Buscar

Modelo Napoleônico ou Reformado de Processo Penal

Prévia do material em texto

Fonte: 
SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Introdução
ao Direito Processual Penal. 2 ed. Florianópolis:
Empório do Direito, 2015.
Revolução Francesa: os novos 
rumos do Processo Penal na 
Europa continental
 Na Europa do fim do século XVIII − com exceção da
Inglaterra, onde a inquisição não prosperou − imperava o
sistema inquisitório, o que correspondia, de forma direta,
ao caráter autoritário dos Estados então governados.
 Era natural que a Revolução Francesa, inspirada pelo
pensamento iluminista, trouxesse consigo, ao menos
inicialmente, a adoção do sistema acusatório baseado
em uma ampla participação dos cidadãos nos órgãos
judiciais, em coerência com o readquirido papel
central do indivíduo e o reconhecimento de seus
direitos fundamentais
 O modelo que serviria de referência era o inglês,
principalmente na questão da participação popular,
representada pelos jurados na administração da justiça.
Conjuntamente, quase como uma consequência
lógica, o processo penal deveria apresentar as
características da oralidade, do contraditório e da
publicidade, além da livre formação da convicção pelo
juiz.
 Assim, entre 1789 e 1791, o júri é introduzido na França,
tanto para o exercício da acusação quanto para o
julgamento; instituiu-se, ainda, a publicidade do juízo, o
direito de defesa, a contradição probatória, a oralidade e a
mediação do juízo.
Processo penal da Revolução
 Lei de 11 de agosto de 1789 aboliu as justiças
senhoriais;
 Lei de 08 de outubro de 1789 dá publicidade às
audiências;
Processo Penal da Revolução
 A Assembleia Constituinte, além de confirmar a
publicidade das audiências na Constituição de 03 de
setembro de 1791, reestrutura a organização judiciária pela
Lei de 16-29 de setembro de 1791, inspirada em técnicas
do sistema inglês.
 Com isso, a investigação dos crimes é encarregada a um
juiz de paz; em seguida, atribui-se a um juiz togado
(directeur du jury) a função de colher a prova para que o júri
de acusação, composto por oito jurados, decida pela
procedência ou improcedência da acusação; sendo a
decisão pela procedência, o acusado era submetido ao júri
de julgamento, formado por 12 jurados, que deveriam
decidir sobre o mérito.
Refluxo inquisitório: o Código 
Termidoriano de 1795
 Início da derrocada da tendência acusatória do sistema
processual que até então vinha sendo implementado
na França: o Code des délits et des peines concedia
extensos poderes ao juiz presidente do júri, que
estava autorizado a utilizar todos os esforços úteis
para descoberta da verdade.
A derrocada do sistema
acusatório no Pós-Revolução: o
retorno ao Antigo Regime
 A partir de 18 brumário do ano VIII no calendário da
Revolução francesa (correspondente a 09 de novembro
de 1799, no gregoriano), com Napoleão Bonaparte
ascendendo ao poder e pondo em marcha uma extensa
empreitada legislativa, que se verificou o verdadeiro
regresso ao Antigo Regime.
 Os cônsules Bonaparte, Cambacérès e Lebrun
anunciam que a “revolução terminou”, e submetem a
um plebiscito a nova Constituição (24 de frimário, isto
é, 15 de dezembro de 1799), sob a insígnia dos ‘poderes
fortes e estáveis’; nela se contempla a abolição do
acusador público eletivo (tit. 5, art. 63), cujos poderes
passam ao comissário, nomeado e exonerável pelo
primeiro cônsul (com substitutos em todos os lugares
em que ao governo pareça conveniente instituí-los, art.
35 da Lei 7 pluvioso do ano IX, ou seja, de 18 de março
de 1800); com nome distinto, renasce o procurador
do rei.
Code d’Instruction Criminelle de 
1808
 Instituído pela Lei de 17 de novembro de 1808, representa
a sedimentação efetiva do retorno à tendência inquisitória ;
 O Código traduzia uma solução de compromisso entre os
sistemas, inquisitório do Antigo Regime e o acusatório
do “direito intermédio”, pois que manteve a filosofia
inquisitória para a instrução preparatória − escrita, secreta,
sem assistência de advogados e confiada ao juiz de
