Buscar

6 Livro Seminário Operadores Acoes Socioeducativas Saberes Praticas Formacao Operadores Sistema SocioEducativo ERJ

Prévia do material em texto

Janaina de Fatima Silva Abdalla
Saturnina Pereira da Silva
(ORGANIZADORES)
AÇÕES SOCIOEDUCATIVAS 
SABERES E PRÁTICAS
FORMAÇÃO DOS OPERADORES DO SISTEMA 
SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 
1ª Edição
Rio de Janeiro
2013
©Janaina de Fátima Silva Abdalla Direitos desta edição adquiridos pelo 
DEGASE. Nenhuma parte desta obra 
pode ser apropriada e estocada em siste-
ma de banco de dados ou processo sim-
ilar, em qualquer forma ou meio, seja 
eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., 
sem a permissão da editora e /ou autor
Janaina de Fátima Silva Abdalla
Elionaldo Fernandes Julião 
Soraya Sampaio Virgílio
Alexandre de Moraes Lessa 
Christiane Mota Zeitoune
Roberto Bassan Peixoto
Conselho Editorial
Maria Beatriz Barra de Avellar Pereira 
Paula Verneck Vargens 
Alexandre de Moraes Lessa 
Tania Mara Trindade Gonçalves
Comissão Científica
Janaina de Fatima Silva Abdalla
Saturnina Pereira da Silva
(ORGANIZADORES)
AÇÕES SOCIOEDUCATIVAS 
SABERES E PRÁTICAS
FORMAÇÃO DOS OPERADORES DO SISTEMA 
SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 
1ª Edição
Rio de Janeiro
2013
Diretor-Geral
Departamento Geral de Ações Socioeducativas 
DEGASE
Diretora da Escola de Gestão Socioeduca-
tiva Professor Paulo Freire 
Assessora da Assessoria às Medidas 
Socioeducativas e ao Egresso
Janaina de Fátima Silva Abdalla
Saturnina Pereira da Silva
Alexandre Azevedo de Jesus
Wilson Risolia Rodriues
Angélica Goulart
Maria do Rosário Nunes
Dilma Rousseff
Secretário de Estado de Educação
Secretária Nacional de Promoção dos Direitos 
da Criança e do Adolescente
Ministra de Estado Chefe 
Secretaria de Direitos Humanos 
Presidenta da República
Cláudio Augusto Vieira da SilvaCoordenador-Geral 
Programa de Implementação do Sistema 
Nacional de Atendimento Socioeducativo 
– SINASE 
Sérgio de Oliveira Cabral Santos Governador do Estado do Rio de Janeiro
Capa Fernando Diaz
Diagramação Gabriela Costa
Revisão Thiago Pinheiro
Ações Socioeducativas Saberes e Práticas 
Formação dos Operadores do Sistema 
Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro
Janaina de Fátima Silva Abdalla
Saturnina Pereira da Silva
Organizadores
Curso Operadores do Sistema Socioeducativo 
do Estado do Rio de Janeiro 
Bianca Veloso 
Coordenadora Pedagógica 
Assessoria às Medidas
Socioeducativas e ao Egresso - 
AMSEG
Assessora
Saturnina Pereira da Silva
 Equipe Técnica
Dulcinéia Seabra de Oliveira
Fatima Dias Alves Tremura
Maria Stela de Araujo
Hilton Luiz Machado Serra 
Vera Lúcia da Silva Durão
 Daniel Oighenstein Loureiro
Escola de Gestão
Socioeducativa Paulo Freire –ESGSE
Diretora
Janaina de Fatima Silva Abdalla 
Equipe Técnica
Andréa Cristina de Castro Gamadano
Bianca Ribeiro Veloso
Maria Beatriz Barra de Avelar Pereira 
Tania Mara Trindade Gonçalves
Marizélia Barbosa 
Apoio Técnico Administrativo
Érica Peixoto Ferreira
Luciana Cassia Costa da Silva Santos 
Mirian Maria da Fonseca 
Marcos Aurélio Pinto de Andrade
Estagiários
Thaisa Ambrósio Pinto 
Thaysa de Castro Bonfim 
Ivonete Guimarães Lima
Samantha dos Santos 
Lidiane de Oliveira Braga
Edgar Alves Pacheco
7
Agradecimentos
Este livro é resultado de um esforço cooperativo e interativo.
Agradecemos, inicialmente, ao Sr. Alexandre Azevedo 
de Jesus, Diretor-Geral do DEGASE (Departamento Geral de 
Ações Socioeducativas), que, além de acreditar plenamente na 
realização deste trabalho, nos possibilitou ampla liberdade em 
todas as etapas da organização e execução do Curso de Formação 
dos Operadores do Sistema Socioeducativo do Estado do Rio de 
Janeiro que deu origem a esta publicação. 
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da 
Republica, tem sido uma parceira importante do Novo DEGASE, 
ao longo do último quinquênio e, desta maneira, dirigimos 
nossos agradecimentos a seu coordenador do SINASE Sr. Claudio 
Augusto. O seu apoio às atividades de planejamento e execução da 
política de formação realizada pela Escola de Gestão Socioeducativa 
Paulo Freire e Assessoria às Medidas Socioeducativas e ao Egresso 
– AMSEG do Novo DEGASE tem sido decisivo. 
No Novo DEGASE , os aportes da direção da Assessoria de 
Sistematização Institucional- ASIST, Soraya Sampaio e Gabriela 
, juntamente com a Coordenação Administrativa e Financeira 
-COAFI, Sr. Wilson Richard e Maurício Gomes Teixeira, foram 
essenciais na definição e desenvolvimento do projeto que deu 
origem a este livro. Este agradecimento se estende, também, 
a todos os profissionais e técnicos, do Novo DEGASE que, de 
diferentes formas, têm interagido com nossa equipe. 
A nossos parceiros professores, mediadores e cursistas do 
Curso de Formação dos Operadores do Sistema Socioeducativo 
do Estado do Rio de Janeiro, pela oportunidade de trabalharmos 
e aprendermos juntos e por suas valiosas e inspiradoras 
contribuições como autores deste livro. Além de dominarem 
conhecimentos sobre conceitos e metodologia de atendimento 
socioeducativo, as contribuições registradas neste livro 
demonstram o comprometimento com as ações socioeducativas 
na direção transformadora da doutrina da proteção integral da 
infância e juventude brasileira. 
Janaina de Fátima Silva Abdalla e Saturnina Pereira da Silva
9
Sumário
Apresentação
As Ações De Formação Continuada Do Curso Dos 
Operadores Do Sistema Socioeducativo Do Estado Do 
Rio De Janeiro: Concepção E Estrutura Pedagógica.
Bianca Veloso
Marizélia Barbosa
Parte I Saberes, infância e juventudes
Reflexões Sobre A Juventude Em Conflito Com A Lei: 
A Infância, A Adolescência E A Família Como Uma 
Construção Social E Histórica
Christiane Mota Zeitoune
Elis Regina Castro Lopes
Murilo Peixoto Da Mota
InfânciasoMarginalizadas,oAdolescentes 
Criminalizados?
Virginia Georg Schindhelm 
O Adolescente No Sistema Socioeducativo: Uma 
Reflexão A Partir Da Psicanálise
Erimaldo Matias Nicacio
Violência Doméstica e Direitos Humanos de Crianças 
e Adolescentes na Contemporaneidade: Um Processo 
de Judicialização da Questão Social?
Paula da Silva Caldas
Adolescentes E Medida Socioeducativa: Discursos 
em questão
Andreia Gomes Da Cruz 
Janaína de Fátima Silva Abdalla
Sharon Varjão Will
13
19
31
33
50
64
80
102
10
Parte II Políticas e Socioeducação
O Sistema De Garantia Dos Direitos Da Criança E 
Do Adolescente E O Departamento Geral De Ações 
Socioeducativas Do Estado Do Rio De Janeiro 
Equipe Assessoria Às Medidas Socioeducativas E Ao 
Egresso – AMSEG
O Adolescente, A Sociedade Dos Direitos E O 
Trabalhador Social: Aonde Vai Dar Tudo Isso?
Heloisa Mesquita
Anália Barbosa 
Panorama Histórico Da Atenção À Criança No Brasil
João Carlos De Paula
Notas Criminológicas Sobre Juventude E Controle 
Social
Roberta Duboc Pedrinha 
A Mediação E O Sistema Socioeducativo
Flávia Gallo
Glória Mosquéra
Parte III Ações socioeducativas : práxis 
Violência,oDrogas,oEducaçãooEoInstituição Socioeducativa 
A Adolescentes Em Conflito Com A Lei: Uma 
Experiência Em Construção
Janaina De Fátima Silva Abdalla
Soraya Sampaio Vergilio 
Papo Aberto: Uma Proposta E Experiência De Intervenção
Cláudia Da Silva Rodrigues
Juana Dos Anjos Cunha Louzada
117
119
134
149
159
178
191
193
207
11
Famílias E Escola Como Dimensões Possíveis Na (Re)
Construção Da Cidadania Do Adolescente/Jovem Em 
Conflito Com A Lei
Ana Maria Vasconcelos Moreira
Fabiana Ferreira Braga
Os Desafios Para A Efetivação Do Sinase No Centro De 
Referência Especializado De Assistência Social – CREAS
Maurizete Da Silva Arruda
Janine Duarte Fernandes
Renaud Brazileiro Nogueira Da Silva
O Sancionatório E O Pedagógico Nas Medidas 
Socioeducativas: Reflexões À Luz Do Pensamento De 
Erving Goffman E Michel Foucault
Leonardo PossidonioDomingos 
Pedro De Oliveira Ramos Junior
217
230
240
 
13
Desde 2007, com a reestruturação do Novo DEGASE, 
a Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire, responsável 
pela formação dos operadores do sistema socioeducativo do 
Estado do Rio de Janeiro vem realizando diversos cursos em 
parceria com universidades, instituições públicas e privadas, 
promovendo conhecimentos nas diversas áreas que demandam 
a problemática do atendimento socioeducativo, possibilitando a 
reflexão e mudanças nas práticas institucionais. Tais ações foram 
implementadas com o apoio da Secretaria Especial de Direitos 
Humanos da Presidência da República. Inicialmente, através da 
realização da Pesquisa Perfil das Relações Humanas Institucionais 
do Sistema Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro, 
possibilitando o mapeamento das medidas socioeducativas 
no Estado, e com o Convênio 076/2007 para Formação de 
Operadores do Sistema Socioeducativo Estadual. Este ultima, 
possibilitou a formação continuada de servidores do DEGASE e 
dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social - 
CREAS repercutindo na articulação e construção de redes para a 
municipalização das medidas em meio aberto do Estado do Rio 
de Janeiro. 
