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Legado_Monografias_Da_Utopia_Estudantil_a_Acao_Politica_Ivan_Furmann

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IVAN FURMANN 
ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA POPULAR: DA UTOPIA 
ESTUDANTIL À AÇÃO POLÍTICA 
CURITIBA 
2003
 
IVAN FURMANN 
ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA POPULAR: DA UTOPIA 
ESTUDANTIL À AÇÃO POLÍTICA 
Monografia apresentada como 
requisito parcial à obtenção do grau 
de Bacharel em Direito, Curso de 
Direito, Setor de Ciências Jurídicas 
da Universidade Federal do Paraná. 
Orientadora: Profª. Drª. Katie Silene 
Cáceres Argüello 
CURITIBA 
2006 
 
 iii 
TERMO DE APROVAÇÃO 
 
 
 
IVAN FURMANN 
 
 
 
ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA POPULAR: DA UTOPIA ESTUDANTIL À 
AÇÃO POLÍTICA. 
 
 
 
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel no Curso de 
Direito. Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca 
examinadora. 
 
 
 
 
 
 
 
_____________________________________________________________ ________ 
PROF.ª DR.ª KATIE SILENE C. ARGÜELLO – UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ GRAU 
ORIENTADORA 
 
 
_____________________________________________________________ ________ 
PROF. DR. ÁBILI LÁZARO CASTRO E LIMA – UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ GRAU 
 
 
 
_____________________________________________________________ ________ 
PROF.ª MESTRE VERA KARAM CHUEIRI – UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ GRAU 
 
_____________________________________________________________ ________ 
PROF.ª DR. RICARDO MARCELO FONSECA – UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ GRAU 
(SUPLENTE) 
 
 
 
 
 
 
 
 
Curitiba - 2003 
 
 iv 
EPÍGRAFE 
 
 
 
 
 
 
O atributo de ‘utópico’ não é próprio da vontade política em geral, mas das vontades 
particulares que não sabem ligar o meio ao fim e, portanto, não são nem mesmo vontades, 
mas veleidades, sonhos, desejos, etc. 
Antonio GRAMSCI 
 
CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice no país das maravilhas. (trad. Sebastião Uchoa Leite). 
São Paulo: Cícrulo do Livro S.A., 1985. 
 
 v 
AGRADECIMENTOS 
 
 
À prof. Katie Argüello por ensinar que a ciência não é um caminho sem percalços. 
Ao exemplo de profissional e ser humano Joaquim Shiraishi Netto. 
À minha família, pelo apoio e pela compreensão. 
Aos amigos do SAJUP, aqueles que por falta de coragem não vou nomear para não esquecer 
de alguém. 
Aos companheiros da RENAJU. 
A todas as pessoas que participaram das atividades do SAJUP e me ensinaram muito. 
Principalmente, A Deus por ter me conservado durante todo este período e me dado 
descanso em seus braços. 
Às palavras não escritas... pois as regras metodológicas muitas vezes violentam o criativo. 
 
 vi 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
AJUP – Assessoria Jurídica Universitária Popular. 
CAHS – Centro Acadêmico Hugo Simas. 
CAJU/CE – Centro de Assessoria Jurídica da Universidade Federal do Ceará. 
Cajuína/UFPI – Centro de Assessoria Jurídica de Teresina – Universidade Federal do Piauí. 
CDH – Centro de Direitos Humanos. 
CPT – Comissão Pastoral da Terra . 
CR – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 
ENED – Encontro Nacional de Estudantes de Direito. 
NAJUC/UFCE – Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária da Universidade Federal do 
Ceará. 
NAJUP - Negro Cosme/UFMA – Núcleo de Assessoria Jurídica Negro Cosme da 
Universidade Federal do Maranhão. 
NAJUP-PUCRS – Núcleo de Assessoria Jurídica da Pontifícia Universidade Católica do Rio 
Grande do Sul. 
NMs – Novos Movimentos Sociais. 
ONGs – Organizações não-governamentais. 
PROCON – Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor. 
RENAJU – Rede Nacional de Assessoria Jurídica. 
SAJU-FDC/Curitiba – Serviço de Assessoria Jurídica da Faculdade Direito de Curitiba. 
SAJU-PUCAMP – Serviço de Assessoria Jurídica da Pontifícia Universidade Católica de 
Campinas 
SAJUP-UFPR – Serviço de Assessoria Jurídica Universitária Popular da Universidade 
Federal do Paraná 
SAJUs – Serviços de Assessoria Jurídica. 
SAJU-UFBA – Serviço de Apoio Jurídico da Universidade Federal da Bahia. 
SAJU-UFRGS – Serviço de Assessoria Jurídica da Universidade Federal do Rio Grande do 
Sul 
SAJU-UFS – Serviço de Auxilio Jurídico da Universidade Federal do Sergipe. 
SAJU-UNIFOR-CE – Serviço de Assessoria Jurídica da Universidade de Fortaleza. 
SAJU-USP – Serviço de Assessoria Jurídica da Universidade de São Paulo. 
UFBA – Universidade Federal da Bahia. 
UFPR – Universidade Federal do Paraná. 
 
 vii 
SUMÁRIO 
 
 
TERMO DE APROVAÇÃO ....................................................................................................i 
EPÍGRAFE ..............................................................................................................................iv 
AGRADECIMENTOS .............................................................................................................v 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................................vi 
SUMÁRIO...............................................................................................................................vii 
LISTA DE TABELAS...........................................................................................................viii 
RESUMO..................................................................................................................................ix 
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................1 
ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA: MARCOS TEÓRICOS...........................3 
I. Categorias do Pensamento de Antonio GRAMSCI ..........................................................3 
II. Educação Popular e PAULO FREIRE .........................................................................14 
III. O Direito e o resgate de sua dignidade por Roberto LYRA FILHO............................25 
ASSESSORIA JURÍDICA E ASSISTÊNCIA JURÍDICA.................................................41 
I. Extensão, Universidade e Direito...................................................................................41 
II. Método Tradicional de Extensão: Assistência ..............................................................47 
III. Método Inovador de Extensão: Assessoria..................................................................59 
IV. Práticas metodológicas educativas inovadoras em extensão ......................................72 
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................79 
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................81 
ANEXOS .................................................................................................................................91 
Anexo 01 ............................................................................................................................91 
ÍNDICE....................................................................................................................................95 
 
 
 
 viii 
LISTA DE TABELAS 
 
 
 
TABELAS PÁG. 
 
I. Concepção bancária de ensino ............................................................................................. 17 
 
II. População e Processos julgados em 1990 e 1998 ................................................................ 26 
 
III. Características dos Serviços Jurídicos na tipologia do Celso Fernandes Campilongo....... 57 
 
 
 
 
 
 ix 
RESUMO 
 
Na Assessoria Jurídica Universitária, a extensão universitária em Direito pretende inaugurar 
um novo diálogo com comunidades oprimidas pelo sistema social.Para a construção desse 
diálogo, propõe-se uma proposta de extensão universitária inovadora pautada nas teorizações 
de três grandes autores marxistas. Inauguram-se as reflexões com as idéias políticas de 
Antonio Gramsci, em seguida, aprecia-se a pedagogia do oprimido de Paulo Freire e, por fim, 
a teoria dialética do Direito de Roberto Lyra Filho. Essas teorizações fundamentam a 
cidadania e a participação popular como base para o desenvolvimento de uma estratégia 
pedagógica para a consecução de direitos. Logo, é possível relacionar duas propostas ideais de 
extensão universitária, denominadas ‘Assistência jurídica’ (a tradicional) e ‘Assessoria 
Jurídica’ (a inovadora). Não bastando a crítica ao modelo tradicional, expõe-se os princípios 
da Assessoria Jurídica e as questões relativas ao seu método educativo. Finalizando, relata-se 
experiências do SAJUP-UFPR auxiliando a formação de novos projetos de extensão 
inovadores em Direito. 
 
Palavras-Chaves: Extensão – Universidade – Diálogo – Democracia – Cidadania – 
Marxismo – Educação. 
 
Introdução 
 
A presente monografia parte de um problema concreto do cotidiano universitário: na 
atividade de extensão universitária em Direito predomina o referencial teórico tradicional 
assistencialista – corporificado no paradigma do escritório-modelo. Esse paradigma de 
extensão em Direito tenta conciliar a assistência social e a capacitação técnica dos estudantes. 
Entretanto fracassa em seus objetivos por não conseguir realizar uma das funções precípuas 
das atividades de extensão: o intercâmbio com a sociedade – o que pressupõe trocas nas quais 
o estudante se sensibiliza com os problemas sociais e os sujeitos da comunidade participam 
das decisões que lhes dizem respeito como cidadãos. Logo, o atual modelo assistencialista 
sonega aos ‘atendidos’ a participação na atividade de extensão, reificando a comunidade que 
passa a figurar como ‘objeto’ de tal atividade. 
Tendo como referência as limitações do modelo tradicional de extensão, surge uma nova 
proposta de extensão em Direito, proveniente do contato do movimento estudantil com 
diversos movimentos populares, denominada “Assessoria Jurídica Universitária Popular” 
(AJUP). 
Pautada em fundamentos multidisciplinares, a AJUP em poucas oportunidades teve seus 
referenciais e princípios enfrentados teoricamente. Em razão dessa falta de teorização, seguiu-
se a inconstância nas discussões, a perda da experiência e dos avanços teóricos dentro dos 
projetos de Assessoria Jurídica – o que se deve ao fato de que o movimento estudantil cumpre 
uma periodicidade, pois a cada cinco anos há a renovação de seus quadros. Antonio 
GRAMSCI já alertava sobre a importância da teoria: 
[Interessa] (...) construir sobre uma determinada prática uma teoria, a qual, coincidindo e 
identificando-se com os elementos decisivos da própria prática, acelere o processo 
histórico em ato, tornando a prática mais homogênea, coerente, eficiente em todos os seus 
elementos, isto é, elevando-a à máxima potência.1 
 
