Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Línguistica I Bárbara Olímpia Ramos de Melo Shirlei Marly Alves UESPI 2010 Licenciatura Plena em Letras Espanhol UAB – UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL UESPI – UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA LICENCIATURA PLENA EM LETRAS ESPANHOL Línguistica I Bárbara Olímpia Ramos de Melo Shirlei Marly Alves UESPI 2010 Melo, Bárbara Olímpia Ramos de. Linguística I / Bárbara Olímpia Ramos de Melo; Shirlei Marly Alves. – Teresina:UAB/UESPI, 2010. 126 p. (Licenciatura em Letras Espanhol) ISBN: 978-85-61946-08-1 1 Linguística. 2 Linguística - metodologia. 3. I - Alves, Shirlei Marly. II Título. CDD: 410.18 M528l Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Vice-presidente da República José Alencar Gomes da Silva Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação à Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Diretor de Educação à Distância CAPES/MEC Celso José da Costa Governador do Piauí Wilson Nunes Martins Secretária Estadual de Educação e Cultura do Piauí Maria Pereira da Silva Xavier Reitor da UESPI – Universidade Estadual do Piauí Prof. Carlos Alberto Pereira da Silva Vice-reitor da UESPI Prof. Nouga Cardoso Batista Pró-reitor de Ensino de Graduação – PREG Prof. Manoel Jesus Memória Coordenadora da UAB-UESPI Prof. Bárbara Olímpia Ramos de Melo Coordenador Adjunto da UAB-UESPI Prof. M.Sc. Raimundo Isídio de Sousa Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação – PROP Prof. Isânio Vasconcelos de Mesquita Pró-reitora de Extensão, Assuntos Estudantis e Comunitários – PREX Prof. Francisca Lúcia de Lima Pró-reitor de Administração e Recursos Humanos – PRAD Prof. Acelino Vieira de Oliveira Pró-reitor de Planejamento e Finanças – PROPLAN Prof. Raimundo da Paz Sobrinho Coordenadora do curso de Licenciatura Plena em Letras Espanhol – EAD Profª. M.Sc. Margareth Torres de Alencar Costa Edição UAB - FNDE - CAPES UESPI/NEAD Diretora do NEAD Profª. Dra. Bárbara Olímpia Ramos de Melo Coordenador Adjunto Prof. M.Sc. Raimundo Isídio de Sousa Coordenadora do Curso de Licenciatura Plena em Letras – Espanhol Profª. M.Sc. Margareth Torres de Alencar Costa Coordenador de Tutoria Prof. Esp. Omar Mário Albornoz Coordenação de Produção de Material Didático Prof. Esp. Marivaldo de Oliveira Mendes Autoras do Fascículo Profª. Dra. Bárbara Olímpia Ramos de Melo Profª. M.Sc. Shirlei Marly Alves Revisão Profª. M.Sc. Teresinha de Jesus Ferreira MATERIAL PARA FINS EDUCACIONAIS DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS CURSISTAS UAB/UESPI UAB/UESPI/NEAD Campus Poeta Torquato Neto (Pirajá), NEAD, Rua João Cabral, 2231, bairro Pirajá, Teresina (PI). CEP: 64002-150, Telefones: (86) 3213-5471, 3213-1182 (ramal 294). http://ead.uespi.br E-mails: eaduespi@hotmail.com coordenacao.uab@uespi.br Profª. M.Sc. Leonildes Pessoa Facundes Diagramação Luiz Paulo de Araújo Freitas Capa Luiz Paulo de Araújo Freitas Fonte da imagem: <http://inss.nireblog.com> SUMÁRIO APRESENTAÇÃO........................................................................................................................9 INTRODUÇÃO..............................................................................................................................11 UNIDADE 1 LÍNGUA E LINGUAGEM: NATUREZA, CARACTERÍSTICAS E FUNÇÕES........13 1.1 COMUNICAÇÃO ANIMAL E LINGUAGEM HUMANA.............................................15 1.2 CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM HUMANA..................................................22 1.2.1 Definições de linguagem (língua).......................................................................28 1.3 MODELOS DE COMUNICAÇÃO...............................................................................32 1.4 FUNÇÕES DA LINGUAGEM......................................................................................34 UNIDADE 2 LINGUÍSTICA: NATUREZA DOS ESTUDOS, HISTÓRIA E CORRENTES DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS............................................................................................41 2.1 LINGUÍSTICA: OBJETO E OBJETIVOS, PERSPECTIVAS DE ESTUDOS........43 2.1.1 Objeto da Linguística ........................................................................................ 43 2.1.2 Objetivos da Linguística ................................................................................... 52 2.2 BREVE PERCURSO HISTÓRICO DOS ESTUDOS DA LINGUAGEM HUMANA..............................................................................................................................56 2.3 ABORDAGENS DA LÍNGUA.......................................................................................61 2.3.1 Linguística Histórica .............................................................................................61 2.3.2 Estruturalismo..........................................................................................................63 2.3.3 Funcionalismo.........................................................................................................64 2.3.4 Sociolinguística.......................................................................................................66 2.3.5 Gerativismo..............................................................................................................68 2.3.6 Linguística Textual..................................................................................................73 2.3.7 Análise do Discurso...............................................................................................75 UNIDADE 3 DESCRIÇÃO E NORMATIVISMO NOS ESTUDOS DA LÍNGUA.............................80 3.1 PERSPECTIVA DE ESTUDOS: A LINGUÍSTICA É DESCRITIVA, NÃO PRESCRITIVA....................................................................................................................82 3.2 CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA............................................................................84 UNIDADE 4 A PESQUISA EM LINGUÍSTICA......................................................................................88 4.1 O QUE É PESQUISA....................................................................................................90 4.2 MÉTODO DE PESQUISA...........................................................................................91 REFERÊNCIAS......................................................................................................................109 ANEXOS......................................................................................................................................111 APRESENTAÇÃO O presente fascículo integra o material de apoio pedagógico desenvolvido pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI correspondente à disciplina Linguística I, que compõe a estrutura curricular do Curso de Licenciatura plena em Língua Espanhola, na modalidade de educação a distância (EAD). Este fascículo foi organizado e sistematizado com o objetivo de contribuir com os seus estudos e suas reflexões acerca da compreensão dos objetivos e da importância da Linguística como ciência. Nesse sentido, são apresentados aspectos ligados à comunicação humana e à linguagem que possibilita essa comunicação, mais especificamente a língua, a qual é composta de signos verbais, ou palavras, como são mais comumente conhecidas. Sendo a Linguística um campo de estudo que busca uma compreensão do que é e de como funciona a língua, e ainda sendo esta um objeto de natureza complexa, organizamos os conteúdos deste fascículo de modo que você possa ter uma visão ampla sobre as características da comunicação linguística (Unidade 1) e, em seguida, sobre como a Linguística constroi seus estudos. Assim, na Unidade 2, apresentam-se as definições, o objeto de estudo, os objetivos e um panorama histórico da Linguística, bem como os diferentes modos de abordagemda língua. A Unidade 3 traz esclarecimentos acerca das diferenças entre estudos linguísticos e aqueles desenvolvidos pela Gramática Tradicional, enquanto, na última Unidade (4), você terá uma visão sobre como se organizam trabalhos de pesquisa em Linguística e como eles contribuem para a ampliação dos conhecimentos na área. UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 10 Para um melhor aproveitamento das informações e um aprendizado mais consistente, sugerem-se alguns passos, tais como atentar para os objetivos de cada unidade e fazer as atividades sugeridas no final de cada texto, ações que o ajudarão a sedimentar conhecimentos; valorizar e empenhar-se nos trabalhos de grupo tanto quanto nas reflexões individuais; compartilhar ideias; atentar para as referências bibliográficas e, se necessitar, recorrer a elas para aprofundar-se nos conteúdos abordados nas disciplinas de seu curso. Finalmente, procure ler, refletir, analisar criticamente cada ideia e/ou teoria aqui apresentada. Suas dúvidas poderão ser apresentadas junto ao seu tutor. Bons estudos! Professoras Bárbara Olímpia Ramos de Melo Shirlei Marly Alves UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 11 INTRODUÇÃO Definir Linguística como o estudo da língua nem sempre é tão esclarecedor como pode parecer. Isso porque pode dar a entender que o linguista estuda uma língua em particular, o que, embora não seja errado, tampouco dá uma idéia adequada do objeto de estudo dessa ciência. É preciso que se alcance uma compreensão do que realmente faz o linguista e como seu trabalho de cientista se direciona para a geração de conhecimentos que nos ajudam a entender, por exemplo, como se adquire uma língua e como esta se estrutura de modo a tornar-se funcional na vida