 Atualmente é possível perceber as mudanças ocorridas 
através de alguns indicadores de desempenho, dentre eles, a 
participação mais efetiva e consciente dos servidores do Sistema 
Socioeducativo Estadual nos processos sociopedagógicos 
que permeiam a execução e acompanhamento das medidas 
socioeducativas e na promoção da garantia de direitos, 
processos estes que foram explicitados no Plano de Atendimento 
Socioeducativo do Governo do Estado do Rio de Janeiro - PASE - 
Decreto N°42.715 de 23 de novembro de 2010 e na finalização do 
Plano Pedagógico Institucional - Novo DEGASE.
 Na medida em que se amplia a possibilidade de debate, 
reflexão, conscientização da realidade vivenciada, outras 
demandas são geradas, surgindo à necessidade de ações 
pedagógicas contínuas e aprimoradas para a melhor direção 
do atendimento, necessitando constantemente ser renovado e 
Apresentação
14
adequado às necessidades reais do período histórico, político e social.
Cônscios da responsabilidade e da competência atribuída, 
a política de formação do Novo DEGASE, em 2011, através 
da Secretaria de Estado de Educação/ DEGASE firma novo 
convênios com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência 
da República SDH/PR – (Convênio 756784/2011) visando a 
execução do Curso de Formação dos Operadores do Sistema 
Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro
A União e os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo 
para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, 
constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a 
promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios 
ou contratos entre os entes federados. (art. 39, CF/88)
Este curso envolveu cerca de 600 (seiscentos) profissionais 
que atuam diretamente e indiretamente com as medidas 
socioeducativas de restrição e privação de liberdade do 
DEGASE e em medidas em meio aberto dos- CREAS e 36 
(trinta e seis) municípios. Atuaram diretamente 22 (vinte e dois) 
profissionais do DEGASE, pertencentes à Assessoria às Medidas 
Socioeducativas e ao Egresso – AMSEG e à Escola de Gestão 
Socioeducativa Paulo Freire – ESGSE. Participaram do processo 
de elaboração e execução do curso, cerca de 40 (quarenta) 
professores-pesquisadores de universidades federais, estaduais 
e privadas e 10 (dez) mediadores na gestão pedagógica dos 
polos de extensão descentralizados nos municípios de Macaé, 
Teresópolis, Nova Iguaçu, Niterói, Belford Roxo, Volta Redonda 
e na Capital, este ultimo, nos bairros da Ilha do Governador e 
Bangu. Em termos qualitativos de política pública, esse eixo de 
intervenção representou um considerável avanço à humanização 
do atendimento aos adolescentes e suas famílias, nos princípios 
legais e éticos.
 Acreditamos que a formação dos profissionais 
socioeducativos garante uma abordagem crítica e reflexiva acerca 
15
da natureza da atividade socioeducativa, bem como mudança 
de mentalidade e do olhar para o sistema, saindo dos moldes 
cristalizados de coerção para uma mudança de paradigmas onde 
o atendimento realizado se traduza em reinserção do adolescente 
em conflito com a lei.
 Cabe ressaltar que o processo de formação vem fomentar 
a necessidade da implementação e expansão de uma rede de 
serviços. Entendendo a incompletude institucional, faz-se mister 
destacar que as ações supracitadas encontram-se respaldadas na 
Constituição Federal e no SINASE. 
Os programas de atendimento que executam a internação provisória e 
as medidas socioeducativas deverão buscar profissionais qualificados 
para o desempenho das funções utilizando critérios definidos para 
seleção e contratação de pessoal, entre eles a análise de currículo, 
provas escritas de conhecimento e entrevista. Deve ainda oportunizar e 
oferecer formação e capacitação continuada específica para o trabalho 
socioeducativo em serviço. (item 6.2.5, SINASE)
Assegurar a implementação de ações e políticas que atendam 
às exigências de formação continuada e capacitação em serviço é 
um desafio a ser superado cotidianamente. Assim, na formação 
dos operadores socioeducativos proposto pelo curso buscou-se a 
articulação das parcerias institucionais prevista pela incompletude 
institucional e profissional do Sistema Socioeducativo Estadual. 
Sistema que se traduz por rede, conjunto, tendo como foco o 
atendimento socioeducativo ao adolescente.
 A formação continuada dos atores sociais envolvidos no atendimento 
socioeducativo e fundamental para a evolução e aperfeiçoamento de 
práticas sociais ainda muito marcadas por condutas assistencialistas 
e repressoras. Ademais, a periódica discussão, elaboração interna e 
coletiva dos vários aspectos que cercam a vida dos adolescentes, bem 
como o estabelecimento de formas de superação dos entraves que 
se colocam na pratica socioeducativa exigem capacitação técnica e 
humana permanente e continua considerando, sobretudo o conteúdo 
relacionado aos direitos humanos.
16
 A capacitação e a atualização continuada sobre a temática “Criança 
e Adolescente” devem ser fomentadas em todas as esferas de governo 
e pelos três Poderes, em especial as equipes dos programas de 
atendimento socioeducativo, de órgãos responsáveis pelas políticas 
publicas e sociais que tenham interface com o SINASE, especialmente a 
política de saúde, de educação, esporte, cultura e lazer, e de segurança 
publica. (SINASE)
O objetivo deste livro é contribuir para a humanização do 
atendimento aos adolescentes envolvidos em atos ilícito a partir de 
pesquisas, experiências e saberes produzidos pelos professores, 
coordenadores, mediadores, gestores e cursistas durante o Curso 
de Formação dos Operadores do Sistema Socioeducativo do Estado do 
Rio de Janeiro.
Acreditamos que a formação continuada dos operadores 
do sistema possa contribuir em sua qualificação e permitir 
mudanças de paradigmas, a fim de garantir a formação plena do 
adolescente, autor de ato infracional, o seu exercício de cidadania 
e a sua qualificação para o trabalho (Alexandre de Azevedo Jesus, 
2010,p :8)
Este livro está organizado em três partes precedidas por um 
artigo explicitando a estrutura pedagógica do curso e a política 
de formação da Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire. 
Esta organização tem como referência três temáticas que 
de articulam: “Saberes , infância e juventudes ”, “Políticas e 
Socioeducação” e “Ações socioeducativas : práxis ”, procurando situar 
o debate e as formas recentes encontradas pelas políticas públicas para 
o atendimento socioeducativo na esfera nacional e estadual.
Na Parte I “Saberes, infância e juventudes”, apresenta-se cinco artigos, de diferentes enfoques teóricos e conceituais, 
propõem a problematização, reflexão e análise do processo de 
construção histórica e social da infância e “das juventudes”, 
que repercute do processo de subjetivação dos adolescentes 
envolvidos em atos ilícitos: vítimas e vitimadores da violência 
na atualidade. 
17
Na Parte II “Políticas e Socioeducação” composta por quatro 
artigos, procura-se apresentar o contexto das políticas públicas 
no atendimento aos adolescentes autores de atos infracionais e 
a interface com os saberes e práxis de seus operadores. Nesse 
desdobramento, expõem-se e analisam-se os instrumentos legais, 
normativos e as práticas nos arranjos da execução das políticas 
públicas do Sistema Socioeducativo. 
Na Parte III “Ações socioeducativas” dedica-se a reflexão 
da execução das medidas socioeducativas no interior de suas 
instituições, a cotidianidade do saber-fazer da socioeducação, 
através de cinco artigos, os quais nos convidam a debater e 
analisar os discursos, as redes de poder-saber , a construção 
de redes institucionais, a gestão e as ações socioeducativas 
cotidianas no atendimento aos adolescentes e suas famílias. 
Esta publicação reafirma o compromisso do Novo DEGASE/ 
SDH- PR no investimento na formação dos profissionais que 
atuam no atendimento ao adolescente e suas famílias. 
Enfim, eis um convite a que todos corroborem para 
construção de um Sistema Socioeducativo mais humanitário, 
onde todos sejam sujeito de direito e solidários.
 
Janaina de Fátima Silva Abdalla 
Saturnina Pereira da Silva 
Rio de Janeiro, novembro de 2013
19
 As ações de formação continuada do Curso dos Operadores 
do Sistema Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro: 
concepção e estrutura pedagógica
Bianca Veloso1 
Marizélia Barbosa2
 
Transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é 
amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: 
o seu caráter formador. 
Paulo Freire
Introdução
O curso de formação para os Operadores do Sistema de 
Atendimento Socioeducativo ao adolescente em conflito com a 
lei objetivou promover a formação continuada dos profissionais 
que atuam tanto com as medidas em meio aberto quanto com as 
restritivas e privativas de liberdade no estado do Rio de Janeiro, 
para o domínio efetivo dos fundamentos teóricos e metodológicos 
da prática socioeducativa, em conformidade com o SINASE.
O curso teve a duração de seis meses com carga horária total 
de 215 horas. Foi destinado aos profissionais com escolaridade 
mínima equivalente ao Ensino Médio, atuantes de forma direta 
ou indireta no atendimento socioeducativo ao adolescente em 
conflito com a lei.
O currículo se estruturou por módulos ministrados às 
terças-feiras, às quartas-feiras e às quintas-feiras, das 8h30min 
às 17h30min, em dez turmas descentralizadas e distribuídas em 
dez polos pela Capital e pelo Estado do Rio de Janeiro, divididos 
em dois eixos: o primeiro com início em novembro de 2012 e o 
segundo, em março de 2013.