 
Urge, portanto, uma teorização dos avanços e dos retrocessos na construção deste novo 
modelo de extensão. A presente monografia intenta delinear a proposta da AJUP, recuperando 
a crítica ao modelo tradicional de extensão em Direito. 
Para isso, a monografia estrutura-se em dois capítulos. Em primeiro lugar, trabalhar-se-á 
com a ‘teoria da ação política’ de Antonio Gramsci. Desse corpo teórico, pretende-se 
 
 
2 
recuperar a estratégia da conquista hegemônica mediante a educação. Tal luta parte de 
atividades educativas organicamente ligadas aos oprimidos. Em seguida, manipular-se-á a 
‘Pedagogia do Oprimido’ de Paulo Freire, a qual tem fundamentado as atividades da AJUP. 
Seu método de ensino supera a idéia de reificação do educando, partindo do ato educativo 
dialogal ‘com’ (e não ‘para’) o oprimido. Por fim, para efetuar uma abordagem crítica do 
Direito que seja compatível com as atividades do novo modelo de extensão (AJUP), partir-se-
á da ‘teoria dialética do Direito’ de Roberto Lyra Filho, a qual restaura o método dialético de 
Marx e possibilita a contextualização histórica do fenômeno jurídico. 
O segundo capítulo iniciar-se-á com o tema da extensão universitária em Direito, expondo 
as principais características dessa atividade universitária. A seguir, apresentar-se-á o método 
tradicional de extensão, denominado ‘Assistência jurídica’, sendo criticadas suas 
características assistencialista e paternalista. Discutir-se-á também o novo método de extensão 
universitária, denominado ‘Assessoria jurídica’, e a elucidação de seus princípios e 
possibilidades. Por último, tratar-se-á da metodologia de ensino na Educação Popular inserida 
na prática da Assessoria jurídica. 
Enfim, neste trabalho pretende-se demonstrar a importância da extensão universitária como 
atividade potencializadora da luta pela efetivação dos direitos fundamentais. 
 
1
 GRAMSCI, Antônio. Concepção Dialética da História. (Trad. Carlos Nelson Coutinho). 3ª ed. Rio de Janeiro: 
Editora civilização brasileira, 1978, p.51. 
 
 
3 
ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA: marcos teóricos 
 
I. Categorias do Pensamento de Antonio GRAMSCI 
 
Apenas a Verdade é revolucionária. 
Antonio Gramsci 
 
A epígrafe deste capítulo demonstra o otimismo do intelectual e político Antonio Gramsci – 
otimismo que não reflete sua conturbada vida (aliás, o próprio Gramsci se intitulava “(...) 
pessimista pela inteligência mas um otimista pela vontade”2). Marxista (e líder do Partido 
Comunista Italiano) em tempos de fascismo, produziu grande parte de sua obra no cárcere, 
apresentando sua teoria em fragmentos3. Por isso, as interpretações do pensamento 
gramsciano nem sempre são coincidentes. Pode-se afirmar que “A maior contribuição de 
Antonio Gramsci ao marxismo é que ele sistematizou, a partir do que está implícito em Marx, 
uma ciência marxista da ação política”4. Não obstante as dificuldades, seus ricos 
apontamentos em muito auxiliam nas questões adiante enfrentadas. 
O conceito de Estado em Gramsci parte da necessidade de uma teorização inserta na idéia 
de totalidade. “En Gramsci, lo sabemos, no existe una separación (a no ser metodología) entre 
estructura y superestructura. En el análisis histórico se da una unidad que el método no puede 
romper sino didascálidamente”5. Tal proposta metodológica poderá ser apreciada em diversas 
de suas categorias teóricas. 
A expressão ‘Estado’ detém dois significados. Em seu significado restrito, ‘Estado’ 
significa ‘sociedade política’ ou ‘aparelho governamental’. Em sentido amplo, “(...) por 
‘Estado’ deve-se entender, além do aparelho governamental, também o aparelho ‘privado’ de 
‘hegemonia’ ou sociedade civil”6. Entende-se que: 
(...) ‘sociedade civil’, envolve ‘o conjunto de organismos, habitualmente internos e 
privados’, abarcando a complexidade das atividades culturais e ideológicas. O segundo 
denota a chamada ‘sociedade política ou Estado’, que corresponde ‘à função de 
‘hegemonia’ que o grupo dirigente exerce sobre o conjunto do corpo social e à da 
 
2
 GRAMSCI, Antonio. Cartas do Cárcere. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1978, p.143. 
3
 Neste sentido: CAUBET, Yannick. As idéias políticas de Antonio Gramsci. In: WOLKMER, Antonio Carlos. 
(org.) Introdução a história do pensamento político. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003, p. 350. 
4
 CARNOY, Martin. Estado e Teoria Política. 4ª ed. São Paulo: Papirus, 1994, p. 89. 
5
 PIÑON, Francisco. La modernidad de Gramsci: Del ‘Estado jurídico’ a la ‘sociedade regulada’ (uma refléxion 
sobre la anatomía delderecho. In: KROTZ, Esteban (org.) Antropología jurídica: perspectivas socioculturales en 
el estudio del derecho. Barcelona; Rubí: Anthropos Editorial; México, 2002, p. 286. 
6
 GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. (Trad. Luiz Mário Gazzaneo). Rio de Janeiro: 
Editora civilização brasileira, 1968, p.147. 
 
 
4 
‘dominação direta’. Este se ‘expressa por meio do Estado e do poder ‘jurídico’, 
abrangendo os órgãos de força e de coerção (...) Em Gramsci, o Estado não é somente 
‘sociedade política’, mas também ‘sociedade civil’, pois ele garantirá ‘ao proletariado o 
papel hegemônico na conquista do consenso’. (...) o Estado, para Gramsci, ‘é a sociedade 
política mais sociedade civil, ou seja, uma hegemonia protegida pela coerção’. 7 
 
Observe-se que para Gramsci “El Estado, por lo tanto, no era un simple ‘instrumento’ de la 
burguesía (...)”8 como até então era concebido pela maioria dos marxistas de sua época. Neste 
sentido, a ação política em Gramsci será pautada em sua concepção de Estado. Antes, porém, 
é necessário precisar o conceito de Revolução. 
No sentido em que é ordinariamente usado, ‘revolução’ quer dizer o emprego da força e 
da violência para derrubada de governo e tomada do poder por algum grupo, categoria 
social ou outra força qualquer na oposição. ‘Revolução’ tem aí o sentido que mais 
apropriadamente caberia ao termo insurreição. Mas ‘revolução’ tem também um 
significado de transformação do regime político-social que pode ser e em regra tem sido 
historicamente desencadeada ou estimulada por insurreições. Mas que necessariamente 
não o é. O significado próprio se concentra na transformação, e não no processo imediato 
através de que se realiza.9 [original sem grifos]. 
 
Revolução, portanto, não pode ser entendida apenas como a tomada do poder político, ou 
seja, o processo imediato, mas deve ser entendida como transformação qualitativa da 
sociedade. Poucos anos antes de Gramsci, Rosa de Luxemburgo10 polemizou ao defender a 
separação dos conceitos de ‘revolução’ e ‘reforma’11. Tal defesa se devia ao embate com o 
denominado revisionismo socialdemocrata alemão, o qual se tornou a doutrina predominante 
em sua época. A socialdemocracia adota a concepção de reforma: 
Ao que diz este, ‘a luta sindical e a luta política pelas reformas trarão um controle social 
cada vez mais vasto das condições de produção’ e, ‘por meio da legislação, rebaixarão 
cada vez mais o proprietário do capital, com a diminuição de seus direitos, ao papel de 
simples administrador’, até que, finalmente, um belo dia, ‘a direção e administração da 
 
7
 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 2ª. ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 
1995, p. 69 e 70-1. 
8
 PIÑON, Francisco. Op. Cit., p. 287. 
9
 PRADO JÚNIOR, Caio. A revolução brasileira. In: FERNANDES, Florestan & PRADO JR., Caio. Clássicos 
sobre a revolução brasileira. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2000., p. 25. 
10
 Em sentido contrário à influência de Rosa de Luxemburgo no pensamento de Gramsci Vide: ANDERSON, 
Perry. As antinomias de Gramsci. São Paulo: Editora Joruês, 1986, p.52-71. Adiante, porém, poder-se-á observar 
que os conceitos de guerra de posição e guerra de movimentos são uma alusão ao estudo de Rosa de 
Luxemburgo. 
11
 “É inteiramente falso e contrário à história representar-se o esforço pelas reformas unicamente como a 
revolução desdobrada, no tempo, e a revolução como uma reforma condensada. Não se distinguem uma 
transformação social e uma reforma legal pela duração, mas pelo conteúdo. É precisamente na transformação 
de simples modificações quantitativas em uma nova qualidade ou, mais concretamente falando, na passagem de 
um dado período histórico, de dada forma de sociedade, a outra, que reside todo o segredo das transformações 
históricas pela utilização do poder político”. LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revolução? (tradução Livio 
Xavier) São Paulo: Editora Expressão Popular, 1999, p. 96. Para melhor apreciar a argumentação de Rosa de 
Luxemburgo importa a leitura integral da obra: LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revolução? (tradução Livio 
Xavier) São Paulo: Editora Expressão Popular, 1999. 
 
