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Teoria do Processo 02

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Teoria do Processo: Aula 2 (Jurisdição)
Prof. Antonio Rodrigues do Nascimento
1. Jurisdição
Os conflitos de interesses colocam em perigo a paz social e a ordem jurídica, o que reclama a atuação do Estado para solucionar a lide. O Estado, por meio do Poder Judiciário, tem o poder-dever de dizer o Direito reconstruindo a norma jurídica, de acordo com a Constituição, para disciplinar determinada situação jurídica concreta para responder às necessidades do Direito Material (tutela efetiva), resolvendo a lide e, por via de consequência, promover a pacificação social. Este poder-dever é o que a doutrina chama de jurisdição.
Até o final do Século XIX a jurisdição encontrava-se totalmente comprometida com os valores do Estado Liberal e do positivismo jurídico ⟹ Escola exegética ⟹ submissão do juiz à lei ⟹ jurisdição como função dirigida a tutelar direitos subjetivos privados violados mediante a aplicação da lei ⟹ não havia tutela preventiva ⟹ igualdade formal dos jurisdicionados, mínima intervenção nas relações privadas e conversão de direitos em pecúnia ⟹ natureza privatista do processo civil.
Lodovico Mortara (natureza pública do processo): a jurisdição tem de defender o direito objetivo (mediante a atuação da vontade da lei) 
Giuseppe Chiovenda (tem em vista a atividade do juiz): Teoria declaratória (dualista), a jurisdição (função do Estado) declara a vontade concreta da lei ⟹ autonomia conceitual da ação em face do direito material ⟹ expressão da autoridade do Estado ⟹ natureza publicista do processo civil ⟹ aplicação da lei ao caso concreto que não se confunde com a criação de norma individual do caso concreto; não se desvinculou da matriz liberal (não se importou com o acesso dos cidadãos ao Poder Judiciário ou com a efetividade dos procedimentos para atendimento das classes sociais desprivilegiadas).
Francesco Carnelutti (tem em vista a finalidade das partes): conflito de interesses qualificado por uma pretensão resisitida ⟹ “justa composição da lide”. A lide passa ao centro do sistema em substituição à “ação” ⟹ Teoria constitutiva (unitária, devida especialmente a Kelsen, para quem o juiz produz a norma jurídica concreta ⟹ o legislador aplica a Constituição e cria a norma geral e o juiz aplica a norma geral e cria anorma individual) Continuidade na obra de Piero Calamandrei: “a lei abstrata se individualiza por obra do juiz (através da sentença)”.
A jurisdição pode ser apreendida: a) “função do Estado de atuar a vontade concreta da lei (Constituição) com o fim de obter a justa composição da lide”; b) o poder-dever de compelir o vencido ao cumprimento da decisão e, c) a formalização dos atos processuais (poder-atividade-documentação). 
2. Fins da jurisdição
Segundo a concepção instrumentalista do processo: a) o escopo jurídico, que consiste na atuação da vontade concreta da Constituição e da lei. A jurisdição tem por fim primeiro, portanto, fazer com que se atinjam, em cada caso concreto, os objetivos das normas de direito material; b) o escopo social – consiste em promover o bem comum, com a pacificação, com justiça, pela eliminação dos conflitos, além de incentivar a consciência dos direitos próprios e o respeito aos alheios; c) o escopo político - é aquele pelo qual o Estado busca a afirmação de seu papel contemporâneo, incentivando a participação democrática (ação popular, ação coletivas, presença de leigos nos juizados etc.) e a preservação do valor liberdade, com a tutela das liberdades públicas por meio dos remédios constitucionais (tutela dos direitos fundamentais).
3. Conceito: Função exercida em caráter substitutivo, através da qual o Estado, em cumprimento da garantia constitucional de inafastabilidade do controle, atua o direito, seja mediante declaração ou execução.
4. Problemas envolvendo o conceito de jurisdição: Quem exerce a jurisdição? É poder estatal ou autoridade legítima? (arbitragem possui a vocatio [poder de chamar em juízo], a notio (poder de conhecer), judicium (poder de julgar), mas falta-lhe a coertio e a executio. 
5. Princípios inerentes à jurisdição
Inércia: O estado-juiz só atua se for provocado. Ne procedat iudex ex officio, ou seja, o juiz não procede de ofício (de ofício = por conta própria). Esta regra geral, conhecida pelo nome de principio da inércia está consagrada no art. 2º do CPC: “o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.” O principio proíbe juízes de exercerem a função jurisdicional sem que haja a manifestação de uma pretensão por parte do titular de um interesse, ou seja, não pode haver exercício da jurisdição sem que haja uma demanda. A atividade jurisdicional, se dá se, e somente se, for provocado, quando e na medida em que o for, porém, depois de proposta a demanda a inércia dará lugar ao princípio do impulso oficial.
Juiz natural: Garante ao cidadão o direito de não ser subtraído de seu Juiz Constitucional ou Natural, aquele pré-constituído por lei para exercer validamente a função jurisdicional. Assegura expressamente a Constituição que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (artigo 5º, inciso LIII) e que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” (artigo 5º, inciso XXXVII). Impede que pessoas estranhas ao organismo judiciário exerçam funções que lhe são específicas (salvo, é claro, quando houver autorização da própria Constituição, p. Ex., Senado – artigo 52, incisos I e II) e proscrever os tribunais de exceção, aqueles criados post factum. Três regras de proteção: “a) só podem exercer jurisdição os órgãos instituídos pela Constituição; b) ninguém pode ser julgado por órgão instituído após o fato; c) entre os juízes préconstituídos vigora uma ordem taxativa de competências que exclui qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja. O juíz deve ser imparcial, juíz não pode ser impedido e nem ser suspeito. Impedimento é critério objetivo e a suspeição é critério subjetivo.
Investidura: O Estado exerce a jurisdição por seus órgãos constitucionalmente definidos e esse função jurisdicional é exercida por agentes políticos que preencham rigorosos critérios legais (aprovação em concurso de provas e títulos, três anos de prática jurídica, formação em direito; ou nomeados pelo chefe do Poder Executivo para ingresso pelo quinto constitucional ou em tribunais superiores).
Territorialidade (ou aderência ao território): Por se tratar de um ato de poder, o juiz exerce a jurisdição dentro de um limite espacial sujeito à soberania do Estado. Além desse limite ao território do Estado, sendo numerosos os juízes de um Estado, normalmente o exercício da jurisdição que lhes compete é delimitado à parcela do território, conforme a organização judiciária da Justiça em que atua, sendo as áreas de exercício da autoridade dos juízes divididas na Justiça Federal em seções judiciárias e na Justiça Estadual em comarcas (quanto o juiz, em processo, precisa ouvir testemunha que resida em outra comarca, deverá requisitar por meio de carta precatória ao juiz da outra comarca [juízo deprecado] que colha o depoimento da testemunha arrolada no processo de sua jurisdição [do juízo deprecante], uma vez que sua autoridade adere ao território em que exerce a jurisdição. O mesmo ocorre com a citação por oficial de justiça e a penhora de bem situado em comarca diversa daquela em que tramita o feito. Se o ato a praticar situar-se fora do território do País, deverá ser solicitada carta rogatória à autoridade do Estado estrangeiro, solicitando sua cooperação para a realização do ato (exceções importantíssimas:desnecessidade da emissão de cartas precatórias para comarcas contíguas ou situadas na mesma região metropolitana).
Indelegabilidade: Cada poder da República tem as atribuições e o conteúdo fixados constitucionalmente, vedando-se aos membros de tais Poderes por deliberação, ou mesmo mediante lei, alterar o conteúdo de suas funções. Aplica-se a hipótese aos juízes, que não podem delegar a outrosmagistrados, ou mesmo a outros Poderes ou a particulares, as funções que lhes foram atribuídas pelo Estado, já que tais funções são do poder estatal, que as distribui conforme lhe convém, cabendo ao juiz apenas seu exercício.
Inevitabilidade: Este princípio traduz-se na imposição da autoridade estatal por si mesma por meio da decisão judicial. Quando provocado o exercício jurisdicional, as partes sujeitam-se a ela mesmo contra a sua vontade, sendo vedado à autoridade pronunciar o non liquet em seu oficio jurisdicional. O Estado deve decidir a questão, não se eximindo de sentenciar “alegando lacuna ou obscuridade da lei”.
Inafastabilidade (ou indeclinabilidade): Consagrando expressamente o princípio da indeclinabilidade o art. 5º, inciso XXXV, dipõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito”, não sendo possível o Estado-Juiz eximir-se de prover a tutela jurisdicional àqueles que o procurem para pedir uma solução baseada em uma pretensão amparada pelo direito. 
Acesso à Justiça: A Constituição garante o acesso ao Poder Judiciário a todos aqueles que tiverem seu direito violado ou ameaçado (Art. 5º. LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)
6. Características da jurisdição:
 
