	 terceiro	 tipo	de	 contrafactuais,
que,	na	verdade,	diz	respeito	a	alternativas	consideradas	possíveis	na	época.
De	fato,	a	questão	não	era	se	alguém	mais	devia	arrebatar	o	poder	ao	governo
provisório	 de	 Kerensky.	 Esse	 já	 estava	 morto.	 Tampouco	 era	 a	 de	 quem
deveria	 assumir,	 porque	 os	 bolcheviques	 eram	 os	 únicos	 em	 condições,
isoladamente	 ou	 como	parceiro	 dominante	 em	uma	 aliança.	A	 questão	 era
como:	se	com	ou	sem	uma	insurreição	planejada,	antes,	durante	ou	após	o
iminente	Congresso	dos	Sovietes,	como	parte	de	uma	ampla	coalizão	ou	não,
e	 com	 que	 objetivo,	 dado	 que	 não	 se	 tinha	 a	menor	 ideia	 se	 um	 governo
bolchevique,	ou	um	governo	russo	central,	poderia	sobreviver.	E	sobre	essas
questões	havia	discussões	reais	na	época,	não	só	entre	bolcheviques	e	outros,
mas	entre	os	próprios	bolcheviques.
Mas,	lembrem-se:	se	hoje,	como	historiadores,	achamos	que	Kamenev,	por
exemplo,	 estava	 certo,	 e	 não	 Lênin,	 não	 estamos	 realmente	 avaliando	 as
chances	de	Kamenev	convencer	o	Partido	Bolchevique	em	outubro	de	1917.
Estamos	 dizendo:	 se	 nos	 encontrássemos	 nessa	 situação	hoje,	 deveríamos
adotar	 sua	 opinião.	Estamos	 falando	 do	 jogo	 agora	 ou	 no	 futuro,	 não	 do
jogo	em	1917,	cujo	placar	não	pode	mais	ser	alterado.	E,	mais	uma	vez,	o	que
exatamente	 estamos	 dizendo,	 se	 decidirmos,	 retrospectivamente,	 que	 teria
sido	melhor,	 digamos,	 se	 os	 bolcheviques	 não	 tivessem	 se	 envolvido,	 com
efeito,	no	governo	de	partido	único?	Estaremos	sugerindo	que	um	governo
de	 coalizão	 teria	 sido	 realmente	 melhor	 para	 darconta	 da	 situação
desesperada	da	Rússia	na	época,	ou	no	longo	prazo	—	se	tivesse	havido	um
longo	prazo?	Ou	estaremos	simplesmente	concordando	com	Gorbachev	que
teríamos	 preferido	 que	 a	 Revolução	 de	 Fevereiro	 evoluísse	 de	 maneira
diferente?	O	 fato	de	que	 teria	 sido	melhor	 se	da	 revolução	 tivesse	brotado
uma	Rússia	democrática	é	algo	com	que	a	maioria	das	pessoas	concordaria.
Mas	 é	uma	proposição	 sobre	nossas	 ideias	políticas	 e	não	 sobre	 a	história.
Em	 1917,	 outubro	 veio	 depois	 de	 fevereiro.	 A	 história	 deve	 partir	 do	 que
aconteceu.	O	resto	é	especulação.
