Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 IFCE – Campus Quixadá –Engenharia Ambiental Disciplina:Recuperação de Áreas Degradadas – Carga horária: 80 h/a – Semestre:9º – Professoras: Joyce Bonna e Amanda Menezes Contato:joyce.bonna@ifce.edu.br / amanda.menezes@ifce.du.br 1. Conceituação de termos utilizados em estudos de recuperação ambiental Estudos e programas relacionados com a recuperação ambiental necessariamente envolvem diferentes áreas de conhecimento humano. A abordagem ampla que se faz necessária, somente pode ser atingida na medida que a multidisciplinariedade e interdisciplinaridade se fazem presentes. Processos ou programas de recuperaçãoambiental podem ser definidos como um conjunto de ações idealizadas e executadas por especialistas de diferentes áreas do conhecimento humano, que visam proporcionar o restabelecimento de condições de equilíbrio e sustentabilidade existentes anteriormente em um sistema natural (Dias e Griffith, 1998). Em função desta definição, o termo sustentabilidade deve ser corretamente interpretado. É relativamente comum a confusão entre sustentável e auto-sustentável. A sustentabilidade de um ambiente pode ser mantida por intermédio de intervenções antrópicas como fertilizações, irrigações e enriquecimento de sua biodiversidade, por exemplo. Exemplo de um sistema sustentável 2 Por outro lado, a auto-sustentabilidade do ambiente é mantida em função de sua resiliência e de seus mecanismos de troca atuarem de maneira equilibrada e eficiente a ponto de manter sua produtividade. Exemplo de sistema auto-sustentável O inter-relacionamento entre as diferentes áreas de conhecimento humano passa a ser um ponto de grande importância na execução de estudos e programas de recuperação ambiental. No entanto, a troca de informações entre técnicos muitas vezes pode ser prejudicada em função de abordagens distintas em relação a determinados conceitos e definições. Estas abordagens decorrem da formação e experiência de cada profissional. A partir de um consenso em relação à compreensão e adoção de termos técnicos o desenvolvimento de trabalhos multi e interdisciplinares é facilitado, uma vez que a comunicação entre os diferentes atores passa a ser mais exata e objetiva. A seguir serão apresentadas diferentes definições para termos comumente utilizados para a elaboração e condução de projetos ambientais. A apresentação de definições diferentes para um mesmo termo é proposital para que o leitor tenha conhecimento da pluralidade de abordagens encontrada na literatura. No contexto de recuperação ambiental, a literatura internacional usa dois termos básicos que precisam ser bem compreendidos: “land” e “soil”. “Land”:determinada área da superfície terrestre, envolvendo todos os atributos da biosfera imediatamente acima ou abaixo desta superfície, incluindo aquelas perto da superfície, o clima, o solo e o relevo, a superfície hidrológica (incluindo lagos, rios e pântanos), as camadas sedimentares superficiais e associadas a reserva de águas subterrâneas, a população de animais, os diferentes modelos de assentamentos humanos e os resultados físicos do passado e do presente de atividades humanas (terraceamento, estruturas para armazenamento de água e drenagem, estradas e edificações, etc.). (FAO, 1995). 3 “Soil”:coleção de corpos naturais dinâmicos, que contém matéria viva, e é resultante da ação do clima e da biosfera sobre a rocha, cuja transformação em solo se realiza durante certo tempo e é influenciada pelo tipo de relevo (LEPSCH, 2002). Parte do ecossistema terrestre situado na interface entre a superfície da terra e a rocha matriz. Apresenta-se subdividido em camadas horizontais sucessivas com características físicas, químicas e biológicas específicas. (CouncilofEurope, 1990). De acordo com as definições acima, o conceito de “land” é muito mais abrangente do que o de solo, sendo, por isso, mais amplamente utilizado em textos sobre recuperação ambiental. Assim, o solo passa a ser um componente da área (sistema, ambiente ou mesmo terra). A seguir são apresentados alguns termoscuja compreensão é importante para a discussão de textos sobre recuperação ambiental. Diversidade biológica: variedade de organismo vivos de todas as origens, compreendendoos ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies e de ecossistemas. 