Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
COMPREENDER AS DIVERSAS VISÕES SOBRE A ÉTICA. Podemos considerar que a ética tem um aspecto histórico, mas tem um caráter contemporâneo e atual. Na realidade, grandes dilemas acompanharam a história da humanidade. Cada momento da história e cada tipo de sociedade tiveram e têm seus dilemas específicos e que o processo de tomada de decisão é delineado pelo contexto histórico e social, mas também podemos dizer que alguns dilemas são universais, como o poder, a morte, a liberdade e a própria sexualidade. Sintetizando, podemos usar o termo – ética - como sinônimo de coisas, pensamentos e atitudes consideradas corretas ou podemos encará-la como um segmento da filosofia que investiga a moral. No primeiro aspecto podemos encontrar esta visão nas opiniões expressas, por exemplo, na afirmação de que “fulano é correto e íntegro” ou que “sicrano é uma boa pessoa”. Tais qualificações estão presentes na vida ordinária do ser humano, assim como dizer que “beltrano não é correto”, sugerindo uma falta de ética. Enquanto a segunda visão é referente um campo acadêmico de investigação filosófica. Nessa perspectiva podemos encontrar desde as definições dos filósofos da Antiguidade até as abordagens filosóficas mais modernas. O que une uma a outra é o questionamento da natureza e dos princípios que regem o pensamento e a conduta dos seres humanos, nas suas ações individuais ou sociais, nos seus enfrentamentos internos ou com a sociedade. Sendo assim, é necessário reconhecer que debater a ética não é exclusivamente algo abstrato, mas que é referente ao comportamento e ação do ser humano, tendo, assim, uma consequência efetiva sobre as nossas vidas e a direção que podemos tomar. Ao usarmos o termo ética podemos estar tratando de sentidos diferentes. Isto não quer dizer, entretanto, que ao assumirmos uma definição específica de ética, todas as demais estejam erradas ou equivocadas. A ética como a maioria das categorias filosóficas e sociológicas tem um caráter eminentemente subjetivo. Isto quer dizer que o contexto social e histórico, ou seja, o momento que usamos a categoria vai influenciar o sentido que damos ao termo. Na presente aula iremos tratar de algumas definições de ética, conforme as abordagens de determinados autores que se debruçaram sobre o assunto. De acordo como o Dicionário do Pensamento Social do Século XX (1996), a ética é referente à avaliação normativa das condutas e do caráter das pessoas, tanto em uma perspectiva individual como social. Em grande parte a ética é utilizada também enquanto tendo um sentido de moral, para se referir ao conjunto de deveres e obrigações que orientam as ações individuais. Blackburn (1997) apresenta a ética como a investigação dos conceitos referentes ao raciocínio prático, “como o bem, a ação correta, o dever, a virtude, a liberdade, a racionalidade e a escolha” (p. 129). Inclui ainda que “É também o estudo de segunda ordem das características objetivas, subjetivas, relativas ou céticas que as afirmações feitas nesses termos possam apresentar” (p. 129). O Dicionário do Pensamento Social do Século XX (1996) considera ainda que a ética pode se originar em três distintos aspectos. Como diferentes sistemas de valores e de condutas éticas podem se constituir como objeto de pesquisa da teoria social. Enquanto as próprias teorias sociais que podem elaborar argumentos metaéticos quanto ao âmbito lógico e epistemológico das abordagens éticas. E, por último, a próprias teorias sociais podem estar vinculadas com determinadas visões éticas. Sintetizando o conceito de ética, Madeu (2012, p. 294) afirma que é a investigação das regras morais como a ciência da moralidade e dos juízos referentes ao comportamento do homem, sob o ponto vista do bem e do mal em uma determinada sociedade, ou, sob a perspectiva universal, independente das sociedades a que determinado indivíduo possa pertencer. Portanto, conforme as quatro abordagens, podemos constatar que não existe uma visão absoluta da ética, mas que podemos apresentar maneiras distintas do que seria atitude ética. Isto não quer dizer, como afirmamos anteriormente, que não seja possível apresentar uma visão um tanto quanto abrangente da ética e suas implicações. Aranha & Martins (2003) apontam que no que tange as definições sobre ética, esta tem sido comumente interpretada como moral, o que não se constitui necessariamente um equívoco. Acrescentam que a etimologia das duas categorias são muitos semelhantes. “moral vem do latim mos, moris, que significa costume... e de moralis, morale, adjetivo referente ao que é ‘relativo aos costumes. Ética vem do grego ethos, que tem o mesmo significado de costume”. (2003, p.301) Embora tenham raízes em comum, Aranha & Martins (2003, p. 301) destacam que são conceitos diferentes. “A moral é o conjunto de regras de condutas admitidas em determinada época ou por um grupo de pessoas... A ética ... é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral”. Por esta perspectiva, a moral é um conjunto de regras incorporadas pelos membros em um grupo social com o intuito de organizar as relações entre os indivíduos, de acordo com determinados valores referentes ao que é considerado como certo e errado. Já a ética ou filosofia moral é um campo da filosofia que analisa os princípios que baseiam a vida moral. Aranha e Martins (1998, p. 117), acrescentam que os valores são herdados dos costumes e da cultura ao qual estamos inseridos, resultando das relações que os indivíduos estabelecem entre si. Daí a importância das experiências vindas do ambiente social e da época em que estes se realizam. Tal abordagem também é referente à moral, pois esta tem uma base histórica e social. É no contexto social que o homem constrói a moral e os valores, constituindo aí as regras para o convívio social. Não existe vida social ou grupo social sem regras que possam reger os comportamentos dos indivíduos, quer agindo de modo isolado ou agindo socialmente. De um lado, a moral constituída é considerada “exterior e anterior ao indivíduo... que orienta seu comportamento por meio de normas” (ARANHA & MARTINS, 2003, p. 301). De outro, a moral constituinte é resultado do posicionamento das pessoas em relação ao que receberam da moral constituída. Pois os indivíduos, ao receberem os costumes dos seus antepassados, são capazes de refazê-los e adaptá-los aos contextos históricos e sociais. Na realidade, isto quer dizer também que nossos valores e comportamentos variam de acordo com as sociedades e grupos sociais, assim como em relação ao tempo. Valores anteriormente considerados certos e fundamentados no bem em alguma sociedade ou tempo histórico podem ser considerados errados em outras sociedades e em outros momentos. Nos tempos atuais inúmeros dilemas têm surgido, o que dizer da união civil homoafetiva, o que dizer da legalização do uso maconha no Uruguai?, E quanto ao aborto? Os referidos dilemas são discutidos em termos éticos, tanto nos parâmetros sobre o que é considerado certo ou errado, como nas abordagens filosóficas que tratam dos princípios que regem as visões favoráveis ou contrárias a cada um dos exemplos apontados. ANALISAR OS DESDOBRAMENTOS ASPECTOS CONCEITUAIS E PRÁTICOS DA ÉTICA Conforme Blackburn (1997) a ética se traduz em vários campos da vida social e nos mais variados segmentos; a seguir: Ética aplicada diz repeito ao campo que associa a ética aos problemas práticos, tais como a pesquisa com os animais, o aborto e a pena de morte. (BLACKBURN, 1997) Ética da gestão é segmento que trata dos problemas vivenciadosno âmbito organizacional e das relações das organizações com a sociedade mais ampla, no que tange à responsabilidade social e ao que é considerado uma competição aceitável (BLACKBURN, 1997). Ética da virtude se constitui como um campo teórico que entende a noção de virtude como primária, ao invés de uma abordagem do “bem” pelo qual atuamos, ou do dever, do direito ou da razão, interpretados como a gênese das normas de ação. (BLACKBURN, 1997) Ética de situações - reconhece que toda tentativa para abstrair das situações determinados aspectos em virtude dos quais requerem um juízo, para no momento seguinte argumentar sobre novos contextos à luz desses aspectos, está fadada ao fracasso; na medida em que em uma determinada situação acrescenta para o seu valor pode ser pouco relevante em outro contexto, daí a importância da contextualização cuja decisão deverá ser tomada. (BLACKBURN, 1997) Ética deontológica - está estruturada na noção de dever, na conduta considera correta ou em direitos, diferenciando-se dos sistemas éticos que visam o alcance de atingir certo estado de coisas ou nas qualidades consideradas como importantes para se viver bem. (BLACKBURN, 1997) Ética do meio ambiente - trata das questões suscitadas pelas necessidades dos indivíduos como a busca pela felicidade ou a distribuição das riquezas. A questão central consiste na atribuição de valor, “independente a coisas como preservação das espécies ou a proteção da vida selvagem”. Pois se considera que a referida proteção poder ser defendida como um instrumento para assegurar as necessidades básicas dos seres humanos, percebendo os animais, por exemplo, como uma fonte de medicamentos ou de outras benesses. Entretanto, Blackburn (1997), acrescenta que outro conjunto de pensadores reivindica um valor não utilitarista do meio ambiente ao qual defendem permanência e preservação