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Renata Coelho Padilha Gera Panóptica, ano 1, n. 4 23 HERMENÊUTICA JURÍDICA: Alguns aspectos relevantes da hermenêutica constitucional. Renata Coelho Padilha Gera Juíza Federal Substituta no Espírito Santo; Mestre em Direito Constitucional; Especialista em Direito Civil e Processual Civil; Professora de Cursos de Graduação e Pós-graduação em Direito no Espírito Santo. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Hermenêutica Jurídica; 2.1. Distinção dos termos hermenêutica e interpretação; 2.2. Funções da interpretação; 2.3. (Im)Prescindibilidade da interpretação; 3. Hermenêutica constitucional; 4. Conclusão; Referências. 1 INTRODUÇÃO A atividade hermenêutica permeia todo o exercício dos operados do direito, principalmente, a atuação do magistrado, que é o responsável pela função de “dizer o direito”, ou seja, de aplicar a norma jurídica ao caso concreto. O magistrado durante a sua atuação para encontrar a solução do conflito existente no mundo dos fatos, aplica a norma jurídica, mas para isso deve buscar o sentido das normas. Como afirma Tércio Sampaio Ferraz Júnior1, “a determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista decibilidade de conflitos constitui a tarefa da dogmática hermenêutica”. Com isso verifica-se a relevância do tema relacionado à hermenêutica, principalmente, quando especificada em relação à hermenêutica constitucional. 1 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 3ª Ed, 2001, p. 252. Renata Coelho Padilha Gera Panóptica, ano 1, n. 4 24 Entretanto, antes da abordagem dos conteúdos especificamente relacionados à hermenêutica constitucional, é preciso verificar alguns assuntos que dizem respeito à hermenêutica jurídica: distinção entre interpretação e hermenêutica, funções da interpretação e imprescindibilidade da interpretação. 2 HERMENÊUTICA JURÍDICA 2.1 DISTINÇÃO DOS TERMOS HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO As expressões hermenêutica jurídica e interpretação jurídica não são sinônimas. A doutrina faz distinções em relação ao significado técnico de ambos os termos. Pedro dos Reis Nunes2 categoricamente faz a distinção entre as expressões, atribuindo à interpretação a noção de técnica, enquanto que à hermenêutica associa à idéia de ciência, no seu dizer, a “ciência de interpretação” das normas jurídicas. A interpretação é momento de contato direto do intérprete com a norma jurídica, ocorre quando o operador do direito procura encontrar, por meio de técnicas específicas, qual o real conteúdo e significado da norma jurídica. Por outro lado, a hermenêutica jurídica é a ciência formada pelo conjunto sistêmico de técnicas e métodos interpretativos. No mesmo sentido, posiciona-se Maria Helena Diniz3, que afirma tratar-se a hermenêutica da “teoria científica da arte de interpretar”. Ou seja, o conjunto de princípios e normas que norteiam a interpretação é uma ciência: a hermenêutica. Entretanto, a visão de que a hermenêutica é uma ciência não é pacífica na doutrina, já que o Ministro Eros Roberto Grau4 afirma que a interpretação das leis é, na verdade, uma “prudência”, é “o saber prático, a phrónesis, a que se refere Aristóteles”. 2 NUNES, Pedro dos Reis. Dicionário de tecnologia jurídica. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 12ª Ed rev amp e atual, 1990, p. 469 e 513. 3 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 18a Ed, 2002, p. 64. 4 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros Editores, 3a Ed, 2005, p. 35. Renata Coelho Padilha Gera Panóptica, ano 1, n. 4 25 2.2 FUNÇÕES DA INTERPRETAÇÃO Também não existe unanimidade, na doutrina, em relação à definição das funções da interpretação das normas jurídicas. Para Maria Helena Diniz5, as funções da interpretação são as seguintes: a) conferir a aplicabilidade da norma jurídica às relações sociais que lhe deram origem; b) estender o sentido da norma a relações novas, inéditas ao tempo de sua criação; c) temperar o alcance do preceito normativo, para fazê-lo corresponder às necessidades reais e atuais de caráter social, ou seja, aos seus fins sociais e aos valores que pretende garantir. Eros Roberto Grau6 entende que a interpretação do direito não pode ser dissociada da sua aplicação, afirma que interpretar é “dar concreção (= concretizar) ao direito”, reconhecendo para tanto, como único intérprete, verdadeiramente, autêntico o Juiz, que é o responsável pela construção da norma decisão. 2.3 (IM)PRESCINDIBILIDADE DA INTERPRETAÇÃO De acordo com a clareza ou não do texto legal, pode-se discutir sobre a dispensabilidade ou não da interpretação, ou seja, sobre a aplicação do princípio “in claris cessat interpretatio”. Maria Helena Diniz7 afirma que a interpretação sempre é necessária, independentemente da clareza ou não da lei, afirmando que “tanto as leis claras como as ambíguas comportam interpretação”. 5 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 18a Ed, 2002, p. 63. 6 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros Editores, 3a Ed, 2005, p. 24 e 34. 