4 Qualidade ambiental: é a medida da condição de um ambiente relativo às necessidades de uma ou mais espécies e/ou às necessidades ou propósitos humanos. Alteração ambiental:alteração ou distúrbio no ambiente devido a processos naturais. Distúrbio ou perturbação: interrupção, brusca ou não, de um processo, ação ou condição que seja tida como normal. Trata-se de uma perturbação momentânea. Em termos ecológicos refere-se a um evento pouco usual ou pouco frequente, que possa atingir um ecossistema, eliminando alguns indivíduos e abrindo espaço para colonização pelas mesmas espécies, ou não. Fala-se então em distúrbio ou perturbação estocástica, que é um evento fortuito, aleatório, como o fogo (ou incêndio), tempestade violenta, terremoto, furacão, etc.Autores como Pickett e Cadenasso (2005), afirmam que os diferentes distúrbios podem ter efeitos distintos na disponibilidade de recursos para colonização, uma vez que podem ocorrer em escala mais detalhada, do que os eventos mencionados acima, como a queda de uma única árvore em uma floresta, até escalas mais extensivas como a abertura do dossel da floresta causada por um furacão, com consequentes mudanças no ambiente. Árvore caída em floresta. 5 Estresse: diferentemente de distúrbio, que é caracterizado por ser uma perturbação momentânea, o estresse é geralmente interpretado como uma pressão, no nível de ação sobre um ecossistema (ou comunidade ou população), de forma contínua, com tendência a ser prolongada, gerando respostas de seus componentes bióticos diferenciada da resposta ao distúrbio. A formação da caatinga é uma resposta ao estresse hídrico que frequentemente assola a região Nordeste. Degradação: qualquer alteração ou distúrbio ao ambiente detectado como deletério ou indesejável; processos resultantes dos danos ao meio ambiente, pelos quais se perdem ou se reduzem algumas de suas propriedades, tais como a qualidade ou a capacidade produtiva dos recursos ambientais. Quando um sistema sofre alguma perda física, química e/ou biológica quebrando o seu equilíbrio de auto-sustentabilidade. Exige uma ação de remediação para que recupere o seu equilíbrio. O conceito de degradação é relativo, embora esteja sempre associado à noção de alteração ambientaladversa gerada, na maioria das vezes, por atividades humanas. Ex.: do ponto de vista da Engenharia Civil, certamente o conceito de solodegradado deve estar relacionado com a alteração da capacidade em se manter coesoe como meio físico de suporte para edificações, estradas, e a densidade dosolo é um atributo que ilustra bem exemplo. Já em termos agronômicos, solos adensadosou compactados podem caracterizar um processo de degradação (redução de sua taxade infiltração, limitação na circulação de oxigênio, impedimento físico para ocrescimento das raízes, menor disponibilidade de nutrientes, etc.). Por outro lado, essacaracterística é desejável como meio de suporte para edificações, ferrovias, rodovias,etc. 6 Degradação de praia por excesso de lixo Degradação de construção por intempéries externas efalta de manutenção Degradação da floresta amazônica por excesso de desmatamento 7 Degradação do solo: processo que reduz a atual e/ou potencial capacidade do solo de produzir bens e serviços. Deterioração de aspectos físicos, químicos e/ou biológicos, incluindo a perda de matéria orgânica, declínio da fertilidade do solo e de sua estrutura, erosão, mudanças adversas de salinidade, acidez ou alcalinidade e de efeitos químicos tóxicos, poluentes ou encharcamento excessivo. Perda ou redução das funções ou uso do solo. Solo compactado dificultando a instalação de vegetação Dano: quando uma dada área assume uma condição de incapacidadede retorno às suas condições originais devido a modificação de um ou mais de seus “atributos chave” (solo, biota, pedomorfologia, hidrologia, etc.). Esta condição ainda permite a terra a produção de bens e serviços para a satisfação das necessidades humanas. Resiliência: velocidade de recuperação de um sistema. Está relacionada às características do ambiente (como a biodiversidade e os recursos do seu entorno) que podem favorecer a recuperação após o distúrbio ou dano que levou a sua alteração. Habilidade de um sistema reverter ao seu estado original. Primeiro o ambiente foi alterado e perdeu toda sua vegetação, posteriormente, uma nova vegetação começa a se instalar no ambiente alterado. Resistência: capacidade que o ambiente tem de resistir às alterações. Depende tanto das características do ambiente, quanto do impacto (intensidade, duração e frequência). 8 Vegetação resistente a ação do vento Ambiente natural: ambientes não alterados ou não deturpados pela cultura humana. Área abandonada: área afetada pela atividade industrial ou outra qualquer que leve a sua incapacidade de uso sem um tratamento especial. Área de mineração abandonada Área perturbada: aquela que sofreu distúrbio, mas manteve meios de regeneração. Logo, ao contrário das áreas abandonadas e/ou degradadas, não necessariamente precisam de uma intervenção humana para arecuperação. Imagem 1: área perturbada pela instalação de pastagem. Imagem 2: área regenerada. Área contaminada: área que contém substâncias em uma certa quantidade que pode causar direta ou indiretamente dano à saúde humana, ao ambiente ou aos materiais de construção. 