de lugares e seres animais, independentes da sua relação com os seres humanos. Ética evolucionista - se fundamenta na ideia de que os valores éticos são fruto de um processo evolutivo e que os elementos mais recentes em um determinado processo evolutivo são melhores que os elementos anteriores. No campo das sociedades, isto que dizer que civilização industrial e ocidental seria mais evoluída que as sociedades consideradas primitivas. (BLACKBURN, 1997). Ética feminista - se constitui em uma abordagem que busca modificar os preconceitos que tem levado historicamente à submissão das mulheres e o desrespeito pela experiência feminina. A ética feminista questiona o preconceito de gênero que pode estar presente de modo subjacente, tanto nas concepções filosóficas como nas estruturas sociais e legais, do mesmo modo que nos campos políticos e culturais (BLACKBURN, 1997). Bioética - se constitui um campo da ética que se ocupa dos problemas que derivam das atuações médica ou biológica, o que inclui questões referentes à natureza da distribuição do tratamento, o campo de autoridade do paciente e dos profissionais de saúde. Em um estudo sobre o comportamento ético, Marcondes (2009) sugere a construção de cinco critérios básicos. Ação refletida - todo agir deve ser precedido de uma reflexão sobre as consequências de determinada decisão. Considerando também que a reflexão por si só não faz de uma decisão ser apontada como correta, mas é um bom princípio norteador. (MARCONDES, 2009) Transparência - não ter algo a esconder é um bom orientador para uma atitude ser considerada ética, pois não revelar algo pode ser um indício de justificativas comprometedoras. Isto não pode significar deixar de reconhecer, contudo, que existem situações que devem realmente ser guardadas visando preservar a privacidade dos indivíduos. (MARCONDES, 2009) Reciprocidade - os critérios devem ser universalmente válidos, pois reconhece que não devemos fazer com outros o que não gostaríamos que fizessem com cada um de nós. (MARCONDES, 2009) Solidariedade - destaca o caráter social da ética, opondo-se á comportamento egocêntrico. A referida perspectiva reconhece que ética não deve ser compreendida por meios individuais e sim sociais e coletivos. (MARCONDES, 2009) Coerência - a ética não deve ser parcial e que o discurso deve se aproximar da atitude e das práticas sociais. (MARCONDES, 2009, p. 46) Por fim, Marcondes (2009) aponta que o resultado da soma dos princípios acima relacionados e interligados gera o que denomina de confiabilidade. Isto significa que devemos reconhecer que a confiança é algo fundamental para a vida em sociedade, sem a qual não há mesmo vida social. Para agirmos ou sofrermos a ação de outrem é necessário um grau de confiança e de credibilidade. A crise ética atual se expressa, sem dúvida, em uma perda de credibilidade nas instituições e entre as pessoas no cotidiano. A ética, portanto, não é apenas um valor sobre o que é considerado certo ou errado, o bem ou o mal. Assim como não é apenas e exclusivamente um campo da filosofia que investiga os princípios que regem a moral dos grupos sociais. Na realidade, a ética, em função da forma e do contexto que pode ser acionada pode assumir ambas as interpretações, permitindo, assim, e igualmente novas proposições e avaliações sobre a vida sociedade e do próprio ser humano, de pertencer ao campo das atitudes e ações humanas. REFLETIR SOBRE O SENTIDO DA MORAL NO CONTEXTO SOCIAL A noção de moralidade conforme o Dicionário do Pensamento Social do Século XX (1996, 483) assim afirma: Em seu sentido prescritivo, moralidade é aquela consideração, ou conjunto de considerações, que fornece os motivos mais fortes para se viver de certo modo especificado; em seu sentido descritivo, tal consideração ou conjunto de considerações que alguma pessoa ou grupo reconhece ou ao qual adere. O Dicionário sinaliza a moral por meio dos Dez Mandamentos bíblicos que representariam uma compreensão correta da moralidade (de natureza prescritiva). Da mesma maneira, se reconhecermos que a Lei bíblica se constitui em um erro, podemos apontá-la enquanto uma moralidade descritiva dos indivíduos que a reconheça ou que se oriente por tais regras morais. As análises a respeito da moralidade descritiva têm-se voltado no conteúdo e explicação das crenças morais desenvolvidos principalmente por estudos antropológicos. A sociologia de Émile Durkheim aponta que existem três esferas da moralidade; a seguir: “um aspecto de caráter imperativo, a ligação a grupos sociais e a autonomia dos agentes morais” (DICIONÁRIO DO PENSAMENTO SOCIAL DO SÉCULO XX, 1996, 483). Em verdade, a análise de Émile Durkheim prioriza uma explicação social do nascimento das crenças morais, ou seja, o sociólogo reconhece que é na vida social que devemos buscar a explicação das experiências humanas, quer sejam individuais, quer sejam coletivas. As abordagens atuais apontam e constatam que a moralidade “deve ser compreendida em termos da diversificação de ‘mundos de vida’” (1996, p. 483), indicando a existência de múltiplas crenças e valores morais presentes muitas vezes em um mesmo âmbito espacial, quadro amplamente comum nas grandes cidades. Conforme Johnson (1997), os mores de uma determinada sociedade representam “um conjunto de normas que definem as ideias mais fundamentais sobre o que é considerado certo e errado, louvável e repugnante, bom e mau, virtuoso e pecaminoso em comportamento humano” (p.154). Na abordagem do autor, os mores permitem de um lado o regulamento do comportamento humano, mas também a coesão social que gera a continuidade social. Por exemplo, afirma Johnson (1997, p. 154), os mores são: Normas que proíbem o incesto, oassassinato, a traição e outras formas de deslealdade, o abandono das obrigações familiares e a profanação de símbolos religiosos e civis são todas elas parte dos mores da maioria das sociedades. Devido à sua importância, os mores assumem tipicamente a forma de leis, com fortes sanções, tais como prisão, exílio, ostracismo e execução. Do mesmo modo que a ética, a moral pode ser dimensionada em três campos, o histórico, o social e o pessoal. Sob a perspectiva clássica da moral como o “conjunto de regras de condutas admitidas em determinada época ou por um grupo social de pessoas” (ARANHA & MARTINS, p. 301), podemos constatar seu caráter coletivo e histórico, representados nas palavras “época” e “grupo social de pessoas”. Em ambas as nomenclaturas, observamos seus aspectos históricos, remetendo a um debate em torno dos processos de mudança e continuidade. Vamos lá, quais são as propostas de mudanças políticas, tecnológicas, culturais e sociais de acordo com nossos valores concordamos, e quais são as proposições que não concordamos? Algo bem prático e real. Você é contra ou favor do uso da palmada em crianças enquanto um recurso educativo? Em nossa sociedade até quatro décadas atrás era muito comum o uso da famosa “surra” como instrumento de reprimenda dos pais sobre os filhos. No campo social, você é a favor ou contra as políticas de inclusão de corte racial e\ou social? Quais são as principais vantagens e desvantagens presentes em tal programa de inclusão social e suas devidas implicações? No que tange à tecnologia, quais são os benefícios e desvantagens do aceleramento inovador no campo tecnológico? A inovação amplia ou reduz os níveis de empregabilidade? Quais são as implicações morais da inovação tecnológicas? No que diz respeito aos procedimentos eleitorais, você é favor ou contra ao procedimento eleitoral do voto obrigatório? Sim, não, talvez? Por quê? Enfim, um sem número de questões pode ser levantado, reconhecendo igualmente que certamente a nossa opinião será comandada por nossos valores morais, os quais aprendemos como os nossos pares e no convívio social. Isto não significa que não tenhamos a possibilidade de questionamento dos valores herdados pelos antepassados, como discutimos na aula anterior. Pois, os valores são continuamente refeitos, reconfigurados, adaptados ao longo da história. A história da humanidade pressupõe um contínuo processo de permanência e conservação de valores, mas também de transformação e de mudanças. Os valores também não estão isentos de tal processo eminentemente humano e social. Jonhson (1997, p. 154) acrescenta que sob o ponto de vista sociológico o comportamento moral apresenta quatro características básicas; a seguir: 1) Jamais tem o interesse pessoal do ator como objetivo principal; 2) inclui um aspecto de comando, o que faz com que todas as pessoas sintam obrigação de fazer o que é certo; 3) é vivenciado como sendo desejável e dele se tira certa satisfação e prazer; 4) é considerado como sendo sagrado, no sentido em que sua autoridade, é experimentada como além do controle humano. O mores, distintamente de outras normas, são apresentados “como imutáveis e inerentes à vida social, e não como uma criação social sujeita a mudança” (p. 154). Jonhson (1997, p. 154) exemplifica tal contexto como o assassinato que “não pode ser legalizado sem romper a estrutura moral da sociedade ou então precisa ser apresentado como outra coisa que não o homicídio”. Em verdade, os mores representam os valores essenciais sem os quais a sociedade estaria em constante risco. A ação moral pode ser classificada em duas perspectivas, ou seja, a esfera normativa e a esfera fatual. (ARANHA E MARTINS, 2003) No que concerne ao campo normativo, são representados pelas