 
5 
exploração sejam tiradas das mãos do capitalista, domesticado ao ver a sua propriedade ir 
perdendo cada vez mais qualquer valor para ele próprio’, sendo afinal introduzida a 
exploração coletiva.12 
 
Em sua argumentação, Rosa de Luxemburgo elenca duas importantes distinções. A primeira 
é relacionada aos objetivos da revolução e da reforma. A revolução objetiva a alteração do 
modo de produção – no caso a superação do modelo capitalista para a instalação de um modo 
de produção socialista. Já a reforma pretende apenas inovar na repartição dos bens dentro do 
modo de produção. A segunda distinção diz respeito à conscientização. Enquanto a revolução 
conscientiza para a superação da sociedade de classe, a reforma conscientiza para a defesa dos 
interesses de classe. O que distingue a reforma da revolução é seu objetivo final e não os 
processos imediatos. 
Gramsci retoma o conceito de revolução a partir da perspectiva de totalidade do processo 
“((...) que se possa considerar a Revolução terminada na Batalha de Valmy é uma afirmação 
insustentável)”.13 Assim, deve-se entender o conceito de revolução não apenas como tomada 
do poder político14 (ato final), mas a partir da totalidade do processo. 
Neste viés será possível observar, didaticamente, dois níveis de condições de uma 
revolução. O primeiro nível constitui-se nas condições objetivas: “A revolução, portanto, 
exige as condições objetivas, que são determinadas pelo desenvolvimento das relações de 
produção, pelo amadurecimento da contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas 
e as relações de produção (...)”.15 Tais condições são ditas objetivas porque independem da 
vontade do homem. O segundo nível constitui-se nas condições subjetivas: “ao mesmo 
tempo, a revolução exige a consciência, a iniciativa política, a intervenção do sujeito 
revolucionário, ou seja, da vanguarda proletária”.16 “En cambio, para el marxismo de 
Gramsci, el hombre era creador y gestor de historia. (...) Digámoslo com sus próprias 
 
12
 LUXEMBURGO, Rosa. Op. Cit., p. 41. Podemos dizer que “(...) se acentua nos anos 50 e 60 (...) a clara 
conversão dos partidos socialdemocratas em partidos puramente reformistas, partidos que não se propõem mais à 
superação da ordem social capitalista, mas apenas a melhorar o capitalismo, uma tendência, digamos, 
‘melhorista’.” COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci e a construção institucional da democracia. In: 
ARGÜELLO, Katie. Direito e Democracia. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1996, p. 63-4. 
13
 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, vol. 5. (Trad. Luiz Sérgio Henriques). Rio de Janeiro: Civilização 
brasileira, 2002, p.35. 
14
 “A teoria gramsciana combatia o ‘aventureirismo revolucionário’, o assalto suicida ao centro do poder, que as 
esquerdas teimavam em utilizar como única estratégia revolucionária”. CAUBET, Yannick. Op. Cit., p. 367. 
Freire propõe que “(...) numa visão dinâmica e não estática da revolução, ela não tem um antes e um depois 
absolutos, de que a chegada ao poder seria o ponto de divisão”. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. 
São Paulo: Paz e Terra, 1987, p. 133. 
15
 GRUPPI, Luciano. Conceito de hegemonia em Gramsci. (tradução Carlos Nelson Coutinho). Rio de Janeiro: 
Edições Graal, 1978, p. 38. 
16
 GRUPPI, Luciano. Op. Cit., p. 38. 
 
 
6 
palavras, (...) aquel que ‘pone siempre como máximo factor e historia, no los hechos 
económicos, en bruto, sino los hombres que se juntam entre sí, que se entienden entre sí, 
desarrolan a través de estos contactos (civilización)una voluntad social, coletiva y 
comprenden los hechos económicos y los juzgan y los conforman a su voluntad”.17 As 
estratégias de ação política revolucionária e a criação de condições subjetivas para revolução 
dependerão da coesão da sociedade civil.18 
As denominadas ‘crises de hegemonia’,19 em Gramsci, somente podem gerar uma revolução 
se estiverem presentes as condições objetivas e subjetivas. 
‘Se a classe dominante perdeu seu consenso, isto é, não é dirigente, mas apenas 
dominante, exercendo apenas a força coercitiva, isto significa exatamente que as grandes 
massas se separam de suas ideologias tradicionais e não mais crêem no que costumavam 
crer anteriormente, etc. A crise consiste em que o velho está morrendo e o novo não pode 
nascer’ (...) para Gramsci, a crise poderia levar à ação se estivesse presente a consciência 
das massas, prontas para entrarem em ação – consequentemente, seria o desenvolvimento 
dessa consciência que produziria a transformação revolucionária, e não a taxa decrescente 
de lucro. 20 [original sem grifos] 
 
Para a efetivação da revolução, em Gramsci, são necessárias: a criação de condições 
subjetivas (conscientização, consciência de classe); e a presença de condições objetivas 
(exploração, contradição entre modo de produção e forças produtivas). “Sem as condições 
materiais da revolução, é inútil a idéia de revolução, ‘já proclamadas centenas de vezes’. Mas 
sem a compreensão intelectual dessas condições materiais, a revolução permanece como um 
horizonte desejado, sem encontrar práticas que a efetivem”.21 
Atente-se, todavia, para a afirmação de Gruppi: “(...) a revolução é entendida por Gramsci – 
e ele continuamente o repete – como reforma intelectual e moral”.22 
Entretanto é possível encontrar em Gramsci a seguinte passagem: “Pode haver reforma 
cultural, elevação civil das camadas mais baixas da sociedade, sem uma precedente reforma 
econômica e uma modificação na posição social e no mundo econômico? Eis porque uma 
reforma intelectual e moral não pode deixar de estar ligada a um programa de reforma 
econômica. E mais, o programa da reforma econômica é exatamente o modo concreto através 
do qual se apresenta toda reforma intelectual e moral”.23 Por isso, não se pode entender o 
 
17
 PIÑON, Francisco. Op. Cit., p. 280. 
18
 Esclarecer-se-á este ponto quando se tratar da situação oriental e ocidental. 
19
 Vide: CAUBET, Yannick. Op. Cit., p. 373. 
20
 CARNOY, Martin. Op. Cit., p. 106. 
21
 CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980, p. 73. 
22
 GRUPPI, Op. Cit., p. 02. 
23
 GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno, p. 09. 
 
 
7 
conceito de revolução em Gramsci apenas como um processo cultural, pois aquele se figura 
como proposta total. 
Carlos Nelson Coutinho defende o termo reformismo-revolucionário para conceituar a 
revolução em Gramsci (termo o qual não se adotará aqui), sendo sua grande contribuição o 
destaque ao caráter processual24 (e total) da revolução. 
Gramsci desenvolve, a partir de seu conceito de revolução, duas estratégias de ação política. 
Denomina as duas estratégias de: ‘guerra de movimento’ e ‘guerra de posição’.25 A guerra de 
movimento é a estratégia insurrecionária, a tomada do poder político pela força. A guerra de 
posição figura-se como a luta pela consciência da classe operária. A relação das forças 
políticas numa sociedade depende dos vários ‘momentos’ ou ‘níveis’ de consciência política 
coletiva.26 Por isso, a estratégia revolucionária é traçada conforme a estruturação da sociedade 
civil. Duas situações ideais são propostas: situação ‘oriental’ e ‘ocidental’. Essa conceituação 
não está relacionada com posicionamento geográfico do Estado mas com a estruturação da 
sociedade civil. 
Se o movimento da transição ‘pelo alto’ é o Estado, isso significa que há uma tendência, 
em tais formações, ao fortalecimento do que Gramsci – no contexto de sua teoria 
ampliada de Estado – chama de ‘sociedade política’ (os aparelhos militares e burocráticos 
de dominação e de coerção), enquanto permanece subalterna a ‘sociedade civil’ (o 
conjunto de aparelhos ‘privados’ através dos quais uma classe ou um bloco de classe luta 
pela hegemonia e pela direção político-moral). Tais formações, em suma, seriam mais 
próximas do ‘Oriente’ do que do ‘Ocidente’. 27 No Ocidente, há equilíbrio entre os dois 
elementos: sociedade civil e Estado. No Ocidente, por isso, não basta conquistar o Estado, 
é preciso conquistar as trincheiras e as casamatas da sociedade civil. É por isso que no 
Oriente se pode fazer a guerra de movimento, enquanto no Ocidente se deve fazer a 
guerra de posição.28 
 
A estratégia para os países ocidentais, onde a sociedade civil se desenvolveu e se fortaleceu, 
seria a luta pela hegemonia (criação de condições subjetivas). “Quando o país apresenta uma 
sociedade civil rica e pluralista, a obtenção de uma ampla hegemonia deve preceder a tomada 
 
24
 Sobre o conceito de Revolução como processo Vide: GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado 
moderno, p. 47-8. 
25
 “A propósito das comparações entre os conceitos de guerra de movimento e guerra de posição na arte militar e 
os conceitos relativos na arte política, deve-se recordar o opúsculo de Rosa (ROSA DE LUXEMBURGO, Lo 
sciopero generale – il partito e i sindicati, S.E. “Avanti!”, Milão, 1919) (...)”. GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a 
política e o Estado moderno, p.71. 
26
 “O primeiro nível de consciência é a identificação profissional (...) O segundo nível se alcança quando há uma 
consciência da solidariedade de interesses entre todos os membros de uma classe social (...) No terceiro nível, o 
indivíduo se torna consciente de que seus próprios interesses corporativos transcendem os limites corporativos 
de uma classe econômica e se estendem a todos os grupos subordinados (...)”. CARNOY, Martin. Op.Cit., p. 
111-2. 
27
 COUTINHO, Carlos Nelson. As categorias de Gramsci e a realidade brasileira. In: BADALONI, Nicola; et 
alii. Gramsci e América Latina. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993, p. 116. 
 