humana. Como estudante de Letras, área que tem a linguagem humana como foco de interesse, é importante que você saiba como se constroem as informações que temos hoje acerca da língua – de modo geral - e ainda das línguas em particular (como o espanhol, por exemplo). Esse trabalho de reflexão e de investigação é desenvolvido por pessoas que se intitulam linguistas, os quais, em sua grande maioria, se iniciaram como estudante de Letras, fazendo graduação, especialização, mestrado, doutorado, pós- doutorado. Assim foram não só adquirindo conhecimentos, mas também usando-os para pesquisar e gerar mais conhecimentos acerca da linguagem humana. Aliás, na universidade, além do ensino, a pesquisa é uma atividade que deve fazer parte da rotina de trabalho acadêmico. Nesse sentido, mesmo cursando uma Licenciatura, cujo objetivo é primeiramente formar professores, também adquirirá habilidades para fazer pesquisa em Linguística e Literatura de língua espanhola. Nesse sentido, os estudos de Linguística são necessários para quem vai atuar no campo do ensino, já que, para o professor, UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 12 é importante ter informações acerca do que é uma língua e de como funciona, pois, só assim terá subsídios para planejar ações de ensino-aprendizagem mais efetivas. Nesse sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), documentos do Ministério da Educação que trazem orientações para o trabalho na escola, tomam seus fundamentos das ciências da linguagem. Face ao exposto, o estudante de Letras tem diante de si uma excelente oportunidade de se iniciar no modo científico de conhecer a linguagem humana – manifesta nas diversas línguas, alcançando uma compreensão que ultrapassa o senso comum, habilitando-se às tarefas em que esses conhecimentos se fazem necessários, incluindo ensinar línguas (materna ou estrangeira). UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 13 OBJETIVO • Refletir sobre a linguagem com base em estudos relativos a sua natureza, características e funções. UNIDADE 1 LÍNGUA E LINGUAGEM: NATUREZA, CARACTERÍSTICAS E FUNÇÕES UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 14 1.1 COMUNICAÇÃO ANIMAL E LINGUAGEM HUMANA A admiração que a linguagem sempre exerceu sobre o homem está atrelada ao poder de não só nomear/ criar/transformar o universo real, mas também trocar experiências, falar sobre o que existiu, poderá vir a existir e até mesmo imaginar o que não precisa nem pode existir. O interesse pela linguagem manifesta-se de variadas formas: mitos, lendas, cantos, rituais ou trabalhos eruditos que buscam explicar essa capacidade humana. Ao longo dos séculos se encontram relatos que se referem às primeiras palavras da criança, como também às indagações sobre as condições necessárias para falar. Conta-se, por exemplo, que o rei Psamético do Egito, no século VII A.C, determinou o confinamento de duas crianças desde o nascimento até a idade de dois anos sem qualquer convívio com outras pessoas, para que se observasse como falariam ou se falariam ou ainda que língua falariam no contexto de privação social. Além da crueldade envolvendo o episódio é preciso notar que a hipótese sustentada pelo rei era que, se essas crianças crescessem sem exposição à fala humana e viessem a falar, a primeira palavra emitida espontaneamente pertenceria à língua mais antiga do mundo. Passados dois anos de total isolamento as crianças emitiram uma seqüência fônica que teria sido interpretada como “bekos”, palavra do frígio, língua indo-européia desaparecida, do grupo anatólico, que era falada pelos frígios. Concluiu-se, então, que a língua dos frígios era a língua mais antiga do mundo. (fonte: www.comciencia.br/.../handler.php?section=8) MITOS E LENDAS SOBRE A LÍNGUA HUMANA UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 15 A Torre de Babel, de acordo com o l ivro de Gênesis, foi uma torre enorme construída na cidade de Babi lônia (hebraico: Babel, acadiano: Babilu) , uma cidade cosmopol i ta, caracterizado por uma confusão de l ínguas, também chamado de “princípio” de Nimrod ‘s reino. De acordo com o relato bíbl ico, uma humanidade unida das gerações seguintes o Dilúvio, fala um único idioma e migrando do Oriente, participou da construção. O povo decidiu sua cidade deve ter uma torre tão grande que ele teria “o seu topo nos céus.” No entanto, a Torre de Babel não foi construído para a adoração e louvor a Deus, mas em vez dedicado à glória do homem, para “fazer um nome” para os construtores: “Então disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre com o seu topo nos céus, e façamo-nos um nome para nós mesmos, caso contrário seremos espalhados sobre a face de toda a terra. Alguns acreditam que um Deus vingativo e veja o que as pessoas estavam fazendo, desceu e confundiu suas línguas e as pessoas espalhadas por toda a terra. (Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Tower_of_Babel) UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 16 Uma questão que sempre se coloca é a seguinte: só a espécie humana possui linguagem ou existe também comunicação entre os outros animais? Acerca dessa questão, alguns estudos foram desenvolvidos, sendo que um deles foi publicado na década de 1950, por Karl von Frisch, sobre a comunicação entre as abelhas. Conforme os dados da pesquisa de von Frisch, a abelha comunica-se através de uma “dança” na colméia. Quando uma delas encontra flores com pólen, retorna imediatamente para sua colméia e começa a chamada “dança das abelhas”. Para indicar a posição das flores em relação à colméia, em relação ao Sol e a distância em que as flores com o pólen se encontram, o inseto realiza uma série de movimento curtos e rápidos, de acordo com a informação que quer passar às demais. Na medida em que suas colegas operárias percebem o movimento, elas “decodificam” as informações e descobrem imediatamente onde está a fonte de pólen. Os movimentos são variados, mostrando quehá diferentes UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 17 combinações entre eles, para indicar diferentes locações. Descobertas mais recentes sugerem que até mesmo informações sobre o tipo de flor e a qualidade do pólen são transmitidos nessa dança. Os diferentes tipos de dança apresentam-se como verdadeiras mensagens que anunciam a descoberta para a colméia: ao perceber o odor da obreira ou absorvendo o néctar que ela deglute, as abelhas se dão conta da natureza do alimento; ao observar a dança, as abelhas descobrem o local onde se encontra a fonte do alimento. Essa pesquisa apresenta uma importante revelação sobre o funcionamento de uma “linguagem” animal, o que permite, pelo confronto, avaliar a singularidade da linguagem humana. Embora seja bem preciso o sistema de comunicação das abelhas – ou de qualquer outro animal cuja forma de comunicação já tenha sido analisada – ele não constitui uma linguagem no sentido em que o termo é empregado quando se trata de linguagem humana, como se pretende demonstrar a seguir. As abelhas são capazes de: (a) compreender uma mensagem com muitos dados e de reter na memória informações sobre a posição e a distância; e (b) produzir uma mensagem simbolizando – representando de maneira convencional – esses dados por diversos comportamentos somáticos. Essas constatações evidenciam que esse sistema de comunicação cumpre as condições necessárias à existência de uma linguagem: UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 18 Assim como a linguagem humana, esse sistema é válido no interior de uma comunidade e todos os seus membros são aptos a empregá-lo e compreendê-lo da mesma forma. No entanto, as diferenças entre o sistema de comunicação das abelhas e a linguagem humana são consideráveis, conforme a seguir: (a) a mensagem se traduz pela dança exclusivamente, sem intervenção de um “aparelho vocal”, condição essencial para a linguagem; (b) a mensagem da abelha não provoca uma resposta, mas apenas uma conduta, o que significa que não há diálogo entre elas. As respostas são sempre as mesmas, o que se diferencia da linguagem humana. (c) a comunicação se refere a um dado objetivo, fruto da experiência. A abelha não constrói uma mensagem a partir de outra mensagem. A linguagem humana caracteriza-se por oferecer um substituto à experiência, apto a ser transmitido infinitamente no tempo e no espaço; (d) o conteúdo da mensagem é único - o alimento, sendo que a única variação possível refere-se à distância e à direção. O conteúdo da linguagem humana, por sua vez, é ilimitado; (e) a mensagem das abelhas não se deixa analisar, decompor em elementos menores. a)a)a)a)a) há simbolismo, ou seja, capacidade de formular e interpretar um “signo” (qualquer elemento que represente algo de forma convencional); b)b)b)b)b) há memória da experiência e aptidão para analisá- la, isto é a abelha que comunica “lembra” onde está a fonte do pólen, enquanto as receptoras conseguem “entender”, analisando a dança. UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 19 É esse último aspecto a característica mais marcante que opõe a comunicação das abelhas à linguagem humana. Num enunciado lingüístico como “Quero água”, é possível identificar primeiramente dois elementos portadores de significado: quero e água. Articulando-se os dois, tem-se o enunciado Quero água. Quero e água também se podem decompor, cada um em dois elementos portadores de significado: quer- (radical verbal) + -o (desinência número-pessoal); águ- (radical nominal) + -a (vogal temática nominal). Esses elementos são denominados morfemas. Prosseguindo a decomposição, pode-se chegar a elementos menores ainda. No enunciado “Quero água”, a menor unidade, os segmentos sonoros, denominados fonemas (/a/, /g/, /u/, /a/), permitem distinguir significado, como se pode observar na substituição de (á) por (é) em água\égua. Essa decomposição de elementos comprova que as unidades são articuladas umas com as outras, o que é fundamental na linguagem humana, pois permite produzir uma infinidade de mensagens novas a partir de um número limitado de elementos sonoros distintivos. Percebe-se, assim, que a comunicação das abelhas não é uma linguagem propriamente dita, mas um código de sinais, como se pode observar pelas suas características: conteúdo fixo, mensagem invariável, relação a uma só situação, transmissão unilateral e enunciado indecomponível. O linguista Émile Benveniste chama a atenção, ainda, para o fato de essa forma de comunicação ter sido observada entre insetos que vivem em sociedade, o que comprova que esta é condição tanto para a linguagem humana como para os códigos dos animais. UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 20 Quadro 1: Comunicação humana x linguagem animal As características apontadas acima podem ser sintetizadas no quadro 1, abaixo: LINGUAGEM HUMANA O diálogo é sua base É transmitida entre os indivíduos e ainda de geração em geração. Uma mesma mensagem pode ser transmitida de diferentes formas. Ex.: “Estou com fome!” ou “Ainda não comi hoje!” É articulada, isto é, juntam- se unidades menores para formar unidades maiores: A- s banan-a-s caí-ra-m. O que se comunica pode se referir ao passado ou ao futuro COMUNICAÇÃO ANIMAL Não existe diálogo A informação recebida não pode ser retransmitida, isto é, um animal não transmite a outro a informação recebida. A informação não pode ser alterada. Os sinais são fixos, e para cada informação há um tipo de sinal. Os sinais não podem ser decompostos, ou seja, não podem ser compreendidos em pedaços menores nem retransmitidos. Não há articulação. O que é comunicado só vale para o momento da comunicação. UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 21 1.2 CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM HUMANA O termo linguagem tem uma acepção ampla e uma acepção estrita, já que tanto é usado para designar todas as formas humanas de utilizar símbolos para comunicar (a linguagem das cores, a linguagem dos gestos, os sinais de trânsito e outros códigos de comunicação) como para referir a uma forma particular de linguagem que é a língua, a qual se caracteriza pelo uso de símbolos verbais – vocais e articulados pelos seres humanos. Neste fascículo, ao usarmos o termo de linguagem daqui por diante, estaremos atentos ao seu emprego estrito, isto é, tomaremos linguagem como sinônimo de língua, cujas características distintivas de outras formas de linguagem são as seguintes: Aitchison (1976) estabelece algumas características das línguas humanas, traçando também um paralelo com os códigos de comunicação animal: 1. Uso de sinais sonoros: também alguns animais, como pássaros, insetos, golfinhos, usam sons para se comunicar, mas só os seres humanos possuem um aparelho fonador (figura ), sendo capazes de produzir sons distintivos mínimos, como /a/ /f/ /z/ /ê/, os quais podem se juntar para formar inúmeras palavras. Figura: Aparelho fonador Fonte: letratura.blogspot.com UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 22 2. Arbitrariedade: você já se perguntou por que chamamos de vento o ar que se movimenta? Não poderia se chamar ponzo ou taroco? A falta de uma explicação para a maioria dos nomes que têm as coisas é que indica que há uma relação arbitrária entre os sons dos signos e aquilo que significam. No caso dos animais, muitas vezes se percebe uma relação entre o sinal usado e a mensagem que é transmitida. Um animal que queira pôr de sobreaviso um seu opositor arqueará o corpo em posição de ataque, Na linguagem humana, as onomatopéias são exceção, pois trata-se de sons com que se imitam os sons da realidade, mas são muito reduzidas para invalidar a tese da arbitrariedade dos signos lingüísticos. Você já parou para pensar de onde vêmos nomes das coisas? Por que computador chama computador? Por que temos de chamar a água que cai do céu de chuva? Marcelo fica muito cismado com esse problema e resolve que vai chamar as coisas do seu próprio modo. Assim, leite vira “suco de vaca”. Mas sua vida começa a ficar difícil quando ele inventa palavras novas para todas as coisas e ninguém mais entende o que ele fala! A autora de Marcelo, Marmelo, Martelo (1976) é Ruth Rocha, que escreveu mais de 50 livros para crianças. (verdadeabsoluta.net/loja/livros/marcelo-marme...) UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 23 3. A necessidade de aprendizagem: um gato ou um maçado, desde que nascem, já começam a emitir os sons que usarão em toda sua vida. Mesmo que fiquem isolados de seus semelhantes, ainda assim, miarão ou emitirão grunhidos. Já os bebês humanos dependem de ficar expostos a uma língua para, poderem, mais ou menos por volta dos dois anos de idade, começar a falar. Alguns casos raros de crianças que foram criadas por animais, longe do convívio humano comprovam que, mesmo tendo uma dotação genética para uma língua, precisamos de um estímulo externo, isto é, precisamos ouvir os outros para adquirir competência lingüística. 4. Dupla articulação: conforme exposto acima, a língua humana é articulada, isto é, estruturas maiores são formadas por estruturas de um segundo nível (frases - palavras – morfemas – fonemas). A primeira articulação é aquela em que se unem elementos significativos (palavras/morfemas), enquanto a segunda é a que ocorre entre fonemas, que formam as unidades da primeira articulação. Fonte: www.fotosdahora.com.br/clipart/cliparts_image... UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 24 5. Diferimento: essa característica da língua significa que podemos falar de coisas que não estão presentes no contexto em que nos comunicamos. Assim, conversamos sobre nossa infância, sobre um incidente ocorrido no dia anterior, sobre sonhos, planos para o futuro. Isso é possível porque a linguagem nos permite imaginar, algo que não ocorre com a maioria dos animais, cuja comunicação requer que os elementos estejam presentes. É por isso que não se verá jamais um animal dando um “recado” a outro. Mesmo a abelha que dança para as outras, embora fazendo-as saber sobre o néctar em um lugar distante, só consegue passar essa mensagem, e mais nenhuma outra. Em comparação com a capacidade humana de se referir até ao que não existe, isso é quase nada em termos de diferimento. Fonte: comunix.org/files/u1/mafalda1.jpg UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 25 6. Criatividade (ou produtividade): Um número muito reduzido de mensagens é o que pode produzir um animal durante toda sua vida. Os seres humanos, por seu turno, podem produzir novos enunciados sempre que quiserem. Uma pessoa pode, nas circunstâncias mais imprevistas, uma fase que nunca tenha sido aí enunciada e mesmo assim ser compreendida, como, por exemplo “Um elefante está voando pela sala!”. Claro que se pode pensar que esse falante está bêbado, ou delirando, o que significa que o enunciado foi compreendido. Cotidianamente, na hora do café, podemos dizer: Que café delicioso! Adorei esse café! Nunca tomei um café como esse! e tantas outras formas de elogiar a bebida, isto é, sobre a mesma coisa, temos enormes possibilidades de enunciados. Amanhã é meu níver. Amanhã é meu aniversário. Adoro refri. Adoro refrigerante. Ele é animal! Ele é muito bom! Ela gosta de causar. Ela gosta de impressionar / criar confusão. Estamos só ficando. Estamos só nos relacionando sem compromisso. Ele me azarou. Ele acabou comigo. 7. Organização em sistema: Mesmo com a nossa criatividade lingüística, não dizemos qualquer coisa de qualquer jeito. Por exemplo, não ouviremos jamais a palavras jkrnte, em português nem em espanhol; tampouco uma sentença como Chovi meu antes nesse caso tanto. Isso demonstra que a língua se organiza em sistemas (compostos de elementos e de regras para sua combinação) que cada falante domina muito bem, produzindo UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 26 8. Dependência de estrutura: cada elemento da língua adquire sua identidade na relação que mantém com os demais. Sabemos, por exemplo que i- é um prefixo quando aparece na estrutura de palavras como irreal ou imóvel. Do mesmo modo, reconhecemos Aqueles como sujeito em enunciados como Aqueles são meus pais; ou como adjunto adnominal em Aqueles carros foram multados. Desse modo, cada estrutura define a identidade de seus componentes, bem como o lugar que ocupará na cadeia estrutural. apenas unidades permitidas por esses sistemas, inclusive quando cria uma palavra nova. Note que o termo imexível, pronunciado pela primeira vez por um ministro brasileiro na década de 1980, é formado por um prefixo + radical + sufixo, seguindo as regras do sistema mórfico do português. LEITURA COMPLEMENTAR SLIDES INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS DA LÍNGUA UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 27 1.2.1 Definições de linguagem (língua) O desenvolvimento dos estudos lingüísticos levou muitos estudiosos a proporem definições da linguagem, próximas em muitos pontos e diversas na ênfase atribuída a diferentes aspectos considerados centrais pelo seu autor. Neste item serão apresentadas duas propostas, a de Ferdinand de Saussure e a de Noam Chomsky, que pressupõem uma teoria geral da linguagem e da análise Lingüística. Saussure (1996) considerou a linguagem “heteróclita e multifacetada”, pois abrange vários domínios; é ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica; pertence ao domínio individual e social. A linguagem envolve uma complexidade e uma diversidade de