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2.5.7 Bens jurídicos personalíssimos
Discutia-se antigamente se o crime continuado poderia existir quando os delitos praticados atingissem bens jurídicos personalíssimos, como vida e liberdade sexual.
Haveria crime continuado, por exemplo, em estupros praticados em série?
O parágrafo único do art. 71, criado quando da reforma da Parte Geral em 1984, acabou com a discussão. O reconhecimento do crime continuado é plenamente possível nesses casos.
2.5.8 Crime continuado, crime permanente e crime habitual
Embora semelhantes, os crimes continuado, permanente e habitual não se confundem. A começar pelo número de delitos existentes: enquanto que, no crime continuado, há vários delitos em concurso, tomados como crime único apenas por ficção jurídica, nos demais de fato existe um único crime.
O crime permanente consiste em uma infração penal que permanece no tempo, ou seja, embora já consumado, sua consumação não se esgota instantaneamente.
Ao contrário, é temporalmente diferida.
EXEMPLO
Como exemplo, podemos citar o sequestro ou cárcere privado (art. 148 do Código Penal), que se consuma quando o autor passa a exercer poder total sobre a vítima. No entanto, o crime se mantém em prática até o momento em que a vítima tem sua liberdade restaurada ou morre.
O crime habitual, da mesma forma, consiste em infração única, todavia caracterizada pela reiteração de condutas, ou seja, por sua habitualidade.
Vejamos o caso do exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica (art. 182, CP): para a caracterização do crime não basta que o sujeito ativo se apresente como médico e clinique em uma única oportunidade, ou mesmo que o faça eventualmente; é necessário que isso se dê de forma rotineira.
ATENÇÃO
Cuidado com os casos de conflito de leis penais no tempo para os referidos crimes. Sobre o tema, vide Verbete de Súmula n.711, do Supremo Tribunal Federal. (A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência).
2.6 Tipo misto alternativo e tipo misto cumulativo
Os tipos penais admitem classificação em tipos simples e mistos. Os simples, ou uninucleares, são aqueles que contemplam uma única conduta, ao passo em que os tipos mistos, ou plurinucleares, trazem em seu bojo mais de um comportamento incriminado.
EXEMPLO
O homicídio (art. 121 do Código Penal), por exemplo, é um tipo simples, pois apenas prevê a conduta de matar. Já o tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343, de 2006), com seus vários verbos (núcleos), é um tipo misto.
Os tipos mistos, ao seu turno, admitem subdivisão em alternativos e cumulativos.
No primeiro caso (alternativos), ainda que o agente pratique, em um mesmo contexto, vários dos verbos incriminados, haverá delito único.
EXEMPLO
É o que acontece, por exemplo, com o tráfico de drogas: se o traficante importa uma carga de cocaína, transporta essa mesma carga para um determinado local, onde ele a mantém em depósito, e depois vende a droga, teremos um único crime de tráfico, a despeito da realização de quatro dos verbos previstos no art. 33 da Lei n. 11.343/06 (importar, transportar, ter em depósito e vender).
Já nos tipos mistos cumulativos, há “autonomia funcional e respondem a distintas espécies valorativas, com o que o delito se faz plural”. Em outras palavras, ocorrendo a prática de mais de um dos comportamentos incriminados, haverá mais de um crime.
EXEMPLO
É o que ocorre, por exemplo, nos artigos 208 e 244 do Código Penal. No art. 244, se o pai, injustificadamente, deixa de pagar pensão alimentícia ao filho e ainda não o socorre, estando ele gravemente enfermo, responderá por dois delitos. Importa afirmar que, nessa hipótese (isto é, quando há tipo misto cumulativo), estaremos diante de um concurso de crimes, inexistente no tipo misto alternativo.
2.7 Concurso de crimes no estupro e a Lei n. 12.015 de 2009
Até o ano de 2009, compelir uma pessoa mediante violência, real ou ficta, ou grave ameaça à pratica de um ato libidinoso, poderia caracterizar dois crimes diferentes, a saber:
Se a vítima fosse mulher e o ato praticado fosse a conjunção carnal (coito vaginal), dava-se o crime de estupro (art. 213 do Código Penal);
Se, contudo, houvesse a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal (sexo oral, anal, masturbação etc.), independentemente do gênero da vítima, o crime era de atentado violento ao pudor (art. 214, Código Penal).
