Buscar

josé murilo de carvalho construção da ordem teatro das so

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

José Murilo de Carvalho 
Construção da Ordem / Teatro das Sombras 
 
CONSTRUÇÃO DA ORDEM 
 
INTRODUÇÃO 
 
Os territórios do Brasil mantiveram-se unidos, ao contrário das ex-colônias espanholas, que se 
fragmentaram, principalmente por causa da atuação da nossa elite política, que demonstrava certa 
homogeneidade ideológica e, graças à tradição burocrática portuguesa, havia adquirido o treinamento necessário 
para dirimir os conflitos intraelite e fundamental para a construção de um sistema político tal qual adotamos: 
uma monarquia representativa com o poder centralizado, afastado o predomínio militar. Ele não ignora, contudo, 
o fato de que as elites atuavam dentro de certos fatores que restringiam seu campo de atuação e de decisão. 
Carvalho defende que a unidade territorial do Brasil foi uma opção política dentro das várias disponíveis, 
rejeitando a idéia de que os fatores econômicos predominaram na constituição dessa unidade (o Brasil não era 
composto por ilhas, da mesma forma que havia fatores de desintegração havia outros que motivavam a 
desintegração), bem como verifica uma casualidade reversa entre o escravagismo e a manutenção da unidade. 
Ele afirma que os políticos preocupavam-se antes com a unidade do que com o escravagismo, ou seja, manteve-se 
a escravidão para manter a integridade, e não o contrário. Opõe-se também à teoria de que a unidade foi mantida 
graças à prosperidade tardia do ouro no Brasil, afirmando que tal riqueza já amainava quando da Independência. 
Também, afirma que a transmigração da Corte para o Brasil não poderia ser considerada sozinha como um fator 
determinante para a manutenção da unidade – poder-se-ia argumentar que a experiência monárquica preparou 
os brasileiros para tal transição -, pois a Independência viria com ou sem monarquia. 
José Murilo conclui que tal modelo político foi uma escolha dentro de várias existentes, dentro das 
limitações em que atuava a elite e de acordo com a sua relativa homogeneidade ideológica e com o treinamento 
que haviam obtido graças ao modelo político português. 
 
ELITES POLÍTICAS E CONSTRUÇÃO DO ESTADO 
 
No início do capítulo Murilo expõe as teorias de Mosca e Pareto sobre a atuação das elites. Para o 
primeiro, a elite se sustenta no domínio de alguma força social, e quando esse domínio esvanece, ela perde suas 
bases de sustentação, dando espaço à ascensão de um novo corpo de elite. Para Pareto, a elite atua por meio da 
combinação entre a força e persuasão, e é essa dosagem que, se não adequada ao contexto, gera sua queda. 
Murilo explica que a formação dos Estados modernos se deu através do fortalecimento do poder régio 
sobre quatro elementos básicos: a burocratização, o monopólio da força, a criação da legitimidade e a 
homogeneização dos súditos. Segundo ele, o que determina a forma de um novo Estado é a forma como se dá o 
ajustamento entre a burocracia e a representação das classes – o parlamento. Em Portugal, um país de revolução 
burguesa abortada, e conseqüentemente no Brasil, houve o predomínio do corpo burocrático sobre o elemento 
representativo. Esse sistema foi caracterizado ainda pela forte presença de funcionários públicos no parlamento, 
ou seja, a própria burocracia do governo representava o povo diante dela mesma. Ainda, constante foi a presença 
de legistas formados em Coimbra na composição desse corpo burocrático. Diferentemente da Inglaterra, as 
poucas oportunidades de emprego fora da agricultura colocava sobre o Estado o peso de fornecer empregos, 
tornando-o mais visível. Os nobres, em Portugal e no Brasil, dependiam dos empregos do Estado para obter suas 
rendas. 
Essa característica da formação política portuguesa fez surgir uma elite política razoavelmente 
homogênea, graças, senão a sua origem social, a uma socialização e ao treinamento para as funções 
administrativas obtido na Universidade de Coimbra. A concentração dessa formação em Coimbra, 
diferentemente da pluralidade das universidades espanholas, trazia um fator de homogeneidade para as 
formadas lá. Também, concentrava-se na formação jurídica e desligava-se de influências religiosas. Assim, as 
elites políticas portuguesas se isolavam de doutrinas revolucionárias. Os juristas que de lá saíram foram os 
responsáveis pela criação e sustentação do modelo político português, estendendo sua influência na construção 
do Estado brasileiro. Daí, a sua maior preocupação foi a manutenção da unidade. Murilo atribui à transposição 
dessa elite política homogênea para o Brasil uma importância maior do que a própria transmigração da Corte na 
formação do modelo político brasileiro. Por outro lado, as elites políticas dependiam da renda da agricultura, daí 
que enfrentaram algumas restrições na sua atuação. 
O efeito principal de uma elite homogênea seria a redução dos conflitos internos apenas aos grupos 
dominantes, por um lado dirimindo conflitos sociais e por outro reduzindo a mobilidade social, que se 
complicava com a escravidão. Assim, o único canal de ascensão social era a própria burocracia. No último quartel 
do século XIX houve uma maior pressão das classes sociais por representação, culminando em uma significativa 
redução no número de magistrados na composição da elite política e à ascensão dos advogados e dos 
profissionais liberais. 
 
A ELITE POLÍTICA NACIONAL: DEFINIÇÕES 
 
José Murilo de Carvalho delimita neste capítulo quem é a elite a que se refere, ou seja, quem de fato 
exerce poder sobre as decisões políticas da nação. Em primeiro lugar, ele coloca o corpo de Ministros, os 
Senadores, encastelados na sua vitaliciedade, os Deputados Gerais, que são quase sempre um caminho de 
passagem para setores mais altos e no topo o Conselho de Estado. Segundo ele, o Exército teve, durante o 
Império, quase nenhuma força política dentro do sistema, enquanto instituição. O mesmo se aplica à igreja. A 
imprensa funcionou como um fórum alternativo de debate político para a oposição. Algumas associações de 
classe, no entanto, conseguiram exercer poder de forma direta ou indireta, como a Associação Comercial. Por 
último, fala da burocracia de segundo escalão, esta com pouca possibilidade de ascensão, mas que, 
diferentemente do alto escalão, não possuía um esprit de corps. 
 
