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A circulação transatlântica de obras literárias entre Belém e Lisboa: o caso da livraria e editora de Tavares Cardoso & Irmão GARCIA, Izenete Nobre (CAPES/UNICAMP) 1 1. Esta comunicação objetiva apresentar algumas relações transatlânticas, estabelecidas entre Belém do Pará – cidade localizada ao norte do Brasil – e Lisboa – capital de Portugal – nas décadas finais do grande século XIX2. Seguir-se-á a existência de uma conexão internacional de textos literários, seja seguindo a trajetória Portugal- Brasil seja o inverso, a fim de vislumbrar a construção de uma geografia literária diferente daquela que sempre se pensou, na qual o Brasil é essencialmente mercado consumidor. 2. Para compreender como se estabeleceu essa geografia literária é necessário esclarecer que a fixação de imigrantes portugueses 3 em Belém favoreceu a estruturação de um movimento econômico e social, que compôs um cenário no qual se tornou indispensável a criação de associações culturais e comerciais que congregassem esse elemento português, que, segundo o presidente da província – Francisco Carlos de Araújo Brusque, atuava, principalmente, nas atividades do comércio e da indústria 4 . Esse cenário, acrescido da elevação na movimentação do porto, ocasionada pela liberação da navegação a vapor pelo Rio Amazonas, em 1867, propiciou a aceleração do processo de urbanização de Belém 5 . Essas transformações no ritmo de vida da população, a “maior complexidade das relações sociais e a concentração de fortunas entre os novos setores dominantes”6, 1 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Teoria e História Literária, sob orientação da Profª. Drª. Márcia Abreu. 2 Segundo Eric Hobsbawn, o “longo século XIX” compreende o período que se estende de 1780 a 1914, marcados, em seus extremos cronológicos, pelas revoluções Industrial e Francesa e pela Primeira Guerra Mundial, respectivamente. Conferir HOBSBAWM, Eric. The age of Revolution, 1789-1848, The age of Capital, 1848-1875 e The age of Empire, 1875-1914. 3 Conforme dados censitários da capital paraense, do ano de 1872, 79% dos estrangeiros residentes em Belém eram portugueses e em 1920, de acordo com o censo, há um decréscimo, mas eles ainda continuam sendo a maioria com 68%. 4 PARÁ. Relatório do Exmo. Sr. Doutor Francisco Carlos de Araújo Brusque, presidente da Província do Pará, apresentado à Assembléia Legislativa Provincial do Pará, no dia 01 de novembro de 1863. Pará: Typ. de Frederico Carlos Rhossard, 1863, p. 11. Disponível em: http://www.crl.edu/content/brazil/jain.htm . Acesso em 15 mar 2008. 5 A liberação da navegação do Rio Amazonas aos países amigos injetou um novo fluxo de ideias auxilou na criação de novos hábitos na população. 6 SARGES, Maria de Nazaré. Belém: riquezas produzindo a belle-époque (1870-1912). Belém: Paka Tatu, 2002, p.16. propiciaram um trânsito maior no fluxo de ideias, de livros, de leituras e de práticas culturais, uma vez que se tinha liberdade para negociar diretamente com outros portos. No sentido de perceber como se processaram essas mudanças nas estruturas intelectuais e sociais, alguns pesquisadores têm investido tempo e pesquisa em responder a alguns questionamentos: o que liam os paraenses na segunda metade do século XIX? Em que medida essas mudanças no Pará confluíram com as do restante do Brasil? A resposta a estas inquietações ainda está em trânsito, mas se não é possível responder o que liam, ao menos se consegue afirmar o que estava disponível para leitura, seja nos jornais seja nas prateleiras das lojas de livros nesse período. As pesquisas de Shirley Silva (2011), Edimara Santos (2011), Lady Ândrea Cruz (2012), realizadas em jornais diários de Belém, sobre a existência de romances na coluna folhetim, sinalizam a permanência de romances-folhetins franceses nos rodapés dos jornais, apontando, se não para a preferência do público por textos franceses, pelo menos para um indicativo do que estava disponível à leitura nos jornais 7 . Segundo seus estudos, a partir de 1869, Alexandre Dumas, Ponson du Terrail, Xavier de Montépin e George Ohnet foram o sucesso naquele espaço ao pé da página. Assim, é inegável que os romances-folhetins tenham demonstrado, sobremaneira, a