regras de ação de maneira imperativa, o que podemos denominar como “dever ser”. Enquanto o fatual “são os atos humanos enquanto se realizam efetivamente” (2003, p. 303). Afirmamos, portanto, que as normas são representadas, por exemplo, nas seguintes considerações “Não fale palavrão”; “Fale a verdade” ou “respeite ao pai e a mãe”. O fatual é, então, representado pela efetivação ou não da regra na experiência do cotidiano. Embora diferentes, os dois campos estão relacionados, pois “a norma só tem sentido, se orientada para a prática, e o fatual só adquire contorno moral quando se refere á norma” (2003, p. 303). A moral também pode ser considerada como “constituída” e “constituinte”. A constituída é expressa pelos valores que são herdados por nós, por meio da família e da própria sociedade, enquanto a segunda, é representada pelo questionamento ou crítica dos valores herdados. Tal quadro demonstra que, como já comentamos anteriormente, a moral tem um caráter dinâmico e de transformação e não apenas de conservação e de permanência (ARRUDA & ARANHA, p. 118). Marcondes (2009), ao abordar em torno da sociedade brasileira, afirma que entre nós prevaleceu uma dicotomia básica ao longo do século XX, representando consequentemente duas visões de mundo bastante diferentes; a seguir: a moral tradicional e o pensamento de esquerda. Compreende-se por moral tradicional um conjunto de valores representados pela nossa formação histórica cristã, em especial católica, pois o crescimento evangélico é relativamente recente quando comparado ao catolicismo em nossa sociedade. A ideia central na referida visão é que a referência da ética para a sociedade deve ser a ética cristã. Como o nome diz, a moral tradicional tende a enfatizar os valores tradicionais e a enfatizar os procedimentos constitutivos da tradição como a família nuclear. No embate entre mudança/transformação e conservação/continuidade, a moral tradicional tende a privilegiar as alterações sociais em relação ao que permanece. (MARCONDES, 2009) O chamado pensamento de esquerda é expresso por pensadores, filósofos e cientistas sociais que consideram que a questão ética é secundária, sendo tal questão incapaz de dar conta da transformação efetiva da sociedade. Consideram que é através da análise econômica e política que seria possível entender a questão ética na sociedade brasileira e modificá-la. (MARCONDES, 2009). OS VALORES Segundo o Dicionário do Pensamento Social do Século XX (1996) os valores tem sido objeto de investigação em três áreas da teoria social. Em primeiro lugar, apresentam-se como objeto de investigação, como nas recentes discussões de valor dos valores materialistas e pós-materialistas entre as populações de sociedades capitalistas avançadas. Em segundo lugar, constituem uma categoria central para algumas perspectivas teóricas em sociologia... Em terceiro lugar, a teoria social trata o problema filosófico de relação entre enunciados factuais e avaliatórios em reflexões metodológicas que suscitam questões fundamentais em torno das relações entre teoria social sistemática e orientações e compromisso normativos de várias espécies. (p.791) Aranha e Martins (2003) ao abordarem a dinâmica dos valores apresentam uma breve distinção entre as duas categorias. Juízos de realidade se referem quando partimos do pressuposto que as pessoas e os objetos existem e são concretos e reais. Já em relação aos Juízos de valor, estes dizem respeito quando atribuímos uma qualidade ou consideração sobre objetos e pessoas, gerando “atração ou repulsa” (2003, p. 300). A questão dos valores está relacionada à afetividade, ao apontarem que “somos afetados de alguma forma por eles (os valores), porque nos atraem ou provocam nossa repulsa. Portanto, algo possui valor quando não permitam que permaneçamos indiferentes” (2003, p. 300). Acrescentam,ainda que os valores não “são”, mas “valem”. Os valores são, num primeiro momento, herdado por nós. Ao nascermos, o mundo cultural é um sistema de significados já estabelecidos, de tal modo que aprendemos desde cedo como nos comportar à mesa, na rua, diante de estranhos, como, quando, e quanto falar em determinadas circunstancias; como andar, correr, brincar, como cobrir o corpo e quando desnudá-lo; qual o padrão de beleza; que direitos e deveres temos. Conforme atendemos ou transgredimos os padrões, os comportamentos são avaliados bons ou maus. (ARANHA E MARTINS, 2003, p. 300) Portanto, é por meio dos valores que apreciamos as coisas e pessoas, que consideramos bonito ou feio uma determinada conduta, ou seja, é por meio de valores que pautamos nossas práticas. Em verdade, sem valores não existem vida social. Marcondes (2009) elabora um breve histórico da política na cultura brasileira e contextualiza o que considera a crise ética do século XX. A tese central tem como argumento que as amplas mudanças políticas, econômicas e tecnológicas acarretaram uma crise ética que pode ser caracterizada sobre o que é certo e errado, bem ou mal. Conclui, então, que os processos de mudança em geral ocasionam uma crise moral ou de valores. Considerando o Brasil, nas últimas décadas do século XX, vivenciamos ao longo dos anos 60 e 70 um regime autoritário gerando uma série de restrições de direitos civis e políticos. O fim da ditadura veio acompanhado de uma crise econômica, constatando-se que a redemocratização ao longo do final dos anos 70 e em toda a década de 80 esteve associada a crise econômica. Os economistas qualificaram o termo estagflação, que caracterizaria uma sociedade pelo declínio do processo econômico em um contexto recessivo e de aumento inflacionário, resultando grave crise social como desemprego e aumento da desigualdade social. O contexto de crise econômica gerou uma crise ética acirrando a corrupção conforme Giannetti citado por Marcondes (2009). A desorganização econômica vivida no final dos anos 1980 e início dos 1990, gerando desemprego e falta de oportunidades, provocou o descrédito das instituições e a justificativa de que cada um deve ‘se virar como pode’, para poder sobreviver a ‘lei da selva’, com o crescimento do subemprego e da economia informal. Práticas como ‘jeitinho’ e ‘levar vantagem’ que caracterizam notoriamente a falta de ética e oportunismo, se generalizam nesses contextos de informalidade. (MARCONDES, 2009). Marcondes (2009) aponta, todavia, que a corrupção e a falta de ética não são exclusivas dos países menos desenvolvidos, sendo encontradas nas nações mais desenvolvidas. Mas acrescenta que a forma que tais casos são abordados é que constitui o principal critério da preponderância da ética em uma determinada realidade social. No que tange à crise ética, o autor aponta que nos deparamos com duas atitudes e procedimentos. De um lado encontramos o fenômeno “nostalgia do passado”, que se revela em um sentimento de perda de valores e se traduz em observações do tipo “no passado era melhor”, relevando uma visão nostálgica e de certo modo ilusória que considera que tudo o que é do passado é melhor do que está sendo vivenciado na atualidade. (MARCONDES, 2009). Tais visões limitam compreensão da ética e suas implicações sociais políticas e históricas. A ideia de “necessidade de mudanças” representaria uma visão de amadurecimento político, na realidade “o sentimento de que há mais escândalos hoje do que no passado resulta de que hoje somos talvez menos tolerantes com esse tipo de falta, há menos censura, o sucesso de denúncias e investigações leva a novas denúncias”. (MARCONDES, 2009, p. 41). Por esta visão o aumento da corrupção representaria uma maior preocupação com ética no meio social, uma maior divulgação através dos meios de comunicação e não ao contrário. Outra abordagem apontada por Marcondes (2009) trata das implicações da crise ética como “ser paralisante”. Esta postura resultaria em uma visão de que a crise ética na teria solução e que a sua resolução estaria fora das atribuições humanas, resultando em uma postura fatalista ou derrotista. Marcondes (2009) trata também da aplicabilidade da ética nos vários campos de atuação, quer público, quer privado. Destaca que a “ética deve ser integral, de que não é possível ser ético apenas em alguns aspectos de nossas condutas, de que a ética não pode ser compartimentalizada.” (p.43). Tanto a crise ética como algo paralisante como a ideia da ética não podendo ser fragmentada – revelam situações reais e as consequências sobre a vida de cada um de nós enquanto seres individuais, mas também como seres inseridos na sociedade.. REFLETIR SOBRE AS IMPLICAÇÕES ÉTICAS EM TORNO DA IGUALDADE. Conforme o Dicionário do Pensamento Social do Século XX (1996), a concepção de que as sociedades deveriam reconhecer que os seus membros deveriam ser tratados de modo igualitário tornou-se uma questão central no século XX. Entretanto, tal concepção – de que os seres humanos são iguais – não é recente, estando presente, por exemplo, por meio das visões religiosas que apontam que todos os seres humanos são filhos de Deus. Na realidade, para Aristóteles a igualdade se constitui como essência da justiça, porque considera que o ser humano injusto é o que rompe com o princípio da igualdade, associando, portanto, a desigualdade ao comportamento injusto. (COMPARATO, 2006) Segundo Bobbio (2000) a igualdade pode ser aordada quando nos referimos a determinadas características individuais, “quer da distribuição feita por alguém pelo menos entre outros dois, quer ainda