1 Divisão Técnico Pedagógica da ESGSE/Novo DEGASE
2 Divisão Técnico Pedagógica da ESGSE/Novo DEGASE
20
Concepção pedagógica
A Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire, responsável 
pela execução do curso dos operadores do sistema socioeducativo 
do Estado do Rio de Janeiro, foi criada em 31 de Agosto de 2001 
com o nome “Escola Socioeducativa”. Em 2008, com a alteração da 
Estrutura Organizacional do DEGASE, passou a ser denominada 
“Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire-ESGSE”.
Partimos da concepção de escola como instituição 
histórico-social, inserida na sociedade e, por isso, determinada 
por um constructo social e, ao mesmo tempo, reprodutora das 
contradições nela existentes.
Sendo a escola uma instituição social, faz-se necessário 
que seus projetos de formação sejam elaborados levando 
em consideração alguns elementos importantes para a 
manutenção de práticas educativas democráticas. Dessa forma, 
elencamos alguns elementos que consideramos fundamentais 
na construção de ações de formação tendo em vista um viés 
humano: a promoção dos sujeitos que compõem a escola como 
agentes de intervenção efetiva nas ações por ela promovidas; a 
democratização do planejamento das atividades de formação; 
a sistematização do conhecimento produzido pelo processo de 
formação e a valorização dos saberes e das práticas advindas dos 
sujeitos que participam desse processo.
As ações de formação dos Operadores do Sistema 
Socioeducativo consideraram todos os aspectos supracitados, 
reafirmando a ideia que defende o trabalho como atividade 
humana e educativa. O trabalho como atividade humana difere 
do trabalho como se apresenta no contexto atual de produção, 
dividido, fragmentado, incompleto e alienado. Como apontou 
Manacorda (2010), o trabalho no seu sentido genérico se manifesta 
como atividade vital de reprodução da condição de existência do 
ser humano.
21
Nesse sentido, o trabalho é práxis. Estas categorias – trabalho 
e práxis – foram objetos de estudo de incansáveis teóricos no 
campo da sociologia do trabalho, esclarecendo que não é nosso 
objetivo apresentar as complexas formulações e significações que 
envolvem essas categorias, mas elucidar, a partir dessas definições, 
algumas questões sobre as ações de formação em voga.
“É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto 
é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensamento.” 
(MARX, 1991, p.12) Apesar de o pensamento se antecipar à 
prática, esses estão completamente interligados. Sendo assim, 
teoria e prática são indissociáveis e interdependentes. “A ação 
humana no trabalho pressupõe sempre uma intencionalidade, 
um certo grau de racionalidade e o intercâmbio com os outros 
seres sociais.” (NEVES, 2008, p.21)
O trabalho histórico-econômico caracteriza-se, no contexto 
do capitalismo, como produtor de bens materiais que satisfazem 
as necessidades humanas. Nessa tendência, ocorre a coisificação 
das relações, em que tudo se torna mercadoria. Assim, a 
educação para o trabalho e no trabalho segue essa visão. A 
educação se tornou algo comprável e vendível. Em detrimento 
dessa concepção que reduz o caráter humano da educação ao 
caráter mercadológico, consideramos uma concepção ampliada 
de educação e de formação para o trabalho.
Nesse sentido, as ações de formação promovidas pela 
Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire, em especial 
as desenvolvidas pelo curso dos Operadores do Sistema 
Socioeducativo, visam à valorização de espaços formativos 
crítico-reflexivos, onde o processo de ensino-aprendizagem 
aconteça de forma dialógica, a partir da abordagem histórico-
social do sujeito, das instituições de privação de liberdade, das 
medidas de atendimento socioeducativo e do próprio adolescente 
em conflito com a lei.
Para tanto, estruturou-se o currículo do curso em dez 
módulos: a) Infância, Adolescência, Família e Sociedade; b) 
22
Marco Legal, Políticas Públicas e Sistema de Garantia de Direitos 
da Criança e Educação em Direitos Humanos e PNDH-3 do 
Adolescente; c) Instrumentos Legais, Normativos do SINASE, 
PNDH-3 e PNEDH; d) Socioeducação e Responsabilização: 
Natureza e Dupla Face da Medida Socioeducativa entre o 
Sancionatório ao Pedagógico; e) Socioeducação: Práticas e 
Metodologias de Atendimento em Meio Aberto; f) Socioeducação: 
Práticas e Metodologias de Atendimento em Meio Fechado; g) 
Plano Individual de Atendimento; h) Gestão e Financiamento do 
Sistema Socioeducativo; i) Programas de Justiça Restaurativa; j) 
Parâmetros Socioeducativos – Segurança.
Como estratégia para sistematização do conteúdo 
lecionado aos alunos, adotou-se um instrumento avaliativo 
de caráter processual, ou seja, os alunos, ao longo do módulo, 
foram estimulados à construção de textos a partir das leituraspropostas pelos docentes. Como estratégia de avaliação, adotou-
se a apresentação oral, pelos grupos discentes, dos trabalhos por 
eles elaborados.
Dessa forma, distanciamos nossas ações de formação 
continuada das ideias pragmáticas, pontuais, descontextualizadas, 
positivistas e tecnicistas de educação. Aproximamo-nos da acepção 
de formação continuada destinada a adultos trabalhadores 
decorrente das correntes críticas3 da educação brasileira.
Estrutura pedagógica
A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na 
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições 
de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da 
sociedade civil e nas manifestações culturais.
BRASIL, 1996.
3 Dentre elas, a Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire, e a Pedagogia histó-
rico-crítica, de Dermeval Saviani
23
Acreditamos na ideia do trabalho coletivo. Nesse sentido, 
adotamos, durante todo o processo de construção das ementas, 
dinâmicas de trabalho que reunissem a equipe técnica e a equipe 
docente, conformando, assim, um trabalho mais democrático.
Os professores foram convidados a participar desse projeto, 
partindo de critérios de seleção elaborados pela coordenação 
do curso, como de análise das suas experiências profissionais 
e da formação acadêmica desses. Foi adotado, também, o 
critério de referência, convidando professores renomados por 
seus trabalhos nas temáticas ministradas em cada módulo. Um 
grupo de professores está ligado às Universidades, aos Centros 
Acadêmicos, às Instituições parceiras; e outro grupo, aos setores 
da Secretaria Estadual de Assistência Social, aos locais onde 
se realiza amplo trabalho na área da socioeducação. Teve-se 
sempre a preocupação de convidar professores gabaritados não 
só no âmbito da titulação, mas também no âmbito da experiência 
profissional, para que se alcançassem de forma mais efetiva os 
objetivos traçados em cada módulo.
As ementas foram construídas a partir da intervenção 
dos professores, que assumiram um papel importante nesse 
processo, para além do trabalho técnico, mas também do 
trabalho pedagógico, de pensar as aulas de forma didática, com 
a elaboração de material de estudo e de projeção, assim como a 
pesquisa de filmes e vídeos escolhidos de acordo com os objetivos 
de cada conteúdo.
Os conteúdos foram escolhidos pelos professores de cada 
módulo, tendo em vista a ementa e as visões teóricas trazidas pelo 
corpo docente, a fim de construir um processo que culminasse 
nas aulas e nas relações pós-aulas, processo que se inicia 
quando findam as aulas, momento em que os alunos tiveram 
a oportunidade de ter acesso ao material disponibilizado pelo 
professor para estudo pessoal.
A metodologia proposta para as aulas considerou a 
centralidade da construção do conhecimento, a partir de 
24
análises sócio-históricas da sociedade com relação aos objetos de 
conhecimento analisados em cada módulo.
As aulas assumiram um formato didático basicamente 
formado por aulas expositivas, dinâmicas em grupo, estudos de 
caso, leituras individuais, apresentações projetadas, exibição de 
vídeos e filmes e debates. Foram realizadas reuniões periódicas, 
em um primeiro momento, com a coordenação pedagógica do 
curso e, em segundo momento, entre os próprios professores.
O projeto previu avaliações formais, com a pretensão de 
classificação em aprovação ou reprovação a partir do parâmetro 
da média no valor de 7,0 (sete) pontos. Entretanto, sabe-se que a 
avaliação não deve assumir um sentido classificatório, quantitativo 
e pontual, mas um sentido formativo e processual e, nesse sentido, 
a partir das discussões realizadas entre a coordenação pedagógica 
e os professores, elaboraram-se avaliações como mais um espaço 
de reflexão e construção de conhecimento crítico frente às temáticas 
e às questões apresentadas pelos módulos. Portanto, apesar 
de as avaliações culminarem em valores que determinariam a 
aprovação ou reprovação do cursista, usou-se esse espaço como 
parte integrante do processo de construção do conhecimento.
O trabalho técnico-pedagógico desenvolvido pela ESGSE 
articulou-se ao trabalho técnico-administrativo executado 
ao longo dos cursos. A gestão da frequência e da entrega de 
trabalhos elaborados pelos alunos foi essencial para auxiliar 
o acompanhamento organizacional e pedagógico dos alunos. 
Consonante com o projeto que originou o curso, a frequência 
mínima para aprovação foi de 75% do total da carga horária e a 
média mínima para aprovação no módulo, de 7,0 (sete) pontos.
O curso foi dividido em dois eixos: o primeiro 
descentralizado em quatro turmas (duas na Ilha do Governador, 
uma em Bangu e uma em Belford Roxo); o segundo em seis 
turmas (Ilha do Governador, Macaé, Niterói, Volta Redonda, 
Nova Iguaçu e Teresópolis).
25
O primeiro eixo foi destinado aos servidores do DEGASE 
lotados em unidades da capital; e o segundo eixo, destinado 
aos servidores dos CREAS e CRIAADS. As turmas do segundo 
eixo possuíram alguns servidores do DEGASE, assim como 
servidores de Conselhos Tutelares, Tribunais e demais entidades 
que trabalham com os adolescentes em conflito com a lei.