problemas que suscitam a análise de outras ciências, como a psicologia, a antropologia etc., além da investigação Lingüística, não se prestando, portanto, para objeto de estudo dessa ciência. Para esse fim, Saussure separa uma parte do todo linguagem, a língua - um objeto unificado e suscetível de classificação. A língua é uma parte essencial da linguagem; é um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. A língua é, pois, para Saussure “um sistema de signos” - um conjunto de unidades que se relacionam organizadamente dentro de um todo. É “a parte social da linguagem”, exterior ao indivíduo; não pode ser modificada pelo falante e obedece às leis do contrato social estabelecido pelos membros da comunidade. O conjunto linguagem - língua contém ainda outro elemento, conforme Saussure: a fala, que é um ato individual; resulta das combinações feitas pelo sujeito falante utilizando o código da língua; UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 28 expressa-se pelos mecanismos psicofísicos (atos de fonação) necessários à produção dessas combinações. A distinção linguagem/língua/fala situa o objeto da Lingüística para Saussure. Dela decorre a divisão do estudo da linguagem em duas partes: uma que investiga a língua e outra que analisa a fala. As duas partes são inseparáveis, visto que são interdependentes: a língua é condição para se produzir a fala, mas não há língua sem o exercício da fala. Há necessidade, portanto, de duas Lingüísticas: a Lingüística da língua e a Lingüística da fala. Saussure focalizou em seu trabalho a Lingüística da língua, “produto social depositado no cérebro de cada um”, sistema supra-individual que a sociedade impõe ao falante. Para o mestre genebrino, “a Lingüística tem por único e verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma, e por si mesma”. Os seguidores dos princípiossaussureanos esforçaram- se por explicar a língua por ela própria, examinando as relações que unem os elementos no discurso e buscando determinar o valor funcional desses diferentes tipos de relações. A língua é considerada uma estrutura constituída por uma rede de elementos, em que cada elemento tem um valor funcional determinado. A teoria de análise lingüística que desenvolveram, herdeira das idéias de Saussure, foi denominada estruturalismo. Os princípios teórico- metodológicos dessa teoria ultrapassaram as fronteiras da Lingüística e a tomaram “ciência piloto” entre as demais ciências humanas, até o momento em que se tomou mais contundente a crítica ao caráter excessivamente formal e distante da realidade social da metodologia estruturalista desenvolvido pela Lingüística. Em meados do século XX, o norte-americano Noam Chomsky trouxe para os estudos lingüísticos uma nova onda de transformação. Chomsky propõe uma definição de linguagem de como UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 29 um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em comprimento e construída a partir de um conjunto finito de elemento. Essa definição abrange muito mais do que as línguas naturais, mas também todas as línguas naturais são, seja na forma falada, seja na escrita, linguagens, no sentido de sua definição, visto que toda língua natural possui um número finito de sons (e um número finito de sinais gráficos que os representam, se for escrita); mesmo que as sentenças distintas da língua sejam em número infinito, cada sentença só pode ser representada como uma seqüência finita desses sons (ou letras). Cabe ao lingüista que descreve qualquer uma das línguas naturais determinar quais dessas seqüências finitas de elementos são sentenças, e quais não são, isto é, reconhecer o que se diz e o que não se diz naquela língua. A análise das línguas naturais deve permitir determinar as propriedades estruturais que distinguem a língua natural de outras linguagens. Chomsky acredita que tais propriedades são tão abstratas, complexas e específicas que não poderiam ser aprendidas a partir do nada por uma criança em fase de aquisição da linguagem. Essas propriedades já devem ser “conhecidas” da criança antes de seu contato com qualquer língua natural e devem ser acionadas durante o processo de aquisição da linguagem. Para Chomsky, portanto, a linguagem é uma capacidade inata e específica da espécie, isto é, transmitida geneticamente e própria da espécie humana. Assim sendo, existem propriedades universais da linguagem, segundo Chomsky e os que compartilham de suas idéias. Esses pesquisadores dedicam-se à busca de tais propriedades, na tentativa de construir uma teoria geral da linguagem fundamentada nesses princípios. Essa teoria é conhecida como gerativismo. UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 30 Assim como Saussure - que separa língua de fala, ou o que é lingüístico do que não é - Chomsky distingue competência de desempenho. A competência Lingüística é a porção do conhecimento do sistema lingüístico do falante que lhe permite produzir o conjunto de sentenças de sua língua; é um conjunto de regras que o falante construiu em sua mente pela aplicação de sua capacidade inata para a aquisição da linguagem aos dados lingüísticos que ouviu durante a infância. O desempenho corresponde ao comportamento lingüístico, que resulta não somente da competência Lingüística do falante, mas também de fatores não lingüísticos de ordem variada, como: convenções sociais, crenças, atitudes emocionais do falante em relação ao que diz, pressupostos sobre as atitudes do interlocutor etc., de um lado; e, de outro, o funcionamento dos mecanismos psicológicos e fisiológicos envolvidos na produção dos enunciados. O desempenho pressupõe a competência, ao passo que a competência não pressupõe desempenho. A tarefa do lingüista é descrever a competência, que é puramente Lingüística, subjacente ao desempenho. A língua - sistema lingüístico socializado - de Saussure aproxima a Lingüística da Sociologia ou da Psicologia Social; a competência - conhecimento lingüístico internalizado - aproxima a Lingüística da Psicologia Cognitiva ou da Biologia. Alguns nos após a divulgação do modelo de Shanon, Bertil Malmberg (1969) e Roman Jakobson (1969), apresentam suas propostas. A preocupação de Jakobson e Malmberg é “completar” ou “ampliar” as propostas anteriores, para que pudesse ser usado para a comunicação verbal, o modelo de comunicação excessivamente simplificado da teoria da informação, da teoria da comunicação ou da cibernética, ou dele aproveitar apenas os elementos necessários ao exame da comunicação humana. “Caixas” são assim acrescentadas ou excluídas. UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 31 Para Jakobson, na esteira dos estudos sobre a informação, há na comunicação um remetente que envia uma mensagem a um destinatário, e essa mensagem, para ser eficaz, requer um contexto (ou um “referente”) a que se refere, apreensível pelo remetente e pelo destinatário, um código, total ou parcialmente comum a ambos, e um contato, isto é, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que os capacitem a entrar e a permanece em comunicação. Bertil Malmberg e Roman Jakobson foram responsáveis pelo processo de reformulação do modelo de comunicação. Os autores ampliam o modelo com a representação do código, situando a atualização das unidades lingüísticas entre o código e o emissor; introduzem também a preocupação com a relação do emissor e elementos extralingüísticos. O modelo resultante dessa ampliação é um dos mais conhecido entre os estudiosos da linguagem na atualidade. Confira na figura 1, a seguir: LOCUTOR => DISCURSO => RESPOSTA DO OUVINTE UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 32 Quadro 2: Modelo do processo de comunicação, segundo Roman Jakobson. Se as propostas de Jakobson ampliam o modelo da teoria da informação, sobretudo no que diz respeito aos códigos e subcódigos e à variação lingüística, sua contribuição mais conhecida e igualmente relevante para o estudo da comunicação está relacionada com a questão da variedade de funções da linguagem. Jakobson mostrou que a linguagem deve ser examinada em toda a variedade de suas funções, e não apenas em relação à função informativa (ou referencial ou denotativa ou cognitiva), que, por ser a função dominante em certo tipo de mensagem e por ser a que interessa ao teórico da informação, foi, muitas vezes, no século XX principalmente, considerada a única ou a mais importante. UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 33 1.4 FUNÇÕES DA LINGUAGEM As funções da linguagem propostas por Jakobson partem da consideração do modelo de comunicação acima, focalizando cada um dos elementos presentes na comunicação. Assim, em qualquer processo comunicativo, alguns elementos assumem papel central e são mais focalizados do que os outros. A função da linguagem que ganha destaque é, por isso, aquela que melhor se adequa à centralidade de qualquer um dos itens constantes no processo comunicativo. O realce particular de cada um dos componentes do modelo comunicativo é feito a partir de uma das funções da linguagem, apresentadas nas figuras a seguir: Figura 2: Esquema de comunicação UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 34 A função referencial, ou informativa, é centrada no componente contextual da comunicação, focando o conteúdo da mensagem, ou seja, apresenta a informação a ser veiculada de modo objetivo e claro, sem fazer referência ao emissor ou destinatário. Esta função é a mais encontrada no discurso jornalístico e acadêmico. Figura 3: Elementos da Comunicação/Funções da linguagem Fonte: www. jackbran.pro.br JORNAL ESPANHOL NOTICIA PRIVATIZAÇÃO DE PARTESDA AMAZÔNIA O diário El Pais afirma que o presidente Lula deu sinal verde para o início