Mas	 neste	 ponto	 devemos	 deixar	 de	 lado	 a	 especulação	 e	 voltar	 para	 a
situação	concreta	de	uma	Rússia	em	revolução.	Grandes	revoluções	de	massa
que	eclodem	de	baixo	para	cima	—	e	a	Rússia	em	1917	talvez	tenha	sido	o
exemplo	mais	impressionante	de	uma	revolução	desse	tipo	na	história	—	são,
em	 certo	 sentido,	 “fenômenos	 naturais”.	 São	 como	 terremotos	 e	 grandes
enchentes,	 principalmente	 quando,	 como	 na	 Rússia,	 a	 superestrutura	 do
Estado	 e	 instituições	 nacionais	 virtualmente	 se	 desintegram.	Numa	 grande
medida,	são	incontroláveis.	Devemos	parar	de	pensar	a	Revolução	Russa	em
termos	 das	 metas	 e	 intenções	 dos	 bolcheviques	 e	 dos	 demais,	 de	 sua
estratégia	de	 longo	prazo,	e	de	outras	 críticas	marxistas	de	 sua	prática.	Por
que,	de	fato,	não	caíram,	ou	não	aceitaram	a	derrota,	como	poderiam	muito
simplesmente	ter	feito?	Inicialmente,	o	novo	regime	não	tinha	poder	nenhum
—	 certamente	 nenhuma	 força	 armada	 signiƘcativa.	 A	 única	 vantagem	 real
com	que	o	novo	governo	soviético	contava,	além	de	Petrogrado	e	Moscou,
era	 sua	 capacidade	 de	 articular	 o	 que	 o	 povo	 russo	 desejava	 ouvir.	O	 que
Lênin	almejava	—	e,	em	última	análise,	ele	conseguia	impor	sua	vontade	no
partido	 —	 era	 irrelevante.	 Ele	 “poderia	 não	 ter	 nenhuma	 estratégia	 ou
perspectiva	além	da	escolha,	dia	após	dia,	entre	as	decisões	necessárias	para	a
sobrevivência	 imediata	 e	 aquelas	 que	 corriam	o	 risco	do	desastre	 imediato.
Quem	 poderia	 se	 permitir	 considerar	 as	 possíveis	 consequências	 de	 longo
prazo	 de	 decisões	 que	 tinham	 de	 ser	 tomadas	agora,	 caso	 contrário,	 a
Revolução	chegaria	ao	fim	e	não	haveria	nenhuma	consequência	ulterior	a	ser
considerada?”.5	Nada	estava	predeterminado.	A	qualquer	momento	as	coisas
poderiam	dar	errado.	Somente	depois	de	1921	o	regime	poderia	contar	com
sua	 permanência,	 avaliar	 a	 situação	 assustadora	 à	 qual	 a	 Rússia	 havia	 se
reduzido,	ou	começar	a	pensar	em	termos	de	anos,	e	não	mais	de	meses	ou
mesmo	de	semanas.	Nesse	momento	seu	curso	futuro	estava	mais	ou	menos
determinado,	e	era	muito	diferente	de	tudo	que	os	marxistas,	inclusive	Lênin,
teriam	 imaginado	 para	 a	 Rússia	 antes	 da	 Revolução.	 Tanto	 a	 doutrina
soviética	ortodoxa	quanto	a	teoria	da	conspiração	anticomunista	imaginavam
a	 Revolução	 como	 controlada	 e	 dirigida	 de	 cima	 para	 baixo:	 Lênin	 não
acreditava	nisso.
Então,	como	a	Revolução	de	Outubro	passou	a	sobreviver?	Em	primeiro
lugar	—	e	aqui	concordo	inteiramente	com	Orlando	Figes	em	seu	excelente
A	 People’s	 Tragedy 6	 —	 os	 bolcheviques	 venceram	 porque	 lutaram	 sob	 a
bandeira	vermelha	e,	conquanto	enganosamente,	em	nome	dos	sovietes.	Em
última	 análise,	 os	 camponeses	 e	 operários	 russos	 preferiam	 apoiar	 os
vermelhos	contra	os	brancos,	que,	segundo	pensavam,	iriam	conƘscar	a	terra
e	 trazer	 de	 volta	 o	 czar,	 a	 pequena	 nobreza	 e	 os	 chamados	boorzhooi
(burgueses).	Os	vermelhos	defendiam	a	revolução	desejada	pela	maioria	dos
russos.	E,	 lembrem-se,	 a	Revolução	Russa	 foi	 feita	 pelas	massas	 e,	 durante
seus	dez	anos	iniciais,	seu	destino	foi	determinado	pelas	massas	russas	—	por
aquilo	que	elas	desejavam	ou	não	apoiariam.	O	stalinismo	colocou	um	Ƙm
nisso.