No polo localizado na cidade do Rio de Janeiro, participaram 
os seguintes CREAS: João Manoel, Arlindo Rodrigues, Stella 
Mares, SMDS, Wanda Engel, Padre Guilherme, Capital, Janete 
Clair, Adaiza Sposati, Nelson Carneiro, Simone de Beauvior, 
Márcia Lopes, CSIRS 10ª CAS, Adaiza Sposati, Zilda Arns, João 
Hélio, Daniela Perez. No polo de Niterói, Itaboraí, Niterói, S.P. 
da Aldeia, São Gonçalo, Magé, Maricá, Saquarema, 5ª Creas/RJ. 
No polo de Macaé, Campos dos Goytacazes, Macaé, Quissamã, 
Depto. Proteção Social Rio das Ostras, Conselho Tutelar de 
Macaé, Cabo Frio. No polo de Volta Redonda, Levy Gasparian, 
Resende, Paraíba do Sul, Porto Real, Miguel Pereira, Barra 
Mansa, A. dos Reis, Valença, Volta Redonda. No polo de Nova 
Iguaçú, Itaguaí, Nilópolis, Japeri, Paracambi, Mesquita, São 
João de Meriti, Queimados, B. Roxo P. Amorim, Seropédica, B. 
Roxo-S. Amélia, SEMAS-Nova Iguaçu, SMAS-Duque de Caxias. 
E, no polo Teresópolis, Nova Friburgo, Três Rios, Teresópolis, 
Guapimirim, T.J.R.J, MP Teresópolis.
Na capital e em Nova Iguaçú, não houve a participação 
de nenhum CRIAAD. Em Niterói, participaram os CRIAADS 
da Ilha e de Niterói. Em Macaé, Macaé e Campos. Em Volta 
Redonda, V. Redonda, Barra Mansa. Em Teresópolis: Nova 
Friburgo, Teresópolis.
No Eixo I, o dos CRIAADS participantes, temos a seguinte 
divisão: CRIAAD Ilha (no polo da ESGSE e do professor Antônio 
Carlos Gomes da Costa), o CRIAAD Nova Iguaçú (no polo do 
Cai Belford Roxo) e o CRIAAD Bangu (no polo do ESE).
Podemos apontar que a execução do curso apreendeu o 
entendimento de que todos os atores nele envolvidos, em certa 
26
medida, são educadores ao mesmo tempo em que são educandos. 
Sendo assim, a formação continuada dos servidores foi vista 
como um dos caminhos para que o DEGASE cumprisse sua 
missão de garantir os direitos fundamentais dos adolescentes em 
conflito com a lei que cumprem medidas socioeducativas e/ou 
protetivas no Sistema.
Conclusão
Compartilhando as experiências e percepções obtidas nesse 
processo, podemos concluir que esse trabalho nos levou a refletir 
sobre a nossa própria práxis, buscando compreender como os 
diferentes temas abordados no curso para os operadores do 
Sistema Socioeducativo dariam base para as reflexões sobre o 
trabalho nesse sistema.
A ideia de que o DEGASE e cada servidor sozinhos não 
podem dar conta de todas as demandas que chegam através 
dos adolescentes atravessou todos os módulos. Os diferentes 
temas apontaram para o trabalho em rede, para a necessidade do 
fortalecimento da rede interna e para a ampliação da rede externa.
Foi predominante o pensamento de que é importante 
estreitar o diálogo com os diferentessetores do DEGASE. O curso, 
por congregar servidores dos diferentes setores e com variadas 
funções e formações, propiciou um espaço de desconstrução de 
mitos institucionais e de reafirmação de algumas parcerias.
Através de ações proativas – cursos, palestras, práticas de 
trabalho inclusivas, grupos de estudo e outros encaminhamentos 
–, o Novo DEGASE vem investindo na valoração de seus 
servidores. Temos ações objetivas que buscam a desconstrução de 
diferentes estigmas da figura do servidor. Estamos no processo, 
construindo novas práxis socioeducativas, em uma perspectiva 
crítico-emancipatória. Para isso, nossas finalidades de educação 
estão alinhadas às de formação humana, de maneira que os 
27
trabalhadores possam, alicerçados por ferramentas conceituais, 
teóricas e metodológicas, adquiridas ao longo do curso, atuar 
alinhados à prática socioeducativa.
Para Costa (2001), a formação plena do educando contribui 
para torná-lo autônomo, com competência para fazer análises 
de diferentes circunstâncias, de fazer escolhas, deixando-o apto 
a retornar à sociedade, sabendo distinguir o certo e o errado, 
sabendo dos seus direitos e também dos seus deveres, ou seja, 
tornando-o um cidadão. 
O Novo DEGASE, como órgão de proteção integral aos 
adolescentes em conflito com a lei, tem caminhado firmemente 
em sua missão. Várias unidades têm investido em sua rede 
interna e externa, ampliando, assim, as possibilidades de sucesso 
às demandas apresentadas pelos adolescentes e seus familiares.
Os desafios continuam muitos, entre esses o de acompanhar 
o desenrolar dos diferentes casos quando o adolescente perde o 
vínculo formal com a instituição, assim como entender que a sua 
reestruturação visa ao adolescente que pretende formar.
As reflexões acima tentam organizar o panorama no qual 
está se dando o Curso para os Operadores do Sistema, buscando 
estratégias que facilitem a interlocução dos atores citados.
Os espaços ocupados pelos servidores do sistema 
socioeducativo ainda estão refletindo o desgaste na “qualidade” 
da comunicação dos diferentes sujeitos. Pequenos, mas 
importantes acordos podem ser feitos, necessitando-se para isso 
de disponibilidade para o “ouvir”.
A partir da execução do curso, algumas demandas advindas 
da implementação do curso a partir da sua descentralização 
começam a surgir, pedindo urgência em seus encaminhamentos. 
As atribuições da equipe, dentre outras, estiveram ligadas às 
escolhas dos melhores caminhos para a operacionalização do 
curso, ou seja, como fazê-lo acontecer da melhor forma possível.
28
Desde as reuniões com os professores para o planejamento 
dos módulos até a elaboração das ferramentas de organização 
(inscrições, programas, matrícula, listagens para controle de frequências 
e notas e outros), sempre se buscou, dentro das nossas possibilidades, 
respeitar as diferenças dos atores envolvidos nessa organização, assim 
como considerar as suas capacidades e habilidades.
Alguns encaminhamentos foram necessários para que 
houvesse um processo coerente de trabalho, frente às diferenças 
supracitadas. As reuniões entre a equipe técnica aconteceram 
buscando um enfoque multidisciplinar, que não pretendeu criar 
uma “receita”, e sim agregar valores frente aos desafios propostos.
Muitas questões perpassaram o trabalho da equipe 
pedagógica, a valer: a) ofereceu-se uma estrutura facilitadora do 
processo de formação em serviço?; b) houve acesso aos materiais 
didáticos de forma adequada?; c) a dinâmica do curso foi bem 
compreendida pelos servidores?
Entendemos a tarefa socioeducativa como sendo de toda a 
sociedade, garantindo aos usuários dessas redes, os adolescentes 
em cumprimento de mediadas socioeducativas, um suporte 
que esteja disponível sempre que necessário. Dessa forma, 
verificamos que se faz cada vez mais necessária a promoção da 
formação continuada dos operadores do Sistema Socioeducativo, 
de forma a atingir o propósito da efetiva garantia dos direitos 
do adolescente em conflito com a lei e de aperfeiçoamento das 
práticas cotidianas.
29
Referências bibliográficas
COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Aventura Pedagógica: 
Caminhos e Descaminhos de uma Ação Educativa. Belo Horizonte: 
Modus Faciendi, 2001.
BRASIL. Lei n. 9.394 de 1996. Dispõe sobre as Diretrizes e Bases 
da Educação Nacional.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática 
educativa. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2001.
MARX, K. A ideologia alemã.. São Paulo: Hucitec, 1991.
MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna. 
Campinas, SP: Editora Alínea, 2010.
NEVES, Lúcia Maria Wanderley. O mercado do conhecimento e o 
conhecimento para o mercado: da formação para o trabalho complexo no 
Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: EPSJV, 2008.
30
31
Parte I “Saberes, infância e juventudes”
33
Reflexões sobre a juventude em conflito com a lei: a 
infância, a adolescência e a família como uma construção 
social e histórica.
Christiane Mota Zeitoune4 
Elis Regina Castro Lopes5 
Murilo Peixoto da Mota 6
Resumo: O presente artigo busca refletir sobre a dimensão 
social que envolve os jovens em conflito com a lei, acentuando 
uma crítica à perspectiva da análise funcionalista sobre o crime 
e a criminalidade. Estão em discussão as ações e intervenções 
no âmbito das políticas públicas para a criança e o adolescente, 
a partir das aulas realizadas no Curso dos Operadores do 
Sistema Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro. Imerso em 
um campo teórico-metodológico da construção social, abre-se 
para um breve panorama social e histórico sobre as categorias 
infância, família e adolescência.
Palavras-chave: ato infracional; políticas públicas; criança; 
adolescente. 
4 Psicóloga. Coordenadora de Saúde Integral e Reinserção Social do 
Departamento Geral de Ações Socioeducativas. Doutora em Teoria Psicanalítica – 
UFRJ. Mestre em Psicologia Clínica – PUC-RJ. Formação Psicanalítica. E-mail: christia-
nezeitoune@gmail.com
5 Psicóloga Clinica; Agente Socioeducativo do Departamento Geral de Ações 
Socioeducativas; Mestre em Políticas Públicas do adolescente em Conflito com a Lei/
UNIBAN-SP. E-mail: elispsirj@yahoo.com.br
6 Sociólogo do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos 
Suely de Sousa Almeida/UFRJ. Doutor em Serviço Social – ESS/UFRJ. Mestre em 
Saúde Pública – ENSP/FIOCRUZ. muriloufrj@gmail.com 
34
Introdução
No decorrer do ano de 2012, a proposta de capacitar os 
profissionais do Departamento Geral de Ações Socioeducativas 
– DEGASE – foi vislumbrada como um desafio concreto para a 
equipe e consultores convidados. A ideia de um projeto planejado 
logo estaria em pauta nos comentários do cafezinho, na fila 
do almoço, nas conversas informais e reuniões institucionais, 
envolvendo estudiosos e pesquisadores, com expertise no campo 
de reflexões, que pudessem ampliar uma análise crítica sobre a 
clientela abordada, ou seja, jovens em conflito com a lei. 