da privatização de parte da floresta brasileira. O jornal espanhol ressalta que Lula sempre foi contra as privatizações, assim como o PT, mas se rendeu aos problemas insolúveis relativos à preservação da Amazônia. Segundo o El Pais, o objetivo do governo brasileiro é inibir o desmatamento com a chegada de empresas para a extração de madeira e outros produtos de forma sustentável. Uma área de 90 mil hectares de floresta amazônica em Rondônia seria a primeira a ser privatizada, já em 2008. (Fonte: opiniaoenoticia.com.br/) UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 35 A função emotiva centra-se no emissor da mensagem. As estratégias lingüísticas encontradas nessa função destacam o remetente como parte do conteúdo veiculado, expressando, o caráter emocional e afetivo do enunciador. Os efeitos dessa função são a subjetividade e proximidade do sujeito que veicula a mensagem do conteúdo desta. Esta função predomina em textos que destacam o eu-lírico ou o próprio enunciador, como as poesias. A função conativa procura organizar o texto de forma a que se imponha sobre o receptor da mensagem, persuadindo-o, seduzindo-o. Nas mensagens em que predomina essa função, busca-se envolver o leitor com o conteúdo transmitido, levando-o a adotar este ou aquele comportamento. da linguagem focalizada o destinatário. Essa função é bastante utilizada quando agimos sobre o outro, dando conselhos, fazendo perguntas, pedidos e ordens. Outro uso bastante comum da função conativa é na linguagem da publicidade em que se procura convencer e persuadir o destinatário, produzindo nele comportamentos desejados. Atinja suas metas comerciaisMultiplique cada dólar investido. Atingimos lucro máximo com o mínimo de investimento. UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 36 A função fática diz respeito ao fato de que usamos certos signos para chamar a atenção (ruídos como psiu, ahn, ei), ocorrendo quando a mensagem se orienta sobre o canal de comunicação ou contato, buscando verificar e fortalecer sua eficiência. da linguagem centra-se na utilização do canal de contato entre emissor e destinatário. Os efeitos dessa função são a aproximação entre os interlocutores, produzindo interesses comuns, e efetivando a manutenção da interação. A função poética da linguagem se manifesta quando a mensagem é elaborada de forma inovadora e imprevista, utilizando combinações sonoras ou rítmicas, jogos de imagem ou de idéias. Essa função é capaz de despertar no leitor prazer estético e surpresa. A língua é utilizada para produzir mensagens que chamem à atenção o destinatário pela forma como são construídas, elaboradas. A publicidade, assim como a literatura, são formas de uso da língua em que se encontra com mais freqüência a aplicação dessa função. UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 37 A função metalingüística se caracteriza quando a linguagem se volta sobre si mesma, transformando-se em seu próprio referente. Geralmente o entendimento da metalingüística se define pelo fato de o código se tornar objeto da comunicação, possibilitando assim sua avaliação, sua adequação, e sua significação no processo comunicativo. A metalingüística é encontrada nos glossários e dicionários. Pirâmide s.f. Monumento de base retangular e quatro faces triangulares, que formam uma ponta na extremidade superior. / Fig. Amontoamento de objetos em forma de pirâmide. / Apresentação de acrobacia em que umas pessoas se apóiam sobre outras, formando uma espécie de pirâmide. // Pirâmide das idades, representação gráfica das idades de um grupo humano (geralmente um estado), apresentando-se em abscissas negativas o número dos homens e em abscissas positivas o número das mulheres. // Anatomia. Pirâmide de Malpighi, elemento cônico que forma a substância medular do rim. // Matemática. Pirâmide regular, a que tem por base um polígono regular e cujo vértice se projeta ao centro desse polígono. (As faces de uma pirâmide regular são triângulos isósceles iguais.) (A área lateral de uma pirâmide regular tem por valor o semiproduto do perímetro de sua base por seu apótema. O volume de uma pirâmide é igual à terça parte do produto da superfície da base pela altura.) UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 38 É preciso esclarecer, porém, que as seis funções não se excluem - dificilmente temos, em uma mensagem, apenas uma dessas funções. Entretanto, é engano pensar que todas estejam presentes simultaneamente. O que pode ocorrer é o domínio de uma das funções; assim, temos mensagens predominantemente referenciais, predominantemente expressivas. As funções da linguagem, como descritas por Jakobson, pressupõem a concepção de que a língua tem como função maior e vital os processos de comunicação. Assim, cada uma das funções aqui descritas corresponde às opções do falante de destacar um aspecto da comunicação sobre o outro. No entanto, considerar que o papel da língua é apenas comunicar, é reduzi-la a um código que em nada difere de outros sistemas de comunicação até agora estudados. Além desses modelos baseados na teoria da informação, existem modelos de conversação que invertem as setas dos modelos acima. Criando um papel ativo para o receptor. UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 39 ATIVIDADES 1. Analise as capas da revista Veja, a seguir, e comente a função da linguagem predominante em cada uma. 2. Por que se pode afirmar que no poema a seguir, há presença da função metalingüística? UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 40 OBJETIVOS • Reconhecer os estudos linguísticos, identificando objeto, objetivos e correntes de estudo. • Inteirar-se do desenvolvimento histórico dos estudos da linguagem humana, reconhecendo filiações entre eles. • Distinguir, nas diferentes abordagens da língua, recortes e objetivos. UNIDADE 2 LINGUÍSTICA: NATUREZA DOS ESTUDOS, HISTÓRIA E CORRENTES DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 41 2.1 LINGUÍSTICA: OBJETO, OBJETIVOS, PERSPECTIVAS DE ESTUDOS Neste tópico trataremos mais especificamente do objeto e dos objetivos dos estudos lingüísticos a fim de nos familiarizarmos ainda mais com aquilo de que se ocupam os lingüistas, estudiosos que buscam deslindar os “mistérios” dessa forma de linguagem que é de uso cotidiano – a língua, e ainda veremos que objetivos buscam alcançar com suas pesquisas. Esse estudo se justifica em razão de que, num curso de graduação em Letras, é importante que o estudante tome conhecimento das bases teóricas da disciplina que dão fundamentação aos estudos de língua, compreendendo qual seu objeto e a se propõem esses estudos. Começaremos comentando uma pesquisa feita junto a estudiosos brasileiros e, a partir daí, estenderemos nossas considerações com base em outras obras que abordam a questão. 2.1.1 Objeto da Linguística Na obra Conversas com l ingüistas: virtudes e controvérsias da linguística, Xavier e Cortez (2003) apresentam uma série de entrevistas com renomados lingüistas brasileiros, os quais foram questionados sobre definições de língua, caráter científico da Linguística, compromissos desta ciência com a educação e outros assuntos. Segundo os organizadores da obra, “As questões buscavam fazer os entrevistados sintetizarem em torno dos mesmos assuntos toda a sua experiência enquanto estudiosos da linguagem” (p. 10). UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 42 Quadro 3 : Definições de Linguística Fonte: Xavier; Cortez (2003) - adaptado Interessam-nos neste fascículo as respostas relativas às seguintes perguntas: Que é Linguística? e Para que serve a Linguística?, das quais destacamoselementos que nos darão base para melhor compreender o objeto e os objetivos dessa ciência: ENTREVISTADOS Maria Bernardete Marques Abaurre Carlos Alberto Faraco Francisco Gomes de Matos Rodolfo Ilari Mary Kato Ingedore V. Koch Luís Antonio Marcuschi Maria CecíliaMollica O QUE É LINGUÍSTICA? Campo de estudos que acomoda os mais variados temas a respeito de linguagem e línguas naturais. Ciência que tem como objeto a linguagem verbal ou as línguas naturais Ciência que se ocupa do processo linguagem em suas múltiplas representações, principalmente a linguagem escrita, a linguagem falada e que também se ocupa das origens, da estrutura e do funcionamento e dos efeitos do uso nos usuários. Entender como a língua funciona não é saber muitas línguas e também não consiste apenas em juntar informações sobre as mais variadas características de uma língua, mas é tentar ver como funciona. Ciência que estuda as línguas humanas ou línguas naturais. É a ciência da linguagem verbal. Estuda o sistema lingüístico e também a maneira como a língua é posta em prática no seio da sociedade. É a investigação das formas, dos usos e das atividades lingüísticas. Área de investigação de conhecimento que se ocupa de uma gama de questões relacionadas à origem, a natureza e a função da linguagem humana. OBS.: Veja, ao final do fascículo (ANEXOS), fotos e uma biografia profissional dos linguistas citados no quadro. UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 43 Em todas as respostas dos lingüistas, um elemento comum se destaca: o foco dos estudos lingüísticos é a língua (= linguagem verbal) em seus mais variados aspectos: forma, estrutura, origem, função, usos. Observe que não se trata de uma língua em particular, mas sim do que é comum a toda e qualquer língua natural (em oposição às línguas criadas pelo homem (artificiais), como a do universo da informática). Obviamente que há lingüistas que se ocupam especificamente da descrição do português ou do espanhol ou de qualquer outra língua (moderna ou antiga). Trata-se, nesse caso, de uma especificação do trabalho do estudioso. Nesse