A Lei n. 12.015, todavia, alterou esse panorama. Esse diploma legal efetuou profundas modificações na disciplina dos crimes sexuais, inclusive no que concerne ao estupro e ao atentado violento ao pudor. Este deixou formalmente de existir (isto é, o art. 214 foi revogado). No entanto, seu conteúdo normativo foi transportado para o art. 213.
COMENTÁRIO
Hoje, o estupro consiste em constranger, mediante violência ou grave ameaça, qualquer pessoa, independentemente de gênero, à conjunção carnal ou a ato libidinoso diverso.
Pois bem, quando buscamos compreender como se dá o concurso de crimes nos delitos sexuais praticados mediante constrangimento, necessariamente temos que passar pelo período anterior à vigência da Lei n. 12.015 de 2009, para somente então entendermos a situação atual.
Para atingirmos essa compreensão, partiremos da seguinte construção: o autor, primeiramente, praticou com a vítima – uma mulher – ato libidinoso diverso da conjunção carnal e, logo em seguida, no mesmo contexto fático, a conjunção carnal.
À época em que ainda havia a dicotomia entre estupro e atentado violento ao pudor, impunha-se determinar inicialmente qual ato libidinoso diverso da conjunção carnal fora praticado. Assim, suponhamos que o autor, antes da penetração, tivesse acariciado os seios da vítima: nessa hipótese, haveria crime único de estupro, com absorção dos atos libidinosos pela conjunção carnal praticada mediante coação. Explica-se: há, no exemplo, praeludia coiti, ou seja, atos que são considerados um prelúdio ao coito vaginal, de modo que existe natural unidade delitiva.
E se o ato libidinoso fosse autônomo em relação ao coito vaginal, como, por exemplo, o sexo oral? Surgia, então, o concurso de crimes. Mas em qual de suas espécies?
Descartado, de plano, o concurso formal, uma vez que cada ato libidinoso caracterizaria conduta diferente (e portanto, teríamos mais de uma conduta), a celeuma se situava entre o concurso material e o crime continuado.
Evidentemente, no caso sobre o qual ora trabalhamos, há circunstâncias semelhantes de tempo, lugar e modo de execução.
Quais, então, seriam os entraves para o reconhecimento da continuidade delitiva?
A jurisprudência majoritária apontava dois:
(a) estupro e atentado violento ao pudor não seriam crimes da mesma espécie, pois previstos em dispositivos diversos;
(b) entre os crimes inexistiria um nexo de continuidade.
Verifica-se, pois, que para a jurisprudência majoritária o caso seria de concurso material. Claro que havia vozes dissonantes, pugnando pelo crime continuado, até porque há divergência no que toca ao conceito de crimes da mesma espécie, como já vimos. O próprio STF adotou essa linha de raciocínio em certa ocasião.
Além de auxiliar no entendimento da atual dinâmica do concurso de crimes nos delitos sexuais, a percepção do estado de coisas anterior à Lei n. 12.015 de 2009 tem relevância atual.
Em primeiro lugar, porque ainda hoje há crimes praticados previamente à sua vigência que continuam sob investigação ou sendo julgados, de forma que se faz mister a análise do conflito intertemporal de normas.
Em segundo lugar, trazemos à colação a advertência de Gilaberte, verbis: “Não se pense que a discussão encimada hoje é destituída de relevância prática: no Código Penal Militar, mais precisamente nos artigos 232 e 233, mantém-se a dicotomia entre estupro e atentado violento ao pudor.”
E se o caso proposto ocorresse hoje?
A partir da unificação de estupro e atentado violento ao pudor em um mesmo artigo, cai por terra o argumento de que seriam crimes de espécies
diferentes. Doravante, tudo é estupro, seja o ato libidinoso o sexo oral, seja o vaginal. Assim, o STF já admitiu a continuidade delitiva na hipótese, inclusive deixando de lado o argumento que preconizava a ausência de nexo de continuidade.
ATENÇÃO
Deve ser observado que estamos avaliando condutas praticadas em um mesmo contexto fático. Se em contextos diferentes (por exemplo, os estupros foram praticados em dias diversos), mas presentes as circunstâncias semelhantes de tempo, lugar e modo de execução, indubitável o crime continuado. Em havendo vítimas diversas, crime continuado específico.