O que era um projeto de curso se evidenciou como uma 
realidade interventiva. O Curso dos Operadores do Sistema 
Socioeducativo entraria em prática com amplos objetivos e 
desafios, principalmente o de possibilitar envolver o profissional 
técnico como um protagonista de suas ações, sem determinações 
de manuais ou regras impostas. Entrava em questão a efetivação 
de um debate crítico e frutífero sobre os amplos aspectos que 
envolvem o adolescente em conflito com a lei que aportasse uma 
reflexão metodológica, a fim de situar o educador nos amplos 
aspectos que a questão socioeducativa envolve. 
Salienta-se a convicção de que o trabalho que o educador 
do DEGASE desenvolve origina-se no contexto da totalidade 
de sua vida, cujos temas infância, família e adolescência não 
são conceitos ignorados. Não seria trivial afirmar o fato de que 
não há quemnão se emocione com as inúmeras questões sociais 
que afetam a clientela atendida pela Instituição. De todo modo, 
no âmago de todo o processo em discussão está a ampliação de 
habilidades já existentes na atividade profissional. 
Nos debates sobre o conteúdo do curso, as categorias 
infância, família e adolescência logo vigoraram como discussão 
obrigatória, considerando que não se poderia falar de jovens 
em cumprimento de medidas socioeducativas sem apreciar as 
35
abordagens teórico-metodológicas, que porventura esclareceriam 
o contexto político no qual tais sujeitos estão inseridos na 
sociedade, sob a ótica da integralidade. 
Nesse sentido, este artigo apresenta uma breve discussão 
analítica sobre as três categorias centrais, que consideramos 
ampliar as análises sobre as ações e intervenções no âmbito 
das políticas públicas para a criança e o adolescente a partir da 
experiência do Curso dos Operadores do Sistema Socioeducativo 
do Estado do Rio de Janeiro. 
Uma breve reflexão crítica da análise funcionalista sobre a 
juventude em conflito com a lei
Estamos imbuídos em esclarecer as consequências da 
delinquência juvenil, suas dimensões sociais, os meios de 
enfrentá-la ou meramente controlá-la? Nessa questão, está 
explícita a preocupação de analisar os posicionamentos teóricos 
nos quais muitos de nós estamos inseridos sem ao menos 
nomeá-los; isso porque não existe pensamento neutro, ausente 
de reflexões anteriores nos quais se formam as bases da análise 
sobre os fatos sociais. Nesse sentido, há de se considerar certa 
hegemonia do pensamento funcionalista7 sobre as bases analíticas 
dos fenômenos relacionados ao crime. 
Observa-se ampla tendência de se criminalizar a pobreza 
e individualizar a ação criminal no âmbito de um discurso, 
que assinala uma natureza moral para o ato criminoso. As 
argumentações realizadas no senso comum, construídas pela 
mídia em geral, pouco contextualizam o problema como um 
fato social. O que se percebe são panoramas simplistas, que não 
articulam a conjuntura das questões sociais e as contradições de 
um sistema econômico e político desigual, que não oferece ao 
7 A corrente sociológica funcionalista foi introduzida por Émile Durheim e, 
posteriormente, por Talcott Parsons no contexto do positivismo.
36
indivíduo oportunidades, acesso a políticas públicas no âmbito 
da promoção do bem-estar necessário para a vida digna em 
sociedade. Em consequência, o olhar para o crime está sempre 
voltado para o criminoso considerado naturalmente propenso a 
ser mal, cruel e que deve ser punido para o resto de sua vida por 
não estar apto à vida em sociedade.
Mesmo em um contexto de mudanças no campo do 
judiciário, em que se efetiva a “doutrina da proteção integral”, 
fundada com a executividade do Estatuto da Criança e do 
Adolescente, até certo ponto pode-se afirmar que ainda impera 
a perspectiva simbólica da “doutrina da situação irregular”, de 
caráter funcionalista. Há todo um sentido ideológico que norteia 
inúmeras ações e intervenções por parte do Estado contra a 
criminalidade. Essa análise pode ser exemplificada a partir das 
ideias que, volta e meia, entram em pauta na mídia e na agenda 
política, tais como: a redução da maioridade penal para os jovens 
infratores; a busca de resolutividade em torno do aumento do 
número de prisões; individualização da problemática do crime 
como argumentação que pauta certo problema da natureza 
violenta do criminoso. Tais questões são exemplos do quanto 
ainda temos uma análise funcional da delinquência acometida 
por jovens em nossa sociedade, cujo mecanismo interventivo 
tem como referência a “correção” normativa, certo exercício de 
vingança da sociedade, a fim de normalizar a engrenagem da 
máquina social e promover uma limpeza dos “maus elementos”.
A dimensão teórica funcionalista é hegemônica em muitas 
interpretações dos fenômenos sociais em nossa sociedade, 
cujas análises criam vieses equivocados, na medida em que 
sugere esquemas baseados em impulsos biológicos e define as 
consequências dos atos criminais como patológicas, nas quais 
certos indivíduos são vistos como portadores de falhas no 
seu desenvolvimento moral determinado por uma natureza 
comportamental. Em decorrência disso, a interpretação sobre 
o crime está reduzida a sua causa, cujas explicações levam a 
generalizações dos fatos sem estabelecer relações com outras 
37
variáveis sociais, como classe, etnia, gênero, geração, religião. 
Assim, uma proposta funcionalista para a socialização do sujeito 
considerado desviante ou criminoso por seu delito consistiria em 
impor certo adestramento, em que o indivíduo a ser normalizado 
é levado a interiorizar regras, valores, habilidades, atitudes e 
doutrinas implantadas mecanicamente sobre o que se pode 
entender como sendo uma atitude civilizada e sob a égide da 
moral burguesa, que prima pela manutenção do seu status quo.
No âmbito do funcionalismo, a hipótese comumente 
sugerida para as pesquisas sobre a delinquência juvenil consiste 
em provar que o enfraquecimento do controle social sobre 
aqueles indivíduos imersos na pobreza e alijados da sociedade 
de consumo é a verdadeira causa do fenômeno do crime; ou 
seja, a falta de controle pode se tornar um fator de risco e, nesse 
sentido, são os jovens mais desprovidos desse controle que se 
tornam delinquentes (DUBAR, 2007). Ademais, essa análise abre 
para certa generalização, isso é, a delinquência percebida como 
um atributo individual, com diferenciação entre dois tipos de 
jovens: um considerado “normal”, geralmente com característica 
branca, de camadas médias e bem integrado à sociedade, em 
detrimento daquele outro, que não quer estudar, trabalhar, que 
é perigoso, geralmente de aparência negra ou parda, que veste 
o estigma de delinquente e tira o maior proveito de sua situação 
delituosa. Ironicamente, não seria este percebido como em 
“situação irregular” da era do Código de Menores? 
Para o olhar funcionalista, não entra em discussão a 
trajetória de vida da maioria dos indivíduos em nossa sociedade, 
que envolve a dimensão do trabalho infantil, desemprego, 
desigualdade econômica, violência simbólica estrutural, 
desestruturação familiar em meio à exclusão social. Tais aspectos 
são traços peculiares da relação capital/trabalho e exploração, 
avanço da carência de oportunidades a todos, frágil conteúdo 
educacional do ensino público, que não favorece ascensão social 
(SOARES, 2007). 
38
Considerando os ensinamentos de Pierre Bourdieu (2003), 
será preciso ir mais longe e decifrar os conflitos como expressões 
simbólicas, que não podem ser feitos a partir de padrões ou crivos 
preestabelecidos e soluções pela ótica do “olho por olho, dente 
por dente”. Será necessário perceber que os jovens que cometem 
atos infracionais o fazem atuando em um campo de poder, em 
que o “mundo do crime” é visto como marca de virilidade. Há 
de se relativizar o quanto as forças que muitos jovens dispõem 
em uma sociedade distintiva como a nossa, que impõe buscar a 
qualquer preço ser aceito e integrado socialmente em cujos ritos 
de passagens pelas gangues, muitas vezes, passam pela prática 
do delito (ZALUAR, 2004). 
De todo modo, devemos reconhecer o fato de que todo 
indivíduo impulsiona sua experiência de vida sobre determinadas 
práticas e são responsáveis por elas. As ações individuais 
são relacionais e podem ser previsíveis ou inesperadas, mas 
certamente estão baseadas na trajetória de vida de cada um, 
em meio a estilos e identidades socialmente construídos. É 
importante considerar que esse ato infracional, que teve como 
consequência uma resposta jurídica, desempenha uma função na 
vida desse jovem e na sua relação com o outro, sendo importante 
recuperar a análise sobre o seu envolvimento nesse ato, a fim de 
tornar possível para ele responsabilizar-sepor isso. No Brasil, 
é através do cumprimento da medida socioeducativa que o 
adolescente é convocado a responder pelo ato cometido. Só 
assim poderá responsabilizar-se por aquilo que lhe escapa e que 
aparece realizado em seu desvio com a lei.
 O caráter sancionatório e pedagógico das medidas 
socioeducativas envolve um modelo de atendimento articulado 
ao sistema de garantia de direitos que visam à promoção da 
cidadania. A grande questão que se coloca aqui, para um olhar não 
funcional, será pensar as ações das instituições que desenvolvem 
programas de medidas socioeducativas privativa e restritiva 
de liberdade, que priorizam o resgate da cidadania do jovem 
em conflito com a lei. Busca-se, assim, ir além das estratégias 
39
coercitivas, punitivas e disciplinadoras muito em voga e que 
tanto disseminam a violência simbólica. Porém, qual é o objetivo 
de tais ações? Integrar, normalizar, doutrinar e adequar? Ou 
empoderar tais sujeitos como agentes de sua história e capazes 
de buscar em si mesmo novas saídas para o sentido da vida, 
como sujeitos detentores de capitais culturais, que possibilitam o 
exercício da civilidade?