7 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 18a Ed, 2002, p. 62. Renata Coelho Padilha Gera Panóptica, ano 1, n. 4 26 Nesse mesmo sentido, caminha Paulo Bonavides8, ao afirmar que “não há norma jurídica que dispense interpretação”, concluindo que o aforismo latino acima transcrito não pode prosperar. Verificados os aspectos gerais sobre a hermenêutica jurídica, principalmente, depois de verificada a imprescindibilidade da interpretação, pode-se avançar na análise de alguns dos aspectos mais relevantes da hermenêutica constitucional. 3 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL A interpretação da norma é influenciada pelo seu intérprete. Eros Roberto Grau9 traz faz uma interessante metáfora em relação à interferência do pesquisador no objeto pesquisado: metáfora da Vênus de Milo. A metáfora retrata a contratação de 03 artistas para produzirem cada um, uma estátua da Vênus de Milo. Como resultado, cada um produzirá uma estátua diferente, mesmo todos tendo o mesmo objeto. Não são três estátuas totalmente distintas umas da outras (afinal são todas Vênus de Milo), mas não são as mesmas estátuas. Esse também é o resultado da interpretação, sendo distinta de acordo com o seu intérprete. Além do intérprete, a realidade do mundo dos fatos também influencia diretamente a interpretação constitucional. Konrad Hesse10 afirma que “A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade”. Pode-se concluir que a hermenêutica constitucional procura a concretização da norma constitucional, ou seja, a interpretação constitucional considera os fatos do mundo real além objeto do texto (relevância da realidade concreta do mundo). A tarefa de hermenêutica constitucional trará conseqüências para toda a sociedade. Em que pese a afirmação de controle abstrato de constitucionalidade, ainda assim, 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores.. 13a Ed.rev. atual., 2003, p. 437 e 438. 9 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros Editores, 3a Ed, 2005, p. 29. 10 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição: Die normative Kraft der Verfassung. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p.14. Renata Coelho Padilha Gera Panóptica, ano 1, n. 4 27 haverá o peso dos fatos sobre a interpretação, note-se que a Lei 9.886 trata da possibilidade de realização de perícia e de audiência pública, bem como, solicitação de informações aos juízos inferiores sobre as conseqüências fáticas de aplicação da norma. A importância dos fatos na tarefa de interpretação constitucional é reforçada pela existência do instituto da modelação dos efeitos da decisão que reconhece a inconstitucionalidade. O STF pode determinar em que momento no tempo a inconstitucionalidade começa a produzir efeitos. A interpretação deve alcançar o objetivo de atualização do texto constitucional. Quando o intérprete considera os fatos do mundo real, o texto constitucional vê-se com aplicação a casos diversos. Conforme afirma Paulo Bonavides11, “interpretar a constituição normativa é muito mais do que fazer-lhe claro o sentido: é sobretudo atualizá-la”. Conforme afirma Konrad Hesse12, é necessária a aplicação de uma “interpretação construtiva” para garantir a força normativa do texto constitucional, garantindo a “consolidação e preservação da força normativa da Constituição”. Entretanto, essa interpretação deve considerar os “fatos concretos da vida”, para o autor “a interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação”. 4 CONCLUSÃO Em decorrência desse poder que advém da interpretação da constituição, torna-se indispensável o estabelecimento de meios que evitem uma interpretação desarrazoada, capaz de provocar injustiças. 11 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores.. 13a Ed. rev. atual., 2003, p. 483. 12 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição: Die normative Kraft der Verfassung. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p. 22 e 23. Renata Coelho Padilha Gera Panóptica, ano 1, n. 4 28 Com o objetivo de evitar uma interpretação sem fundamento, há o estabelecimento pela doutrina de regras, métodos e princípios de hermenêutica, que permitem um certo controle sobre a atividade interpretativa, garantindo uma certa uniformidade, ou seja, alguns pontos comuns estarão presentes na atividade interpretativa, para a busca do equilíbrio. A liberdade do operador existe (cada um é um escultor distinto), mas não é absoluta, já que se encontra limitada por determinadas regras (todos devem esculpir a Vênus de Milo). REFERÊNCIAS BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores.. 13a Ed. rev. atual., 2003. 859 p. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 18a Ed, 2002. 469 p. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 3ª Ed, 2001. 364 p. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros Editores, 3a Ed, 2005. 279 p. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição: Die normative Kraft der Verfassung. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, 34 p. NUNES, Pedro dos Reis. Dicionário de tecnologia jurídica. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 12ª Ed rev amp e atual, 1990. 936 p. Informações Bibliográficas: GERA, Renata Padilha Coelho. Hermenêutica constitucional. Panóptica, Vitória, ano 1, n. 4, dez. 2006, p. 23-28. Disponível em: <http://www.panoptica.org>. Acesso em:
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