das normas que estabelecem como tal distribuição há de ser efetuada” (p. 597). Bobbio (2000, p. 598) conclui que: Igualdade e desigualdade são, sem dúvida, conceitos descritivos. Com efeito, que A e B tenham a mesma idade, nacionalidade ou rendimentos é coisa que pode empiricamente verificar-se; tanto como a afirmação de que A tem maior habilidade ou aptidão que B. Estas asserções, descritivas e não normativas, têm sido chamadas juízos distintos de valores. Em função da decadência das bases que fundavam o sistema hierárquico rígido do Antigo Regime, ocorreu a expansão das ideias de igualdade como algo prático e real, sobretudo na defesa de que todos são iguais perante as leis e que têm direitos iguais no campo da participação política. (DICIONÁRIO DO PENSAMENTO SOCIAL DO SÉCULO XX, 1996). Em um sentido mais amplo a igualdade social tem como base a noção de que os indivíduos devem ser tratados como iguais em todas as áreas que interferem nas suas oportunidades, como a educação, o mercado detrabalho, o consumo e acesso aos bens sociais. Importante sistematização da questão da igualdade é elaborada por Turner citado por Vargas (2009) através da indicação de quatro circunstâncias em que a igualdade é colocada como uma questão; a seguir: A igualdade ontológica é referente aos sistemas morais e religiosos como o cristianismo tradicional e o marxismo humanista. A igualdade de oportunidade destaca que o acesso às instituições sociais é livremente aberto a todos as pessoas por meio de critérios universais como a meritocracia, o talento pessoal e o desempenho. (VARGAS, 2009) A igualdade de condições aponta que os indivíduos têm a mesma quantidade de capital econômico, social e cultural, no reconhecimento de que os que estão competindo pelos ganhos sociais devem iniciar do mesmo ponto e com iguais vantagens (VARGAS, 2009) Finalmente, Vargas (2009, p. 108) cita a igualdade de resultado, reconhece que a “transformação de desigualdadesno ponto de partida em igualdade de conclusão”, cujo principal exemplo são os programas de cotas de cunho social e étnico. Dois outros desdobramentos ocorrem quando abordamos a questão da igualdade, de um lado, a questão da desigualdade e, de outro, a questão da estratificação. A estratificação é entendida como o sistema social por meio do qual os bens como riqueza, poder e prestígio são distribuídos de modo desigual no interior ou entre as sociedades. A estratificação ocorre, por meio da diferenciação dos indivíduos em categoriais coletivas como sexo, raça e classe social (JOHNSON, 1997). A estratificação pode também assumir a forma de casta que “são categorias rígidas determinadas por ocasião do nascimento e não permitem mobilidade de uma casta a outra” (JOHNSON, 1997, 95). Tal sistema está presente na Índia e, de certo modo, em contextos sociais de preconceito racial como foram os casos dos EUA e da África do Sul. Ao contrário do modelo de castas, o sistema de classes “dão menos ênfase a características imputáveis, tais como raça e antecedentes familiares, e mais critérios universalistas, como grau atingido de educação” (JOHNSON, 1997, 95), garantindo um maior grau de mobilidade social. Para antropologia interessante discussão que perpassa a questão da igualdade é a que diz respeito à noção de “indivíduo” e de “pessoa”. Sobretudo, quando se quer entender o ethos social brasileiro, seu modo de vida não apenas no que concerne às leis, mas no que interessa ao entendimento da vida social e concreta mais ampla. A noção de pessoa remete à hierarquia, à rede de relações pessoais, típicas das sociedades tradicionais. A noção de indivíduo remete à igualdade, ao modo de vida impessoal, típicas das sociedades modernas. A primeira resulta em um modo de vida pouco ou nada igualitário, enquanto à segunda seria a expressão máxima da igualdade, pautada que é no ideário da lei igual para todos, sem privilégios individuais, grupais ou corporativos. Sintetizando, enquanto a noção de indivíduo revela um ente livre e que tem direito a um espaço próprio, é igual aos demais indivíduos e produz as regras da sociedade em que vive, a noção pessoa está vinculada à totalidade social, sendo complementar aos demais indivíduos e que estes recebem as regras da sociedade em que estão inseridos (DA MATTA, 1981) Da Matta, (1981), destaca na sociedade brasileira o famoso “Você sabe com que está falando?” como expressão de uma sociedade, como brasileira, com traços de hierarquização das relações sociais, expressão da noção de pessoa se revelando nas relações sociais. No Brasil, as leis tenderiam à igualdade, mas a vida social mais ampla tenderia aos arranjos pessoais, hierárquicos, tais como o “jeitinho” e o “Você sabe com quem está falando?”. Este país, diferentemente da experiência norte-americana que tenderia ao individualismo e à igualdade, valores e práticas típicas da referida sociedade. Na sociedade brasileira, especificamente, viveríamos um contínuo embate entre leis relativamente igualitárias e práticas e atitudes que nos levariam a uma maneira de viver pouco igualitária. Tal situação se revelaria em uma tensão que as leis são ou não aplicadas conforme o contexto de cada situação, em função do status dos indivíduos envolvidos. Finalizando nosso estudo não há uma única e exclusiva ideia de igualdade quando se trata das abordagens teóricas que investigam a dinâmica igualdade e desigualdade em função da própria complexidade do assunto. Há, contudo, um consenso que é o reconhecimento da necessidade de redução dos níveis de desigualdade. Embora, não haja um consenso teórico e nem político como deve ser reduzida a desigualdade social. Eis um dos maiores dilemas das sociedades. REFLETIR SOBRE AS IMPLICAÇÕES ÉTICAS EM TORNO DA LIBERDADE Inúmeras abordagens podem ser elaboradas sobre a liberdade, desde aquelas que associam ao comportamento livre de qualquer restrição, quer individual ou social, até as considerações que associam ao controle social. Quando abordamos a liberdade devemos pergunta a qual tipo estamos nos referindo, a liberdade individual, social, política ou religiosa? A liberdade individual nos daria o direito de tudo poder fazer? Em que medida, por exemplo, a liberdade individual entra em choque com os direitos e interesses de terceiros? Assim, podemos considerar que ao longo da história a liberdade vem sendo uma questão central para entender o comportamento humano e a organização das sociedades. Isto quer dizer que ao longo da história a compreensão da liberdade sofreu alterações, assim como na atualidade os níveis de liberdade individual, por exemplo, variam de sociedade em sociedade. A liberdade, tal como a igualdade, é tão crucial que por meio dela podemos qualificar se determinado regime político é ou não democrático ou se uma empresa é mais ou menos autocrática. No que concerne às sociedades os níveis de igualdade estarão condicionados pela formação econômica, social e cultural da sociedade. Sendo assim, podemos considerar que existem sociedades e ou organizações que promovem uma maior liberdade para os seus componentes, enquanto outras limitam mais a sua ação. A abordagem de Aranha e Martins (2003, p. 316) acerca dos meandros da liberdade é bastante pertinente, ao afirmar que pelo senso comum a liberdade está associada a tudo poder fazer, sem constrangimentos. Mas podemos considerar a liberdade em sentidos mais amplos, por exemplo, no âmbito da política, da economia, das leis, da sociedade, dos espaços específicos em que os indivíduos se relacionam entre si no exercício do poder, dos negócios, do direito, no convívio pessoal. Embora esses campos tenham suas características próprias, em todos eles perpassa a liberdade ética, que diz respeito ao sujeito moral, capaz de decidir com autonomia em relação a si mesmo e aos outros. Confirmando a afirmação acima que considera que a liberdade é uma categoria com múltiplos sentidos, podemos conforme o Dicionário do Pensamento social do Século XX (1996) considerá-la como “positiva” e “negativa”. Conforme Lewis citado pelo referido Dicionário (1996), na concepção negativa “a liberdade significa a ausência de restrição desnecessária ou danos”. (p. 424), ou em um sentido mais amplo, conforme Berlin apud Dicionário (1996) livre “da interferência deliberada de outros seres humanos em uma área em que, não fosse isso, eu poderia atuar” (p. 424) A referida visão foi entendida entre os pensadores liberais como J. S. Mill e Alexis Tocqueville ao apontarem a necessidade que algumas restrições legais são necessárias visando a preservação de outros valores sociais mais amplos. A perspectiva positiva da liberdade é expressa pela propriedade de direitos cujo uso é “benéfico para aquele que os possui” (p.424). Na atualidade podemos acrescentar que a ideia de liberdade está cada vez mais associada à concepção de cidadania, resultando o estabelecimento dos chamados direitos civis, políticos e sociais. Há, portanto, o reconhecimento que quando tratamos de liberdade não podemos restringir a uma concepção puramente abstrata, mas como algo que se mede e se efetua no exercício dos indivíduos inseridos no cotidiano social (DICIONÁRIO DO PENSAMENTO SOCIAL DO SÉCULO XX, 1996). Portanto, o sentido negativo de liberdade está “preocupado com as forças que restringem os indivíduos de modos e graus diferentes de acordo com sua posição social” (p.525), enquanto o segundo – o positivo – trata “das possibilidades de auto realização e auto comando, igualmente