Podemos analisar, à luz dos ensinamentos de Sigmund 
Freud (1930), que a ideia de civilização tem por objetivo 
moderar e limitar a vontade de gozo, por meio da formação dos 
ideais. Contudo, não estamos mais em uma época como a de 
Freud, quando os ideais e as ideologias estavam no zênite do 
social (MILLER, 2004). Estamos em uma época em que existem 
impasses; uma época em que as leis simbólicas, que regem 
os laços sociais, não têm tido consistência para assegurar as 
relações do sujeito com o outro, em função do declínio dos ideais. 
Consequentemente, estamos confrontados com certos tipos de 
comportamentos de jovens que colocam as ações dos educadores 
em xeque e nos desafiam a novas intervenções. 
A sociedade quer punição, quer a retirada de todos 
aqueles que cometem atos de barbárie, mas o aprisionamento 
por si só seria suficiente para promover o sentido de civilidade? 
Entretanto, direcionar para o sentido de civilidade seria o 
interesse da sociedade? Ou interessaria mais puni-lo, encarcerá-
lo e extirpá-lo da convivência como se o curasse um câncer social, 
como se promovesse uma limpeza, livrando-se de um indivíduo-
problema em uma retomada retórica já vista pela “ideologia da 
situação irregular”? 
O que se observa é que são amplas as questões que devem 
ser relativizadas, a fim de nortear as ações e intervenções com 
as medidas socioeducativas, mas sem perder de vista a égide da 
integralidade sobre o jovem em conflito com a lei.
40
Infância e adolescência: uma construção social e histórica
Hoje, a ideia de infância e adolescência está amparada a partir 
de uma análise histórica e social, o que implica afirmar que é o 
resultado variável de um amplo processo social, político e econômico 
vivido ao longo de séculos. Nesse sentido, refuta-se qualquer 
perspectiva de se afirmar ser um fenômeno meramente determinado 
pela natureza, baseado em princípios hormonais e implicados por 
relações biocorporais no âmbito de uma faixa etária cronológica. 
A análise sobre a infância como questão analítica em 
ciências sociais ganha visibilidade com a publicação do livro 
de Philippe Ariés, A história social da criança e da família (1981). 
Até então, poucos historiadores se manifestaram sobre o tema, 
aspecto que colocava o debate sobre a criança na sociedade como 
certa penumbra teórica e analítica ou como preocupação para as 
políticas públicas fora do cerco assistencialista. O próprio Ariès 
(1981) salientou que a falta de uma história da infância e o seu 
registro historiográfico tardio são um indício da incapacidade 
por parte do adulto de ver a criança em sua perspectiva histórica, 
para além de suas capacidades “naturais” vinculadas à idade.
Na sociedade brasileira, ao analisarmos o processo de 
construção social da infância desde o período colonial, é 
preciso considerar que o Brasil-colônia estava organizado entre 
casa grande e senzala, senhores e escravos. As crianças eram 
“crianças rapazes” à força. Gilberto Freyre (1983) fez questão 
de caracterizar esses homenzinhos obrigados a se comportarem 
como gente grande, salientando que a educação dos pequenos 
tinha o propósito de destruir toda a espontaneidade e alegria 
de quem ainda aprendia a viver em um sistema escravocrata. 
Esse autor destaca que, até os cinco anos, “os meninos de família 
andavam nus do mesmo modo que os moleques; mais tarde é que 
vinham as roupas pesadas e solenes distinguir os filhos-família 
dos moleques da senzala com as roupas de homem” (FREYRE, 
1983, p. 412).
41
Em 1808, a chegada e estadia da Família Real Portuguesa 
no Brasil foram um marco para aquele século. Logo foram 
inauguradas as Escolas Militares, a Escola de Direito e Medicina, 
a Biblioteca Real, o Jardim Botânico, a Imprensa. A assistência 
era feita pela Santa Casa de Misericórdia, onde foram instaladas, 
nos moldes de Portugal, as Rodas dos Expostos, primeiro modelo 
de acolhimento de recém-nascidos órfãos ou abandonados, seja 
por ser pobre seja por ser filho de uma mãe solteira. Pelos códigos 
morais da época, era impensável uma mulher mãe solteira. A 
uma gravidez ilegítima, fruto de uma relação fora do casamento, 
só restava a tentativa de se livrar do filho bastardo. 
A Roda dos Expostos consistia em um mecanismo em forma de 
tambor com uma portinhola giratória, onde o bebê era colocado. 
Bastava tocar um sino e rodá-la para que alguém a pegasse do outro 
lado. Tal sistema mantinha o anonimato, uma vez que era construído 
de tal forma que aquele que colocava a criança não era visto por 
aquele que a recebia. Foram longos os usos desse dispositivo em 
nossa História, que datam de 1726 a 1950. Por quase um século e 
meio, a Roda de Expostos foi praticamente o único mecanismo de 
assistência à criança abandonada em todo o Brasil. 
Em 1822, ocorre a proclamação da Independência e, em 
1824, a primeira Constituição brasileira, que foi uma Constituição 
considerada liberal e moderna para a época. Em 1830, foi 
sancionado o primeiro Código Criminal no Brasil. O artigo de 
número 10 determinava que os menores de 14 anos não fossem 
julgados como criminosos (CARVALHO, 2010). Ademais, a lei 
do Ventre Livre teve uma importância estruturante para a época. 
Em seu primeiro artigo, salientava que: “Os filhos de mulher 
escrava que nascerem no Império desde a data desta lei serão 
considerados de condição livre”. Qual é a nossa herança? 
No contexto educacional, do Brasil-colônia à República 
Velha (1889 -1929), nenhuma mudança estrutural ocorreu em 
uma perspectiva de equidade para a qualidade de ensino entre 
a elite e as camadas populares. Na assistência, a infância pobre 
42
era vista como em situação irregular e desprovida de direitos. De 
todo modo, a década de 1920 foi marcada pelas transformações 
que consolidaram leis de assistência e proteção aos jovens 
como tutela e coerção do Estado. No entanto, a infância pobre 
era caracterizada como delinquente. Em 1927, promulga-se o 
Código de Menores, momento a partir do qual o Estado passa a 
se comprometer e intervir com políticas públicas. 
A infância se transformava e a criança de pequenos 
adultos passava a ser um problema social em meio às inúmeras 
desigualdades sociais vividas, que a expunham em situação 
social irregular, sendo percebida como vagabunda, desocupada, 
baderneira, capoeira. Nesse sentido, passou a ser objeto de tutela 
assistencialista do Estado com vistas a inibir essa constante 
situação colocando-a fora das ruas e dentro das instituições penais 
em prol da disciplina, normalização social e controle da ordem. 
A dimensão política, que passou a reconhecer as opiniões 
das crianças e adolescentes, seus desejos e limitações como um 
tema para o seu bem-estar, veioà tona com a promulgação da 
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança 
em 1989. A partir de então, temos um marco importante, que 
acarretou mudanças na definição de infância e fortaleceu no 
Brasil a tese da doutrina da Proteção Integral. 
A criança e o adolescente, reconhecidos como sujeitos na 
sua condição peculiar de desenvolvimento, passam a ter seus 
direitos fundamentais respeitados, dentre os quais: vida, saúde, 
alimentação, educação, esporte, lazer, profissionalização, cultura, 
dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária, 
o que lhes garante consentimentos e confidencialidade no mundo 
dos adultos, tal como determinado pela Constituição Federal de 
1988 e normatizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
43
Considerações finais
O que podemos alinhavar no âmbito deste debate são as 
inúmeras contradições políticas nas quais os temas infância, 
adolescência e família envolvem em nosso cotidiano, quais 
sejam: trabalho infantil, pobreza, exclusão social, desemprego, 
desigualdade social, violência estrutural, a arma como símbolo 
de virilidade, o sentido de transgressão pela criminalidade, 
acesso a oportunidades, baixa escolaridade, entre outros. 
O que buscamos ressaltar, diante desta reflexão, são as 
contradições marcantes das questões sociais em voga, que 
culminam com a exclusão social, aspectos que elucidam a base 
dos indicadores da vulnerabilidade de todos os cidadãos, mas 
principalmente das crianças, dos adolescentes e das famílias de 
um modo geral. Em meio à ideia de questão social, há a análise 
da não naturalização dos problemas sociais. Essa perspectiva se 
apoia na apreciação política da estrutural desigualdade de direitos 
por parte de setores inteiros da sociedade (CASTELO, 2012). 
A partir destas reflexões, reafirmamos a análise de que 
a dinâmica das desigualdades são construções e, como tais, 
requerem ser analisadas a partir de parâmetros metodológicos, 
éticos, críticos e transformadores, que rumam em direção ao 
exercício majoritário dos Direitos Humanos como uma prática. 
Para isso, acreditamos ser preciso que tenhamos senso crítico. Será 
obrigatório abrir mão de conceitos e preconceitos solidificados, 
para que possamos olhar para os jovens, principalmente 
aqueles que estão em cumprimento de medida socioeducativa, 
considerando-os inseridos nos âmbitos das questões sociais que 
trazem em suas trajetórias de vida, pois esses jovens não são os 
atos infracionais que cometeram. 
O que entra em discussão neste debate é perceber a criança 
como sujeito de direito, que necessita de cuidados dos adultos e 
assistência do Estado. Porém, o adolescente de baixa renda ainda 
44
continua a ser percebido como um problema social, sob a ótica 
da doutrina da “situação irregular”, mesmo em meio ao Estatuto 
da Criança e do Adolescente, que abre legalmente a perspectiva 
para sua a análise a partir da doutrina da “proteção integral”.
Enfim, houve um longo percurso histórico das instituições 
sociais, inclusive jurídicas e acadêmicas, para que os adultos 
das sociedades ocidentais reconhecessem, à criança, o estatuto 
de sujeito e a dignidade de pessoa com base no princípio das 
obrigações por parte da família, da comunidade e do Estado, 
mas não seremos nós a perder o rumo desta história. 