A UNIFICAÇÃO DA ELITE: UMA ILHA DE LETRADOS 
 
O estudo superior foi um forte elemento na unificação da elite política do Brasil. Quase todos os membros 
da elite tinham formação superior. Os conselheiros mais do que os ministros, e estes mais do que os senadores, 
que se equiparavam aos deputados. A grande maioria tinha formação jurídica, obtida primeiro em Coimbra 
(antes da Independência) e depois em Recife e São Paulo. Outras opções para o bacharelato eram o Colégio dos 
Nobres e a Real Academia da Marinha. Coimbra, depois do domínio jesuíta, passou a dar ênfase também nas 
ciências naturais, para permitir melhor exploração dos recursos das colônias portuguesas, porém, com a 
viradeira, voltou seu foco à carreira jurídica. Foi no período que sucedeu a essa reação que se formou a maioria 
dos políticos do Império. Portanto, tivemos duas gerações de elite: a primeira formada em Coimbra, que dominou 
a cena política até 1840, sumindo em 1853, e a segunda, formada no Recife ou São Paulo, dominando o quadro 
daí por diante. Vemos portanto que a geração de Coimbra teve importante papel na fase de consolidação do 
Império. 
As universidades ibéricas se diferenciavam por terem uma orientação instrumental, pelo seu 
comprometimento com o fortalecimento do poder real e pela defesa da fé católica. No Brasil, os cursos de Direito 
adaptaram-se às necessidades do país, na medida do possível. Com o passar dos anos, a geração de bacharéis em 
direito foi maior do que as oportunidades de trabalho poderiam oferecer, apresentando-se um forte problema ao 
governo, uma vez que esses bacharéis poderiam ser um instrumento de oposição dos adversáriosdo regime, uma 
vez que poderiam elaborar suas críticas na forma legal. 
O preço dessa homogeneidade de formação da elite foi uma distribuição elitista da educação e menor 
difusão de idéias que o governo poderia achar subversivas, como ocorreu nas ex-colônias, com a propagação do 
pensamento ilustrado francês, dada a descentralização. 
 
A UNIFICAÇÃO DA ELITE: O DOMÍNIO DOS MAGISTRADOS 
 
Outro fator fundamental de construção de uma homogeneidade da elite é a ocupação, pois através de uma 
profissão comum, os elegíveis para a elite compartilhariam valores, treinamento e defenderiam os mesmos 
interesses. Carvalho explica que, parafraseando Marx, no momento de acumulação primitiva de poder, ou seja, os 
anos em cruciais para a formação do Estado, quando o problema da unidade ainda ocupava o primeiro plano (até 
1850), houve forte predomínio de burocratas na composição da elite política, sendo substituídos por 
profissionais liberais a partir daí, com o aumento das exigências por representação graças ao aumento do 
estoque de elegíveis para a elite. 
Para o estudo da ocupação dos membros da elite, Carvalho procede à divisão das ocupações em três 
grandes grupos, a saber, GOVERNO (empregados públicos e políticos), PROFISSÕES (professores, advogados, 
jornalistas), que compunham o que Mannheim chamava de intelligentsia, ou sejam uma elite intelectual capaz de 
criticar os valores e instituições vigentes e, por último, ECONOMIA (proprietários rurais, banqueiros, industriais 
e comerciantes), que era o grupo menos preparado politicamente para a tarefa de construção do estado por 
possuírem menos treinamento e menor socialização, e, conseqüentemente, homogeneidade. 
Carvalho discorda que a elite política esteve sob o domínio dos fazendeiros. Os números apresentados 
mostram que cerca de 50 dos ministros e dos magistrados estavam ligados à terra. Além disso, muitos 
fazendeiros tinham interesse na expansão da burocracia, uma vez que dependiam do emprego público por causa 
das crises, principalmente no nordeste. Essa dependência do governo colocava muitos fazendeiros contra os 
interesses da própria classe e à favor do governo em várias ocasiões. 
Vimos grande predominância do primeiro grupo, ou seja, o do GOVERNO, na elite política. Desse modo, 
havia uma tendência de a elite política se fundir com a burocracia, uma vez que grande parte dos que poderiam 
chegar à elite estava vinculada à máquina do Estado. 
Murilo mostra que a composição do Senado foi dominada pelos magistrados, passando para as mãos dos 
advogados no final do império, enquanto os fazendeiros mantiveram uma razoável participação desde o início. O 
Senado, por possuir menor unidade ideológica, dada as origens diversas, mostrava-se mais conservador, dada a 
sua vitaliciedade, atuou como fator de bloqueio de reformas e de desgaste do próprio sistema político. Entre os 
deputados ressalta-se o fato de que entre 70 e 90 por cento dos seus membros possuíam curso superior, a 
maioria bacharéis em direito. Além disso, foi constante a presença de fazendeiros. 
 