ponto, já podemos constatar que existe uma Linguística Geral e estudos linguísticos específicos, também chamados de Linguística Descritiva. Veja a seguir uma notícia de jornal na qual se pode perceber pontos de vista de lingüistas sobre um determinado fenômeno muito comum em nosso país: UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 44 Esta matéria foi publicada na edição de 23 de novembro de 1997 do jornal Folha de São Paulo: Leve dicionário na hora de ir às compras Nesta época de compras, liquidação vira “sale” e as “stores” vendem com 50% “off”. Levantamento mostra que 15% das lojas e bares paulistanos são batizados com nomes em inglês Lúcia Martins Da Reportagem local A mãe up-to-date vai neste X-mas aproveitar uma sale e conseguir 50% off em uma toy shop para comprar um presente para o baby. Se você tem dificuldades para entender a frase acima, desista de fazer compras neste Natal em São Paulo. Usar palavras, expressões ou traduzir nomes inteiros para o inglês é a nova tática para atrair os consumidores, principalmente nos bairros de classe média da cidade. Nos Jardins e na Vila Mariana (ambos na zona sudoeste), é quase impossível encontrar nomes de lojas, de marcas e de serviços em português. “How to get the best price”, “Aceitamos cards”, “Fazemos delivery” são alguns exemplos encontrados nesses bairros. A “invasão” da língua pode ser medida pelo número de lojas com nomes em inglês. De cada 100 lojas de São Paulo, 15 têm alguma palavra ou estrutura do inglês no nome. Essa é uma estimativa da Federação das Câmaras e Dirigentes Lojistas, que fez um levantamento em 3.300 lojas. A explicação de Maurício Stainoff, presidente da federação, é a mesma dada por especialistas. “Inglês tem prestígio”. UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 45 Os donos de bares também resolveram americanizar. O índice de nomes in english é o mesmo das lojas. Levantamento da Associação de Bares e Restaurantes Diferenciados mostra que cerca de 15% dos seus 300 associados também têm nomes em inglês. O grupo que estimula o turismo na cidade é chamado de SP Convention Bureau. Segundo o grupo, esse é um nome usado por outras capitais. A mais recente campanha do SP Convention Bureau é a “SP Wellcomes Visa”, para atrair clientes do cartão de crédito. Para a maior parte dos estudiosos da língua, o que ocorre na cidade é apenas reflexo da globalização. A prova disso é a demanda crescente de quem quer aprender a língua. Na cidade, há 3.000 cursos. Para alguns estudiosos do português, o fenômeno é “invasão”. Para outros, apenas um “empréstimo”. Ieda Maria Alves, professora-doutora de Filologia e Língua Portuguesa da USP, está organizando um dicionário de neologismos e levantou cerca de 3.500 palavras novas usadas pela imprensa. Desses, 10% são anglicismos. Entre os recordistas em uso, estão cult, black, talk show (veja as 20 mais usadas nesta página). Para Ieda, os “empréstimos podem representar um fator de enriquecimento”. No Aurélio, os anglicismos são cerca de 400, menos da metade dos estrangeirismos. Já para Dino Preti, professor-doutor de linguística da PUC-SP, a “infiltração do inglês é absurda e deve ser controlada”. “Essa invasão é difícil de evitar. Acho que o caminho é o fortalecimento das escolas”. (Fonte: www.novomilenio.inf.br/.../imagemp/19971123b.jpg) UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 46 Mas voltemos a nossa questão inicial: A resposta é então quase óbvia: A língua em seus múltiplos aspectos O fato de ser múltiplo torna esse objeto altamente complexo e, como mostra a história da Lingüística (neste fascículo), os estudos foram, nas suas diversas vertentes, enfocando aspectos diferentes: os gregos, por exemplo, se preocupavam com a eficácia dos discursos e estudavam a língua grega para verificar de que modo os arranjos lingüísticos poderiam fazê-los alcançar sucesso nas assembléias; já os lingüistas comparativistas, principalmente no decorrer do século XIX, buscavam nos elementos fônicos das línguas encontrar parentescos e filiações entre elas. Como se vê, diferentes objetivos geraram diferentes objetos: ora a língua é vista como discurso, ora como estrutura fônica (a isso é que denominamos objeto de estudo). Percebe- se, com esses dois exemplos, o quanto de riqueza há no objeto língua, o que gerou muitas subdivisões no terreno da ciência lingüística, conferindo-lhe na verdade o status de um conjunto de estudos sobre a linguagem humana. Para entendermos melhor as multifaces desse grande objeto de estudo que é a língua, reflitamos sobre o depoimento do professor Ataliba de Castilho quando de suas aulas de Linguística na universidade: Bom, eu quando dou aula na graduação, costumo dizer para os alunos: se você quer entender o que é lingüística e o que é o seu objeto, você precisa pensar Qual o objeto da Linguística? UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 47 um pouco na fábula dos três cegos apalpando o elefante. Cada um apalpava um pedaço e definia o animal por aquele pedaço. Então, o que pegava na perna, dizia assim: “o elefante é assim um cilindro muito duro, rígido, [...] parece que esse animal não se mexe é ocupa posição vertical no espaço”. O outro que mexia lá na tromba, naturalmente, discordava não só quanto à disposição no espaço, quanto à rigidez ao tato, tanto quanto à mobilidade. (XAVIER; CORTEZ, 2003, p. 55). Assim, como destaca a professora Mary Kato, a Linguística é, na verdade, uma grande área, um termo genérico para muitas subciências. Por exemplo, há lingüistas que estudam a gramática das línguas, enfocando o modo como os elementos se estruturam morficamente ou sintaticamente – os linguistas formais;outros se voltam para as relações entre as estruturas e as funções que elas desempenham na comunicação humana e como expressam os pontos de vistas dos falantes – são os linguistas funcionais; outros ainda se empenham no estudo dos textos – os linguistas de texto, havendo também estudiosos dos fenômenos do discurso, que têm como objeto de estudo o sujeito situado nos diversos discursos que se constroem com a língua. A esses se chamam analistas do discurso (XAVIER; CORTEZ, 2003) Há, portanto, muitas tendências na Linguística, sendo que uma delas é o estudo do chamado “núcleo duro” – fonologia, morfossintaxe e semântica. O lingüista americano Noam Chomsky, por sua vez, defende que o objeto de estudo da Linguística é o conhecimento depositado no cérebro humano que dá ao homem a capacidade de usar uma língua sem que lhe tenham ensinado. Outros, como Marcuschi, “acham que a Linguística pode ser mais ampla e envolve inclusive lingüística de texto, análise do discurso, análise da conversação, por exemplo. Isto é, envolve processos, atividades, e outras coisas mais.” (XAVIER; CORTEZ, 2003, p. 136). UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 48 Segundo Weedwood (2002), os termos microlinguística e macrolinguística, embora ainda não estejam bem estabelecidos, são usados para se referir, respectivamente a uma visão mais estrita da língua (ou núcleo duro, como já tornou comum dizer), restrita aos aspectos puramente lingüísticos, como fonemas, morfemas, sintagmas, elementos lexicais e referências vinculadas apenas aos elementos lingüísticos, enquanto a macrolinguística diz respeito a uma visão mais ampliada do escopo da lingüística, incluindo mecanismos psicológicos que se relacionam à produção e recepção da fala (domínio da psicolinguística), as mudanças pelas quais uma língua passa (linguística histórica), as variações lingüísticas vinculadas a elementos da sociedade, como classe, origem, grau de escolaridade (sociolinguística) e outros. Como enfatiza Weedwood (2002, p. 12), A figura abaixo ilustra esquematicamente como a Linguística constrói seu objeto de estudo. Figura 1: Microlinguística e macrolinguística Fonte: Weedwood (2002, p. 11) UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 49 Às vezes a lingüística se encontra com a neurologia: inscrita no cérebro, a língua está sujeita a distúrbios (por exemplo, a afasia), extraordinariamente reveladores do seu funcionamento. Às vezes o lingüista tem de ser sociólogo, pois a língua é também, eminentemente um produto social – ou, ainda, psicólogo, pois a produção lingüística ativa todas as faculdades psíquicas (memorização, associação, organização do pensável...) que são do domínio privilegiado da psicologia. Percebe-se, pois, que, embora seu objeto seja sempre a língua, a Linguística a estuda sob diversos ângulos. Sendo a língua muito complexa, para compreendê-la, são necessários vários modos de abordá-la, daí se geram os diferentes campos de estudos lingüísticos, conforme enfatiza Mollica (XAVIER; CORTEZ, 2003, p. 145), Nessa medida são inúmeros os seus domínios. Nós podemos imaginar seus domínios e outros que estão por vir. E aí, portanto, é amplo o diálogo com outras áreas do saber. [...] É uma área, vamos dizer assim, por si só naturalmente fragmentada, razão pela qual a própria definição vai conter uma dinamicidade muito grande. É importante observar que, conforme ainda a figura 1 (acima), os sons da língua, fonemas, morfemas, sintagmas, léxico, estão no chamado núcleo duro, constituindo o que é estritamente lingüístico. Isso significa que tais elementos também fazem parte do objeto de estudo de vertentes que se situam na órbita do núcleo. Assim o que diferencia psicolinguistas, sociolinguistas, neurolinguistas, analistas do discurso, lingüistas de textos, lingüistas históricos de lingüistas formais é o fato de que estes se atêm a estudar a língua em si mesma (como postulam a correntes formalistas), procurando descrevê-la em níveis de estruturação (organização fonológica, mórfica, sintática), enquanto aqueles levam em conta elementos extralinguísticos (psicológicos, sociais, históricos) para explicar o que é lingüístico. UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 50 52 EXEMPLIFICANDO: Um lingüista formal identifica os sufixos com carga semântica de diminutivo, estudando os seus contextos de ocorrência: –zinha pode ser encontrado em partezinha e pelezinha; -ula se verifica em partícula e película. Também observa que o segundo sufixo provoca uma mudança na vogal temática dos nomes (-ula faz com que –e mude para –i), isto é, o nível mórfico altera o nível fônico dos vocábulos. Diante dessas mesmas ocorrências lingüísticas, o sociolinguista busca associar elementos com os contextos sociais de uso, observando que os sufixos apresentam diferentes graus de formalidade e que o segundo grupo normalmente é encontrado na fala de pessoas mais escolarizadas. ATIVIDADE COMPLEMENTAR 1. Leitura do artigo “O caráter imprescindivelmente parcial do objeto da lingüística”, de Bruna Carvalho Santa. Disponível em <www.unipinhal.edu.br/ojs/falladospinhaes/.../getdoc.php?id...