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O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIADireitorNoturnoUnitriCemildoLaranjeiras

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CULTURA: O COSMO HUMANO
CULTURA
A resposta do homem ao desafio da existência.
Para antropólogos e sociólogos, a palavra cultura passou a indicar o conjunto dos modos de vida criados e comunicados de uma geração para outra, entre os membros de determinada sociedade. Nesse sentido, abrange conhecimentos, crenças, artes, moral, lei, costumes e quaisquer outras capacidades adquiridas socialmente pelos homens.
A cultura pode ser considerada, portanto, como amplo conjunto de conceitos, de símbolos, de valores e de atitudes que modelam uma sociedade. A cultura engloba o que pensamos, fazemos e temos enquanto membros e temos enquanto membros de um grupo social.
Nesse sentido o termo cultura é aplicável tanto a uma civilização tecnicamente evoluída quanto às formas de vida social mais rústicas. Todas as sociedades humanas, da pré-história aos dias atuais, possuem uma cultura. E cada cultura tem seus próprios valores e sua própria verdade.
Para a filosofia cultura é a resposta oferecida pelos grupos humanos aos desafios da existência. Uma resposta que se manifesta em termos de conhecimento, paixão e comportamento. Ou seja, em termos de razão, sentimento e ação.
CARACTERÍSTICAS DA CULTURA
A cultura é duradoura embora os indivíduos que compõem um determinado grupo desaparecem. No entanto, a cultura também se modifica conforme mudam as normas e entendimentos. Pode-se dizer que a cultura vive nas mentes das pessoas que a possuem. Mas, as pessoas não nascem com ela; adquirem-na à medida que crescem.
Quando se fala de cultura, pensa-se em algo que perdurou por meio do tempo.
A maioria dos estudiosos concorda com os elementos apontados por Braidwood e afirma que toda cultura: é adquirida pela aprendizagem; é comunicada de geração a geração, por meio da linguagem; é criação exclusiva dos seres humanos; inclui todas as criações materiais e não-materiais dos homens; apresenta estruturas duradouras, mas que sofrem evolução através da história; é um instrumento indispensável à adaptação do indivíduo ao meio social, tornando possível a expressão das potencialidades humanas.
A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM HUMANA
A linguagem é um dos traços mais característicos da humanidade. É capacidade que permite aos homens comunicarem-se uns com os outros por meio de um código.
Para Sapir a linguagem é um método puramente humano e não instintivo de se comunicarem ideias, emoções e desejos por meio de símbolos voluntariamente produzidos.
Para o filosofo Martin Heideggera língua é o solo comum da cultura de um povo. É um fato puramente cultural e representa um dos mais fortes laços de união entre os membros de uma comunidade. É o instrumento pelo qual o individuo assimila a cultura do grupo a que pertence.
Por outro lado, o conhecimento individual de cada pessoa também torna-se, por meio da linguagem, patrimônio social.
A PERFECTIBILIDADE HUMANA
O filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau identificou essa inquietude e singularidade em sua célebre obra Discurso sobre a desigualdade. Nesse sentido, aponta uma faculdade que só o homem possui como a principal responsável por suas glorias e, ao mesmo tempo, por seu afastamento do estado de natureza e de felicidade. É a perfectibilidade humana, a capacidade do homem de aperfeiçoar-se.
A natureza manda em todos os animais, e a besta obedece. O homem sofre a mesma influencia, mas considera-se livre para concordar ou resistir, e é, sobretudo, na consciência dessa liberdade que se mostra a espiritualidade de sua alma (...)
Mas, (...) sobre a diferença entre o homem e o animal, haveria uma outra qualidade muito específica que os distinguiria e a respeito da qual não pode haver contestação – é a faculdade de aperfeiçoar-se, faculdade que, com o auxílio das circunstancias, desenvolve sucessivamente todas as outras e se encontra, entre nós, tanto na espécie quanto no individuo; o animal, pelo contrario, ao fim de alguns meses, é o que será por toda a vida, e sua espécie, no fim de milhares de anos, o que era no primeiro ano desses milhares.