A UNIFICAÇÃO DA ELITE: A CAMINHO DO CLUBE 
 
Outro fator de relevo para a compreensão da formação da unidade ideológica e do treinamento da elite 
era a circulação geográfica e por cargos por que passava o político. Desse modo, a circulação tinha um efeito 
unificador, uma vez que o magistrado, militar ou o político tinha que conhecer outras províncias que não a sua. 
Ainda, os militares poderiam circular tanto como ministros, magistrados ou militar. 
Outro elemento determinante da unidade de pensamento era a taxa de renovação dos políticos. Uma elite 
que se renova rapidamente perde em treinamento e experiência, mas ganha em representatividade e em visão de 
novos problemas que se apresentam. Uma elite que tarda a se renovar obtém maior treinamento e adquire maior 
capacidade administrativa em troca de uma menor representatividade e de uma estabilidade artificial que pode 
minar o próprio sistema de poder que ela mantém, uma vez que impede a ascensão de outros grupos ao poder. 
Vimos que os deputados se renovavam a uma taxa de 50 por cento a cada nova legislatura, com uma alta 
rotatividade de muitos e um pequeno grupo que tendia a se manter no poder por muito tempo. 
A carreira política tinha como condição para iniciar o diploma de Direito. Junto a ele, o apoio da família e 
dos amigos, bem como a intervenção de um patrono. Tentaria primeiramente a magistratura até chegar a 
Câmara, de onde tentaria partir para um cargo importante como a presidência de uma província, ou para o 
Senado. O presidente de província era um cargo importante, pois dele dependia a vitória do governo nas eleições, 
dado o controle sobre a máquina eleitoral que ele tinha. Eles adquiriam ampla experiência administrativa através 
da circulação e do treinamento em províncias menores. A presidência da província dava a oportunidade de 
acelerar a carreira, uma vez que tinha a máquina a seu dispor. O Conselho de Estado era a coroação da carreira 
do político. Muitos deles haviam sido senadores, ministros ou deputados, e para chegar a tal patamar era 
necessário ter ampla vivência política. O Senado por sua vez era um bloqueio à circulação da elite política, uma 
vez que era vitalício e muitos senadores proviam da classe dos fazendeiros sem educação superior, que daí não 
poderiam galgar outros postos mais avançados por não possuírem tal requerimento. 
José Murilo de Carvalho mostra que, uma vez alcançado a Câmara, o político teria a oportunidade de 
circular dentro do clube do poder, configurado pelo Ministério, Conselho e Câmara, sendo o Senado o ponto de 
onde normalmente não se saía. 
 
A BUROCRACIA: VOCAÇÃO DE TODOS 
 
Um elemento que diferenciava o corpo burocrático entre si eram as divisões verticais (por funções) e as 
horizontais (por salário). Variavam ainda por grau de profissionalização e pela natureza mais ou menos política 
de suas atribuições. A divisão vertical se dava em nível Político, Diretorial, Auxiliar e Proletário. Alguns setores 
como o militar, o judiciário e eclesiástico conseguiram maior unidade institucional, sendo, como não seria de se 
estranhar, portanto, esses três setores que mais forneceram membros à elite política. O setor do fisco, entretanto, 
conseguiu obter maior desenvolvimento profissional de seus funcionários, sendo muito bem estruturada e 
pagando bons salários. 
Quanto às origens, o corpo burocrático tinha origens diversas, mas não era vocação de todos, como 
dissera Nabuco, mas das minorias urbanas. Era um poderoso elemento de cooptação dos potenciais opositores, 
oriundos dos setores médios urbanos, dos profissionais liberais e dos proprietários rurais em decadência. No 
setor militar e eclesiástico, contudo, foi maior a participação das camadas pobres da população. 
A divisão poderia ainda ocorrer em níveis geográficos: central, provincial e local. Uruguai apontou que o 
governo sofria de uma macrocefalia, ou seja, não conseguia estender seu poder ao nível local. De fato, teve que 
recorrer aos tipos de administração chamados litúrgicos (Weber) para fazer valer nesses domínios o seu poder. 
Para tal, contava com a cooperação de poderes locais em troca de favores e concessões. Um exemplo foi a Guarda 
Nacional e a nomeação de inspetores e delegados de polícia. 
Devido ao fato de o sistema econômico agro-exportador e escravista limitar as possibilidades de 
emprego, os cargos públicos se tornavam mais visados pelas camadas excluídas das oportunidades de emprego, 
daí que esses, quando ingressavam na máquina administrativa do governo por meio de um emprego público 
tratavam de sustentar esse mesmo sistema que lhes alheava das oportunidades, por depender das rendas 
oriundas desse sistema. Para resumir essa situação Murilo evoca a dialética da ambigüidade, como chamada por 
Guerreiro Ramos. 
Murilo aponta confronta o pensamento de Nabucocom o de Faoro. O primeiro, diz, acredita que a 
escravidão limitava as possibilidades de surgimento de atividades econômicas e portanto colocava o domínio da 
Estado nas mãos dos proprietários. Faoro, por sua vez, falava de um estamento burocrático sobranceiro à 
sociedade, regulando com mãos firmes toda a atividade econômica do país, como um Leviatã. Murilo discorda de 
ambos, e mais enfaticamente de Faoro, afirmando que o segredo da duração da elite estava no fato de não ter a 
estrutura rígida de um estamento e de dar a ilusão de acessibilidade aos seus opositores. 
Não era, portanto, a burocracia imperial tão homogênea quanto se pode pensar, fracionada por divisões 
geográficas, de funções, de nível de profissionalização e institucionalização. 
 