>. Após a leitura do artigo, escreva um comentário sobre a parcialidade da definição saussuriana e da definição chomskyana da língua. Poste seu comentário no portfólio. UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 51 2.1.2 Objetivos da Linguística Em seus estudos sobre a linguagem humana (língua) o lingüista visa a atingir determinados objetivos – o que constitui a busca de respostas para as questões colocadas sobre o objeto língua, como já vimos, a partir de enfoques diferentes. Assim, passaremos agora a tratar de objetivos, isto é, do que a Linguística se propõe e que procedimentos adota para tal. Primeiramente, como já destacamos, na Linguística, como em outros campos, o conhecimento é restrito ao objeto e ao ponto de vista adotado pelos diversos grupos de lingüistas. Sem dúvida, a disciplina é empírica (faz parte da experiência de vida das pessoas). Assim, a língua preexiste ao estudioso: ele não a inventou, ela está diante dele para ser estudada. “O primeiro objetivo do lingüista, assim, é descrever o que a realidade lhe impõe” (MARTIN, 2003, p. 15). Lingüística é a ciência que estuda a linguagem. O termo foi empregado pela primeira vez em meados do século XIX, para distinguir as novas diretrizes para o estudo da linguagem, em contraposição ao enfoque filológico mais tradicional. A filologia ocupa- se, principalmente, da evolução histórica das línguas, tal como se manifestam nos textos escritos e no contexto literário e cultural associado. A lingüística tende a dar prioridade à língua falada e à maneira como ela se manifesta em determinada época. Apresenta ainda uma tendência maior à universalização e aspira à construção de uma teoria geral da estrutura da linguagem que abarque todos os seus aspectos. O desenvolvimento, ao longo dos séculos, de várias hipóteses sobre a formação, evolução e funcionamento da linguagem criou a base para as pesquisas lingüísticas atuais. Entretanto, a língua em si, em sua inteireza, não é acessível ao estudo, isso porque não há como ver e ouvir tudo o que compõe UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 52 uma língua (como se deposita no cérebro, por exemplo), desse modo, o linguista, com os dados que observa (os elementos lingüísticos que analisa), tira conclusões, testa e daí constrói uma teoria sobre a língua, sua estrutura e funcionamento. A teoria corresponde a um conjunto de afirmações feitas acerca do que se estuda. Por exemplo, a teoria gerativa afirma que a língua é um conjunto de regras gramaticais de estrutura sintática depositada no cérebro dos falantes. Obviamente que os gerativistas não tinham como abrir a cabeça de alguém para ver a língua lá depositada,mas podiam verificar que as crianças, em um determinado período de sua vida, começam a falar sem precisar que alguém lhes ensine, bastando que estejam em contato com outros falantes. Também são elas capazes de produzir e compreender frases que nunca ouviram, isto é, o uso da língua não se dá por imitação, e sim por um mecanismo de geração de sequências lingüísticas. Com base nessas observações e raciocínios, construiu-se a teoria da aquisição inata da língua. A Linguística tem, pois, como um dos seus objetivos, explicar como uma língua é aprendida ou gerada. Tem-se aí o que se denomina de Linguística Teórica, pois teoriza sobre a língua, sem particularizar nenhuma língua específica. A lingüística teórica procura estudar questões tão diferentes sobre como as pessoas, usando suas particulares linguagens, conseguem realizar UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 53 comunicação, quais propriedades todas as linguagens têm em comum, qual conhecimento uma pessoa deve possuir para ser capaz de usar uma linguagem e como a habilidade lingüística é adquirida pelas crianças. Outro objetivo que também se coloca aos estudos lingüísticos é o de descrever línguas naturais específicas, daí temos descrição do português brasileiro, descrição do espanhol da Idade Moderna etc. A esses estudos denominam-se Linguística Descritiva. Em razão de as línguas não serem estáticas, mudando em razão das necessidades dos falantes localizados em diferentes épocas, outro objetivo da Linguística é de caráter histórico. Esses estudos, por exemplo, tomam como objeto de estudo as mudanças que ocorreram na passagem de dialetização do latim até se formarem as chamadas línguas neolatinas, como o português, o espanhol, o italiano, o francês. O objetivo é buscar os mecanismos ou princípios que regem essas mudanças. Ainda quanto aos seus objetivos, existe a Linguística Aplicada, a qual se propõe a estudar as línguas com vistas a objetivos práticos, como melhorar o ensino-aprendizagem de língua materna ou de língua estrangeira, fazer planejamento lingüístico em nações marcadas pela pluralidade de línguas, decidindo-se, por exemplo, qual língua será considerada oficial, desenvolver trabalhos missionários em comunidades pouco conhecidas. A figura 1 (acima), em que se mostram as diversas correntes dos estudos linguísticos, verificamos que se diferenciam não só pelo objeto dos estudos, como também pelos objetivos que estabelecem para os estudos. Nesse sentido, a seguir (figura 2), apresenta-se uma síntese dessas diferenças entre duas dessas vertentes da Linguística: UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 54 Figura 2: Vertentes lingüísticas: objeto e objetivos Fonte: UESPI, 2009 Por fim, apresentamos, a partir do ponto de vista dos lingüistas entrevistados por Xavier e Cortez (2003), algumas considerações acerca da “utilidade da Linguística”. Ao serem postos diante da questão Para que serve a Linguística?, manifestaram o seguinte: UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 55 PARA QUE SERVE A LINGUÍSTICA? Contribuir para uma melhor compreensão de problemas da sociedade, por exemplo: preconceito lingüístico, aquisição da língua materna, ensino de língua. O trabalho científico tem uma utilidade em si mesmo, que é a geração de conhecimentos. Para ajudar os usuários a compreenderem a comunicação humana, a identificarem características do comunicar bem do comunicar para o bem. Serve para esclarecer, orientar usuários quanto à importância de construir uma identidade confiante, segura. Linguística é essa prática pela qual nós tentamos dar o manual de uma prática que funciona sem manual. Assim a Linguística tem servido muito para desfazer certos mitos sobre a aprendizagem de língua (materna e outras), ajudando a melhorar o ensino. Para fazer entender o que é língua. Assim, é preciso descrever línguas. É papel da Linguística explicar. Entender a língua é entender a interação humana, daí a importância de se ter amplos conhecimentos sobre a língua, e é isso que a Linguística propicia. Para nos fazer compreender de que forma nós interagimos, como chegamos a nos entender, como conseguimos construir e dar a entender este mundo que nós construímos, como a realidade é sentida e reproduzida para as pessoas. LEITURA COMPLEMENTAR SLIDES “PARA ENTENDER A LINGUÍSTICA” UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 56 2.2 BREVE PERCURSO HISTÓRICO DOS ESTUDOS DA LINGUAGEM HUMANA No século IV a.C. já se tem notícias dos primeiros estudos cujo foco é algum aspecto da linguagem. Inicialmente, foram razões religiosas que levaram os hindus a estudar sua língua, para que os textos sagrados reunidos não sofressem modificações no momento de ser proferidos. Mais tarde os gramáticos hindus, entre os quais Panini (século IV a.C.), dedicaram-se a descrever minuciosamente sua língua, produzindo modelos de análise que foram descobertos pelo Ocidente no final do século XVIII. Já os gregos preocuparam-se, principalmente, em definir as relações entre o conceito e a palavra que o designa, ou seja, tentavam responder à pergunta: haverá uma relação necessária entre a palavra e o seu significado? Platão discute muito bem essa questão no Crátilo. Platão também se deteve nos problemas fundamentais da linguagem. As questões levantadas em suas obras são cruciais, uma agenda à qual a tradição européia tem retornado, consciente ou inconscientemente, muitas e muitas vezes ao longo de seu desenvolvimento. Aristóteles desenvolveu estudos noutra direção, tentando proceder a uma análise precisa da estrutura Lingüística, chegou a elaborar uma teoria da frase, a distinguir as partes do discurso e a enumerar as categorias gramaticais. Dentre os latinos, destaca-se Varrão que, assim como os gregos, dedicou-se à gramática, apresentando como uma arte e também como ciência. Os estudos de Varrão, como historiador e filósofo, conferem a seu trabalho um enforque muito diferente do das