variáveis de acordo com as circunstâncias sociais” (p. 525). O primeiro se expressana inexistência de coerção, o segundo ocorre pela possibilidade de plena realização pessoal. É possível também classificar a liberdade enquanto individual ou como coletiva. Os movimentos sociais reivindicatórios de base nacional, de classe ou em relação aos grupos minoritários assumem causas em favor de grande número de pessoas, estando também relacionados à garantias de determinados tipos de liberdade individual, resultando no reconhecimento que quando tratamos de liberdade torna-se necessário um conjunto de instituições que garantam seu exercício. (DICIONÁRIO DO PENSAMENTO SOCIAL DO SÉCULO XX, 1996). Se por um lado, pode ser constatado que as pessoas não “nascem livres”, pois ao nascerem estão sendo inseridos em um determinado contexto social, cultural e político que certamente influenciará seus pensamentos e atitudes. Por outro lado, tal consideração não deve ser tomada de modo rígido, pois as pessoas de modo associativo podem questionar a ordem vigente e lutar em favor da ampliação dos níveis de liberdade e de mudanças na vida social mais ampla. Não podemos deixar de reconhecer que os chamados direitos sociais que incluíram a melhoria de vida das populações (educação, saúde, por exemplo) foram inaugurados, executados ou ampliados, de certo modo, à custa de restrições à liberdade individual. Na realidade, a liberdade individual ou de determinados grupos tem como resultado a limitação da liberdade de outros, pois a vida das pessoas tem uma base social, necessitando de um contínuo debate em função dos interesses individuais e sociais. Apesar da proteção às liberdades individuais ser uma das bases das constituições democráticas, não há um consenso sobre o que é considerado liberdade e saber o quanto de liberdade dever ser atribuído aos indivíduos. (BLACKBURN, 1997) Quando tratamos de liberdade de expressão, a primeira questão é saber o significado de expressão, pois pode ser considerado tanto expor uma obra em uma galeria de arte, assim como expor uma opinião política. Entretanto, determinadas maneiras de expressão como gritar “socorro” em um local fechado ou mandar alguém cometer um crime sobre alguém não tem um respaldo legal. A perspectiva positiva da liberdade de expressão refere-se ao fato de trazer benefícios próprios, quer por meio da verdade ou equivoco, quer como um elemento importante para o processo de tomada de decisão política. Uma justificativa negativa da liberdade é o de que os efeitos causados pelo uso da capacidade de expressão são de alguma forma, menos significativos que os causados por outros comportamentos (BLACKBURN, 1997) Aranha & Martins (2003) apontam interessante debate no campo filosófico em torno do que denominamos de determinismo e liberdade. Sob a perspectiva científica, “tudo que existe em uma causa”, trata-se do mundo da necessidade e da não liberdade. A base da ciência é o determinismo, sem o qual seria impossível o estabelecimento das leis gerais. Se tudo fosse contingente não haveria ciência. A livre escolha humana, portanto, seria um sonho, pois escolhemos e decidimos em função de um determinado contexto dado. Questionando esta opinião - a do determinismo - existem algumas teses que enfatizam em diferentes níveis, justamente o contrário. O argumento da “Liberdade incondicional” – ou seja – sem condição indica que ser “livre é decidir e agir como se quer, sem determinação causal, seja exterior (ambiente em que se vive), seja interior (desejos, motivações psicológicas e caráter).” (ARANHA & MARTINS, 2003, p. 318). Ainda que possamos reconhecer que tais forças internas e externas possam existir “o ato livre pertenceria a uma esfera independente em que se perfaz a liberdade humana. Ser livre e, portanto, ser incausado.” (p. 318). A tese da “Consciência e Liberdade” aponta que existem influências históricas, espaciais e culturais que determinam os indivíduos. Contudo, por serem seres conscientes os indivíduos são capazes de conhecer e compreender a ordem dos determinismos, permitindo, assim, que ao conhecer as causas dos fenômenos possam agir sobre a natureza e sobre os homens, buscando a mudança ou alteração de ambos. (ARANHA & MARTINS, 2003, p. 320). A perspectiva da “Liberdade situada” destaca que a questão da liberdade não se traduz em uma perspectiva abstrata ou teórica, mas nas relações sociais entre os indivíduos (ARANHA & MARTINS, 2003). Isto significa que o ser humano se situa no mundo com um corpo, com determinadas características e condições pessoais, familiares, sociais. Entretanto, o ser humano é capaz de ir além das determinações, não negando-as, mas dando-lhe um significado. (ARANHA & MARTINS, 2003). Portanto, quer compreendamos a liberdade no sentido sócio-histórico, quer possamos analisá-la sob a uma visão de natureza filosófica e suas múltiplas interpretações, há que se reconhecer que a discussão sobre a liberdade tem base social, a liberdade é social, e não exclusivamente individual. (ARANHA & MARTINS, 2003, p. 321). Confirmando esta visão, Comparato (2006) afirma que a a liberdade não se dá por meio do isolamento, mas, nas relações entre os indivíduos e sociedades que se veem como dependentes, em um contexto “de igualdade de direitos e deveres” (p.537) AUDITOR MÉDICO NO SISTEMA DE SAÚDE NACIONAL O auditor é habilitado pela sua competência, possui postura e credibilidade profissional necessária para exercer sua função. A auditoria dos eventos de saúde constitui mecanismos de controle e avaliação dos recursos e procedimentos adotados. Que objetiva resolubilidade e melhor qualidade da prestação dos serviços. A auditoria médica se distingue como ato médico e exige conhecimento técnico da profissão. Loverdos (1999) esclarece que a auditoria médica consiste em uma análise, à luz das boas práticas de assistência à saúde e do contrato entre as partes: paciente, médico, hospital e patrocinador do evento, dos procedimentos executados, aferindo sua execução e conferindo os valores cobrados para garantir que o pagamento seja justo e correto acompanhado de qualidade do atendimento prestado ao paciente. A auditoria médica realiza a revisão, perícia, intervenções e exames de contas de serviços ou procedimentos prestados por estabelecimentos de saúde. A auditoria médica é executada por auditores ligados a um prestador de saúde e operadoras de planos de saúde (agente financeiro) responsável pelo pagamento das contas hospitalares e ambulatoriais. Para a fiscalização da prática dos atos médicos o Conselho Federal de Medicina – CFM publicou a Resolução nº 1.614, de 08/02/2001, que determina que o médico designado a auditor deve estar regularizado no Conselho Regional de Medicina - CRM, na jurisdição onde presta seu serviço. A Resolução do CFM define que as empresas que realizam auditoria, tem a obrigatoriedade de seus responsáveis técnicos estejam registrados nos CRM das jurisdições em que seus contratantes atuam. A função do auditor médico exige o sigilo profissional, devendo sempre anotar por escrito suas observações, conclusões e recomendações. Durante a realização do seu trabalho, pode solicitar ainda os esclarecimentos necessários, por escrito, ao médico assistente, sendo vedado divulgá-los, exceto por justa causa ou dever legal. Havendo indícios de ilícito ético, o médico auditor obriga- se a comunicá-los ao CRM. O auditor médico tem o direito de acessar, in loco, toda a documentação necessária, sendo-lhe vedada a retirada de prontuários ou cópias da instituição. Se necessário examina o paciente ou acompanhar procedimentos, desde que devidamente autorizado pelo mesmo, quando possível oupor seu representante legal. No caso de indícios de irregularidades no atendimento ao paciente em que a verificação necessite de análise do prontuário médico. É consentido o acesso aos documentos e realização de cópias para execução da auditoria. O auditor não poderá autorizar, vetar, bem como modificar procedimentos e terapêuticas indicados pelo médico assistente, salvo em situação de indiscutível conveniência para o paciente. Neste caso, deverá fundamentar e comunicar o fato, por escrito, ao médico responsável. Na condição de integrante de equipe multiprofissional de auditoria, o médico deve respeitar a liberdade e independência dos outros profissionais sem, todavia, permitir a quebra do sigilo médico, bem como transferir sua competência a outros profissionais, mesmo quando pertencentes à sua equipe. Não compete ao médico, na função de auditor, a aplicação de quaisquer medidas punitivas ao médico assistente ou instituição de saúde, cabendo-lhe somente recomendar as medidas corretivas em seu relatório, para o fiel cumprimento da prestação da assistência médica. Também não poderá propor ou intermediar acordos entre as partes (contratante e prestadora), que visem restrições ou limitações ao exercício da medicina ou aspectos pecuniários, nem ser remunerado ou gratificado por valores vinculados à glosa. A Resolução específica editada pelo CFM, o Código de Ética Médica disciplina a atividade do médico investido na função de auditor, especialmente nos artigos 8º, 16, 19, 81, 108, 118 e 121. No âmbito do Sistema Único de Saúde, além dos preceitos éticos ora descritos, o médico auditor também deve observar o Decreto Federal n° 1.651, de 28/09/1995, que regulamenta o Sistema Nacional de Auditoria. DEFINIÇÃO DE AUDITORIA MÉDICA As deficiências do sistema público, surgiram