JUÍZES, PADRES E SOLDADOS: OS MATIZES DA ORDEM 
 
Neste capítulo Murilo faz um estudo dos três setores que mais forneceram membros à elite: o 
magistrado, o militar e o eclesiástico. O primeiro setor, do magistrado, constituiu ampla maioria até o terceiro 
quartel do século XIX. Foi indubitavelmente o setor que teve melhor profissionalização e treinamento, pois em 
sua carreira o magistrado era submetido a alta circulação para não criar vínculos com situações locais, inclusive 
em Portugal, não sofrendo preconceitos. Grande parte do seu treinamento e profissionalização se deveu ao fato 
de que desempenhavam não só tarefas judiciárias, mas também administrativas. Por dependerem do governo 
para sua ascensão profissional e melhorias de salário, quando entravam na política normalmente se colocavam 
do lado do governo. A carreira do magistrado começava no juizado municipal, daí, pleiteava o cargo de juiz de 
direito. O nível superior era o de desembargador e o cume era ser juiz do STJ, que tinha status de ministro. Houve 
grande debate em torno da participação dos magistrados na política. Com a reforma judiciária de 1871 eles 
foram afastados dos cargos políticos, uma vez que os municípios sob sua jurisdição sofriam sem a sua presença. 
No final do século, vimos o magistrado sumir do quadro político, ao tempo em que ascendia o militar. 
A primeira geração de tropas de linhas brasileiras seguir a tradição portuguesa, ou seja, recrutavam-se os 
oficiais dentro das classes dominantes e os praças entre as camadas populares. Já antes da Independência, foi 
permitido aos filhos de militares das ordenanças e milícias o ingresso como cadetes, o que mudou a composição 
social do Exército. Na Marinha, por outro lado, manteve-se a discriminação, aumentando a distância entre oficiais 
e praças. As divergências entre militares e civis aumentou com a Guerra do Paraguai e com o positivismo. Esses 
elementos criaram no Exército um sentimento coletivo de instituição. Poderiam, assim, por contar com recursos 
de poder e de atuação política e terem pensamento próprio, constituir uma contra-elite. Murilo resume a idéia 
em um parágrafo: Pode-se dizer que os militares foram os substitutos dos magistrados no final do Império e 
início da República. A mesma preocupação centralizadora os dominava, a mesma oposição à fragmentação 
privatista do poder. A diferença estava no sentido político da centralização. Os magistrados, mesmo que o 
quisessem, tinham poucas condições de atacar os baluartes da grande propriedade. A centralização que 
promoviam, para ser viável, tinha que conciliar com a grande propriedade. Os militares começaram a agir em 
tempos novos e com novas forças. Deram à centralização um conteúdo muito mais urbano e burguês, na medida 
em que combatiam a escravidão e propunham a libertação do país da economia agrícola de exportação. Seu 
inimigo na República era o bacharel representante do café, embora por razões táticas com ele às vezes se 
aliassem. 
Os padres foram uma fonte permanente de conflito com o Estado, graças a sua composição social, mais 
democrática, e por sua atuação mais próxima da população. Também, diferentemente de Coimbra, os seminários 
não se mantiveram fechados à influência francesa, incendiando sua oposição ao absolutismo e às suas práticas. 
As possibilidades de ascensão eram menores do que as dos magistrados, portanto eram menos coesos. Muitos 
dos padres estavam ligados a elementos locais, com interesses locais, muitos deles sendo proprietários e 
comerciantes, não formando, portanto, uma unidade de pensamento nacional enquanto instituição. Com esse 
clero de atuação mais popular e democrática contrastava-se o alto clero, sendo muitos de seus membros 
formados em Coimbra, como os magistrados. 
 
OS PARTIDOS POLÍTICOS IMPERIAIS: COMPOSIÇÃO E IDEOLOGIA 
 
Murilo inicia o capítulo lembrando da complexa tarefa de definir as diferenças entre os dois partidos. 
Para tal, refere-se às correntes que ou negam ou admitem a existência de divergências entre os partidos. A 
primeira é composta por Caio Prado Jr., Werneck Sodré, Nestor Duarte e Maria Isaura Pereira. Prado até admite 
certo conflito entre a burguesia reacionária (ligada aos donos de terra) e a progressista (setores do comércio e 
finanças), mas tal conflito não chega a se manifestar nos partidos. Nestor Duarte e Maria Isaura, por sua vez, 
defendem que os dois partidos representam interesses agrários e que, portanto, na prática, não há diferença 
entre eles. Do lado oposto se colocam Faoro, Azevedo Amaral, Fernando Azevedo e João Camilo de Oliveira 
Torres. Faoro atribui ao partido Conservador representa os integrantes do estamento burocrático, enquanto os 
Liberais representam os setores agrários que se opõem à centralização do poder. Azevedo Amaral diz que os 
Conservadores representam os interesses rurais, enquanto os liberais os dos grupos intelectuais e outros grupos 
marginais do processo produtivo. Fernando de Azevedo e João Camilo dizem que os setores urbanos são 
representados pelos liberais (imbuídos de certa ideologia importada e utópica), enquanto os rurais pelos 
conservadores. Afonso Arinos coloca que o partido Conservador representa os cafeeiros do Rio de Janeiro e que 
os liberais os setores urbanos, como os intelectuais, magistrados, comerciantes e burguesia. 
Carvalho diz que até 1837 não se pode falar em partidos políticos no Brasil. Eles surgiram com a criação 
do partido Conservador, da voz de Bernardo Pereira de Vasconcelos, agrupando ex-liberais moderados e ex-
restauradores em torno da reação à Regência, chamada de regresso. Eles buscavam reformar as leis 
descentralizadoras implantadas no período Regencial. Suas principais figuras foram Uruguai, Paulino José Soares 
de Sousa e o próprio Vasconcelos. No futuro, o partido Conservador viria a perder força com o gradual 
afastamento dos magistrados da política e com a decadência das áreas tradicionais de agricultura, cujos 
proprietários (PE, BA e RJ) constituíam o grosso de suas fileiras. 
O partido Liberal surge como oposição a essas reformas, sendo fortes defensores das leis 
descentralizadoras. Suas principais figuras foram Teófilo Ottoni, Paula Souza e Vergueiro, e mais na frente, 
Zacarias de Góes. 
Durante o período de 1853 e 1857, os dois partidos formaram o ministério de Conciliação, amainando as 
diferenças entre os partidos. Fruto dessa aliança foi a criação da Liga Progressista, que se tornou Partido 
Progressista, por iniciativa de um liberal, Nabuco de Araújo, em 1868. O grupo era formado de Conservadores 
dissidentes e de Liberais históricos. Seu programa defendia a separação dos poderes judiciais do corpo policial e 
exigia a profissionalização e autonomia da profissão dos magistrados para garantir a proteção às liberdade 
individuais. Com a dissolução do partido, graças à queda de Zacarias, uma parte de seus membros ingressou no 
novo partido Liberal e a outra no partido Republicano. 
Os principais conflitos entre os partidos se deram em torno das tendências centralizadoras do poder. A 
partir de 1860, esses conflitos passaram a girar sobre a exigência de representação e reforma social,ou seja, 
sobre as liberdades individuais, culminando em reformas políticas que afastaram os magistrados do poder. O 
principal defensor dessa corrente foi Silveira da Motta, liberal. Em 1868 os liberais criaram o Clube Radical, que 
deu origem adiante aos Republicanos. 
O partido Republicano surgiu no Rio de Janeiro em 1870, formado por dissidentes da liga Progressista e 
de Liberais radicais. Na ideologia, não diferia muito do pensamento liberal, concentrando suas reivindicações na 
questão das liberdades individuais e na representatividade política. No Rio, foi composto principalmente de 
intelectuais e profissionais liberais urbanos. Já o Partido Republicano Paulista foi mais pragmático, adotando a 
bandeira do federalismo para proteger seus interesses econômicos e abandonando o liberalismo democrático. 
Era composto principalmente por cafeicultores. Ao contrário do grupo carioca, conseguir formar sólidas bases 
municipais. 
Sobre a origem social dos membros dos partidos políticos, Carvalho quebra um paradigma. Afirma que os 
donos de terra não se filiavam predominantemente a um ou outro partido, mas para tal, possuíam certas 
distinções. Os donos de terra do partido conservador tendiam a pertencer às áreas antigas de colonização como 
PE, BA e RJ, que tinham mais interesses na centralização do poder. Já os liberais vinham predominantemente de 
SP, MG e RS, mais interessados na descentralização para garantir seus interesses econômicos. 
Sobre a questão da formação do Estado, Carvalho explica que ela se deu graças à reação centralizadora do 
grupo que deu origem ao partido Conservador, composto por burocratas, fazendeiros e comerciantes 
interessados em manter a ordem social, o que não foi conseguido pela Regência. Essa coalizão só foi possível por 
causa da riqueza carioca. A oposição veio principalmente de São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul. Mais na frente, 
quando esses três últimos Estados viraram núcleos de importância econômica passaram a se opor a tal 
centralização para proteger seus interesses econômicos. 
 