Mas, exatamente no caso sob análise, a resposta não é tão simples. Isso porque parte da doutrina e da jurisprudência entendem que os atos sexuais praticados em um mesmo contexto caracterizam crime único, pois o art. 213 contemplaria uma hipótese de tipo misto alternativo. Nesse sentido se posicionam Regis Prado e Gilaberte, entre outros. Na jurisprudência, algumas decisões do STJ vão na mesma esteira. Seguindo orientação diversa, por todos, Greco Filho. Já Paulo Queiroz, embora vislumbrando crime único, não enxerga no art. 213 um tipo misto, expondo suas razões:
“Primeiro, porque já vimos que a conjunção carnal constitui uma das possíveis formas de ato de libidinagem, a qual, a rigor, não precisaria constar expressamente do tipo; segundo, porque, em verdade, se o agente praticar um ou outro ato ou ambos, realizará um só e mesmo tipo penal; terceiro, porque, ao contrário da legislação revogada, que tipificava autonomamente, em artigos diversos, o estupro e o atentado violento ao pudor, a reforma superou a distinção por considerá-la desnecessária; quarto, porque a própria classificação (crime misto cumulativo) de que se valem os precedentes carece de fundamento e não implica forçosamente concurso de crimes; quinto, porque interpretar cada ato libidinoso como constitutivo de um crime autônomo, relativamente a um só e mesmo tipo penal, importa em violação ao princípio de bis in idem. Finalmente, o estupro não é de modo algum um crime misto (alternativo ou cumulativo), visto que o tipo refere um único verbo (constranger), sendo que o ter e o praticar ou permitir que se pratique apenas o complementam.”
2.8 Esquematizando o concurso de crimes
Concurso material
• 2 ou mais condutas
• 2 ou mais crimes
• Mesmo contexto fático
• Sistema do cúmulo material
Concurso formal
• 1 conduta
• 2 ou mais crimes
• Desígnio único (perfeito) ou desígnios autônomos (imperfeito)
• Sistema da exasperação (perfeito: 1/6 a 1/2) ou do cúmulo material (imperfeito)
Crime continuado
• 2 ou mais condutas
• 2 ou mais crimes da mesma espécie
• Circunstâncias semelhantes de tempo, lugar, modo de execução e outras
• Específico: dolo + violência ou grave ameaça + vítimas diferentes
• Sistema da exasperação (1/6 a 2/3 ou até 3X)
SAIBA MAIS
ATIVIDADE
Para uma melhor sedimentação do conhecimento adquirido, propomos a resolução do seguinte caso concreto: dirigindo embriagado, João, em virtude da alteração de sua capacidade psicomotora, perde o controle do veículo e, sem querer, atropela três pessoas que se encontram em um ponto de ônibus, ferindo-as. Identifique, no caso concreto, as hipóteses de concurso de crimes e os sistemas de aplicação da pena.
Gabarito
RESUMO
• O concurso de crimes é marcado pela existência de duas ou mais infrações penais em um mesmo contexto jurídico, sem que haja concurso aparente de normas, o que interfere no sistema de aplicação das penas.
• Há dois sistemas de aplicação das penas em nosso ordenamento jurídico: cúmulo material e exasperação. No cúmulo material, há a soma das penas; na exasperação, sistema benéfico ao condenado, a aplicação de patamares de majoração sobre a pena de um dos crimes praticados.
Quando o sistema da exasperação, na prática, se torna prejudicial ao condenado, ele é afastado, em prol do cúmulo material, ora denominado concurso material benéfico.
• As espécies de concurso de crimes são o concurso material, caracterizado pela prática de duas ou mais condutas em um mesmo contexto, que configuram dois ou mais crimes; concurso formal, onde uma conduta dá ensejo a dois ou mais crimes; e o crime continuado, parecido com o concurso material, mas onde, por ficção jurídica determinada por circunstâncias especiais, trata-se a hipótese como crime único.
• O concurso material e o concurso formal imperfeito, em que há desígnios autônomos, exigem o sistema do cúmulo material; o concurso formal perfeito (desígnio único) e o crime continuado são regidos pela exasperação.
• O crime continuado impõe que os delitos em continuidade sejam da mesma espécie, além de praticados em circunstâncias semelhantes de tempo, lugar, maneira de execução e outras, havendo dúvida sobre a exigência de um requisito subjetivo.
• Se o crime continuado for praticado mediante violência ou grave ameaça contra vítimas diferentes, temos o crime continuado específico, previsto no parágrafo único do art. 71.
• O crime continuado não se confunde com os delitos de natureza permanente e com os habituais, em que, de fato, há crime único.

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