e estão em alternativas de assistência médica supletiva – as medicinas de grupo, as cooperativas médicas, os planos de saúde, as seguradoras, os sistemas de autogestão privados e estatais e os planos por administração (LOVERDOS, 1999). A auditoria médica pode ser realizada de diversas maneiras, a saber: Auditoria Médica Preventiva: realizada a fim de que os procedimentos sejam auditados antes que aconteçam. Geralmente está ligado ao setor de liberações de procedimentos ou guias do plano de saúde, e é exercida pelos médicos. Auditoria Médica Operacional: é o momento no qual são auditados os procedimentos durante e após terem acontecido. O auditor atua junto aos profissionais da assistência, a fim de monitorizar o estado clínico do paciente internado, verificando a procedência e gerenciando o internamento, auxiliando na liberação de procedimentos ou materiais e medicamentos de alto custo, e também verificando a qualidade da assistência prestada. É nesta hora que o auditor pode indicar, com a anuência do médico assistente, outra opção de assistência médica ao usuário, como Gerenciamento de Casos Crônicos (LOVERDOS, 1999). Auditoria Médica Analítica: têm-se as atividades de análise dos dados levantados pela Auditoria Preventiva e Operacional, e da sua comparação com os indicadores gerenciais e com indicadores de outras organizações. Neste processo, os auditores devem possuir conhecimento relacionado aos indicadores de saúde e administrativos, e no que tange a utilização de tabelas, gráficos, bancos de dados e contratos. Desta forma, são capazes de reunir informações relacionadas ao plano de saúde, bem como quanto aos problemas detectados em cada prestador de serviços de saúde. Consequentemente, tais análises contribuem substancialmente para a gestão dos recursos da organização ou empresas públicas (SOUZA; JUNQUEIRA, 2001). Inclui-se na auditoria médica operacional a auditoria de contas, classificada como visita hospitalar de alta que ocorre após a alta hospitalar do paciente. Porém, ainda no ambiente hospitalar, tal processo ocorre antes desta conta ser enviada para a fonte pagadora, tendo o auditor a posse do prontuário médico completo para análise. Neste caso, possíveis irregularidades ou inconformidades podem ser negociadas antes do envio da conta hospitalar à fonte pagadora, com mútua e formal concordância. A outra possibilidade é da auditoria de contas ser realizada nas instalações da organização pagadora. A auditoria de contas é um processo minucioso, no qual são verificados os seguintes aspectos: o diagnóstico médico, os procedimentos realizados, exames e seus laudos, os materiais e medicamentos gastos conforme prescrição médica nos horários corretos, as taxas hospitalares diversas, os relatórios da equipe multidisciplinar, os padrões das Comissões de Controle de Infecção Hospitalares (CCIH) e outras comissões. Muitas vezes, a única fonte de informação que os auditores internos (que fazem auditoria nas dependências da operadora de saúde) possuem é o formulário de coleta de dados, que o auditor externo preenche, e que chega na operadora junto com a fatura hospitalar. A legislação prevê que é dever da equipe de enfermagem manter uma anotação de forma perfeita, bem como incumbência a todo pessoal de enfermagem da necessidade de anotar no prontuário do paciente todas as atividades da assistência de enfermagem. Devido a essas razões as anotações devem seguir uma normativa, levando em consideração seus aspectos legais e éticos, pois o registro em prontuário faz parte das obrigações legais da enfermagem, devendo qualquer erro ser corrigido de acordo com as normas da instituição, pois esses registros podem servir como facilitadores e determinantes em casos judiciais (POSSARI, 2005). No campo de atuação destaca-se a auditoria em contas hospitalares, realizadas em prontuários, processo necessário para a qualidade do serviço, além da redução de desperdício de materiais e de medicamentos. Afinal, todos os procedimentos geram custos e o meio mais seguro para se comprovar e receber o valor gasto da assistência prestada, evitando glosas, é o registro, principalmente em se tratando de um convênio do hospital com operadoras de saúde (DUARTE, 1976). O processo de faturamento hospitalar é realizado em conjunto com a análise de contas com a participação direta de analistas de contas e as glosas são evitadas. A participação do médico e do enfermeiro auditor em evitar a glosa é tarefa que envolve todas as áreas, especialmente o credenciamento, que tem seu início na negociação e na implantação do contrato e requer da equipe de profissionais da saúde, ou seja, médicos e enfermeiros responsáveis pelos registros referentes à evolução dos prontuários (LOVERDOS, 1999). O fornecimento de material educativo e a educação continuada são gestos necessários para que haja uma constante atualização do sistema de contas hospitalar (OGUISSO, 2003), oferecendo como aliada a preparação, a informação e a atualização dos conhecimentos científicos e das habilidades dos profissionais de enfermagem, desenvolvendo-se o raciocínio crítico e a criatividade. O processo educativo é utilizado no trabalho em saúde com o propósito de mudança nas informações, atitudes ou comportamentos. Neste sentido, é pertinente introduzir alguns conceitos de motivações, dinâmica de grupos e metodologia didática, procurando assim, delinear uma estrutura geral e ampla quanto ao emprego do processo educativo na atividade de saúde. Para o professor e doutor Daniel Nunes, administrador de empresas e contabilista registrado no Conselho Regional de Contabilidade de Pernambuco, em seu artigo Auditoria Interna de Contas Médico Hospitalar, a atividade de Auditoria em saúde visa garantir a qualidade da assistênciamédica, respeitando as normas técnicas, éticas e administrativas. A função do setor não deve ser vista como um meio para a redução custos e sim como um aliado garantindo qualidade da assistência prestada ao paciente com custo adequado (NUNES, 2010). Por se tratar de uma atividade que envolve recursos financeiros e interesses conflitantes, se fazem necessários por parte da equipe: Conhecimento técnico; Compromisso com a atualização profissional; Conhecimento dos processos administrativos; Conhecimento das leis e códigos que regem a assistência à saúde; Atuação ética. Se a conta hospitalar está estruturada e organizada com um plano de ação alicerçado em princípios éticos e morais, as ações irão refletir na redução de retrabalho e consequente aumento das receitas da unidade hospitalar ou do serviço de saúde. Salienta-se que determinadas atividades profissionais são exclusivas aos profissionais da área. Para tanto, convém ressaltar o Parecer do CFM nº 02/1994, aprovado em 13 de janeiro de 1994, que preconiza: O acesso ao prontuário médico, pelo médico perito, para efeito de auditoria, deve ser feito dentro das dependências da instituição responsável pela sua posse e guarda. O médico perito tem inclusive o direito de examinar o paciente, para confrontar o descrito no prontuário (CFM, 1994). A auditoria interna tem que demonstrar para os demais setores que ela é parte do processo e não um mero instrumento de coerção, desenvolvendo treinamento e estando disponível para o auxilio quando se fizer necessário. A mesma tem como obrigação os pontos elencados a seguir: • Analisar os procedimentos de alto custo, órtese e materiais especiais; • Analisar os prontuários, exames, prescrições e documentos; • Identificar irregularidades (negociação de glosas); • Atuar preventivamente junto aos setores envolvidos; • Constatar se os serviços cobrados são compatíveis com os realizados (na fatura hospitalar e seus elementos, diárias, taxas, materiais, medicamentos, etc); • Efetuar pré-análise e pós-pagamento da fatura médica; • Fornecer relatórios gerenciais; • Evitar cobranças indevidas (tabelas hospitalares); • Melhorar a assistência ao associado ou a seu dependente (qualidade de atendimento). As ações apresentadas repercutir significativamente dentro da unidade hospitalar ou serviço de saúde de forma positiva, fazendo com que a atenção e prestação dos serviços ofertados ao paciente/cliente e familiares tenham sido realizados com maior segurança e a qualidade necessária, apresentando na fatura médico e hospitalar apenas o que se fez necessário, evitando-se desperdício de efetivo humano e material, entre tantos outros fatores. Portanto a função da auditoria não pode ser confundida com atividade fiscalizadora. A atribuição do auditor deve restringir-se à análise dos prontuários médicos, entrevistas e exame do paciente quando necessário e elaboração de relatório de auditoria. O diretor clínico do hospital deve ser notificado da presença do médico auditor e de sua identificação, que por sua vez comunicará aos colegas do corpo clínico da instituição. O horário ideal para a atividade da auditoria é o comercial, não sendo de boa prática técnica e ética auditar durante a noite. CÓDIGO DE ÉTICA DO PROFISSIONAL MÉDICO ATRELANDO OS ASPECTOS DA ÉTICA MÉDICA, NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DA AUDITORIA A ética pode ser entendida como a área da filosofia que estuda os fundamentos e princípios dos aspectos morais da vida. A filosofia grega, em seus primórdios, buscava encontrar a natureza do bem no comportamento humano, com o objetivo de identificar um princípio absoluto de conduta e atitude perante os dilemas morais da condição