CONCLUSÃO 
 
 Murilo retoma o argumento da dialética da ambigüidade, segundo o qual o Estado, se por uma lado não 
podia prescindir das rendas dos impostos de importação e exportação, que representavam 70 por cento do total, 
nem dos serviços litúrgicos prestados por particulares em nível local, por outro era o maior fornecedor de 
empregos para os fazendeiros decadentes. Ele mostra que havia entre os proprietários uma desunião uma vez 
que eles não possuíam a mesma homogeneidade ideológica de classe, como os magistrados, por dependerem das 
rendas de seus negócios e não poderem se dedicar exclusivamente às tarefas do Estado, como os ingleses. Essa 
dependência dos senhores de terra do governo os fez ir de encontro aos interesses da própria classe em diversas 
ocasiões. Além disso, foi mostrado que grande parte da elite política era formada por magistrados, que, como foi 
dito, não eram considerados representantes legítimos pelos fazendeiros. 
 O autor enfatiza que da união da elite imperial dependeu a tarefa de construção do Estado brasileiro, e 
que melhor do que afirmar que essa elite representava os interesses da classe dominante, é salientar o seu 
caráter não representativo das camadas dominadas. 
 
TEATRO DAS SOMBRAS 
 
INTRODUÇÃO: O REI E OS BARÕES 
 
Murilo afirma que, passado o período de acumulação primitiva de capital, ou seja, de formação do Estado 
brasileiro, se deu a aliança entre, de um lado o rei e a burocracia, e de outro o setor do grande comércio e da 
agricultura, por meio dos magistrados. Essa aliança só foi possível ao lograr o governo convencer os agricultores 
que a monarquia seria o arranjo ideal para manter a ordem e atuar como árbitro dos dissídios entre as camadas 
dominantes. 
As revoltas regenciais são divididas em duas fases: a primeira, que vai de 1831 a 35, se caracterizou por 
consistir em inquietações populares provocadas pelo exército e pelo povo, em protestos contra as condições de 
vida, marcadas por forte antilusitanismo. Entre elas a Setembrizada e a revolta do Malês na Bahia. O governo 
usou a Guarda Municipal como instrumento de controle dessas revoltas a partir do Ato Adicional. A segunda fase, 
que vai de 1835 a 48, mostrou um deslocamento para o interior. Em 1842 houve a revolta dos proprietários em 
MG e SP, que deixou transparecer que o arranjo monárquico ainda não era consensualmente aceito entre os 
fazendeiros. Não sabiam qual arranjo político seria mais adequado para atender aos seus interesses. Entre as 
revoltas da segunda fase cita a Sabinada, Balaiada, Cabanos, Cabanada e Farroupilha. 
Conclui explicando que a aliança entre o governo, leia-se rei e burocracia, com o setor comercial e 
agrícola, só se deu após o regresso conservador, após convencerem-se os fazendeiros de que a monarquia seria o 
melhor arranjo aos seus interesses. A partir daí, foram realizadas reformas para fortalecer o poder central, tal 
como a interpretação do Ato Adicional em 1840, a reforma do Código de Processo Civil em 1841, a centralização 
da Guarda Nacional nas mãos do poder central em 1850 e, no mesmo ano, o Código Comercial. 
 