Porque só o homem é suscetível de tornar-se imbecil? (...) Seria triste, para nós, vermo-nos forçados a convir que seja essa faculdade, distintiva e quase ilimitada, a fonte de todos os males do homem; que seja ela que, com o tempo, o tira dessa condição original na qual passaria dias tranquilos e inocentes; que seja ela que, fazendo com que por meio dos séculos desabrochem suas luzes e erros, seus vícios e virtudes, o torna com o tempo o tirano de si mesmo e da natureza.
Como maioria dos animais, o homem se preocupa em satisfazer necessidades básicas relacionadas a fome, sede, sexo e outras questões da sobrevivência. Mas só a satisfação dessas necessidades não é suficiente para torná-lo feliz. Ele precisa de muito mais para ser plenamente humano. Precisa atender a sua necessidade de crescimento interior, de relacionamento social, de expansão da criatividade, de busca da verdade e da justiça. Como o escritor russo Dostoievsky disse: O homem necessita do insondável e do infinito tanto quanto do pequeno planeta onde habita.
NATUREZA EM DESTRUIÇÃO
O PODER DA CONSCIENCIA PARTICIPANTE
A concepção da realidade que predominou no Ocidente até as vésperas da revolução cientifica era e de um mundo encantado. As rochas, as árvores, os rios e as nuvens eram tidos pelo homem como seres maravilhosos e portadores de vida. Os homens, por sua vez, sentiam-se em casa neste mundo encantado. O cosmo era o lar ao qual pertenciam. Cada pessoa não era um observador distante e alienado, mas um direto participante da trama da vida. O destino pessoal de cada um estava ligado ao destino do cosmo, e esta inter-relação conferia sentido profundo à vida de todos. Esse tipo de concepção da realidade – que chamarei consciência participante – envolve a fusão ou identificação do homem com o seu ambiente natural, expressando uma integração psíquica que há muito tempo deixou de existir.
Considerando-se o plano mental, a história da Idade Moderna é uma história de progressivo desencantamento. A partir do século XVI, a mentalidade científica nos tornou verdadeiros estrangeiros (seres não-integrados) em relação aos fenômenos do mundo. Inovações capazes de questionar essa visão da realidade – física quântica, ou certas pesquisas ecológicas – não foram suficientemente fortes para abalar a forma dominante do pensamento vigente. Essa forma pode ser adequadamente descrita com palavras como desencantamento, não-interligação, pois ela insiste em estabelecer uma rígida separação entre o observador e o observado. Assim, a consciência cientifica tornou-se uma consciência alienada no sentido de que não promove uma fusão harmoniosa com a natureza, mas sim a separação plena dela. O sujeito conhecedor e o objeto investigado são encarados como pólos opostos, antagônicos. Não sou minhas experiências e conclusões sobre o mundo. Portanto, não faço parte dessa visão de mundo é um sentimento de coisificação: tudo é objeto, estranho, não-eu. E eu afinal, também sou um objeto; um ser a parte, em meio a tantos outros seres. O cosmo não foi construído por mim, tampouco se importa com minha existência e eu não tenho a sensação de estar nele integrado.
Durante mais de 99% da historia da humanidade, vigorou a concepção de que o mundo era encantado e o homem se sentia como parte integrante dele. Nos últimos quatro séculos, a total reversão dessa concepção destruiu, no plano psíquico e físico, o sentimento de integração do homem em relação ao cosmo. Isso foi responsável pela quase-destruição ecológica do planeta. A única esperança, parece-me, está no re-encantamento do mundo como meio de nosso re-encontro.
É nisto que reside a questão central do dilema moderno. Não podemos voltar a alquimia ou ao animismo – pelo menos isso não parece provável. Por outro lado, não podemos permanecer com este mundo triste, de frieza cientifica, controlando por computadores, ameaçado por reatores nucleares. É preciso desenvolvermos algum tipo de consciência holística ou participante – e uma formação sociopolíticacorrespondente – se desejamos sobreviver enquanto espécie genuinamente humana. (Morris Berman)
PROBLEMATIZAÇÃO
01. A concepção da realidade que predominou no Ocidente até as vésperas da revolução cientifica era a de um mundo encantado. O que o autor entende por mundo encantado?
02. A consciência cientifica tornou-se uma consciência alienada no sentido de que não promove uma fusão harmoniosa com a natureza, mas a separação plena dela. O sujeito conhecedor e o objeto investigado são encarados como pólos opostos, antagônicos. O que significa, nesse texto, a expressão consciência alienada, para definir a atitude cientifica de investigação da natureza?