 
8 
do Poder; a classe revolucionária já deve ser dirigente antes de ser dominante”.29 Importa, 
aqui, expor o conceito de hegemonia em Gramsci: 
(...) tem dois significados principais: o primeiro é um processo na sociedade civil pelo 
qual uma parte da classe dominante exerce o controle, através de sua liderança moral 
intelectual, sobre outras frações aliadas da classe dominante (...) O segundo é a relação 
entre as classes dominantes e as dominadas. A hegemonia compreende as tentativas bem 
sucedidas da classe dominante em usar sua liderança política, moral e intelectual para 
impor sua visão de mundo como inteiramente abrangente e universal, e moldar os 
interesses e as necessidades dos grupos subordinados. (...) A hegemonia não é uma força 
coesiva. Ela é plena de contradições e sujeita ao conflito.30 
 
Pela luta pela hegemonia, a ação política não se figura apenas em disputas estatais mas 
também na conquista de novos consensos. A partir do conceito gramsciano de luta pela 
hegemonia, surge a questão da socialização do conhecimento e da cultura. Gramsci destaca 
que: 
Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas 
‘originais’; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, 
‘socializá-las’ por assim dizer; transformá-las, portanto, em base de ações vitais, em 
elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fato de que uma multidão de 
homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente 
é um fato ‘filosófico’ bem mais importante e ‘original’ do que a descoberta, por parte de 
um ‘gênio filosófico’,de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de 
pequenos grupos intelectuais.31 
 
A educação das massas seria a principal tarefa na luta revolucionária para a conquista da 
hegemonia.32 “Gramsci (...) deu sempre, por exemplo, uma grande importância ao trabalho de 
educação, ao esforço para criar as condições subjetivas da ação revolucionária, rompendo 
com a passividade dos que confiavam apenas no amadurecimento espontâneo das condições 
objetivas”.33 [original sem grifos] 
 
28
 GRUPPI, Luciano. Op. Cit., p. 141. 
29
 COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia como valor universal. São Paulo: Livraria Editora Ciências 
Humanas, 1980, p. 55. No mesmo sentido: CAUBET, Yannick. Op. Cit., p. 367. 
30
 CARNOY, Martin. Op. Cit., p. 95. “A hegemonia se coloca, articulando-se com a cultura, com a necessidade 
da elaboração crítica de uma nova concepção de mundo, realizada pela imbricação da organização política com o 
resgate e a crítica da história do pensamento, do esforço coletivo que se efetivou para que se formasse o modo de 
pensar atual”. MALISKA, Marcos Augusto. Os operadores jurídicos enquanto intelectuais orgânicos. In: 
ARRUDA Jr., Edmundo Lima de. & BORGES FILHO, Nilson. Gramsci: Estado, Direito e Sociedade. 
Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1995, p. 76. 
31
 GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História, p.13-4. 
32
 “Isso nos diz que o conceito de hegemonia é apresentado por Gramsci em toda sua amplitude, isto é, como 
algo que opera não apenas sobre a estrutura econômica e sobre a organização política da sociedade, mas também 
sobre o modo de pensar, sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o modo de conhecer”. GRUPPI, 
Luciano. Op. Cit., p. 03. 
33
 COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia como valor universal, p. 46-7. 
 
 
9 
Para Gramsci, a educação das massas visa à superação do senso comum. Necessário, assim, 
é superar as características do senso comum que impedem a massa de tomar atitudes 
conscientes da luta de classes, sendo tais características: ambigüidade, heterogeneidade, 
fragmentariedade, acriticidade, imediaticidade e dogmaticidade.34: 
a) Ambigüidade: Convivem, no senso comum popular, sem entrar em contradição, 
elementos conservadores e progressistas (que avaliados a partir de uma visão totalizadora se 
negariam) fato que se deve à falta de criticidade por parte do popular. Logo, a contradição (no 
sentido dialético marxista) desses elementos não ocorre no pensamento popular. 
b) Heterogeneidade: Relaciona-se com a questão do conteúdo do senso comum popular, 
formado por elementos de origens não-conciliáveis. Retoma Gramsci o “(...) conceito de 
bricolage, empregado por Lévi-Strauss (...) consiste em assumir elementos da cultura 
dominante para reelaborá-los, ligá-los de modo diferente, até fazê-los assumir significado 
diferente ou mesmo oposto, mas se conservando, no conjunto, no terreno indicado pela 
cultura hegemônica”.35 
c) Fragmentariedade: Diferencia-se do conceito de heterogeniedade porque analisa a 
relação da parte com o todo e não mais em relação às demais partes existentes. Gramsci, ao 
contrário, fundamenta suas idéias na totalidade: a “(...) filosofía política [de Gramsci] es, 
eminentemente, una filosofia de la totalidad: no está fragmentada en parcelas, sino que se 
integra como un todo en lo filosófico-histórico, siguiendo los passos de Hegel y Croce”.36 
d) Acriticidade: A acriticidade se relaciona com a falta de consciência em relação à posição 
histórica. É a falta de consciência de classe, de uma possível mudança da sociedade, da 
condição de explorado na ordem social capitalista. A acriticidade é uma característica 
histórica e, portanto, superável. 
e) Imediaticidade: É fruto da sensação bruta do povo (empirismo vulgar). O senso comum 
forma uma série de juízos causais simplórios e imediatos. O senso comum se baseia no que 
está próximo e sensível. Não há tempo de maturação da idéias, consistente em uma análise 
reflexiva. Reforça, assim, a acriticidade e a ambigüidade no pensamento popular. 
f) Dogmaticidade: Ávido por certezas absolutas, o senso comum é carente de crítica pois se 
forma através de uma lógica formal, absolutizando ‘verdades’ peremptórias e, 
freqüentemente, distorcidas. Assim, o senso comum se contenta com o utilitário e imediato, 
 
34
 Cf. JANTSCH, Ari Paulo; SCHAEFER, Sérgio. O conhecimento popular. Petrópolis: Vozes, 1995. 
35
 GRUPPI, Luciano. Op. Cit., p. 91-2. 
36
 PIÑON, Francisco. Op. Cit., p.282-3. 
 
 
10 
por conseguinte absolutizando verdades sensorialmente captadas com o intuito de obter 
melhores resultados fundamentados na lógica da eficiência. 
A fim de superar o senso comum, Gramsci aponta um núcleo sadio do pensamento popular, 
o qual denomina ‘bom senso’. Esse núcleo seria a base para a superação do senso comum. 
Gramsci, ao observar o significado dos termos de ‘filosofia’ e ‘filosoficamente’ no 
pensamento popular, aponta que: 
(...) se poderá perceber que estes têm um significado muito preciso, a saber, o de 
superação das paixões bestiais e elementares por uma concepção da necessidade que 
fornece à própria ação uma direção consciente. Este é o núcleo sadio do senso comum, o 
que poderia ser chamado de bom senso, merecendo ser desenvolvido e transformado em 
algo unitário e coerente..37 [original sem grifos] 
 
Logo, a crítica e superação do senso comum devem partir do conhecimento popular. Uma 
educação crítica precisa “basear-se sobre o senso comum para demonstrar que ‘todos’ são 
filósofos e que não se trata de introduzir ex novo uma ciência na vida individual de ‘todos’, 
mas de inovar e tornar ‘crítica’ uma atividade já existente”.38 “Trata-se, portanto, de elaborar 
uma concepção nova, que parta do senso comum, não para se manter presa ao senso comum, 
mas para criticá-lo, depurá-lo, unificá-lo e elevá-lo àquilo que Gramsci chama de bom senso, 
que é para ele a visão crítica do mundo”.39 [original sem grifos] 
A superação do senso comum cria condições subjetivas para a práxis revolucionária40. “A 
consciência de fazer parte de uma determinada força hegemônica (isto é, a consciência 
política) [que] é a primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e 
prática finalmente se unificam”.41 A consciência de classe e o conhecimento crítico dão 
sentido à prática revolucionária, tornando-a consciente. 
O proletariado (...) não pode tomar o poder, transformar a sociedade e construir o 
socialismo senão por uma série de ações deliberadas e conscientes. O conhecimento 
objetivo da realidade, da estrutura econômica e social, da relação de forças e da 
conjuntura política é, portanto, uma condição necessária de sua prática revolucionária; em 
outras palavras: a verdade é uma arma de seu combate, que corresponde a seu interesse de 
classe sem a qual ele não pode prosseguir. Como escrevia Gramsci no lema de seu Ordine 
Nuovo, ‘Somente a verdade é revolucionária’.42 
 