instrução criado pelo Diretório − limitando a regra
acusatória para a audiência do julgamento, que era pública,
oral, contraditória e na qual a matéria de fato era decidida
por um júri.
Procedimento do Código 
Napoleônico: fase de instrução
 Promovida a abolição dos jurados para a acusação, a primeira
fase da persecução − em que se procedia a busca e a produção das
provas − ficava a cargo do juiz instrutor, que conduzia seus atos
em procedimento escrito e secreto; ao final desta fase, se
consideradas suficientes as provas para imputar ao acusado a
prática de um delito, os autos eram remetidos ao procurador-
geral, que formalizava a acusação perante a chambre
d’accusation, que se incumbia de decidir se o imputado deveria
ser submetido ao tribunal dos jurados (cour d’assises). Somente
chegando a este ponto era aberto um limitado espaço ao
contraditório, com a designação de um advogado de defesa e a
possibilidade de que ele pudesse ter vista dos autos com as
diligências praticadas na instrução
Procedimento do Código 
Napoleônico: fase de julgamento
 Perante a cour d’assises, na presença dos jurados,
iniciava-se uma fase pública e oral, com a participação
da defesa e com respeito ao princípio do contraditório
na produção da prova.
O “monstro de duas cabeças”
 O caráter acusatório do juízo na fase de julgamento é
mais aparente do que real: mesmo que os testemunhos
fossem prestados oralmente, por outro lado, tomava-se
nota de todas as variações que se produzissem em
relação às declarações prestadas ao juiz de instrução e,
ainda, o presidente podia transmitir aos membros do
corpo de jurados qualquer informação útil acerca dos
atos realizados na fase de instrução, informação essa
que se encontrava em suas mãos; em todo caso, a
leitura das diligências de instrução, mesmo não
autorizada pela lei, não constituía causa de nulidade.
 O art. 318 prevê que sejam anotadas em ata as
“adições, modificações ou variações (...) entre a
declaração de uma testemunha e suas declarações
anteriores”, não estando explicitamente proibida a
leitura das declarações das testemunhas ausentes
(como no art. 365 do Código Termidoriano).
 As provas formadas na fase anterior, insinuam-se tais e 
quais, na fase de julgamento.
 O princípio do contraditório não é respeitado quando
o juiz decide com base nas declarações colhidas na fase
da instrução preliminar; o mínimo que se pode esperar
é uma severa desvalorização da fase processual, em
que, de fato, as leituras tendem a prevalecer sobre o
debate.
 Desse modo foi concebido o denominado processo
misto: longas instruções no perfeito estilo inquisitório,
expedientes confusos, debates orais, com muitas
leituras e algumas declarações;
 Dele resultou a satisfação dos partidários da
Ordonance Criminelle de 1670, pois os debates
representavam uma suportável contrapartida da
resolução instrutória; lastimaram que ainda existissem
jurados.
 Ainda que excluída a tortura, nele estavam
reencarnados os fantasmas do Antigo Regime.
 Franco Cordero: Nos rituais mistos as partes contam
relativamente pouco; suprimidos os atos que realizam,
impugnam ou iniciam incidentes (por exemplo, recusando
alguém chamado a judicar), os fios se encontram nas mãos
dos juízes (no plural, porque são dois: um que instrui, absolve
ou formula acusações; outro que decide sobre o mérito). Essa
presença dominante desenvolve perspectivas de uma frágil
tensão dialética: os contraditores afirmam, negam, alegam,
dissertam, sem nunca serem donos de suas respectivas
sortes; o imputado e as partes eventuais atuam marginalmente
na instrução (na qual a simbiose entre ministério público e
instrutor, é uma metástase inquisitorial); os materiais
estabelecidos previamente constituem os temas do debate;
e toda prova pode ser adquirida de ofício. O sistema não
permite escolha às partes: tudo nele resultacalculado ex ante;
e se assim o automatismo é perfeito somente no papel e, de fato,
admite margens de indeterminação, é assusto atinente à prática.

Continue navegando