03. Segundo o autor, dentro do tema enfocado, qual a questão central do dilema moderno?
04. Desenvolva um argumento criticando a opinião de Morris Berman.
2. CONSCIÊNCIA CRÍTICA E FILOSOFIA
O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA
O homem como sistema aberto.
Nada caracteriza melhor o ser humano do que a consciência, isto é, o desenvolvimento dessa atividade mental que nos permite estar no mundo com algum saber, com-ciência. Por isso a biologia classifica o homem atual como sapiens sapiens: o ser que sabe que sabe. O homem é capaz de fazer sua inteligência debruçar sobre si mesma para tomar posse de seu próprio saber, avaliando sua consistência, seu limite e seu valor.
O animal sabe. Mas, certamente, ele não sabe que sabe; de outro modo, teria há muito multiplicado invenções e desenvolvido um sistema de construções internas. Consequentemente, permanece fechado para ele todo um domínio do real, no qual nos movemos. Em relação a ele, por sermos reflexivos, não somos apenas diferentes, mas outros. Não só simples mudança de grau, mas mudança de natureza, que resulta de uma mudança de estado.
A consciência faz do homem um sistema aberto fundamentalmente relacionado com o mundo e consigo mesmo. Assim, pode caminhar para dentro, investigando seu íntimo, e projetar para fora, investigando o universo.
Aberto ao ser e ao saber, a conscientização faz o homem dinâmico. Eterno caminhante destinado à procura e ao encontro da realidade. Caminhante cuja estrada é feita da harmonia e do permanente conflito com o saber, o saber e o fazer, essas dimensões essenciais da existência humana.
CONSCIÊNCIA CRÍTICA: A DIALÉTICA DO EU E DO MUNDO
A consciência pode centrar-se sobre o próprio sujeito, sondando a interioridade, ou sobre os objetos exteriores, sondando a alteridade. Portanto, há duas dimensões complementares no processo de conscientização: a consciência de si e a consciência do outro.
A consciência de si é a concentração da consciência nos estado interiores do sujeito, exige reflexão, alcança-se, por intermédio dela, a dimensão da interioridade que se manifesta por meio do processo de falar, criar, afirmar, propor e inovar.
A consciência do outro é a concentração da consciência nos objetos exteriores, exige atenção. Alcança-se por intermédio dela, a dimensão da alteridade que se manifesta por meio do processo de escutar, absorver, reformular, rever e renovar.
O despertar da consciência crítica depende do harmonioso crescimento dessas duas dimensões da consciência: a reflexão sobre si e a atenção sobre o mundo. A consciência só do outro conduz a perda da identidade pessoal e a consciência só de si conduz ao isolamento, ao fechamento interior.
O escritor Wolfgang Goethe dizia que o homem só conhece o mundo dentro de si se toma consciência de si mesmo dentro do mundo. Assim, o desenvolvimento da conscientização humana depende da superação do isolamento e do alheamento. É um processo dialético, que se move do eu ao mundo e do mundo ao eu. Do fazer ao saber e do saber ao re-fazer.
PENSAMENTO: AS ASAS E RAÍZES DO HOMEM
O principal veículo do processo de conscientização é o pensamento. A atividade de pensar confere ao homem asas para mover-se no mundo e raízes para aprofundar-se na realidade.
Em sentido amplo, pode-se dizer que o pensamento tem como missão tornar-se avaliador da realidade. Para Descartes a essência do homem é pensar. Por isso dizia: Sou uma coisa que pensa, isto é, que duvida, que afirma, que nega, que conhece poucas coisas, que ignora muitas, que ama, que odeia, que quer e não quer, que também imagina e que sente.
O pensamento faz a grandeza ou a pequenez do homem. A grandeza decorre do pensamento bem pensado, que avalia a multiplicidade do real e se esforça para desvendá-lo, ouvi-lo atentamente, saboreando sua riqueza e diversidade. Tal pensamento aprendeu a desejar amorosamente a verdade, a amar a sabedoria.
A pequenez humana decorre do pensamento obscuro, mesquinho e estereotipado, que teme a aventura de se lançar sobre o real e desconhece o sabor da busca do saber. O pensamento carente de grandeza transforma-se em meio de ocultação da realidade. Por meio dele, a atividade pensante, em vez de servir à liberdade, pode tornar-se instrumento de dominação social.