As famílias: novos olhares
Pensar família, hoje, requer uma compreensão de famílias 
no sentido plural, que interpele novas reflexões para além do 
modelo “nuclear burguês”. Essa perspectiva possibilita analisar 
a diversidade de relações e arranjos existentes no âmbito 
das conjunções familiares contemporâneas. Haja vista que 
coexistimos com novas configurações familiares, não se pode 
pensar tal instituição fora do contexto mais amplo, que envolva o 
reconhecimento de modelos de coabitação diversos. Não se pode 
negar, nesse sentido, a influência da família na construção das 
identidades e estilos de vida dos sujeitos. Afirma-se o fato de que 
a família se transforma e se adéqua às mais diversas formas de 
influências sociais e culturais do mundo moderno (HINTZ, 2001). 
Podemos conceituar a família como uma instituição na 
qual os membros se unem por vínculos de consanguinidade, 
afetividade e coabitação, sendo um espaço de proteção e 
socialização, mas também de coexistência de conflitos e violência. 
Nesse aspecto, será necessário compreender os mais diversos 
arranjos, que na atualidade se destacam como diferentes formas 
de expressão familiar, a saber: um núcleo familiar formado por 
pai, mãe e filhos, no qual o pai tradicionalmente detém maiores 
45
poderes simbólicos nas relações de gênero; as famílias extensas 
formadas por outros membros, como avós, tios e primos; a 
família monoparental, chefiadas por um pai ou uma mãe; as 
homoafetivas, formadas por casais homossexuais com ou sem 
crianças; reconstituídas, formadas por várias pessoas coabitando 
juntas, sem laços legais, mas com forte compromisso mútuo; 
entre outros modelos. 
De todo modo, havemos de reconhecer que o grupo familiar 
irá exercer influência fundamental no desenvolvimento individual 
do sujeito, na constituição de suas identidades, seus gostos e estilos 
de vida, além de contribuir na formação de sua personalidade, seu 
comportamento e suas relações sociais estabelecidas fora e dentro 
do ambiente familiar. Há de se levar em conta, nesse contexto, as 
mudanças ocorridas na formação da família. 
Com as transformações ocorridas a partir da segunda metade do 
século XX, quando a sociedade passou por grandes transformações, 
houve mudanças fundamentais no âmbito da vida pública e privada, 
caracterizadas pela ampla urbanização das cidades, pelos avanços 
tecnológicos, pela efetiva participação da mulher no mercado de 
trabalho, pelo aumento no número de separações e divórcios, pelo 
controle da natalidade como um mecanismo de escolha a partir dos 
métodos contraceptivos, entre outros. 
O Censo de 2010 apontou novo perfil da família brasileira 
(IBGE 2010). Foi apresentado um declínio das uniões formais 
para as informais, um crescimento das famílias reconstituídas e 
das famílias monoparentais, em especial formadas por mulheres 
provedoras do lar. Na atualidade, o Brasil aumenta ainda mais 
as desigualdades sociais, acarretando algumas particularidades 
próprias de um sistema que sofre com a ausência de políticas 
públicas consistentes. 
Como fruto de ampla mobilização popular, a Constituição 
Federal de 1988 fortalece a instituição familiar e deflagra ampla 
consolidação de políticas públicas, com os seguintes destaques: o 
Sistema Único de Assistência Social, que passou a apresentar como 
46
um de seus pilares norteadores a matricialidade sociofamiliar; e 
o Estatuto da Criança e do Adolescente – lei 8069/1990, na qual 
a família passa a vigorar com importância vital na construção da 
cidadania. Em decorrência, tem-se o Plano Nacional de Promoção, 
Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à 
Convivência Familiar e Comunitária, que apresenta como uma de 
suas principais diretrizes a centralidade da família, a primazia da 
responsabilidade do Estado no fomento de políticas integradas 
de apoio e o reconhecimento das competências familiares na sua 
organização interna e na superação de dificuldades.
Em se tratando especificamente do adolescente-autor 
de ato infracional e sua família, o Sistema de Atendimento 
Socioeducativo – SINASE – reconhece a participação familiar 
como fundamental no processo socioeducativo, a fim de atingir 
os objetivos da medida socioeducativa aplicada. 
Embora tenha sido descrito um aparato legal como forma 
de proteção à família, cabe ressaltar que a aprovação de leis e 
a existência dessas não são o suficiente para se garantir uma 
proteção real às famílias e a seus membros. As mudanças só 
ocorrem realmente a partir do momento em que asleis saem 
do papel e se transformam em políticas públicas em meio à 
consolidação de uma sociedade mais justa e igualitária.
Considerações finais
O que podemos alinhavar no âmbito deste debate são as 
inúmeras contradições políticas nas quais os temas infância, 
adolescência e família envolvem em nosso cotidiano, quais 
sejam: trabalho infantil, pobreza, exclusão social, desemprego, 
desigualdade social, violência estrutural, a arma como símbolo 
de virilidade, o sentido de transgressão pela criminalidade, 
acesso a oportunidades, baixa escolaridade, entre outros. 
47
O que buscamos ressaltar, diante desta reflexão, são as 
contradições marcantes das questões sociais em voga, que 
culminam com a exclusão social, aspectos que elucidam a base 
dos indicadores da vulnerabilidade de todos os cidadãos, mas 
principalmente das crianças, dos adolescentes e das famílias de 
um modo geral. Em meio à ideia de questão social, há a análise 
da não naturalização dos problemas sociais. Essa perspectiva se 
apoia na apreciação política da estrutural desigualdade de direitos 
por parte de setores inteiros da sociedade (CASTELO, 2012). 
A partir destas reflexões, reafirmamos a análise de que 
a dinâmica das desigualdades são construções e, como tais, 
requerem ser analisadas a partir de parâmetros metodológicos, 
éticos, críticos e transformadores, que rumam em direção ao 
exercício majoritário dos Direitos Humanos como uma prática. 
Para isso, acreditamos ser preciso que tenhamos senso crítico. Será 
obrigatório abrir mão de conceitos e preconceitos solidificados, 
para que possamos olhar para os jovens, principalmente 
aqueles que estão em cumprimento de medida socioeducativa, 
considerando-os inseridos nos âmbitos das questões sociais que 
trazem em suas trajetórias de vida, pois esses jovens não são os 
atos infracionais que cometeram. 
O que entra em discussão neste debate é perceber a criança 
como sujeito de direito, que necessita de cuidados dos adultos e 
assistência do Estado. Porém, o adolescente de baixa renda ainda 
continua a ser percebido como um problema social, sob a ótica 
da doutrina da “situação irregular”, mesmo em meio ao Estatuto 
da Criança e do Adolescente, que abre legalmente a perspectiva 
para sua a análise a partir da doutrina da “proteção integral”.
Enfim, houve um longo percurso histórico das instituições 
sociais, inclusive jurídicas e acadêmicas, para que os adultos 
das sociedades ocidentais reconhecessem, à criança, o estatuto 
de sujeito e a dignidade de pessoa com base no princípio das 
obrigações por parte da família, da comunidade e do Estado, 
mas não seremos nós a perder o rumo desta história. 
48
Referências bibliográficas
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de 
Janeiro: Zahar Editores, 1981
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand 
Brasil, 2003.
CARVALHO, Fabiana Aparecida. Adolescente em liberdade 
assistida: algumas histórias. Jundiaí-SP: Paco Editorial, 2010.
CASTELO, Rodrigo. Desenvolvimento econômico e equidade: 
uma crítica ao projeto novo-desenvolvimentista de intervenção 
sobre a “questão social”. In: LEAL, Maria Cristina; MORAES, 
Silene (Org.). Direitos humanos e suas interfaces nas políticas sociais. 
Rio de janeiro: EdUERJ, 2012. 
DUBAR, Claude. O ensinamentos dos enfoques sociológicos da 
delinquência juvenil. In: PAIVA, Vanilda; SÊNTO-SÈ, João Trajano. 
Juventude em conflito com a lei. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: a formação da família 
brasileira sob o regime da economia patriarcal. Rio de Janeiro: Livraria 
José Olympio Editora, 1983.
FREUD, Sigmund. Mal-estar na civilização. In: Edição Standard 
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio 
de Janeiro: Imago, 1980, vol. XXI.
GERRA, Yolanda. Direitos sociais e sociedade de classes: o 
discurso do Direito a Ter Direitos. In: FORTI, Valeria; GERRA, 
Yolanda (Org.). Ética e direitos; ensaios críticos. Rio de Janeiro: 
Lumen Juris, 2010.
HINTZ, Helena Centeno. Novos tempos, novas famílias? Da 
modernidade a pós-modernidade. In: Revista Pensando Famílias. 
Porto Alegre, n 3ª, 2001, 8-19.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. FAMÍLIA 
E DOMICÍLIO. In: Censo Demográfico 2010 – Rio de Janeiro, 17 
49
de outubro de 2012.
MILLER, J. A. Lacan e a Política. In: Opção Lacaniana. São Paulo, 
n. 40, 2004, 07-20. 
PRATTA, Elisângela M. M. e SANTOS, M. A. Família e adolescência: 
a influência do contexto familiar no Desenvolvimento psicológico 
de seus membros. In: Psicologia em Estudo, Maringá, v. 12, n. 2, 
2007, 247-256.
SOARES, Carla; CALHEIROS, Vera. A naturalização do ato 
infracional de adolescentes em conflito com a lei. In: PAIVA, 
Vanilda; SÊNTO-SÈ, João Trajano. Juventude em conflito com a lei. 
Rio de Janeiro: Garamond, 2007.
VOLPI, Mário. Sem liberdade, sem direitos: a experiência de privação 
de liberdade na percepção dos adolescentes em conflito com a lei. São 
Paulo: Cortez, 2011.
ZALUAR, A. Integração Perversa: pobreza e tráfico de drogas. Rio de 
Janeiro: Editora FGV, 2004. 
ZEITOUNE, C. M. A Clínica psicanalítica do ato Infracional – Os 
impasses da sexuação na adolescência. Tese de doutorado em Teoria 
Psicanalítica. Orientação da Prof. Dra. Tania Coelho dos Santos. 
PGTP/UFRJ. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: <http://www.
psicologia.ufrj.br/teoriapsicanalitica.
50
Infâncias marginalizadas , adolescentes criminalizados?