Substitutividade - Consiste na circunstância de o Estado, ao apreciar o pedido, substituir a vontade das partes, aplicando ao caso concreto a “vontade” da norma jurídica. Em suma, o poder judiciário ao compor o litígio substitui a vontade das partes. Na jurisdição voluntária não há substituição da vontade.
Imparcialidade – é conseqüência do quanto já visto: pois para que se possa aplicar o direito objetivo ao caso concreto, o órgão judicial há de ser imparcial. Para muitos, é a principal característica da jurisdição.
Monopólio do Estado – o Estado tem o monopólio da jurisdição, que pode ser exercido pelo Judiciário, como também pelo legislativo.
Unidade - a jurisdição é poder estatal; portanto, é uma. Para cada Estado soberano, uma jurisdição. Só há uma função jurisdicional, pois se falássemos de varias jurisdições, afirmaríamos a existência de varias soberanias e, pois, de vários Estados. No entanto, nada impede que esse poder, que é uno, seja repartido, fracionado, em diversos órgãos, que recebem cada qual suas competências. O poder é uno, mas divisível.
Aptidão para a produção de coisa julgada material (definitividade) – é a possibilidade da decisão judicial fazer coisa julgada material situação que já foi decidida pelo Poder judiciário em razão da apreciação do caso concreto a qual não poderá ser revista por outro poder, exceto: caso de pensão alimentícia etc.
7. Classificações ou espécies de jurisdição (a rigor, classificação das competências)
Jurisdição civil e jurisdição penal 
Jurisdição especial e jurisdição comum
Jurisdição superior e jurisdição inferior
Jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária 
A jurisdição voluntária, também conhecida como jurisdição graciosa ou administrativa, é comumente definida como a administração pública de interesses privados; nela não se cuida da lide, mas de questões de interesse privado que por força da lei devem ter a chancela do Poder Público, tais como: nomeação de tutor ou curador, alienação de bens de incapazes, separação consensual, arrecadação de bens de ausentes, constituição de partidos políticos, notificação judicial etc.
Bibliografia básica: Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz ARENHART; Daniel MITIDIERO. Curso de Processo Civil, v. 1 – Teoria do Processo Civil, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

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