O QUE É SENSO COMUM
No cotidiano surge uma serie de opiniões sobre os mais variados assuntos. Muitas dessas opiniões frequentemente conseguem um consenso, obtêm a concordância da maioria das pessoas de um grupo. Elas podem se tornar concepções aceitas por uma sociedade inteira.
Essas concepções geralmente aceitas como verdadeiras num determinado meio social recebe o nome de senso comum. É uma serie de crenças admitidas por um determinado grupo social e que seus membros acreditam serem compartilhadas por todos os homens.
Muitas das concepções do senso comum de um povo ou de uma classe social transformam-se em frases feitas ou em ditados populares. Repetidas irrefletidamente no cotidiano, algumas dessas noções escondem ideias falsas, parciais ou preconceituosas. Outras podem até revelar uma profunda visão de vida, ao que se chama sabedoria popular.
O caracteriza o senso comum não é sua verdade ou falsidade. É sua falta de fundamentação. As pessoas não sabem o porquê dessas noções. São aceitas e defendidas sem saber explicá-las. Trata-se de um conhecimento adquirido sem uma base crítica, precisa, coerente e sistemática.
O DESPERTAR CRÍTICO E A BUSCA DA VERDADE
Parar para pensar, refletir, é atitude fundamental na compreensão do real.
Primeiro foi o espanto, depois o despertar crítico e a decepção para o mundo, uma ordem para o caos. Queria a verdade. Essa busca da verdade tornou-o cada vez mais exigente com o conhecimento que adquiria e comunicava. Ambicioso, o homem sentia uma necessidade crescente de entender e explicar tudo de maneira clara, coerente e precisa. Nascia assim a filosofia.
Para Milton Meira a riqueza da filosofia reside na sua plenitude. Não há uma, mas várias filosofias.
Para Platão a filosofia é o desenvolvimento e uso do saber em beneficio do homem.
Para Rubens Filho o sentido da palavra filósofo não é unívoco. Aristóteles e Diderot não são filósofos no mesmo sentido, e, em cada tempo, o nome de filósofo define uma função diferente.
Para Schelling a palavra filosofia é acertada. Todo o nosso saber sempre permanecerá filosofia, isto é, sempre um saber apenas em progresso, cujo grau superior ou inferior devemos apenas ao nosso amor à sabedoria, isto é à nossa liberdade.
Para Wittgenstein a filosofia não é uma doutrina, mas uma atividade. É uma luta contra o enfeitiçamento do nosso entendimento pelos meios da nossa linguagem
A EXTENSÃO E O PAPEL DO CONHECIMENTO FILOSÓFICO
O saber filosófico designa a totalidade do conhecimento racional desenvolvido pelo homem. Abrange o conjunto dos conhecimentos racionais integrados dentro do universo do saber filosófico. Era a busca de se conhecer a totalidade sem dividir.
A partir da Idade Moderna a realidade a ser conhecida passou a ser dividida, recortada, despertando estudos especializados. Era a separação entre ciência e filosofia. Ao se constituírem por esse processo as ciências passaram a direcionar suas investigações a certos campos delimitados da realidade.
Os dias atuais caracterizam-se como a era dos especialistas. O problema é que ela conduz a uma pulverizaçãodo saber, à perda da visão mais ampla do conhecimento humano.
Nesse sentido o papel da filosofia passou a ser a recuperação dessa unidade do saber, de questionar a validade dos métodos e critérios adotados pelas ciências. Passou a desenvolver o trabalho de reflexão sobre os conhecimentos alcançados e a procura de respostas à finalidade, ao sentido e ao valor da vida e do mundo.
Assim, pode-se dizer que pertence à filosofia o estudo geral dos seres, do conhecimento e do valor das coisas.
HOMEM: O SER QUE PERGUNTA
Normalmente perguntamos sem refletir sobre o próprio perguntar, sem indagar pelo significado dessa operação da inteligência que se acha na raiz de todo conhecimento e de toda ciência. E ao perguntar pelo perguntar, convertemos essa operação, que nos parece tão banal, tão quotidiana, em tema filosófico, a partir do momento em que passamos a considerá-la do ponto de vista da crítica radical.