 
37
 GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História, p.16. 
38
 GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História, p.18-9. 
39
 GRUPPI, Luciano. Op. Cit., p. 69. 
40
 Cf. CAUBET, Yannick. Op. Cit., p.362. 
41
 GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História, p.21. 
42
 LÖWY, Michel. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen. Marxismo e positivismo na 
sociologia do conhecimento. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 1998, p. 208-9. “Por isto é que somente os oprimidos, 
libertando-se, podem libertar os opressores. Estes, enquanto classe que oprime, nem libertam, nem se 
libertam”. FREIRE, Paulo.Pedagogia do Oprimido, p. 43. [original sem grifos] 
 
 
11 
Gramsci denomina Catarse o momento de tomada de consciência de classe, ou seja, o 
momento em que o sujeito abandona as posições do senso comum para se tornar crítico. 
Pode-se empregar a expressão ‘catarsis’ para indicar a passagem do momento puramente 
econômico (ou egoísta-passional) ao momento ético-político, isto é, a elaboração superior 
da estrutura em superestrutura na consciência dos homens. Isto significa, também, a 
passagem do ‘objetivo ao subjetivo’ e da ‘necessidade à liberdade’. A estrutura da força 
exterior que subjuga o homem, assimilando-o e o tornando passivo, transforma-se em 
meio de liberdade, em instrumento para criar uma nova forma ético-política, em fonte de 
novas iniciativas.43 
 
Na tarefa da superação do senso comum, Gramsci faz alusão à intervenção de uma categoria 
especial de sujeito: o ‘intelectual orgânico’. Inicialmente, porém, é necessário expor o 
entendimento de Gramsci sobre a categoria ‘intelectual’. Todo homem pode ser intelectual,44 
pois “(...) não existe uma classe independente de intelectuais, mas todo o grupo social tem 
uma própria camada de intelectuais ou tende a formar uma para si (...)”45. O intelectual será 
sempre ligado a um grupo social. “Segundo Gramsci, ‘cada grupo social, nascendo sobre o 
terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao 
mesmo tempo e organicamente, um ou mais grupos de intelectuais que lhe dão 
homogeneidade e consciência da própria função não só no campo econômico, mas também no 
campo social e político”46. Intelectual é a pessoa que encaminha o grupo social para a 
superação do senso comum a partir de sua postura crítica. Nas expressão de Gruppi, “(...) os 
intelectuais são mediadores do consenso”47. 
Existem três categorias de intelectuais. A primeira está ligada ao conceito de intelectual 
tradicional. Este intelectual caracteriza-se por pertencer a uma classe que outrora detinha 
a hegemonia. A segunda estuda o intelectual enquanto ‘intelectual orgânico do status 
quo’. Este desenvolve seu trabalho na manutenção da ordem vigente. Está em constante 
confronto com a terceira categoria de intelectual, ou seja, o ‘intelectual orgânico da 
transformação’. Este último trabalha na perspectiva da construção de uma nova 
hegemonia e com a conseqüente transformação do bloco histórico. Ligado às classes 
dominadas, o ‘intelectual orgânico da transformação’ é o agente social que forma 
consciência crítica dentre de seus grupos sociais de origem, integrando, aglutinando, 
 
43
 GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História, p. 53. Vide também: COUTINHO, Carlos Nelson. A 
democracia como valor universal, p. 48. 
44
 “Todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer então; mas nem todos os homens desempenham na 
sociedade a função de intelectuais”. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura, p.07. Paulo 
Freire no mesmo sentido: “Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe 
falta ainda muito caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há 
ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais”. FREIRE, Paulo. 
Pedagogia do Oprimido, p. 81. 
45
 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, vol. 5, p.64. 
46
 MANFREDI, Silvia M. A educação popular no Brasil: uma releitura a partir de Antonio Gramsci. In: 
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A questão política da Educação Popular. 2ª. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 
1980, p. 52. 
47
 GRUPPI, Luciano. Op. Cit., p. 80. 
 
 
12 
cooptando um bloco intelectual e grandes e pequenos intelectuais. Tais intelectuais não se 
limitam a elaborar racionalmente novas concepções de mundo e divulgá-las, mas 
comportam uma permanente crítica em relação às ideologias do passado, e a seus 
intelectuais, tradicionais.48 
 
Neste ínterim, Gramsci trabalha o conceito de Ideologia. Antes de Gramsci, ideologia era 
um termo empregado, por interpretações marxistas heterodoxas, como falsa consciência 
(imagem invertida). Gramsci revive o lado sadio do conceito de ideologia. “Gramsci distingue 
entre dois tipos de ideologias: 1) as elocubrações (sic) metafísicas inventadas por certos 
indivíduos, arbitrárias e ilusórias; 2) as ideologias historicamente orgânicas que são 
necessárias a uma certa estrutura, isto é, aquelas que constituem ‘uma concepção de mundo 
que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as 
manifestações da vida individual e coletiva’.”49 Em seu segundo sentido, ideologia pode ser 
aquela do status quo ou aquela de uma nova ordem social. 
O ‘intelectual orgânico da transformação’, para se configurar enquanto tal, precisa estar 
organicamente ligado ao popular (proletariado e sua ideologia). Um intelectual merece o 
nome de ‘orgânico da transformação’: 
(...) na medida em que, no trabalho de elaboração de um pensamento superior ao senso 
comum e cientificamente coerente, jamais se esquece de permanecer em contato com o 
‘simples’ e, melhor dizendo, encontra neste contato a fonte dos problemas que devem ser 
estudados e resolvidos (...).50 A organicidade dos intelectuais não depende em princípio 
de sua origem de classe. Mas sua articulação tende a dar-se com uma das classes 
fundamentais. (...) o material de trabalho dos intelectuais que se querem unir aos esforços 
das classes populares deve ser a história mesma de suas lutas e não o debate de teses 
ideológicas. Não basta uma aproximação mental. Ela deveria ser mais profunda e 
existencial.51 
 
Entretanto, Gramsci lamenta que as Universidades não desempenhassem, em seu tempo, a 
função de criação de intelectuais orgânicos ou de atividades contra-hegemônicas: “(...) deve-
se notar que em todos os países (...) existe uma grande cisão entre as massas populares e os 
intelectuais (...) A Universidade, com exceção de alguns países, não exerce nenhuma função 
unificadora (...)”52. A experiência de Gramsci com as tentativas de aproximação da 
 
48
 MALISKA, Marcos Augusto. Op. Cit., p. 82. Gramsci analisa a situação dos intelectuais em diversos países, 
inclusive na América Latina, em: GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. (Trad. Carlos 
Nelson Coutinho). 8ª ed. Rio de Janeiro: Editora civilização brasileira, 1991, p.21 e Ss. 
49
 LÖWY, Michel. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen(...), p.135. Vide também: 
GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História, p. 62-3. 
50
 GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História, p.18. Vide também: Ibid., p. 138-9. 
51
 MALISKA, Marcos Augusto. Os operadores jurídicos enquanto intelectuais orgânicos, p. 87. 
52
 GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História, p.29. 
 
 
13 
Universidade ao popular não foram estimulantes. Em geral, aponta como principal problema 
do contato entre universidade e o popular a questão da falta de organicidade53. 
Por fim, a relação que Gramsci propõe entre a democracia e o socialismo é um dos pontos 
mais debatidos (e incompreendidos) em seu pensamento54. Gramsci esclarece sua posição na 
seguinte passagem: 
Entre os muitos conceitos significados de democracia, parece-me que o mais realista e 
concreto é aquele que se pode deduzir em conexão com o conceito de ‘hegemonia’. No 
sistema hegemônico, existe democracia entre o grupo dirigente e os grupos dirigidos na 
medida em que o desenvolvimento da economia, e por conseguinte da legislação, que 
exprime este desenvolvimento, favorece a passagem (molecular) dos grupos dirigidos ao 
grupo dirigente. Existia no Império Romano uma democracia imperial-territorial na 
concessão da cidadania aos povos conquistados,etc. Não podia existir democracia no 
feudalismo em virtude da constituição dos grupos fechados, etc.55 
 
A preocupação em discutir inicialmente a dicotomia reforma e revolução influi diretamente 
neste ponto. Gramsci “(...) não admitia de forma alguma a ‘via parlamentar’ para a tomada do 
poder (...)”56. Uma interpretação diversa se esvairia diante de sua proposta revolucionária de 
guerra de posições, conquista da hegemonia e conscientização do popular para superação do 
senso comum. Isto porque bastaria a conquista do poder político via eleições para a 
consecução de uma nova sociedade, o que é ilusório57. 
“Temos aqui a relação democracia-socialismo: o desenvolvimento da democracia, inclusive 
nos limites burgueses, aparece como condição de luta e de passagem ao socialismo”58. 
“Podemos concluir esse rápido esboço afirmando que a relação da democracia socialista com 
a democracia liberal é uma relação de superação (Aufhebung): a primeira elimina, conserva e 
eleva a nível superior as conquistas da segunda”59. 
É na busca desse novo nível de democracia, que não se pode dar sem a mudança do sistema 
econômico, que se fundamenta a estratégia revolucionária de Gramsci. Uma sociedade 
construída sobre as bases de uma democracia substancial, na qual apreciar-se-ia o fim da 
exploração de homens sobre homens. Como se observou, a mudança tem início, portanto, com 
a criação das condições subjetivas da revolução, ou seja, com a abertura de horizontes críticos 
 
53
 Cf. GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História, p. 18. 
54
 Vide: CAVALCANTE, Lia Freitas. Gramsci: Socialismo e Democracia. In: Seqüência, nº 42, julho de 2001, 
pp. 29-52. Florianópolis: CPGD, 2001. 
55
 GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno, p.183. 
56
 CAUBET, Yannick. Op. Cit., p. 369. 
57
 No mesmo sentido Vide: LUXEMBURGO, Rosa. Op. Cit., p. 92-3. 
58
 GRUPPI, Luciano. Op. cit., p. 09. 
59
 COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia como valor universal, p. 31. 
 