outras obras romanas sobre linguagem que chegaram até nós. Nas porções remanescentes do De língua latina, Varrão UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 57 estabelece duas dicotomias problemáticas: o papel da natureza e da convenção na origem das palavras, e a questão da analogia e da anomalia na regulação do discurso. Tal como Platão, Varrão conclui que o significado original das palavras, imposto em concordância com a natureza, foi obscurecido em diversos casos pela passagem do tempo, e que a etimologia pode freqüentemente ajudar a recuperar o significado verdadeiro e original. Por etimologia Varrão entende um tipo de explicação semântica, em vez do tipo de explicação primordialmente fonológica da etimologia histórica a que estamos habituados. Traça, também, uma importante distinção entre a natureza subjacente, original, da língua(gem) e o uso, e entre os usos descritivo e prescritivo da analogia. A importância maior dos estudos de Varrão reside na forma clara com que formulou e seguiu até o fim algumas das implicações da dicotomia significado-forma, um legado em que se baseariam gerações posteriores de gramáticos latinos. São pouquíssimas as gramáticas do período entre Varrão e Quintiliano (de 30 a.C. a 100 d.C.) que sobreviveram até nós, embora gramáticos do século I como Q. Rêmio Palemão, Valério Probo e Pansa tenham sido fartamente citados por autores posteriores. A educação romana sob o Império era destinada à formação de oradores. Na Idade Média, um pequeno grupo de eruditos em atividade na universidade de Paris entre 1250 e 1320, denominados modistas consideraram que a estrutura gramatical das línguas é una e universal, e que, em conseqüência, as regras da gramática são independentes das línguas em que se realizam. Perspectiva que guarda semelhanças com aquela que Chomsky séculos depois apresentou.UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 58 Os modistas se baseavam na noção dos ‘modos de significação”, que fornecia um arcabouço para se descrever o processo de verbalização. Na concepção modista, o objeto do mundo real, externo ao entendimento humano, podia ser apreendido como um conceito pelo entendimento, e o conceito podia ser dado a conhecer por um signo falado, tornando-se dessa maneira um significado. A teoria sintática modista (que recentemente foi objeto de comparação com a moderna teoria das valências] só pode ser avaliada adequadamente quando se sabe mais acerca de idéias não-modistas sobre sintaxe. Pode ser que os modistas tenham recebido o crédito de idéias que, na época, eram lugar-comum. Certamente, foi o sustentáculo cognitivo de sua teoria, a estrutura subjacente aos próprios modi significandi, que atraiu a crítica da posteridade, mais do que sua teoria propriamente sintática. Posteriormente, a tradução dos livros sagrados em numerosas línguas, no século XVI, foi um marco nos estudos sobre a linguagem. Também nesta época viajantes, comerciantes e diplomatas trazem de suas experiências no estrangeiro o conhecimento de línguas até então desconhecidas. Em 1502 surge o mais antigo dicionário poliglota, do italiano Ambrosio Calepino. Em 1660, a Gramática de Port Royal, de Lancelot e Arnaud, que foi modelo para grande número de gramáticas do século XVII, demonstra que a linguagem se funda na razão, é a imagem do pensamento e que, portanto, os princípios de análise estabelecidos não se prendem a uma língua particular, mas servem a toda e UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 59 qualquer língua. A própria origem dessa gramática espelha os elementos conflitantes em ação: o encontro da gramática particular com a filosofia. Enquanto escrevia livros didáticos de latim, grego, espanhol e italiano, Claude Lancelot observou a existência de aspectos comuns a estas e (supôs) a todas as outras línguas. A Gramática de Port Royal é a precursora reconhecida de uma longa série de gramáticas “gerais”, “filosóficas”, “universais” ou “especulativas”, cujos autores estavam preocupados em demonstrar a presença marcante dos princípios lógicos na linguagem, dissociados dos efeitos arbitrários do uso de qualquer língua particular. Na língua portuguesa A Gramática filosófica da língua portuguesa, de Jerônimo Soares Barbosa, escrita em 1803, mas só publicada em 1822, é a representante mais notável dos princípios da Gramática de Port-Royal. O conhecimento de um número maior de línguas vai provocar, no século XIX, o interesse pelas línguas vivas, pelo estudo comparativo dos falares, em detrimento de um raciocínio mais abstrato sobre a linguagem, diferentemente daquilo que foi enfocado no século anterior. É nesse período que se desenvolve um método histórico, instrumento importante para o florescimento das gramáticas comparadas e da Lingüística Histórica. O pensamento lingüístico contemporâneo, mesmo que em novas bases, formou-se a partir dos princípios metodológicos elaborados nessa época, que preconizavam a análise dos fatos observados. O desenvolvimento do método comparativo, que resultou num conjunto de princípios pelos quais as línguas poderiam ser UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 60 sistematicamente comparadas no tocante a seus sistemas fonéticos, estrutura gramatical e vocabulário, de modo a demonstrar que eram “genealogicamente” aparentadas. Assim como o francês, o italiano, o português, o romeno, o espanhol e as outras línguas românicas tinham se originado do latim, também o latim, o grego e o sânscrito, bem como as línguas célticas, germânicas e eslavas e várias outras línguas da Europa e da Ásia tinham se originado de alguma língua mais antiga, à qual é costume aplicar o nome de indo-europeu ou proto-indo-europeu. O fato de as línguas românicas descenderem do latim e assim constituírem uma “família” era coisa sabida havia séculos. Mas a existência da família lingüística indo-européia e a natureza de sua relação genealógica foi demonstrada pela primeira vez no século XIX pelos filólogos comparativistas. O estudo comparado das línguas vai evidenciar o fato de que as línguas se transformam com o tempo, independentemente da vontade dos homens, seguindo uma necessidade própria da língua e manifestando-se de forma regular. Franz Bopp é um dos estudiosos que se destaca nessa época. A publicação, em 1816, de sua obra sobre o sistema de conjugação do sânscrito, comparado ao grego, ao latim, ao persa e ao germânico é considerada o marco do surgimento da Lingüística Histórica. A descoberta de semelhanças entre essas línguas e grande parte das línguas européias vai evidenciar que existe entre elas uma relação de parentesco, que elas constituem, portanto, uma família, a indo-européia, cujos membros têm uma origem comum, o indo-europeu, ao qual se pode chegar por meio do método histórico-comparativo. O grande progresso na investigação do desenvolvimento histórico das línguas ocorrido no século XIX foi acompanhado por uma UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 61 descoberta fundamental que veio a alterar, modernamente, o próprio objeto de análise dos estudos sobre a linguagem - língua literária - até então. Os estudiosos compreenderam melhor do que seus predecessores que as mudanças observadas nos textos escritos correspondentes aos diversos períodos que levaram, por exemplo, o latim a transformar-se, depois de alguns séculos, em português, espanhol, italiano, francês, poderiam ser explicadas por mudanças que teriam acontecido na língua falada correspondente. A Lingüística moderna, embora também se ocupe da expressão escrita, considera a prioridade do estudo da língua falada como um de seus princípios fundamentais. É no início do século XX, com a divulgação dos trabalhos de Ferdinand de Saussure, professor da Universidade de Genebra, que a investigação sobre a linguagem - a Lingüística - passa a ser reconhecida como estudo científico. Em 1916, dois alunos de Saussure, a partir de anotações de aula, publicam o Curso de Lingüística geral, obra fundadora da nova ciência. Ao longo do século XX, também foram desenvolvidos estudos com base na analogia,que, tomada em seu sentido mais amplo, desempenha um papel muito mais importante no desenvolvimento das línguas do que simplesmente o de esporadicamente inibir aquilo que, do contrário, seria uma transformação completamente regular do sistema fonético de uma língua. Quando uma criança aprende a falar, tende a regularizar as formas anômalas, ou irregulares, por analogia com os UESPI - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - ENSINO A DISTÂNCIA 62 2.3 ABORDAGENS DA LÍNGUA Conforme você já deve ter percebi a LÍNGUA não é um objeto simples, já que em sua constituição e funcionamento há muitos fatores implicados: cognitivos, estruturais, formais, históricos, sociais. Desse modo, seria impossível dar conta de descrever e explicar um objeto tão complexo de forma adequado se não houvesse um enorme esforço por parte dos estudiosos, os quais acabam se especializando numa abordagem da língua que privilegia determinados fatores. Assim, padrões mais regulares e produtivos de formação na língua. Por exemplo, a criança tende a dizer “eu fazi” em vez de “fiz”, tal como diz “comi”, “abri”, “vendi” etc. O fato de a criança proceder assim é uma prova de que ela aprendeu ou está aprendendo as regularidades ou regras de sua língua. Ela prosseguirá seu aprendizado “desaprendendo” algumas das formas analógicas e substituindo-as pelas formas irregulares correntes na fala da geração anterior. Mas, em alguns casos, ela manterá uma forma analógica “nova”, e pode ser então que esta se torne a forma reconhecida e aceita pela comunidade de falantes. Antigamente, a Lingüística não era autônoma, submetia-
Compartilhar