Se compararmos, nesse aspecto, o comportamento humano com o do animal, verificaremos que o animal não pergunta, não indaga, limitando-se a responder. Mas, por que o animal não pergunta? Não pergunta porque não precisa perguntar. E por que não precisa perguntar? Porque, para viver e reproduzir-se, dispõe do instinto que o torna capaz de fazer, embora inconsciente e sonambulicamente, tudo o que é necessário para sobreviver e assegurar a sobrevivência de sua espécie. O animal não pergunta, limita-se a responder aos estímulos e provocações do contexto em que se encontra, a responder imediatamente, fugindo do perigo, quando é ameaçado, e atacando a presa quando está com fome.
Entre o animal e o contexto em que vive não há ruptura, não há solução de continuidade. Porque o animal é natureza dentro da natureza, instinto, espontaneidade vital, inconsciência.
Quando o comportamento do animal não é ditado pelo instinto, pela necessidade de alimentar-se, ou de reproduzir-se, e de mover-se no espaço, é ditado pelos estímulos exteriores que provocam reflexos ou respostas previamente determinados. O animal não precisa saber o que são as coisas, não precisa perguntar, porque sabe, por instinto, tudo o que precisa saber para sobreviver e assegurar a sobrevivência da espécie, do grupo ou da família a que pertence.
Essa ciência está implícita em sal natureza, pois o peixe nasce sabendo nadar, o pássaro sabendo voar, e os gatos e cachorros sabendo a andar e correr. A integração no contexto natural é completa, mesmo por parte dos animais que constroem colmeias como as abelhas, edifícios para morar como as formigas, ou teias como as aranhas. Essas construções são obras do instinto, atividade que realiza fins determinados sem ter consciência de que os realiza, sem ter a possibilidade, ou liberdade de não realizá-los. Pois ser abelha e construir colmeias é a mesma coisa, e a mesma coisa, também, é ser formiga e erguer formigueiros, e ser aranha e fabricar as teias. Toda a conduta, toda a atividade do animal está predeterminada, pré-estabelecida, em sua natureza, inclusive a possibilidade, que se verifica em relação a certos animais superiores, de serem adestrados para trabalhar nos circos.
Em contraste, o homem pergunta. E, por que pergunta? Porque precisa perguntar. Mas, por que precisa perguntar? Precisa perguntar porque não sabe e precisa saber, saber o que é o mundo em se encontra e no qual deve viver. Para saber viver e viver é conviver, com as coisas e com os outros homens, precisa saber como as coisas e os outros homens se comportam, pois sem esse conhecimento não poderia orientar sua conduta em relação às coisas dos homens. Para o ser humano o conhecimento não é facultativo, mas indispensável, uma vez que sal sobrevivência dele depende. Mas, para que esse conhecimento lhe permita transformar a natureza, pondo-a a seu serviço, e lhe permita, também, transformar sua própria natureza, pela educação e pela cultura, para que esse conhecimento possa tornar-se o fundamento de uma técnica realmente eficaz, é indispensável que não seja meramente empírico, mas cientifico, ou epistemológico, como diziam os gregos.
Ora, que está na origem do conhecimento, tanto filosófico quanto científico? Na origem desse conhecimento está a capacidade, ou melhor, a necessidade de perguntar, de indagar, o que são as coisas e o que é o homem. E qual é o pressuposto, ou a condição, de possibilidade da pergunta? Se pergunto é porque não sei, ou me comporto como se não soubesse. A pergunta supõe, consequentemente, a ignorância em relação ao que se pretende ou precisa saber, pressupondo também, e ao mesmo tempo, a consciência da ignorância e o conhecimento, por assim dizer, em oco, daquilo que se desconhece e precisa conhecer. A mola do processo é a contradição. Não sei e sei que não sei, e essa consciência da ignorância, a ciência da insciência, é o que me permite perguntar, quer a pergunta se dirija à natureza, quer se enderece aos outros homens.
Na origem, na raiz do perguntar, encontramos, portanto, a ruptura, a cisão, a contradição. Não sei, preciso saber e porque sei que não sei, pergunto, na expectativa de que a resposta possa trazer-me o conhecimento que não tenho e preciso ter.
Rolando Corbisier
Fonte do textos
COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: ser, saber e fazer. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1993
MARIA, Lúcia de Arruda Aranha e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de filosofia. São Paulo: Moderna, 1992.

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