O ORÇAMENTO IMPERIAL: OS LIMITES DO GOVERNO 
 
Murilo explica que a aprovação do orçamento do Executivo era uma grande fonte de dissensões entre este 
e o poder Legislativo. Esse conflito incorporava a luta entre o governo, querendo aumentar seu poder de 
arrecadação, e os proprietários, representados no Legislativo, opondo-se a novas taxações. Em 1867 para fazer 
frente às despesas da guerra, foram criados os impostos de indústria e profissões, de transmissão de propriedade 
e de renda, porém, durante todo o Império, o governo dependeu fortemente dos impostos de exportação e de 
importação, este último de natureza mais fiscal do que por protecionismo da indústria nativa. Os primeiros, 
apesar da oposição constante, ficaram entre 5 e 7 por cento ad valorem. Carvalho aponta que o Estado era a 
grande fonte de receitas para ele próprio, chegando a mais de 40 por cento da receita arrecadada, grande parte 
oriunda da construção das estradas de ferro. Ele chama o fenômeno de incesto fiscal. 
As despesas do governo com administração sofreram, ao longo do império, uma queda de 90, no início, a 
60 nos anos finais, o que demonstra uma mudança de direção por parte do governo, ou seja, passada a fase de 
construção do Estado com o aumento do poder central do Estado, ele passa a fomentar o desenvolvimento 
econômico de modo a aproveitar melhor as potencialidades dos setores economicamente produtivos, 
principalmente a agricultura, daí que os principais gastos do governo mostraram a preocupação com o setor 
agrário, com a construção de estradas de ferro e engenhos centrais. Contudo, o governo limitava-se na sua 
capacidade de aumentar a arrecadação primeiro por dificuldades burocráticas, ou seja, pela difícil operação da 
máquina fiscal, e em segundo lugar por causa da forte oposição à criação dos impostos. 
O governo gastou pouquíssimo com a imigração, 1 por cento em 1870 e 3,8 em 1889, o que mostra que o 
discurso do governo a favor da imigração não passou de retórica para acalmar os proprietários do sul. Ainda, 
sofreu a imigração forte oposição dos representantes do norte, a que se devem, em parte, tão insignificantes 
gastos. 
Outro elemento importante foi a político de crédito rural, que se dava por meio de empréstimos do Banco 
do Brasil. Ela constituiu fonte constante de batalha entre o governo, proprietários e banqueiros. O norte 
queixava-se que apenas o sul se beneficiava com os empréstimos. O quadro mudou quando Ouro Preto, depois da 
Abolição, expandiu o crédito para o norte, com a clara intenção de evitar conflitos com os senhores de terra. 
O ponto que nos interessa ressaltar com referência a esta tentativa final de apaziguar os proprietários é a 
contradição em que vivia o governoimperial com relação a eles. Deles dependia para as rendas do Estado que, 
como vimos, se prendiam estreitamente ao comércio externo. Muitos dos investimentos favoráveis aos 
proprietários do setor exportador eram também importantes como fontes de renda para o governo. De outro 
lado, havia no governo espaço para influências e inspirações que não se vinculavam aos proprietários, ou que 
podiam aliar-se a um grupo de proprietários contra outro. O que não aceitavam era a falta de indenização. Os 
empréstimos foram maneira indireta de tentar indenizar. Mas quebrava-se definitivamente a confiança dos 
proprietários na monarquia, quebra esta que tivera início com a Lei do Ventre Livre de 1871. 
 
A POLÍTICA DA ABOLIÇÃO: OS REIS CONTRA OS BARÕES 
 
José Murilo de Carvalho fala em abolição como processo, iniciado no fim do tráfico e culminando na 
abolição em si. Ele ordena em três fases. 
A primeira foi fruto de reformas levadas a cabo por pressões externas, leia-se inglesas, culminando na 
abolição do tráfico em 1850. Já em 1807 a Inglaterra aboliu a escravidão em seus territórios e passou a fazer 
pressão para que os outros países também o fizessem. Com isso, conseguiu tratados com Portugal em 1810, 15 e 
17, através dos quais nossa metrópole se comprometia a reduzir gradualmente a escravidão. Em 1826, em troca 
do reconhecimento da Independência, forçaram-nos a aceitar um acordo que consideraria o tráfico de escravos 
pirataria, três anos após essa data. Junto com ele, impuseram-nos um tratado comercial, com amplo 
favorecimento ao inglês. Em 1831 passamos uma lei antitráfico, “pra inglês ver”, motivada em parte por medo do 
haitianismo e das revoltas populares que poderiam ocorrer em decorrência de um aumento desproporcional da 
população escrava. Contudo, a população escrava subiu vertiginosamente nesse período. Nos anos de 1839 até 
1842, recrudesceu a pressão inglesa com visitas a navios brasileiros. Tais ações geraram um sentimento de 
revolta no Brasil, sentíamos nossa soberania ameaçada. Em 1843, não concordamos em renovar o tratado 
anterior, que concedia aos ingleses o direito de visita. A reação inglesa foi o Aberdeen Act em 1845. Em 1849 
mandou navios para patrulhar a costa brasileira, derrubando navios e atacando portos, sob o comando de 
Palmerson e Hudson, causando ampla indignação popular. Nesse ano, as condições eram outras: Eusébio 
argumentava que se chegou a um desequilíbrio insustentável do número de escravos e que as nossas 
propriedades estavam passando para as mãos dos especuladores e traficantes. O Estado contou com os 
elementos coercitivos necessários para fazer valer a proibição, graças às reformas centralizadora de 1840 e 41, 
que criou os chefes de polícia e delegados sob o domínio do estado, fortaleceu o poder dos juízes de direito e que 
em 50 colocou nas mãos do ministro da justiça toda a Guarda Nacional. 
A segunda etapa foi o processo de aprovação da Lei do Ventre Livre em 1871. Para tal, houve forte 
influência pessoal do rei, que consultou o Conselho de Estado em 1867, este achando melhor esperar o fim da 
guerra. Incumbiu Nabuco de Araújo pela elaboração do projeto, que sofreu forte oposição. Rio Branco lembrava 
que não havia nenhuma pressão interna por medidas abolicionista, nem por parte dos escravos. Em defesa do 
plano, Nabuco adota a tática de reform-mongering, ou seja, de ressaltar a necessidade de prevenir os problemas 
que adviriam em decorrência do adiamento de tais medidas, como as revoltas populares e o recrudescimento do 
movimento abolicionista. A lei passou sob o gabinete de Rio Branco, agora convencido de sua importância, depois 
de tentativas de Zacarias, Itaboraí e São Vicente, que não conseguiram mobilizar bases políticas para a aprovação 
do projeto. Rio Branco, por sua vez, conseguiu mobilizar o apoio das províncias do norte, sofrendo forte oposição 
das do sul. No norte, havia grande número de funcionários públicos (magistrados) no Congresso, que votaram 
com o governo. Nabuco conseguiu convencer parte dos liberais. Vimos que, com a libertação do ventre, o governo 
se descola das bases socioeconômicas do Estado, os fazendeiros, sem se preocupar em reforçar seu aparato 
coercitivo, ao contrário, desmobilizando-o. Em 1871 também foi reformada a lei de aparato policial e em 1973 foi 
desmobilizada a Guarda Municipal. Os escravistas viram que, daí por diante, não contariam mais com a Coroa ao 
seu lado. Vimos portanto, que a aprovação da Lei do Ventre livre saiu por iniciativa do governo e não por 
pressões, numa tática de reform-mongering, de um gabinete conservador (Rio Branco), com o apoio dos 
magistrados do norte e uns poucos liberais mobilizados por Nabuco, plantando o afastamento dos escravistas do 
fulcro da monarquia. 
A última etapa foi o processo entre a libertação dos sexagenários e a abolição irrestrita. Ela se 
caracterizou pela ampla participação popular e pelo recrudescimento do abolicionismo, seja através da imprensa 
ou pela ação de grupos. Vimos também a participação do Imperador, que deu títulos a quem libertasse seus 
escravos e até transigiu com a publicação de um jornal abolicionista dentro do próprio palácio. O ministério de 
Dantas não conseguiu passar a lei dos Sexagenários em duas legislaturas, o que coube a Saraiva em 1884/85. Já 
em 1887 os republicanos paulistas se decidiram pela abolição e o Clube Militar se recusava a perseguir escravos 
fugidos. O sul se dividiu em dois setores: o mais decadente e portanto mais dependente dos braços negros, que se 
apegaria até o final à escravidão, e o setor mais dinâmico, que, vendo ruir o sistema escravista, se agarrariam à 
perspectiva de usar os braços alienígenas. O norte do Brasil, por sua vez, contava com mais braços livres e, 
portanto, não dependia tão fortemente da escravidão quanto o Vale do Paraíba. 
Murilo conclui afirmando que o sistema monárquico começou a ruir em 1871, com a libertação dos 
braços, rompendo-se a aliança entre a coroa e os donos de terra, uma vez que foi a partir daí que se deu o 
aumento do republicanismo. 
Ela fracassou, então, não pela ineficácia, mas, pelo contrário, por ter promovido ou facilitado ação 
contrária a grupos dominantes, sem ao mesmo tempo construir uma base de poder que substituísse ou 
equilibrasse a dos donos de terra. Essa base ao final do século XIX dificilmente poderia ser popular, pois 90 por 
cento da população vivia ainda sob o controle dos donos de terra. Ela só poderia ser o exército nacional, mas este 
se achava incompatibilizado com a Monarquia, tanto em termos institucionais, devido ao enraizado civilismo do 
imperador, como em termos ideológicos pela influência do positivismo entre os oficiais. Além disso, os militares 
se achavam também distanciados dos grandes proprietários. Ao invés, então, de se ver legitimado pela atuação 
reformista, pela eficácia em solucionar problemas, o sistema imperial perdeu a legitimidade que conquistara. É 
que as principais reformas que promovera atendiam a interesses majoritários da população que não podia 
representar-se politicamente. A representatividade do sistema assumia assim um caráter burkiano, no sentido de 
ser representação do país como um todo, em oposição a uma representatividade de natureza liberal que se 
referisse a interesses específicos de grupos, classes e indivíduos, cujo somatório supostamente resultasse no 
interesses geral. 
 