influência francesa no território paraense, porquanto são exemplos de como o processo de circulação e recepção de obras literárias em Belém apresentou ao público leitor a experiência de leitura dos folhetins. Entretanto, embora os textos de Alexandre Dumas, Ponson du Terrail, Xavier de Montépin ou George Ohnet tenham circulado nos rodapés, também foram evidenciados textos de escritores portugueses como: Camilo Castelo Branco, Bulhão Pato, Teixeira de Vasconcelos, entre outros. Diante dessa constatação, questiona-se se estes ou outros autores franceses também foram os mais divulgados em formato de livro pelos livreiros ou mesmo se eles foram ou não editados em Belém. No mercado livreiro, em pesquisa sobre o período de 1850 a 1870, constatou-se que não obstante as obras francesas fossem divulgadas entre os livros disponíveis à venda pelos livreiros locais, a elas estava reservado um segundo lugar, pois, em termos quantitativos, embora com uma pequena diferença, os escritores portugueses ocupavam 7 As pesquisas foram resultados de projetos de Mestrado e Iniciação científica, realizados entre os anos de 2008 a 2012, sob o escopo do projeto História da Leitura no Pará na segunda metade do século XIX, coordenado pela profª. Drª. Germana Maria Araújo Sales. Cada pesquisadora trabalhou com periódicos específicos, que circularam a partir de 1860 a 1894. As referências aos seus trabalhos estão na bibliografia base desse artigo. o topo do ranking dos livros mais anunciados 8 . Em linhas gerais, até 1870, embora houvesse a permanência de textos de autoria francesa nas colunas folhetins dos jornais diários, mesmo os romances de Ponson e Montépin, em formato de livro, eram esporádicos nos anúncios. Pode essa preferência pela produção lusitana ser entendida como consequência da fixação da colônia e o incentivo à criação de associações beneficentes e culturais? Esse é um dos questionamentos que minha tese pretende responder. Além dessa indagação, outra norteia essa pesquisa: perceber se, no mercado livreiro paraense, especificamente, na atuação da livraria Tavares Cardoso & Irmão, há a predominância de obras francesas ou portuguesas sendo colocadas à disposição do público no período de 1870-1908, momento áureo do processo de urbanização da cidade de Belém, que ficaria conhecido como Belle époque. 3. O que fica evidente é que, entre as possibilidades de investimento nesse contexto de impressos e leituras, o negócio com os livros atraiu alguns comerciantes portugueses para o ramo, dentre eles, os irmãos Avelino e Eduardo Tavares Cardoso, que aportaram em Belém na década de 1860, seguindo o caminho desbravado por seu tio Henrique d’Araujo Godinho Tavares que já havia iniciado um negócio com os livros por meio da firma Godinho Tavares & Cia. O empreendimento de Godinho Tavares & Cia abriu caminho no ramo dos livros para os irmãos Tavares Cardoso não somente em Belém como também em Lisboa, uma vez que estreitou relações comerciais com o livreiro editor português João Baptista Mattos Moreira. A sociedade iniciada por Henrique d’Araújo Tavares com Mattos Moreira se prolongou até a dissolução e a assimilação, por completo da firma Mattos Moreira & Cia, pelos irmãos Avelino e Eduardo Tavares Cardoso, sob a LivrariaTavares Cardoso & Irmão 9 . Em 1872, o negócio adquiriu ainda mais um caráter transnacional quando o irmão Avelino Tavares Cardoso mudou-se para Lisboa e abriu outra loja de livros com a mesma denominação da primeira. A sociedade de Henrique d’Araújo Tavares e Mattos Moreira, naquele momento, foi estabelecida diretamente entre Mattos Moreira e Avelino Tavares Cardoso. 8 Pesquisa de mestrado defendida por mim em 2009 e pesquisa de Iniciação Científica realizada por Kelly Andresa Leite Souza, em 2010. 