humana. Aristóteles foi o primeiro pensador grego a estudar os fundamentos da Ética de maneira sistemática na obra A Ética a Nicômaco. Nesse trabalho, o filósofo indica a vida ideal como sendo aquela repleta de vivências com virtudes, o que levaria à felicidade. Assim, percebe-se que, desde os seus primórdios, a ética é uma ciência prática e normativa que estuda a moralidade dos atos humanos e norteia-se pela razão natural do homem. A ética é totalmente atrelada à condição humana e pressupõe a reflexão e tomada de decisões sobre dilemas que envolvem a vida das pessoas. A ética entra no campo das normatizações e dos códigos de conduta, em que se estabelecem os deveres das pessoas ante as expectativas sociais. As normas de conduta e os códigos deontológicos são resultados do consenso social em relação aos dilemas mais comuns que permeiam determinado grupo social, pois as relações entre as pessoas necessitam ser intermediadas por leis, resoluções e códigos de comportamento. Portanto, os códigos de Ética são consensos que regem diferentes tipos de condutas (FIGUEIREDO, 2008, p. 1- 9). Na medicina, a ética surge com o princípio hipocrático primum non nocere (primeiro, não causar o mal), norteador da prática clínica até hoje, e que coloca os interesses dos pacientes sempre em primeiro lugar. Desde o juramento de Hipócrates já se tornava evidente também o compromisso dos médicos com seus colegas de profissão e com a sociedade como um todo. Assim, a ética médica pode ser definida como um conjunto dos estudos dos direitos e deveres dos médicos ante sua atuação profissional (COHEN; SEGRE, 1999). Neste entendimento a ética médica tem como função determinar as normas necessárias para a atuação profissional dentro dos limites da retidão. A atividade clínica na medicina pode ser dividida em dois tipos, ou seja, a prática clínica e a pesquisa clínica (GRACIA, 2001). A prática clínica é definida como qualquer ato realizado no corpo de um paciente com o objetivo de diagnosticar e tratar suas doenças. A pesquisa clínica tem como objetivo investigar os mais diversos aspectos relacionados à saúde do ser humano, podendo ser conduzida tanto em indivíduos saudáveis, como também em indivíduos doentes (GRACIA, 2001). O Código de Ética Médica mais antigo é o tradicional juramento de Hipócrates, apesar dos 25 séculos de história, e seus princípios permanecem vivos até os dias de hoje. No entanto, o inglês Thomas Percival é visto como o pioneiro na elaboração daquele que é considerado o primeiro código de ética médica da era moderna, que data do final do século xviii. Motivado pelo clima de tensão e desentendimentos no meio hospitalar em Manchester, Inglaterra, e na tentativa de normatizar o ambiente de trabalho médico, o primeiro código de ética médica tinha como objetivo final eliminar conflitos profissionais, moralizar a profissão e contribuir na formação do caráter dos médicos. O código de Ética de Thomas Percival teve sua versão final publicada em 1803 e atendia aos princípios básicos que um código de ética profissional deve cumprir, a saber, orientar seus membros sobre os princípios morais de conduta em sua prática profissional (NEVES, 2006). Distintas organizações nacionais e internacionais passaram a elaborar códigos normativos de conduta para os médicos. Destacam-se a Declaração de Nuremberg (1946), a Declaração de Genebra (1948), o Código Internacional de Ética Médica (1949), a Declaração de Helsinque, adotada em 1964 e revisada em Tóquio em 1975, e os Princípios de Ética Médica Relativos à Tortura e Crueldade com Prisioneiros e Detentos, das Nações Unidas (1983). De um modo geral, todos estes códigos enfocam primordialmente o bem-estar e a defesa dos direitos dos pacientes (MARTIN, 1993). Os códigos de ética médica têm fornecido um regimento norteador das atividades médicas, apresentando tanto um enfoque educativo como punitivo,sendo que ambas as abordagens levam à construção e fortalecimento da cidadania. Os códigos de ética médica brasileiros surgiram a partir da criação do Conselho Federal de Medicina, em meados do século XX, e tiveram suas raízes históricas na tradição hipocrática e evoluíram incorporando o desenvolvimento técnico- científico e social. No País, os Conselhos Federal e Regionais de Medicina são responsáveis por interpretar e julgar as ações dos médicos, quando do seu exercício profissional, à luz das normas éticas de conduta contidas no Código de Ética Médica vigente. A primeira organização brasileira que se preocupou com as questões normativas do exercício da Medicina foi a Academia Nacional de Medicina, fundada em 1829 com o nome de Sociedade de Medicina. Seu primeiro decreto sobre o exercício legal da profissão médica data de 1851 (NEVES, 2006). A primeira publicação do Código de Ética Médica no Brasil ocorreu em 1867, por meio de uma versão para o português do Código da Associação Médica Americana (MARTIN, 1993). Os capítulos do código abordavam temas relacionados aos deveres dos médicos para com seus pacientes, obrigações dos pacientes para com os médicos, deveres dos médicos entre si e para com a profissão em geral, deveres dos médicos quando um interfere no campo de atuação do outro, deveres do médico para com o público e obrigações do público para com a profissão médica. Em 1929, o Sindicato Médico Brasileiro publicou o Boletim do Syndicato Médico Brasileiro, que era uma tradução do Código de Moral Médica (1929) aprovado pelo Congresso Médico Latino-Americano. Este Código abordava temas muito parecidos com aqueles tratados na primeira publicação do código de Ética Medica no Brasil (MARTIN, 1993). Dois anos depois, em 1931, foi aprovado o “Código de Deontologia Médica” (1931) que se assemelhava muito ao anterior, mas apresentava como novidade a incorporação de temas que relacionavam a atuação médica e suas possíveis implicações judiciais (NEVES, 2006). O próximo código brasileiro de conduta médica foi o Código Brasileiro de Deontologia Médica de 1945, que apresentava o modelo da relação médico- paciente caracterizado pelo paternalismo benigno, que era marcado pela solidariedade e fraternidade do médico para com o paciente. Este modelo foi dominante por muito tempo não apenas no Brasil, e estava de acordo com os preceitos éticos da época, em que prevaleciam os valores e decisões do médico sobre os dos pacientes (MARTIN, 1993). O Código de 1953 estabeleceu o então recém-criado Conselho Federal de Medicina como o responsável pelo julgamento de violações éticas ocorridas quando da prática clínica médica. Neste Código, o paternalismo se encontrava enfraquecido, sendo retirados os artigos que infantilizavam os pacientes e faziam referência ao médico como pai ou educador. Sob a égide do Conselho Federal de Medicina, foram criados os códigos de Ética Médica de 1965, 1984, 1988 e o contemporâneo de 2010. O Código de Ética Médica teve importância grande na construção da cidadania brasileira, incorporando o respeito e a defesa de vários direitos dos pacientes, no contexto do processo de redemocratização do Brasil. O Código de Ética Médica, que vigora desde o dia 13 de abril de 2010, apresenta uma série de modificações no enfoque das questões clínicas enfrentadas pelos médicos em sua prática profissional. A auditoria médica tem sua importância, pois nos últimos anos tem sido valorizada com o aprimoramento da regulação do sistema de saúde do Brasil, seja no sistema público de saúde e sistema suplementar. Os médicos que desempenham a atividade de auditor, gradativamente foram dedicando mais tempo ao seu estudo e aperfeiçoamento. O médico auditor passou a desempenhar importante papel de regulador entre a qualidade dos serviços prestados e seus respectivos custos, constituindo o fator que estabelece o equilíbrio. Por inúmeros interesses começaram a ser monitorados os conflitos e surgiram consequentemente, várias infrações ao Código de Ética Médica (CEM). Por essa razão seguiram-se, diversos pareceres dos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) e do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre como deveria proceder ao auditor e contatou-se que quase todos os artigos do Conselho Federal de Medicina são citados, especialmente estabelecendo o que é permitido ou vedado aos médicos auditores e assistentes. Destacam-se alguns pareceres que são específicos e emitidos em resposta às consultas dos Conselhos Regionais e do próprio Sistema Único de Saúde (SUS), assim segue: Parecer nº 02/1994 do CFM referente ao fornecimento do prontuário para auditoria. Parecer nº 03/1994 do CFM trata-se da visita a pacientes hospitalizados, à beira do leito, por auditores. Parecer nº 21/1994 do CFM relaciona-se com o encaminhamento de prontuários médicos para a auditoria do SUS. Parecer nº 01/1996 do CFM relativo ao impedimento ético de interferência na escolha terapêutica do médico assistente. Parecer no 18/1996 do CFM dispõe sobre as atividades de fiscalização das ações e serviços de saúde e sobre a autonomia e limitações do médico auditor, responsável pela fiscalização das questões assistenciais. Parecer nº 20/1996 do CFM refere-se ao direito do paciente aos meios diagnósticos e à autonomia profissional do médico. Resolução nº 1466/1996 do CFM relaciona as atividades do médico auditor. Parecer no 17/97 do CFM reporta-se à interferência direta do auditor nas atividades médicas. Parecer no 11/99 do CFM define autorização de exames pelo médico auditor, mudança ou solicitação de