Em	 segundo	 lugar,	 os	 bolcheviques	 sobreviveram	 porque	 eram	 a	 única
força	potencial	 de	 governo	nacional	 depois	 do	 czar.	A	 alternativa	 em	1917
não	era,	 e	não	poderia	 ser,	 entre	uma	Rússia	democrática	 e	uma	ditatorial,
mas	 entre	 Rússia	 e	 não	 Rússia.	 Aqui	 era	 essencial	 a	 estrutura	 leninista
centralizada	 do	 Partido	 Bolchevique,	 uma	 instituição	 formada	 para	 a	 ação
disciplinada	e,	portanto,	de	facto	para	a	construção	do	Estado,	embora	a	um
custo	 maior	 para	 a	 liberdade	 que	 sob	 o	 czarismo.	 Mas:	 se	 não	 os
bolcheviques,	 então,	 ninguém.	 De	 fato,	 uma	 das	 poucas	 realizações	 da
Revolução	Russa	que	não	é	negada	nem	mesmo	por	seus	inimigos	é	que,	ao
contrário	dos	outros	impérios	multinacionais	derrotados	na	Primeira	Guerra
Mundial,	o	dos	Habsburgo	e	dos	otomanos,	a	Rússia	não	se	esfacelou.	Foi
salva	como	Estado	multinacional	bicontinental	pela	Revolução	de	Outubro.
Constantemente	subestimamos	a	simpatia	que	a	Rússia	soviética	despertava,
portanto,	 em	 russos	 apolíticos,	 e	 mesmo	 nos	 patriotas	 de	 direita,	 tanto
durante	 quanto	 depois	 da	 Guerra	 Civil:	 de	 que	 outro	 modo	 poderíamos
explicar	 o	 curioso	 retorno	 de	 um	 contingente	 pequeno	 mas	 inƙuente	 de
exilados	 russos,	 civis	 e	militares,	 no	 período	 do	 Plano	Quinquenal?	 (Mais
tarde,	alguns	podem	tê-lo	lamentado.)
Em	 terceiro	 lugar,	 sobreviveram	 porque	 o	 apelo	 de	 sua	 causa	 não	 era
meramente	russo.	As	potências	estrangeiras	podem	ter	Ƙcado	desestimuladas
a	apoiar	os	diversos	e	mutuamente	hostis	exércitos	brancos	na	Guerra	Civil,
por	 vários	motivos	—	mas	 após	 o	 Ƙm	da	Grande	Guerra	 sabiam	que	 não
poderiam	 ter	 enviado	 grandes	 contingentes	 próprios	 para	 participar	 na
guerra,	muito	menos	contra	o	regime	considerado	por	seus	soldados	como	o
da	 revolução	 dos	 trabalhadores.	 Além	 disso,	 depois	 da	 guerra,	 os
bolcheviques	retomaram	o	controle	da	Transcaucásia	essencialmente	porque
a	Turquia	os	via	como	uma	força	contra	o	imperialismo	britânico	e	francês.
Até	 a	 derrotada	 Alemanha,	 conƘante	 em	 sua	 própria	 imunidade	 ao
bolchevismo,	estava	preparada	para	chegar	a	um	acordo	com	eles.	Em	todo
caso,	enquanto	o	Exército	Vermelho	derrotava	a	ofensiva	polonesa	em	1920
e	 avançava	 na	 direção	 de	 Varsóvia,	 o	 general	 Seeckt,	 do	 exército	 alemão,
enviava	 Enver	 Pasha	 para	 a	 Rússia	 para	 sugerir	 algo	 surpreendentemente
parecido	com	a	partilha	da	Polônia	prevista	nas	cláusulas	secretas	do	tratado
Molotov-Ribbentrop	de	1939.	A	derrota	do	Exército	Vermelho	na	entrada
de	Varsóvia	colocou	um	fim	em	tais	sugestões.
Mas	o	impacto	internacional	de	Outubro	me	remete	ao	último	ponto,	que
é	também	minha	conclusão.	A	Revolução	Russa	tem	realmente	duas	histórias
entrelaçadas:	seu	impacto	sobre	a	Rússia	e	seu	impacto	sobre	o	mundo.	Não
podemos	 confundir	 os	 dois.	 Sem	 o	 segundo,	 nada	 mais	 que	 uns	 poucos
historiadores	especializados	teriam	se	interessado	por	ela.	Fora	dos	EUA	não
há	muitas	pessoas	que	sabem	sobre	a	Guerra	Civil	norte-americana	alguma
coisa	além	do	fato	de	que	ela	é	o	cenário	de	E	o	vento	levou...	No	entanto,
foi	 a	maior	 guerra	 entre	 1815	 e	 1914	 e,	 de	 longe,	 a	maior	 da	 história	 dos
EUA,	 e	 também	 pode	 merecer	 ser	 chamada	 de	 segunda	 revolução	 norte-
americana.	Teve	e	tem	muito	signiƘcado	dentro	dos	EUA,	mas	bem	pouco
signiƘcado	exterior,	pois	exerceu	pouco	efeito	óbvio	sobre	o	que	aconteceu
em	outros	países	que	não	aqueles	abaixo	de	suas	fronteiras	sulistas.