9 A livraria em parceria sob a propriedade dos irmãos Tavares Cardoso iniciou em 1868. É interessante que, imediatamente após a partida de Avelino Tavares Cardoso para Portugal, o livro Portugal de Cabeleira, do português Alberto Pimentel, foi editado e publicado pela Livraria, em Belém, no ano de 1875, demonstrando claramente essa conexão comercial que conflui para a constituição de novas possibilidades de leituras para os paraenses e de construção coletiva de um espaço no qual se poderia encontrar variedades de textos da Literatura mundial. Deve-se esclarecer que o livro de Alberto Pimentel foi escrito e dedicado aos portugueses residentes no Brasil. Esse contexto de expansão da livraria possibilitou a edição e a impressão de algumas obras, cujas edições pertenceram a Mattos Moreira, de escritores como Escrich, Camilo Castelo Branco, Alberto Pimentel, Alexandre Herculano, Alexandre Dumas, Ponson du Terrail, entre outros. A parceria entre os irmãos Tavares Cardoso foi também a responsável pela publicação e divulgação várias traduções de peças e adaptações de romances para o teatro, feitas por Augusto Garraio. Isso é tão relevante que, a partir de então, as obras desses autores aparecem recorrentemente nos anúncios da Livraria de Tavares Cardoso & Irmão. Até mesmo ao nome da empresa é acrescentada a qualificação de Universal, passando a ser enunciada nos jornais como Livraria Universal de Tavares Cardoso & Irmão. Mas, ao contrário do que se possa pensar, essa troca não é de mão única. A parceria dos irmãos também possibilitou a edição, impressão e divulgação de obras de escritores nacionais ou de livros com temas brasileiros, impressos em Lisboa, não apenas em primeira como em segunda edição, exemplo disso são os livros: Scenas da Vida Amazônica (1886), Estudos Brasileiros (1889), de José Veríssimo; Saldunes (1900), de Coelho Netto; Estudos Paraenses (1893), de João Lúcio de Azevedo; Os Escravos (1884), de Castro Alves; O descobrimento do Brasil (1900), de Alberto Pimentel. As relações de edição e divulgação não ocorriam apenas de Lisboa para Belém, mas o inverso também. Além da clara conotação transnacional das relações entre Lisboa e Belém, o simples fato de Castro Alves, Casimiro de Abreu, Virgilio Várzea, o livreiro cearense Gualter R. Silva mandarem seus projetos e livros para imprimirem em Lisboa na casa Tavares Cardoso & Irmão permite pensar numa relação mais ampla de troca livresca. Os irmãos Tavares Cardoso, tornaram-se nesse contexto de conexão “além-mar” atores e mediadores de trocas culturais entre Brasil e Portugal. Por esse motivo, demonstrar essa dinâmica livresca de uma empresa localizada em Belém, e com filial em Lisboa, é nosso objetivo. Estudar como se estabeleceram as relações entre Belém e Lisboa, bem como, desvelar que obras compunham essa geografia literária entre esses lugares e que leituras foram disponibilizadas, a partir de 1870. Referências Bibliográficas ABREU, Márcia. A circulação transatlântica dos impressos – a globalização da cultura no século XIX. In.: Livro - revista do núcleo de estudos do livro e da edição. Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicação e Artes - Universidade de São Paulo. pp. 115-130. ISSN: 2179-801X. CRUZ, Lady Ândrea Carvalho da. Literatura e imprensa em Belém do Grão-Pará: o romance-folhetim no periódico Diário de Notícias, nos anos de 1881 a 1894. Dissertação de Mestrado. 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SANTOS, Edimara Ferreira. Dumas, Montépin e du Terrail: A circulação dos romances-folhetins franceses no Pará nos anos de 1871 a 1880. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Pará, Instituto de Letras Comunicação, Programa de Pós-Graduação. Belém: [s.n.], 2011. SARGES, Maria de Nazaré: Belém: Riquezas produzindo a belle-époque (1870-1912). Belém: Paka-Tatu, 2002. SILVA, Ozângela de Arruda. Pelas rotas dos livros: circulação de romances e conexões comerciais em Fortaleza (1870-1891). Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Programa de Pós-Graduação em Teoria e História Literárias. Campinas, SP: [s.n.], 2009. SILVA, Shirley Laiane Medeiros da. Présence Française: A circulação da produção de Ponson du Terrail entre o público leitor oitocentista paraense. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal do Pará, Instituto de Letras Comunicação, Departamento de Letras. Belém: [s.n.], 2011. SOUZA, Kelly Andresa Leite. Perfil dos leitores da sociedade belenense: uma visão panorâmica dos anúncios de livros nos periódicos oitocentistas circulados em Belém do Pará. Relatório técnico-científico parcial vinculado ao projeto de pesquisa História da Leitura no Pará (século XIX). UFPa. Belém. [s.n.], 2009.
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