 
A POLÍTICA DAS TERRAS: O VETO DOS BARÕES 
 
A política de terras foi vetada pelos barões. Duro embate sofreu para poder ser aprovada. A Lei das 
Terras tinha o objetivo primeiro de promover a imigração para substituição dos braços escravos, diante da 
irreversível decadência do escravagismo diante da pressão inglesa. Em 1822 haviam sido suspensas todas as 
sesmarias futuras até que se regulasse a matéria. Só 20 anos depois, Vasconcelos foi o relator da proposta em 
1842, mas sofreu a resistência do Senado, de maioria liberal,sob o comando de SP e MG. Além disso, a demora se 
deu por conta da diminuição das preocupações dos cafeicultores do Vale do Paraíba, em seu auge na década de 
40, devido ao aumento da entrada de braços negros nesse período. A Lei das Terras se baseou na inspiração de 
Wakefield, que recomendava o encarecimento das terras para constranger o imigrante a emprestar sua força de 
trabalho por um tempo, antes que possa se tornar proprietário, e, ao mesmo tempo, com os recursos obtidos 
traria mais imigrantes, num sistema que se auto-alimentava. A Lei das Terras foi um claro favorecimento aos 
fazendeiros cariocas, na medida em que representou uma socialização dos custos da imigração entre todas as 
áreas, sofrendo a oposição daquelas menos dependentes de braços, então o norte e SP e MG. As cláusulas de 
expropriação e os impostos foram outro motivo de dissídio. Representou, portanto, a implantação da lei das 
terras a coroação da força dos fazendeiros cariocas sobre o governo. A grande presença de representantes da 
grande lavoura no governo confirma tal suposição. 
Entretanto, na prática, a Lei das Terras não vigorou. Os mecanismos de transformar a lei em realidade 
foram a demarcação das terras, o registro paroquial, a legalização de posses e a revalidação de sesmarias. Essas 
ações tinham custos muitas vezes mais altos do que a própria terra, e grande parte dos proprietários não tinha 
condições de arcar com tais custos. Uma vez fracassada a ação, soçobrou também a atração de imigrantes. Foi 
então que o gabinete de Sinimbu em 1878 propôs a reforma da lei, que reduziria o tamanho dos lotes mínimos de 
terra e instaurava as vendas a prazo, como forma de atrair os colonos, principalmente da Itália, que haviam sido 
avessos ao sistema de parceria, agora com a possibilidade de se tornarem proprietários. Em contraste ao que 
ocorreu em 1850, a reforma favoreceria os setores mais dinâmicos da economia cafeeira, no caso o Oeste 
paulista, uma vez em franca decadência o Vale do Paraíba. Vemos que ao se negarem os fazendeiros a aceitar o 
imposto sobre a terra para financiamento da imigração, deslocavam o ônus de tal empresa para o conjunto da 
sociedade, socializando os custos da imigração. 
O contexto gerado pela decretação e implantação da Lei das Terras revelou a incapacidade do governo 
central em aprovar medidas que contradizem os interesses dos proprietários na ausência de pressões 
extraordinárias, ao tempo em que mostrou a falta de coesão e unidade da classe proprietária, vislumbrada na 
clivagem entre as áreas mais ou menos dependentes do braço escravo. 
 