9 Área contaminada com material volátil Área degradada: área cujas condições edáficas e/ou riqueza biótica foram reduzidas por atividade humana a um nível em que houve um declínio de suas habilidades em atender um uso específico; refere-se a um nível onde os reservatórios ambientais (matéria orgânica, nutrientes, banco de sementes e biomassa) reduziram a um ponto em que a reposição natural é incapaz de retornar o ambiente a seu estado original; área que após um distúrbio, teve eliminado os seus meios de regeneração natural, apresentando baixa resiliência. Em ecossistemas degradados, a ação antrópica é necessária para a sua recuperação. Voçoroca antes e depois de projeto de RAD Talude antes, durante e depois de projeto de RAD Recuperação: processo pelo qual uma área degradada retorna a uma condição que permita a sua utilização de acordo com um plano preestabelecido para o uso do solo e visando a estabilidade do meio ambiente. Restituição de um ecossistema ou de uma 10 população silvestre degradada a uma condição não degradada, que pode ser diferente de sua condição original. Estabelecer um novo equilíbrio dinâmico em um ambiente que já foi degradado. Recuperação de um ambiente urbano dando a este um novo uso Reabilitação: fazer com que um ambiente alterado volte a ter a mesma função que tinha antes da sua alteração; retorno ao uso primitivo com um estado de equilíbrio ecológico estável, não necessariamente auto-sustentado. Imagem 1: antiga área florestal alterada. Imagem 2: nova floresta instalada eelementos inseridos pelo homem que permaneceram após a reabilitação da área. Restauração: processo pelo qual uma dada área retorna ao seu estado original anterior à degradação, isto é, o sistema retorna ao completo funcionamento auto-sustentado.Esse termo é o mais impróprio de ser utilizado, pois por estado original entende-setodos os 11 aspectos relacionados com topografia, vegetação, fauna, solo, hidrologia,etc., logo, trata- se deum objetivo praticamente inatingível. Uso direto: aquele que envolve coleta e uso, comercial ou não, dos recursos naturais. Uso indireto: aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais. Uso sustentável: exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais s e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos de forma socialmente justa e economicamente viável. Ex.: extrativismo (sistema de exploração baseado na coleta e extração, de modo sustentável, de recursos naturais renováveis). Extração em árvore seringueira Capacidade de suporte: valor máximo do potencial de produção de um sistema ambiental ou ecossistema. Ex.: 12 Preservação: conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem a proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistema, além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais. Conservação da natureza: manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração ou recuperação do ambiente, para que possa produzir o maior benefício às atuais gerações, e mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, garantindo, assim, a sobrevivência dos seres vivos em geral. Pessoas replantando árvores Zoneamento: definição de setores ou zonas de uma determinada área com objetivos de manejo e normas específicas, com o propósito de proporcionar os meios e as condições para que todos os objetivos da unidade possam ser alcançados de forma harmônica e eficaz. 13 Zona de amortecimento: entorno de unidade de conservação onde as atividades humanas estão sujeitas a restrições com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade. 14 Plano de manejo: documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, por exemplo, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas fiscais necessárias à gestão da unidade. Plano de Recuperação de Áreas Degradadas: documento que deve conter todos os procedimentos envolvidos na recuperação do ambiente, conforme o uso ou função ecológica aprovada pelo órgão de fiscalização ambiental. Deve conter ainda um plano de monitoramento a fim de identificar se a recuperação tem sido efetuada de fato. Referências: DIAS, L.E. Recuperação de Áreas Degradadas. Viçosa: UFV, 1997. PICKETT, S.T.A.; CADENASSO, M.L. Vegetation succession. In: Van Der Marrel, E. (ed.). Vegetation Ecology. Malden: Blackwell Publishing, 2005. p. 172–198. TAVARES, S.R.L. et al. Curso de recuperação de áreas degradadas: a visão da Ciência do Solo nocontexto do diagnóstico, manejo, indicadores de monitoramento e estratégias de recuperação. Embrapa Solos. Rio de Janeiro, 2008. 