 
14 
para os oprimidos através da superação do senso comum. Para a AJUP importa a conquista da 
hegemonia através da educação para o exercício dos direitos fundamentais. 
Esse primeiro passo na criação de condições subjetivas para a mudança social profunda 
pode ser dado através do diálogo entre a crítica produzida dentro da Universidade e o bom 
senso presente nas camadas oprimidas da população. Todavia esse diálogo não pode ocorrer 
de qualquer forma. Por isso, é necessário estar atento à forma de extensão que se pretende 
efetivar. A extensão pode ter um sentido inovador quando estruturada a partir de reflexões 
condizentes com uma proposta dialogal. Assim, as observações sobre o método de ensino em 
Paulo Freire complementam a ação política em Gramsci. 
 
 
15 
II. Educação Popular e PAULO FREIRE 
 
Não há palavra verdadeira que não seja práxis. 
Paulo Freire 
 
Inicialmente, interessa retomar um dos problemas trazidos por Gramsci. Sendo possível 
desenvolver a consciência crítica do povo, superando o senso comum, qual seria a forma de 
realizar tal tarefa? 60 O próprio Gramsci oferece uma resposta à questão, da seguinte maneira: 
“Este problema pode e deve ser relacionado com a colocação moderna da doutrina e da 
prática pedagógicas, segundo as quais a relação entre professor e aluno é uma relação ativa, 
de vinculações recíprocas, e que, portanto, todo professor é sempre aluno e todo aluno, 
professor” 61 [original sem grifos]. Infelizmente o mestre italiano não aprofundou seus estudos 
pedagógicos, o que leva à necessidade de socorro em outro referencial teórico para suprir tal 
vazio. 
Antes, porém, importante perspectiva é dada por Buber, ao comentar sobre a importância da 
‘forma’ de ensino relativo à noção de ‘comunidade’. Assim se expressa: “Sem dúvida, embora 
tal ensino seja importante, o seu caráter é muito mais importante que o seu conteúdo de 
comunidade... Em outras palavras, o fato de o professor ensinar comunidade de modo 
comunitário, ‘comunialmente’, ou, então, que ele faça, acima de tudo, aquilo que é o alfa de 
toda a educação, o contexto educacional que em vez de ser uma tarefa a que o professor se 
impõe é algo que ele revela”62. A ‘forma’ de ensinar pode ser, em diversos casos, tão ou mais 
importante do que o conteúdo ensinado. 
Para uma abordagem sobre a ‘forma’ de ensino vale-se, nesta monografia, do professor 
Paulo Freire, reconhecida referência nacional e internacional. Infelizmente, sob pretexto de 
utilizar suas teorias, diversas interpretações distorcidas surgiram. Essas interpretações 
acabaram afastando certas camadas de intelectuais da teoria freiriana. Os juristas ali se 
incluem, em geral, desconhecendo a proposta pedagógica de Paulo Freire. Esse fato deve-se 
em parte pelo aludido preconceito criado, mas principalmente devido ao isolamento teórico 
(ou seria retórico!?) do Direito. Importa destacar que Paulo Freire não fundou apenas um 
 
60
 Sobre a problematização do método de ensino para produção da autonomia intelectual Vide: GRAMSCI, 
Antonio. Concepção Dialética da História, p.12. 
61
 GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História, p.37. 
62
 BUBBER, Martin. Sobre Comunidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987, p. 99. 
 
 
16 
método de alfabetização (como muitos pensam) mas, sobretudo, um método de ensino. 
Contudo seu método de ensino parte, precisamente, do ‘ato de ler’. 
O ‘ato de ler’ é conceito elucidativo da teoria de Paulo Freire. “Ler é reescrever o que 
estamos lendo. É descobrir a conexão entre o texto e o contexto do texto, e também vincular o 
texto/contexto com o meu contexto, o contexto do leitor”63. Para se ler, não basta apenas 
‘verbalizar’ os fonemas ou conformar signos e significados. É preciso contextualizar na vida 
prática, cotidiana, o texto ao contexto do leitor. 
Ler um texto é relacioná-lo com o mundo64. Aprender a ler não significa apenas aprender a 
ler a palavra (significado) mas também consiste em ler o mundo. “A leitura do mundo precede 
a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da 
leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a 
ser alcançada por sua leitura crítica implica percepção das relações entre o texto e o 
contexto”65. Logo, os analfabetos para Paulo Freire são pessoas que, apesar de lerem palavras, 
não conseguem ler o mundo. 
De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é 
apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma certa forma de ‘escrevê-lo’ ou de 
‘reescrevê-lo’, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente. (...) É 
neste sentido que a leitura crítica da realidade, dando-se num processo de alfabetização 
ou não e associada sobretudo a certas práticas claramente políticas de mobilização e de 
organização, pode constituir-se num instrumento para que o que Gramsci chamaria de 
ação contra-hegemônica. 66 [original sem grifos] 
 
A leitura do mundo não é um ato simples. Existe uma luta que a precede. A luta entre a 
ideologia dominante e uma nova ideologia que busca tornar o homem crítico (em Gramsci 
luta pela hegemonia e superação do senso comum). Algumas atitudes do popular refletem 
essa luta. Entre elas se destaca o chamado ‘medo da liberdade’ em que os populares: “(...) 
numa atitude em que manifestam o seu ‘medo da liberdade’, se referem ao que chamam de 
‘perigo da conscientização’. ‘A consciência crítica (... dizem ...) é anárquica’ (...)”67. 
 
63
 FREIRE, Paulo & SHOR, Ira. Medo e Ousadia (O cotidiano do Professor). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, 
p. 22. 
64
 Neste sentido o emprego do termo'analfabetismo funcional' foi disseminado pela Unesco desde o ano de 1958, 
ilustrando a observação de Paulo Freire. Cf. RIBEIRO, Vera Masagão. A promoção do alfabetismo em 
programas de educação de jovens e adultos. In: RIBEIRO, Vera Masagão (org.). Educação de jovens de adultos: 
novos leitores, novas leituras. Campinas SP: Mercado das Letras; São Paulo: Ação Educativa, 2001, p. 46. 
65
 FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 18ª ed. São Paulo: Autores 
Associados: Cortez, 1987, p. 11-2. 
66
 Ibid., p.22-4. 
67
 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 23. Vide também: WREN, Brian. Educação para Justiça. São 
Paulo: Edições Loyola, [S.D.], p. 90. 
 
 
17 
Paulo Freire traz dois conceitos que esclarecem as atitudes do popular. O primeiro ele 
denomina: “Prescrição. Toda prescrição é a imposição da opção de uma consciência a outra. 
Daí, o sentido alienador das prescrições que transformam a consciência recebedora no que 
vimos chamando de consciência ‘hospedeira’ da consciência opressora. (...) o comportamento 
dos oprimidos é um comportamento prescrito. Faz-se à base de pautas estranhas a eles – as 
pautas dos opressores”68. Aliás, em Gramsci já se pode observar tal crítica: 
O homem ativo de massa atua praticamente, mas não tem uma clara consciência teórica 
desta sua ação, que, não obstante, é um conhecimento do mundo na medida em que o 
transforma. (...) É quase possível dizer que ele tem duas consciências teóricas (ou uma 
consciência contraditória): uma, implícita em sua ação, e que realmente une a todos os 
seus colaboradores na transformação prática da realidade; e outra, superficialmente 
explícita ou verbal, que ele herdou do passado e acolheu sem crítica.69 
 
A partir da prescrição o segundo conceito surge – qual seja, o conceito de ‘aderência’. “O 
‘homem novo’, em tal caso, para os oprimidos, não é o homem a nascer da superação da 
contradição, com a transformação da velha situação concreta opressora, que cede seu lugar a 
uma nova, de libertação. Para eles, o novo homem são eles mesmos, tornando-se opressores 
de outros. A sua visão do homem novo é uma visão individualista. A sua aderência ao 
opressor não lhes possibilita a consciência de si como pessoas, nem a consciência da classe 
oprimida”70. 
Por outro lado, o opressor, em relação ao oprimido, adota a ‘falsa generosidade’. Esta 
atitude fundamenta a assistência e o assistencialismo71. Nesse caso: 
(...) o poder dos opressores, quando se pretende amenizar ante a debilidade dos 
oprimidos, não apenas quase sempre se expressa em falsa generosidade, como jamais a 
ultrapassa. Os opressores, falsamente generosos, têm necessidade, para que a sua 
‘generosidade’ continue tendo oportunidade de realizar-se, de permanência da injustiça. 
A ‘ordem’ social injusta é fonte geradora, permanente, desta ‘generosidade’ que se nutre 
da morte, do desalento e da miséria (...) a verdadeira generosidade está em lutar para que 
desapareçam as razões que alimentam o falso amor.72 
 
 
68
 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 34. “São eles e ao mesmo tempo são o outro introjetado neles, 
como consciência opressora. Sua luta se trava entre serem eles mesmo ou serem duplos. Entre expulsarem ou 
não o opressor de ‘dentro’ de si. Entre se desalienarem ou se manterem alienados”. Ibid., p.35 
69
 GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História, p.20. 
70
 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 33. “E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao 
buscarem recuperar sua humanidade que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente opressores, nem 
se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade de ambos”. Ibid., p.30. 
71
 “(...) a solidariedade verdadeira com eles está em com eles lutar para a transformação da realidade objetiva que 
os faz ser este ‘ser para outro’.” FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 36. 
72
 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 31. A ciência ‘oficial’ também exerce o papel de ‘opressor’ num 
viés elitista, vide: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O ardil da ordem: caminhos e armadilhas da educação popular. 
Campinas: Papirus, 1983, p.15. 
 