O CONSELHO DE ESTADO: A CABEÇA DO GOVERNO 
 
O Conselho de Estado foi criado pelos conservadores em 1841, mas perdeu muito de sua força pelo fato 
de, diferentemente do Conselho de Pedro I, ter perdido a obrigatoriedade de consulta nos assuntos mais sérios 
do império. O Conselho foi um grupo homogêneo, que por conta da longa convivência desenvolveram um etos, 
um pensamento próprio, um esprit de corps, além de desenvolverem uma jurisprudência administrativa e de 
possuírem um consenso sobre alguns princípios básicos de política, economia e administração. Eles tendiam à 
parcialidade em favor do sistema, já que grande parte havia sido magistrado ou presidente de província. Joaquim 
Nabuco disse que o Conselho de Estado foi o cérebro da monarquia. De fato, foram várias as consultas realizadas 
pelo Imperador a esse órgão e em 84 por cento das vezes sua opinião foi aceita. Em todas as 12 dissoluções da 
Câmara ele foi consultado. Seus debates, graças à vitaliciedade do cargo e à confiança do Imperador, tendiam a 
ser francos, desvinculados de elementos partidários, em que os conselheiros realmente davam sua opinião, 
mesmo que discordassem do monarca. 
Murilo salienta que os conselheiros possuíam a Europa como modelo de civilização, mas que suas 
doutrinas, em especial o liberalismo, deveriam ser moldadas à realidade brasileira. Mesmo que essa noção não 
estivesse presente em seu discurso, subjazia na prática. Eles tendiam a não confiar nos mecanismos de mercado, 
uma vez que eram a favor do protecionismo na defesa da indústria nascente. 
Sobre a representação popular na política, preocupavam-se mais com o perigo de revoltas do que com a 
representatividade em si. Acreditavam que o povo não tinha maturidade política para tomar as rédeas da nação. 
Por isso foram a favor de dobrar o censo e da exclusão do voto do analfabeto quando da reforma pela eleição 
direta. Para os Conselheiros, os interesses do Estado em sua soberania externa e interna eram defendidos com 
ênfase, posição essa refletida no apoio ao Conselho ao governo na Questão Religiosa e até na ofuscação da defesa 
dos interesses dos grupos dominantes. 
Ao buscarem os caminhos da indústria e do progresso, viram-se antagonizardos pelas classes agrárias, 
sem contudo poderem construir uma base social junto a uma burguesia industrial nascente, que, se existia, não 
tinha força para fazer frente aos interesses cafeeiros. A oposição ao Conselho foi feita junto com o 
recrudescimento da oposição ao Poder Moderador em 1860, na figura de Zacarias. Em 1889, Ouro Preto inclui 
em seu programa de reforma uma redução do papel político do Conselho, reforma essa que não precisou 
acontecer. 
 
ELEIÇÕES E PARTIDOS: O ERRO DE SINTAXE POLÍTICA 
 
No último capítulo do livro, Murilo trata do sistema eleitoral e da forma como era exercida a 
representatividade. Ele aponta que desde o começo do Segundo Reinado houve a preocupação no sentido de 
promover a regulamentação eleitoral em três eixos, a saber, a definição da cidadania (quem poderia votar); a 
garantia da representação da minoria (evitar o monopólio do poder por um partido) e a verdade eleitoral 
(impedir que influências espúrias determinassem os resultados das eleições). 
Durante o Segundo Reinado o governo fez as eleições por meio da ação do presidente da província. Com a 
reforma do Código de Processo Criminal em 1841, colocou nas mãos desses representantes os chefes de polícia 
com seus delegados e subdelegados, bem como a Guarda Municipal sob o comando direto do ministro da Justiça. 
Outro elemento marcante sobre a verdade eleitoral é que o Executivo atuava no Legislativo por meio da presença 
de seus funcionários nesse corpo. 
O primeiro passo no sentido de impedir o monopólio do poder por um grupo partiu dele mesmo: o 
conservador marquês do Paraná, que foi presidente de PE depois da Revolução da Praia, percebeu a importância 
em impedir que o partido Conservador se encastelasse no poder, promovendo o entendimento entre as facções 
rivais, de modo a diminuir o poder de seu próprio partido. Para tal, seu ministério foi conhecido como o 
ministério da Conciliação (1853-57), que levou a cabo algumas reivindicações liberais sob forma de reformas. 
Introduziu a incompatibilidade eleitoral, ou seja, diminuiu o peso dos funcionários públicos e magistrados no 
Legislativo. Daí por diante verificou-se a queda acentuada no número de magistrados no corpo político. A 
segunda reforma foi a introdução do voto distrital com o círculo de um deputado. Essa última medida aumentou 
o poder dos chefes locais, que agora entrariam em contato direto com o poder – o país entrou na Câmara sem ser 
por meio da representação. O impacto dessas medidas na legislatura de 57-60 foi imenso, aumentando-se o 
círculo para 3 deputados na seguinte, modelo que durou até 1875, quando foi introduzido o voto pelo terço e o 
título eleitoral. 
 
CONCLUSÃO 
 
Os dois parágrafos abaixo resumem o conflito existente entre a representação da vontade do povo pelo 
governo e as tensões entre esse intento e a oposição das classes dominantes. 
Tanto as idéias e valores que predominavam entre a elite, como as instituições implantadas por esta 
mesma elite mantinham relação tensa de ajuste e desajuste com a realidade social do país: uma sociedade 
escravocrata governadapor instituições liberais e representativas; uma sociedade agrária e analfabeta dirigida 
por uma elite cosmopolita voltada para o modelo europeu de civilização. 
A face absolutista da Constituição permitia ao rei arbitrar os conflitos dos grupos dominantes, uma das 
grandes necessidades políticas do sistema, mas, ao mesmo tempo, permitia-lhes também contrariar os interesses 
desses grupos. A representação burkiana da nação exercida pelo rei, isto é, a representação que pretendia 
atender ao interesse geral, podia conflitar, e muitas vezes conflitava, com a representação dos interesses feita 
pelo Parlamento e pelos partidos formados dentro dos constrangimentos das leis eleitorais da época.

Continue navegando