15 2. Fontes de degradação ambiental Hoje somos cerca de 7,3 bilhões, segundo as avaliaçõesdas Nações Unidas, até 2050 seremos cerca de 8,9 bilhões de habitantes que dependeremos da capacidade de produção de alimentos de um planeta cuja degradação de terras produtivas ocorre de maneiraacelerada, enquanto as fronteiras agrícolas caminham para o esgotamento. Dessa forma, em umcurto espaço de tempo a pressão pelo uso de terras marginais aumentará drasticamente,colocando em risco sistemas mais frágeis ainda não explorados. Da mesma forma, sistemasecologicamente fundamentais para a preservação de biodiversidade serão pressionados para seincorporarem a cadeia produtiva de alimentos. Não existem dúvidas quanto a agricultura e a pecuária serem as principais fontes dedegradação de solos em termos de extensão de terras degradadas. Mesmo porque trata-se doprocesso de degradação mais antigo, que transcende a civilização atual. Por outro lado, existemoutras fontes, até mesmo mais impactantes que aquelas e que devem ser consideradas. Partindo-se da abordagem não segmentada de um sistema, qualquer intervenção quealtere os fluxos de energia, nutrientes e água e que resulte em redução de sua capacidade de suportee aumento de entropia, promove a degradação do ambiente. Atividades antrópicas e nãoantrópicas de diferentes intensidades e duração podem promover a degradação ambiental. Fontes de degradação ambiental podem ser classificadas a partir de diferentes abordagens. Neste texto são apresentadas duas abordagens que enfatizam as fontes dedegradação de origem antrópica: 1) Classificação temporal, que procura relacioná-las em termos de tempo de duração da atividade e dos efeitos de degradação; 2) Classificação que separa as fontes de acordo com a atividade de degradação. As fontes de degradação podem ser classificadas ainda, de acordo com a extensão,intensidade e duração do processo de degradação. Dias e Griffith (1998) apresentam estaabordagem a partir da visão proposta por Toy e Hadley (1987). Fontes naturais ou não antrópicas de degradação são pouco enfatizadas em estudos derecuperação ambiental, principalmente em textos brasileiros. Os eventos desta fonte serãobrevemente discutidos num contexto mais informativo. 2.1 Fontes antrópicas de degradação ambiental a) Classificação temporal De acordo com o texto elaborado por Harris et al. (1996)existem duas categorias principaisde uso da terra que leva a degradação da habilidade de um ecossistema se manter auto- sustentado: uso temporário e uso permanente. Uma terceira categoria seria a redução 16 doecossistema, que resulta de atividades não regulamentadas em áreas não degradadas, comopoluição atmosférica, caça de animais selvagens, que pode levar a degradação ou disfunção doecossistema. As três maneiras de uso da terra estão interligadas por alterações na entropia e nabiodiversidade do ecossistema. 1) Uso temporário: engloba atividades com um uso programado e definido da terra. Normalmente são elaborados projetos que, inclusive, pelo menos em teoria, apresentam um programa de recuperação do ambiente após o uso. 2) Uso permanente: contempla atividades onde não existe uma intenção, em longo prazo, de retorno da área a um sistema auto-sustentado. Como consequência, não existem mecanismos econômicos intrínsecos ou legislativos que garantam a recuperação ambiental. 3) Redução do ecossistema: refere-se a atividades que, aparentemente apresentam-se como pouco impactantes (quando comparadas às duas categorias anteriores) mas que causam redução na capacidade de suporte e biodiversidade do ambiente. Trata-se da maior ameaça de quebra da auto-sustentabilidade dos sistemas em muitas partes do mundo. Alguns exemplos de atividades em cada uma das categorias citadas são apresentados naTabela abaixo: Tabela 1. Exemplos de fontes de degradação ambiental categorizadas pela classificação temporalproposta por Harris et al. (1996) b) Classificação quanto à atividade Esta classificação foi utilizada em um estudo realizado no início da década de 1990, denominado Avaliação Global da Degradação de Solos (“Global Assessment of Soil Degradation” -GLASOD) que foi financiado pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (United NationsEnvironment Programme) e pelo Centro Internacional de Informação e Referências em Solo(International Soil Reference and Information Center - ISRIC). Este estudo teve o mérito de iniciaruma avaliação da magnitude da degradação ambiental causada pelas atividades humanas 17 em todoo planeta. Apesar de boa parte do levantamento ter sido realizada com base na opinião deespecialistas, têm um grande valor histórico e estratégico, pois desencadeou inúmeros outrosestudos e ações. De acordo com as informações levantadas, a área de solos degradados no planeta saltou de 6% em 1945 para 17% em 1990, e com a manutenção dos modelos de uso da terra atuais, em 2025 cerca de 25% das