 
18 
Neste contexto, Paulo Freire cria um método de ensino inovador, um método 
problematizador (o que depois será a base da Educação Popular). Antes de ater-se a esse 
método, vale elucidar o uso da expressão ‘método’.73 Para Paulo Freire: 
O método é, na verdade (diz o professor Álvaro Vieira Pinto), a forma exterior e 
materializada em atos, que assume a propriedade fundamental da consciência: a sua 
intencionalidade. O próprio da consciência é estar no mundo e este procedimento é 
permanente e irrecusável. Portanto, a consciência é, em sua essência, um ‘caminho para’ 
algo que não é ela, que está fora dela, que a circunda e que ela apreende por sua 
capacidade ideativa. Por definição, a consciência é, pois, método, entendido este no seu 
sentido de máxima generalidade. Tal é a raiz do método, assim como tal é essência da 
consciência, que só existe enquanto faculdade abstrata e metódica.74 [original sem grifos] 
 
Para construir um novo método pedagógico, Freire parte de uma crítica ácida ao que ele 
denomina como ‘ensino bancário’. “Na visão ‘bancária’ da educação, o ‘saber’ é uma doação 
dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das 
manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que 
constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre 
no outro”75. A crença na ignorância do educando é o fundamento da educação bancária76. O 
educando ignorante e submisso é o educando objeto. O educando onde se depositarão 
conteúdos, como se depositam valores em um cofre. O educando objeto é o educando 
domesticado. Acima de tudo é o educando incapaz de ser sujeito. “(...) a narração os 
transforma em ‘vasilhas’, em recipientes a serem ‘enchidos’ pelo educador. Quanto mais vá 
‘enchendo’ os recipientes com seus ‘depósitos’, tanto melhor educador será”77. Freire resume 
a posição do educador e do educando da seguinte maneira: 
CONCEPÇÃO BANCÁRIA DE ENSINO 
PAPEL DO EDUCADOR PAPEL DOS EDUCANDOS 
educa são educados 
 
73
 “MÉTODO – (Do gr. méthodos, ‘caminho para chegar a um fim’) 1. Caminho pelo qual se atinge um objetivo. 
(...) 3. Processo ou técnica de ensino: método direto. (...)” FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo 
Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p.1128. Vide também: 
LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. [trad. Fátima Sá Correia, et alii] São Paulo: 
Martins Fontes, 1993, p. 679. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, 
p. 532. Aqui, método será usado no sentido de ‘forma intencional’. 
74
 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. p. 56. 
75
 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 58. 
76
 É possível encontrar algumas charges sobre a questão do ensino bancário em: FREIRE, Paulo; CECCON, 
Claudius; OLIVEIRA, Miguel Darcy de; OLIVEIRA, Rosiska Darcy de. Vivendo e Aprendendo (experiências 
do Idac em educação popular). 6ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983, p. 107-122. 
77
 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 58. Atente-se que “(...) temos que reconhecer que nem todos os 
tipos de aulas expositivas pode ser consideradas educação ‘bancária’. Você pode ser muito crítico fazendo 
preleções. (...) O educador libertador iluminará a realidade mesmo com aulas expositivas”. FREIRE, Paulo & 
SHOR, Ira. Medo e Ousadia, 1986, p. 53-4. 
 
 
19 
sabe não sabem 
pensa são pensados 
diz a palavra escutam docilmente 
disciplina são disciplinados 
opta e prescreve sua opçãoseguem a prescrição 
atua ilude-se, acreditando atuar 
escolhe o conteúdo programático não são ouvidos e se acomodam ao conteúdo 
identifica autoridade do saber com a autoridade 
funcional 
adaptam-se as determinações do educador 
é o sujeito do processo educativo são os objetos do processo educativo 
Fonte: Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987, p. 59. 
 
As características do ensino bancário demonstram a sua estreita ligação com a ideologia 
dominante. Aquelas figuram um aparato simbólico para a dominação. O educando quando 
reificado se desumaniza. Porém não só o educando é desumanizado: o processo também 
desumaniza o professor, o qual não consegue aprender enquanto ensina. A educação, pelo 
viés tradicional, é uma atividade de opressão, de imposição e de submissão78. Paulo Freire, ao 
denunciar o método bancário, expôs a questão política da educação. Assim, “(...) o que 
pretendem os opressores ‘é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que 
oprime’, e isto para que, melhor adaptando-se a esta situação, melhor dominem. Para isto se 
servem da concepção e da prática ‘bancárias’ da educação, a que juntam toda uma ação social 
de caráter paternalista, em que os oprimidos recebem o nome simpático de ‘assistidos’.” 79 O 
ensino bancário é a base de uma ação antidialógica que se pautará em: conquista; divisão para 
manter a opressão; manipulação; invasão cultural80. 
Por isso, Paulo Freire propõe um novo método de ensino que não parta da crença da 
ignorância do educando. “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se 
educam entre si, mediatizados pelo mundo”81. “‘Não há educadores puros’, pensou Paulo 
Freire. ‘Nem educandos’. De um lado e do outro do trabalho em que se ensina-e-aprende, há 
sempre educadores-educandos e educandos-educadores. De lado a lado se ensina. De lado a 
lado se aprende”82. Neste sentido FOUCAULT elucida: 
(...) o que os intelectuais descobriram desde o avanço recente é que as massas não têm 
necessidade deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que 
 
78
 Vide: CAPALBO, Creusa. Ideologia e Educação. São Paulo: Convívio, 1978, p. 54 e Ss. 
79
 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 60. 
80
 Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 135 e Ss. 
81
 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 68. 
82
 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é método Paulo Freire. 2ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981, p. 
22. 
 
 
20 
eles; e elas o dizem muito bem. Mas existe um sistema de poder que barra, proíbe, 
invalida este discurso e este saber. Poder que não está somente nas instâncias superiores 
da censura, mas que penetra muito profundamente, muito sutilmente em toda a rede da 
sociedade. Eles próprios, os intelectuais, fazem parte deste sistema de poder, a idéia de 
que eles são os agentes da ‘consciência’ e do discurso, ela própria, faz parte deste 
sistema. O papel do intelectual não é mais colocar ‘um pouco na frente ou um pouco de 
lado’ para dizer a verdade muda de todos; é antes lutar contra as formas de poder onde ele 
é ao mesmo tempo o objeto e o instrumento: na ordem do ‘saber, da ‘verdade’, da 
‘consciência’, do ‘discurso’. É nisto que a teoria não expressará, não traduzirá, não 
aplicará uma prática, ela é uma prática.83 (sublinhamos) 
 
Por isso uma pedagogia inovadora não pode ser concebida pelos intelectuais ‘para’ os 
populares. Tem que ser construída em conjunto, “(...) pedagogia do oprimido: aquela que tem 
de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de 
recuperação de sua humanidade”.84 “Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas 
criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.85 
Uma nova educação pretende humanizar os homens, transformá-los em sujeitos históricos. 
“A educação das massas se faz, assim, algo de absolutamente fundamental entre nós. 
Educação que, desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma força de mudança e de 
libertação. A opção por isso, teria de ser também, entre uma ‘educação’ para a 
‘domesticação’, para a alienação, e uma educação para a liberdade. ‘Educação’ para o 
homem-objeto ou educação para o homem-sujeito”.86 
Neste contexto, a nova educação é uma educação para a cidadania. “O fator essencial para 
esse progresso é a cidadania, definida como competência humana de fazer-se sujeito, para 
história própria e coletivamente organizada”.87 “Um dos aspectos mais importantes do 
nosso agir educativo, na fase atual de nossa história, será, sem dúvida, o de trabalhar no 
sentido de formar, no homem brasileiro, um especial senso, que chamamos de senso de 
perspectiva histórica”.88 
Freire não transformou o ato da educação em um ato meramente político (apesar de ter 
desvelado o seu caráter político) – pelo contrário, considerava de extrema importância o 
 
83
 FOUCAULT, Michel. Os intelectuais e o poder. In: ESCOBAR, Carlos Henrique de. Psicanálise e Ciência da 
História. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca Ltda., 1974, p. 141. 
84
 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 32. 
85
 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 16ª ed. São Paulo: Paz e 
Terra, 2000, p. 52. 
86
 FREIRE, Paulo. Educação como prática da Liberdade. 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1969, p.36. 
87
 DEMO, Pedro. Cidadania Tutelada e Cidadania Assistida. Campinas: Autores Associados, 1995, p. 01. 
88
 FREIRE, Paulo. Educação e Atualidade Brasileira. 2ª ed. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2001, p. 
20. 
 