procedimentos, exame de pacientes e outras funções do auditor. A atividade oficial e regulamentada de auditoria médica, por ser relativamente atual e estimulada pelas necessidades crescentes de controle das contas dos serviços hospitalares, médicos e complementares de diagnóstico e terapia do SUS e dos diversos planos de saúde privados, desperta a curiosidade científica dos profissionais das diversas áreas. CÓDIGOS DE ÉTICA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE APLICADOS À PRÁTICA DA AUDITORIA Odontologia Os códigos de ética profissional são regras jurídicas através de resoluções de autarquias federais elaboradas por membros de distintas categorias de trabalhadores com a finalidade de nortear as condutas dos profissionais referente à ética na relação com os pacientes, com seus pares e com a sociedade. A odontologia é uma profissão no sistema de saúde em que os profissionais da área podem realizar procedimentos cirúrgicos invasivos e prescrever especialidades farmacêuticas de caráter autônomas, a partir de diagnósticos firmados por si próprios. O exercício das atividades odontológicas deve ser pautado em princípios éticos, legais e na compreensão da realidade social, econômica e cultural do local em que estão estabelecidos. Os códigos de ética estabelecem padrões de comportamentos de certas categorias profissionais em determinadas sociedades, num momento histórico específico. Invariavelmente são realizados por entidades de classe e têm como função: Garantir à sociedade altos padrões de qualidade no atendimento. Estabelecer valores, deveres e direitos dos profissionais. Disciplinar a relação com pacientes e colegas. O código de ética odontológica brasileiro está em vigor desde 2003 e teve algumas alterações. O Conselho Federal de Odontologia e os Conselhos Regionais de Odontologia foram criados através da Lei nº 4.324, de 14 de abril de 1964. A finalidade das autarquias federais é de fiscalizar o exercício da odontologia em seus aspectos éticos,zelando e trabalhando pelo bom conceito da profissão e os que a exercem legalmente. O primeiro código de ética odontológica foi elaborado em 1976 e ocorreram diversas alterações nos períodos de 1984, 1991 e 2003. O atual código de ética odontológica está na sua quarta versão desde sua criação, aprovado pela Resolução CFO-42, de 20.05.2003, revogando expressamente o Código anterior aprovado pela Resolução CFO-179, de 19.12.1991. O código de ética odontológica teve alterações através da Resolução CFO-71, de 06.06.2006, que modificou o capítulo XIV. No período de 2012 o Código de Ética Odontológica teve uma nova atualização através da Resolução CFO- 118/2012. Direitos, deveres e responsabilidades profissionais Os códigos são congruentes a estabelecerem como princípios e direitos ou deveres dos profissionais como: Respeito ao ser humano. Promoção da saúde pública. Autonomia profissional. Responsabilidade em relação à saúde pública. Exercício da profissão com honra e dignidade. Obrigação da atualização profissional constante. Recusa de normas que limitem as atividades em benefício do paciente. Direito de se recusar a exercer a profissão em condições indignas, insalubres ou inseguras. Vedação ao mercantilismo. Respeito ao sigilo. Luta pelos interesses da classe (condições de trabalho e remuneração). Respeito, lealdade e colaboração para com os colegas. Obrigação de zelar. Trabalhar pelo perfeito desempenho ético. Prestígio e bom conceito da profissão. Quando investidos em função de direção ou responsáveis técnicos é dever fundamental de cirurgiões-dentistas, segundo art.5.º, II, assegurarem aos colegas condições adequadas para o desempenho ético-profissional. Por apresentar um capítulo com princípios fundamentais, o código de ética como a não caracterização de relação de consumo/comércio entre profissional- paciente, a preocupação com a saúde do trabalhador e o meio ambiente e a vedação do uso dos conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral. Apesar dos cirurgiões-dentistas estarem envolvidos com questões de saúde pública e fazerem parte do rol de profissionais que devem fazer a notificação compulsória de doenças. O código de ética não traz norma deontológica sobre a colaboração com as vigilâncias sanitária e epidemiológica. O número de ações judiciais e éticas contra cirurgiões-dentistas tem se tornado significativo a cada ano. A responsabilidade civil desses profissionais está prevista no Código Civil (art. 186) e no Código de Defesa do Consumidor (art. 14 e 14. § 4.º). Dentre os elementos da responsabilidade que precisam ser analisados num processo, existe a culpa strito sensu como a negligência, imprudência e imperícia, que invariavelmente será provada através de perícia. Auditorias e Perícias As normativas que tratam de auditorias e perícias apresentam capítulos específicos no código de ética de odontológico. Destaca-se o art. 10 que constitui infração ética: I - deixar de atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou auditor, assim como ultrapassar os limites de suas atribuições e de sua competência. II - intervir, quando na qualidade de perito ou auditor, nos atos de outro profissional, ou fazer qualquer apreciação na presença do examinado, reservando suas observações, sempre fundamentadas, para o relatório sigiloso e lacrado, que deve ser encaminhado a quem de direito. III - acumular as funções de perito/auditor e procedimentos terapêuticos odontológicos na mesma entidade prestadora de serviços odontológicos. IV - prestar serviços de auditoria a pessoas físicas ou jurídicas que tenham obrigação de inscrição nos Conselhos e que não estejam regularmente inscritas no Conselho de sua jurisdição. V - negar, na qualidade de profissional assistente, informações odontológicas consideradas necessárias ao pleito da concessão de benefícios previdenciários ou outras concessões facultadas na forma da Lei, sobre seu paciente, seja por meio de atestados, declarações, relatórios, exames, pareceres ou quaisquer outros documentos probatórios, desde que autorizado pelo paciente ou responsável legal interessado. VI - receber remuneração, gratificação ou qualquer outro beneficio por valores vinculados à glosa ou ao sucesso da causa, quando na função de perito ou auditor. VII - realizar ou exigir procedimentos prejudiciais aos pacientes e ao profissional, contrários às normas de Vigilância Sanitária, exclusivamente para fins de auditoria ou perícia. VIII - exercer a função de perito, quando: a) for parte interessada. b) tenha tido participação como mandatário da parte, ou sido designado como assistente técnico de órgão do Ministério Público, ou tenha prestado depoimento como testemunha. c) for cônjuge ou a parte for parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o segundo grau; e, d) a parte for paciente, ex-paciente ou qualquer pessoa que tenha ou teve relações sociais, afetivas, comerciais ou administrativas, capazes de comprometer o caráter de imparcialidade do ato pericial ou da auditagem. Relação profissional-paciente A relação profissional-paciente se mantém presa a antigos princípios flexnerianos e vem se tornando cada vez mais impessoal, sendo o contato humano sumário, centrado no ato técnico e intermediado por relações comerciais, levando a uma falta de humanização no atendimento. No que diz respeito ao relacionamento com os pacientes é obrigação dos profissionais de esclarecer os propósitos, riscos, custos e alternativas do tratamento um deles. É considerada infração ética, conforme art. 11: I - discriminar o ser humano de qualquer forma ou sob qualquer pretexto. II - aproveitar-se de situações decorrentes da relação profissional/paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou política. III - exagerar em diagnóstico, prognóstico ou terapêutica. IV - deixar de esclarecer adequadamente os propósitos, riscos, custos e alternativas do tratamento. V - executar ou propor tratamento desnecessário ou para o qual não esteja capacitado. VI - abandonar paciente, salvo por motivo justificável, circunstância em que serão conciliados os honorários e que deverá ser informado ao paciente ou ao seu responsável legal de necessidade da continuidade do tratamento. VII - deixar de atender paciente que procure cuidados profissionais em caso de urgência, quando não haja outro cirurgião-dentista em condições de fazê-lo. VIII - desrespeitar ou permitir que seja desrespeitado o paciente; IX - adotar novas técnicas ou materiais que não tenham efetiva comprovação científica. X - iniciar qualquer procedimento ou tratamento odontológico sem o consentimento prévio do paciente ou do seu responsável legal, exceto em casos de urgência ou emergência. XI - delegar a profissionais técnicos ou auxiliares atos ou atribuições exclusivas da profissão de cirurgião-dentista. XII - opor-se a prestar esclarecimentos e/ou fornecer relatórios sobre diagnósticos e terapêuticas, realizados no paciente, quando solicitados pelo mesmo, por seu representante legal ou nas formas previstas em Lei. XIII - executar procedimentos como técnico em prótese dentária, técnico em saúde bucal, auxiliar em saúde bucal e auxiliar em prótese dentária, além daqueles discriminados na Lei que regulamenta a profissão e nas resoluções do Conselho Federal. XIV - propor ou executar tratamento fora do âmbito da Odontologia. Relação profissional-profissional Ao se tratar de relacionamento com a equipe de saúde, o código de ética de odontologia
Compartilhar