Por	 outro	 lado,	 tanto	 na	 história	 russa	 quanto	 na	 história	 mundial	 do
século	XX,	 a	 Revolução	 Russa	 é	 um	 fenômeno	 imponente	—	mas	 não	 o
mesmo	tipo	de	fenômeno.	O	que	signiƘcou	para	os	povos	russos?	Ela	levou
a	Rússia	 ao	pico	de	 seu	poder	 e	 prestígio	 internacionais	—	muito	 além	de
tudo	 alcançado	 sob	 os	 czares.	 Stálin	 certamente	 ocupa	 um	 lugar	 tão
permanentee	 importante	 na	 história	 russa	 quanto	 Pedro,	 o	 Grande.	 A
revolução	modernizou	grande	parte	de	um	país	atrasado,	mas,	embora	suas
realizações	tenham	sido	titânicas	—	principalmente	a	capacidade	de	derrotar
a	Alemanha	na	Segunda	Guerra	Mundial	—,	seu	custo	humano	foi	enorme,
sua	economia	fechada	estava	fadada	a	se	esgotar	e	seu	sistema	político,	fadado
a	 se	 esfacelar.	 Reconhecidamente,	 para	 a	 maioria	 de	 seus	 habitantes	 que
consegue	 se	 lembrar,	 a	 velha	 era	 soviética	 certamente	 parece	muito	melhor
que	a	situação	pela	qual	os	ex-soviéticos	estão	hoje	passando,	e	continuarão	a
passar	por	um	bom	tempo.	Mas	ainda	é	muito	cedo	para	fazer	um	balanço
histórico.
Devemos	deixar	que	os	diversos	povos	socialistas	e	ex-socialistas	façam	sua
própria	avaliação	do	impacto	da	Revolução	de	Outubro	em	sua	história.
Quanto	 ao	 resto	 do	mundo	—	apenas	 a	 conhecemos	 em	 segunda	mão.
Como	uma	 força	para	a	 libertação	no	antigo	mundo	colonial	 e,	 em	 toda	a
Europa,	 antes	 e	 durante	 a	 Segunda	 Guerra	 Mundial;	 como	 o	 inimigo
supremo	 para	 os	EUA	 e,	 de	 fato,	 para	 todos	 os	 regimes	 conservadores	 e
capitalistas	durante	a	maior	parte	do	século,	exceto	entre	1933	e	1945;	como
um	sistema	profundamente	(e	compreensivelmente)	detestado	por	 liberais	e
democratas	 parlamentaristas,	 mas,	 ao	mesmo	 tempo,	 reconhecido,	 a	 partir
dos	anos	1930,	na	esquerda	do	mundo	industrial,	como	algo	que	assustava	e
obrigava	 os	 ricos	 a	 conceder	 alguma	 prioridade	 política	 aos	 interesses	 dos
pobres.	O	terrível	paradoxo	da	era	soviética	é	que	o	Stálin	vivenciado	pelos
povos	 soviéticos	e	o	Stálin	visto	no	exterior	como	 força	 libertadora	eram	a
mesma	pessoa.	E	era	o	libertador	para	os	primeiros	porque,	pelo	menos	em
parte,	era	o	tirano	para	os	de	fora.
Poderão	 os	 historiadores	 chegar	 a	 um	 consenso	 sobre	 semelhante
personalidade	 e	 semelhante	 fenômeno?	 Não	 consigo	 imaginar	 como
poderiam,	até	onde	o	futuro	é	previsível.	Tal	como	a	Revolução	Francesa,	a
Revolução	Russa	continuará	a	dividir	as	opiniões.

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