Virginia Georg Schindhelm8
Resumo: O artigo tem como foco os temas infância e 
adolescência em diálogo com experiências de vulnerabilidade, 
invisibilidade e de risco social. Apresentamos infância e 
adolescência como fenômenos socioculturais, construídos 
historicamente, e envolvidos nos processos de urbanização, 
do trabalho e das relações de produção. As crianças, futuros 
adolescentes, vivem com várias realidades sociais e delas 
apreendem valores e estratégias de compreensão de mundo 
e de formação de suas próprias identidades pessoal e 
sociocultural. Quase sempre mediadas por adultos, no interior 
de complexos modos de organização e de produção cultural, 
crianças e adolescentes desenvolvem-se como participantes 
de comunidades e nelas vivem experiências, muitas vezes 
configuradas como situações de risco. Nas comunidades com 
concentração de famílias de baixa renda, é comum atribuir aos 
sujeitos trajetórias que afirmam e potencializam noções subjetivas 
e sociais de desqualificação e marginalização. Os jovens emergentes 
destas comunidades, comumente, são considerados perigosos em 
potencial, inimigos da sociedade e, por isso, sujeitos que devem ser 
evitados e excluídos para o melhor desenvolvimento da sociedade. 
Nesse contexto, configura-se um processo de criminalização que 
atravessa infâncias e jovens que vivenciam políticas públicas 
intervencionistas de governo com ações policiais opressoras. 
Diante dessas questões, desenvolvemos reflexões sobre crianças 
e jovens configurados por identidades homogêneas, inferiores 
e desqualificadas e, por isso, atravessados e constituídos por 
políticas governamentais que os consideram fora de perspectivas 
de normalidade, de autonomia e mesmo de liberdade. 
8 Doutora em Educação Universidade Federal Fluminense –UFF.;E-mail: psi-
covir@terra.com.br Professora Convidada do Curso de Formação de Operadores do 
Sistema Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro
51
Palavras-chave: crianças, jovens, risco e exclusão social, infração.
Introdução
Este artigo parte da experiência do curso de formação 
dos profissionais do sistema socioeducativo ao adolescente em 
conflito com a lei do Estado do Rio de Janeiro, que procurou 
introduzir os fundamentos teóricos para a prática socioeducativa 
sobre os temas infância, adolescência, família e sociedade, em 
conformidade com as diretrizes legais e normativas nacionaise 
internacionais no âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente 
(ECA), do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo 
SINASE e do PNCFC (Plano Nacional de Convivência Familiar 
e Comunitária).
Nossa proposta é trazer algumas reflexões sobre infâncias 
e adolescentes, entendidos como sujeitos de direitos que se 
encontram em processo de desenvolvimento e de construção 
de uma identidade social, histórica, psíquica e corporal como 
pessoa humana.
Nosso curso partiu de reflexões acerca de conceitos de 
infância e adolescência, de modo a entendermos que não são 
simplesmente fenômenos naturais e biológicos a partir do 
nascimento, mas caracterizam-se como fenômenos históricos, 
culturais e sociais. 
Para compreendermos a história da infância e da 
adolescência, indiscutivelmente, precisamos visitar a história da 
família, dos processos de urbanização, do trabalho e das relações 
de produção para entendermos que vivemos com uma herança 
histórica com particularidades latino-americanas construídas 
a partir de sociedades cindidas em classes com marcas de 
um passado oriundo de longos processos de colonização e 
de escravidão e de um presente configurado por sociedades 
com classes dominantes subordinadas aos grandes centros 
52
hegemônicos do capital financeiro com a finalidade de auferir 
lucros, independente da produção. Neste processo surge a 
ideologia do capital humano referindo-se à importância do sujeito 
social como mão de obra qualificada para o processo produtivo 
numa sociedade que valoriza a pedagogia das competências, a 
empregabilidade e o empreendorismo. 
Nesta lógica social com espírito mercantil, onde ficam as 
crianças que caminham para adolescência num contexto familiar 
em situação de pobreza, distanciadas desse ideal social e que, 
muitas vezes, é criada num lugar de conflito e num espaço de 
violação dos direitos legais que asseguram a sua liberdade, 
dignidade, integridade física, psíquica e moral, sua educação, 
saúde, proteção, assistência social à cultura, ao lazer, ao desporto, 
à habitação, a um meio ambiente de qualidade, dentre outros 
anunciados pelos documentos institucionais? 
Diante desses pressupostos, apresentamos um breve 
histórico da infância, adolescência e famílias pobres no Brasil na 
tentativa de situá-los no contexto social nacional. 
Contextualizando a infância, a adolescência e famílias pobres 
no Brasil
A infância e a adolescência não são simplesmente fenômenos 
naturais e biológicos a partir do nascimento, mas caracterizam-se 
como fenômenos socioculturais construídos ao longo da História. 
Referimo-nos à história do Brasil que começou a ser registrada a 
partir do anos 1500, quando europeus aportaram em nossas terras. 
Mesmo assim, até a transferência da família real para o Rio 
de Janeiro, em 1808, há poucos e esparsos registros da formação 
histórico-social da sociedade brasileira. Predominavam aqui 
valores tradicionais, herdados das elites rurais escravagistas, que, 
na prática, controlavam o poder político local. Existiam crianças 
e jovens nas tribos indígenas com culturas singulares e diferentes 
53
daquelas que os colonizadores conheciam. Vemos assim, que a 
concepção de criança que temos na atualidade ocidental não é a 
mesma que a História nos conta.
Até o século XVI ainda estava longe de ser delimitada 
enquanto etapa cronologicamente precisa. Na Idade Média 
europeia, as crianças misturavam-se aos adultos e participavam de 
atividades de diversão, de trabalho e também de sexo, pois eram 
livres para assistir a tudo que os adultos faziam. Durante séculos as 
crianças foram consideradas como adultos menores, mais frágeis 
e menos inteligentes, mostradas através da arte, como adultos em 
miniatura, com vestimentas e atitudes próprias da adultez.
Pouco a pouco, diferentes infâncias instituem-se quando 
reconhecidas por suas diferentes naturezas: desde a infância 
angélica e nobilíssima do Príncipe, passando pela infância dos 
filhos das classes privilegiadas até a infância rude das classes 
populares, descrevem Varela e Alvarez-Uria (1992, p. 71). Cada 
uma dessas infâncias recebia programas educativos diferenciados.
A educação para as classes menos abastadas acontecia por 
meio de uma ampla rede de sociabilidade com aprendizagem 
gradual dos usos, dos costumes e das técnicas conhecidas pelas 
comunidades. Tuteladas por um adulto, as crianças tornavam-se 
aprendizes a partir dos sete anos com responsabilidades que se 
tornavam progressivamente mais próximas às dos adultos. 
Os autores e eclesiásticos, que preocupavam-se com o 
ensino das letras aos pequenos, acordavam sobre a necessidade 
de que muito cedo fossem os infantes iniciados na aprendizagem 
da fé e dos bons costumes, pois conferiam a essa etapa especial 
da vida características como a maleabilidade, a fragilidade, a 
rudeza, a fraqueza de juízo e, enfim, a necessidade de civilizar 
a “natureza em que se assentam os germens dos vícios e das 
virtudes”, explicitam Varela e Alvarez-Uria (1992, p. 71).
A inocência infantil é uma conquista posterior a esse período, 
efeito, em grande medida, da aplicação de toda uma ortopedia 
54
moral sobre o corpo e a alma dos jovens, complementam os 
autores (ibidem 1992, p. 72).
De acordo com Ariès (1981), o conceito de infância é recente 
na história da humanidade, foi modificado e determinado pelos 
interesses sócio-político-econômicos dos movimentos culturais 
iluministas e religiosos protestantes, que permitiram, nos séculos 
XVII e XVIII, um olhar diferenciado sobre ela. Fundamentalmente, 
a partir dessa época, começa a configurar-se o sentimento de 
infância, tal como hoje o percebemos, todavia não tinha como 
significado a afeição pelas crianças, mas sim a consciência da 
particularidade infantil, entendida como uma etapa diferente da 
idade adulta e dotada de capacidade de desenvolvimento. 
Heywood (2004) ressalta, no entanto, que nos séculos XVI 
e XVII já existia uma consciência de que as percepções de uma 
criança eram diferentes das dos adultos e que já havia uma 
infância presente na Idade Média, mesmo que a sociedade não 
tivesse tempo para a criança. Segundo o autor, nessa época a 
Igreja já se preocupava com a educação das crianças, colocadas 
a serviço do monastério e, no século XII, já existiam indícios 
de um investimento social e psicológico nas crianças. Dessa 
forma, Heywood considera mais frutífera a busca de diferentes 
concepções sobre a infância, uma vez que identificou várias 
descobertas sobre ela em diferentes tempos e lugares. 
Ariès (1981) elaborou historicamente o estatuto da infância, 
relacionou a sua constituição com as classes sociais, com a 
emergência da família moderna e com uma série de práticas 
educativas aplicadas especialmente nos colégios. Todavia, 
relegou a um segundo plano, um tanto longínquo, os métodos 
empregados no recolhimento e moralização dos meninos 
pobres. A constituição da infância de qualidade fazia parte de 
um programa político de dominação: quando rica era governada 
e submetida à autoridade pedagógica e aos regulamentos, que 
constituíam passos para assumir mais tarde funções do governo, 
quando pobre não recebia atenções e tinha nos hospitais, nos 
55
hospícios e em outros espaços de correção, os primeiros centros-
pilotos destinados a modelá-la (VARELA e ALVAREZ-URIA, 
1992, p. 75).
A partir dos estudos de Àries e de Heywood podemos 
inferir que as crianças sempre estiveram presentes nos diferentes 
meios socioculturais, apesar da impossibilidade de categorizar a 
uma infância universal, natural, sempre igual, homogênea e de 
significado óbvio devido à diversidade de aspectos temporais, 
sociais, culturais e políticos e das especificidades diferenciadas 
das características adultas que interferiram na sua formação.
Sendo assim, compreender uma história da infância e 
da adolescência

Continue navegando