 
21 
ensino da técnica.89 Também não forjou uma pedagogia periférica: pretendeu, com seu 
método, estabelecer novos horizontes educacionais. Transformou o processo educativo em um 
processo democrático. “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode 
temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser 
uma farsa”.90 O ensino inovador é a base de uma ação dialógica que se pautará em: 
Colaboração; União; Organização; Síntese Cultural.91 
Comparando as concepções de ensino é possível observar suas implicações. “A ‘bancária’ 
insiste em manter ocultas certas razões que explicam a maneira com estão sendo os homens 
no mundo e, para isto, mistifica a realidade. A problematizadora, comprometida com a 
libertação, se empenha na desmitificação. (...) a primeira nega o diálogo, enquanto a segunda 
tem nele o selo do ato cognoscente, desvelador da realidade (...) A concepção e a prática 
‘bancárias’, imobilistas, ‘fixistas’, terminam por desconhecer os homens como seres 
históricos, enquanto a problematizadora parte exatamente do caráter histórico e da 
historicidade dos homens”.92 
Na análise do ensino jurídico, importa olhar seus rastros históricos: “(...) sustentam que as 
academias de Direito foram responsáveis por uma prática de tal modo comprometida com os 
processos de exploração econômica e de dominação política que o bacharel não foi preparado 
para o exercício da função crítica”.93 No cotidiano, o método de ensino jurídico se apresenta 
majoritariamente através do método bancário ou tradicional. Neste sentido: 
A educação a nível universitário converteu-se, então, numa banal e descompromissada 
atividade de informações genéricas e/ou profissionalizantes – como os alunos sem saber 
ao certo o que fazer diante de um conhecimento muitas vezes transmitido de maneira 
desarticulada e pouco sistemática, sem rigor metodológico, sem reflexão crítica e sem 
 
89
 “O educador libertador procurará ser eficiente na formação dos educandos científica e tecnicamente, mas 
tentará desvendar a ideologia envolvidanas próprias expectativas dos estudantes”. FREIRE, Paulo & SHOR, Ira. 
Medo e Ousadia, p. 86. 
90
 FREIRE, Paulo. Educação como prática da Liberdade, p. 96. 
91
 Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 165 e Ss. 
92
 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 72. 
93
 ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder, Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1988, p.159. “Efetivamente não 
parece que a principal atividade desses intelectuais/bacharéis tenha sido a de se dirigir às massas populares, 
fazendo proselitismo das letras numa intensa atividade civilizatória entre essas camadas sociais”. Ibid., p.160. 
 
 
22 
estímulo às investigações originais.94 O ensino jurídico tem que buscar uma concepção 
totalizadora do direito (...) Não é possível reduzir o direito à técnica jurídica (...).95 
 
Na UFPR a crítica contundente é oferecida pelo prof. Eroulths CORTIANO JUNIOR: 
Há um grande descompasso entre o ensino do direito, o direito existente e a própria 
sociedade onde se produz este direito ensinado, ou não ensinado. Esse descompasso põe 
em dúvida os vários métodos de ensino, os conteúdos programáticos dos cursos de 
direito, as grades curriculares, a função das faculdades de direito e dos bacharéis que 
delas sairão. Põe em dúvida, enfim, todo o ensino jurídico no Brasil. Por isso as críticas à 
formação dos juristas que, baseada na valha aula-douta coimbrã, na pregação catedrática 
e no caráter livresco do ensino, acabou por revelar uma personalidade especial do 
bacharel, que foi comparado aos mandarins, pelo poder e pelos rituais que os cercavam.96 
[original sem grifos] 
 
Enfim, não é preciso esforço “Para se perceber o quão dissociado está o conteúdo 
transmitido das necessidades sociais, basta analisar a prática pedagógica dos cursos de Direito 
e sua estrutura curricular: baseia-se na transmissão de conceitos abstratos, genéricos, de 
conhecimento da estrutura do sistema de normas legais, seus institutos jurídicos, valorizando 
os aspectos técnicos e procedimentais, sem qualquer referência a sua função social, 
desprezando qualquer análise crítica”.97 O estudante de Direito objeto reproduz o método de 
ensino que conhece na Universidade quando atua nas atividades de extensão. Sem uma 
reflexão crítica acaba por tratar a questão da democratização do conhecimento jurídico apenas 
pelo método bancário. Em resumo, reproduz-se um método de ensino para estagnação social. 
Assim, preconiza-se: 
(...) uma transformação radical na instituição universitária com a adoção de uma nova 
pedagogia, que supere a metodologia normativista, caudatária do ‘cientificismo’ jurídico 
que teve suas origens nas filosofias políticas do século XVIII.98 Uma instituição 
consciente, contudo, não é aquela que se limita a elaborar críticas brilhantes, na pura 
reflexão, no discurso progressista. Criticar muito não é suficiente; tem que se fazer 
 
94
 FARIA, José Eduardo. A reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1987, p. 18. 
Vide: Ibid., p. 28-9; CUNHA, Rosa Maria Cardoso da; WARAT, Luis Alberto. Ensino e Saber Jurídico. Rio de 
Janeiro: Eldorado Tijuca, 1977, p.12; MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Introdução ao estudo do Direito : 
conceito, objeto, método. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1982, p. 163-4; MARQUES NETO, Agostinho 
Ramalho. Reflexões sobre o ensino de Direito. In: Anais Seminário Nacional de Ensino Jurídico, Cidadania e 
Mercado de Trabalho. Curitiba: Gráfica Linarth, 1996, p. 30. 
95
 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Do Ensino Jurídico: conhecimento e produção criativa do direito. In: Direito e 
Democracia - Revista de Ciências Jurídicas Ulbra. Vol. 2, nº 1, 1º Semestre de 2001, Canoas: Editora Ulbra, 
2000, p. 64. 
96
 CORTIANO JUNIOR., Eroulths. O Discurso Jurídico da propriedade e suas rupturas: uma análise do Ensino 
do Direito de propriedade. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2002, p.207-8. 
97
 RIBEIRO, Guilherme Wagner. Uma abertura para a universidade aberta: ensino jurídico e estágio na periferia 
In: Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Nova Fase. Vol. 35, nº 35, Belo Horizonte, 1995, p. 352. 
98
 PORTANOVA, Rui. Motivações Ideológicas da Sentença. 4ª. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, 
p. 98. 
 
 
23 
presente no mundo, transformando-o a partir da dialética prática/teórica. É pela 
transformação do mundo que se toma consciência dele.99 
 
A extensão universitária é uma atividade abandonada nas Universidades de Direito, sendo 
“(...) considerada uma atividade marginal, sem muita importância. Considerá-la atividade 
secundária é um equívoco lastimável, pois, intrínseco ao seu conceito, está a noção do 
compromisso social que a universidade tem com a realidade circundante”.100 
A extensão que pretenda ser crítica não pode assimilar o método de ensino tradicional. 
Novamente o primeiro passo recai sobre a desconstrução da crença na ignorância da 
comunidade: “Ninguém sabe tudo, assim como ninguém ignora tudo. O saber começa com a 
consciência do saber pouco (enquanto alguém atua). É sabendo que sabe pouco que uma 
pessoa se prepara para saber mais”.101 
Para ser desenvolvida uma atividade de extensão deve-se ficar atento ao conceito de invasão 
cultural e de prescrição anteriormente tratados. Na “(...) invasão cultural (...) O invasor reduz 
os homens do espaço invadido a meros objetivos de sua ação. (...) O primeiro atua, os 
segundos têm a ilusão de que atuam na atuação do primeiro; este diz a palavra; os segundos, 
proibidos de dizer a sua, escutam a palavra primeiro. O invasor pensa, na melhor das 
hipóteses, sobre os segundos, jamais com eles; estes são ‘pensados’ por aqueles. O invasor 
prescreve; os invadidos são pacientes da prescrição”.102 Freire polemiza contrariando o uso da 
expressão ‘extensão universitária’, a qual identifica como ensino bancário e a invasão 
cultural, sugerindo sua substituição pela expressão ‘comunicação’. Não se adotará esta porque 
se entende que a expressão recorrente é ‘extensão’ e, portanto, a fim de superar a metodologia 
tradicional é preciso reconhecer-se a atividade exercida e, em última análise, sua 
argumentação é de grande valia e enriquecedora.103 Por isso, a atividade de extensão não pode 
se resumir a uma atividade assistencialista: ela precisa superar a função de assistência para 
atingir uma função emancipadora. “Insistimos em afirmar que esta não é uma discussão 
bizantina. No momento em que os ‘trabalhadores sociais’ definam seu quefazer como 
assistencialista e, não obstante, digam que este é um quefazer educativo, estará cometendo na 
 
99
 RIBEIRO, Guilherme Wagner. Op. Cit., p. 354. 
100
 RIBEIRO, Guilherme Wagner. Op. Cit., p. 355. 
101
 FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação? 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1975, p. 47. “Se você estuda 
Ciências Sociais na universidade, segundo certa abordagem, aprende que a realidade é uma coisa, uma pesquisa, 
ou um modelo estatístico. Outra coisa, porém, é aprender sentindo a realidade como algo de concreto. Para 
aprender esse sentimento concreto, nada melhor do que ter trabalhadores como seus professores. Eles vivem a 
experiência das coisas que devemos estudar”. FREIRE, Paulo & SHOR, Ira. Medo e Ousadia, p.42. 
102
 FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação?, p. 41-2. 
103
 Vide: FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação?, p. 19 e Ss. 
 
 
24 
verdade um equívoco de conseqüências funestas, a não ser que tenham optado pela 
‘domesticação’ dos homens, no que estarão sendo coerentes e não equivocados”.104 
Cabe aqui, ainda, a reflexão sobre o conceito de ‘quefazer’. O conceito freiriano de quefazer 
aproxima-se do conceito de práxis marxiana. “Num pensar dialético, ação e mundo, mundo e 
ação, estão intimamente solidários. Mas a ação só é humana quando, mais que

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