terras agricultáveis apresentarão diferentes níveis de degradação(Hanson & Cassman, 1994). Baseado na opinião de especialistas, este estudo estimou que pertode dois bilhões de hectares em todo o mundo (22% da área agrícola, de pastagem, florestasnaturais e plantadas) foram degradadas nos últimos 50 anos. Cerca de 3,5% daquele total foram severamente degradadas e necessitam de elevados investimentos de engenharia para seremrecuperados. Cerca de 10% foram moderadamente degradadas e essa degradação seria reversívelcom investimentos agrícolas. A degradação de áreas agrícolas em todo mundo tem causado um significativo impacto naprodução agrícola. Entre 1945 e 1990, cerca de 17% de perda de produtividade têm sido atribuída àdegradação de solos (Scherr e Yadav, 1997). Segundo a GLASOD, há cinco fontes ou fatores de degradação dos solos: 1) Desmatamento ou remoção da vegetação natural para fins de agricultura, florestas comerciais, construção de estradas e urbanização; 2) Superpastejo da vegetação – aqui o superpestajo é considerado numa visão mais ampla, incluindo além do pastejo decorrente da criação de animais domésticos, o pastejo de vegetação natural por parte de animais selvagens no continente africano, por exemplo; 18 3) Atividades agrícolas – incluem uma ampla variedade de práticas agrícolas, como o uso insuficiente ou excessivo de fertilizantes, o uso de água de irrigação de baixa qualidade, o uso inapropriado de máquinas agrícolas e a ausência de práticas conservacionistas de solo; 4) Exploração intensa da vegetação para fins doméstico como combustível, cercas, etc., expondo o solo a processos erosivos; 5) Atividades industriais ou bioindustriais que causam a poluição do solo. 19 O estudo GLASOD estimou em todo o planeta que cerca de 1.966 x 106 ha apresentam- secomo degradados. Em termos relativos a área total de cada continente, a Europa e a AméricaCentral são aqueles onde o problema mostra-se mais crítico (Tabela 2). Tabela 2. Percentual de solos degradados nos diferentes continentes Ainda de acordo com o estudo, de um total estimado de 1.966.000.000ha degradados, cercade 579.000.000ha referem-se a desmatamento, 133.000.000ha a exploração doméstica, 679.000.000ha a superpastejo, 522.000.000ha a atividades agrícolas e 23.000.000ha a atividadesindustriais. Em termos percentuais estas atividades são apresentadas no gráfico abaixo. Extensão relativa de terras degradadas de acordo com a GLASOD. Uma das dificuldades de se obter uma avaliação global mais clara da extensão de terrasdegradadas refere-se a falta padronização na utilização de critérios adotados nos levantamentos, ou ainda na mistura de termos como desertificaçãoe degradação1. 1O termo desertificação pode ser confundido com degradação da terra, no entanto, seu uso tem ficado restrito a processos antrópicos de degradação em regiões áridas, semi-áridas e sub-úmidas. O processo de desertificação se caracteriza pela perda total do horizonte orgânico superficial do solo, decorrente da incapacidade de manutenção de uma cobertura vegetal e ação intensa dos agentes erosivos sobre o material remanescente. Regiões áridas e semi- áridas com solos considerados frágeis pela baixa estruturação e disponibilidade de nutrientes, quando submetidos a uma elevada pressão de uso, representam grande vulnerabilidade à desertificação. 20 2.2 Fontes naturais de degradação Como fontes naturais de degradação ambiental são considerados eventos como: furacões,terremotos, vendavais, chuvas de granizo, vulcões. A intensidade e magnitude destes eventos e ascaracterísticas do ecossistema vão determinar o nível de degradação ambiental. Alguns eventos resultam em grande impacto ambiental, no entanto, existem situações em que o evento poderesultar na eutrofização do sistema, como o derramamento de lavas por vulcões. A questão tempo mais uma vez pode ser considerada em relação às fontes naturais.Tomando-se uma escala de tempo mais longa, séculos, por exemplo, processos naturais como ode intemperismo sobre as rochas podem proporcionar a exposição de materiais poucoconsolidados, mais sujeitos a ocorrência de processos de grande impacto como movimentos demassa. 21 3. Impactos da degradação ambiental a) Em termos econômicos Informações a respeito de uma valoração econômica global do efeito de degradação deterras agrícolas são escassas na literatura. Algumas referências de caráter regional sãoapresentadas por Eswaran et al. (2001). Segundo esses autores, o impacto econômico decorrente dadegradação ambiental se faz mais intenso em regiões de maior densidade populacional, onde apressão de uso da terra é maior, como o sul da Ásia e a região Sub-Sahara na África. Apesar da dificuldade de se valorar perdas econômicas decorrentes de processos comoerosão ou desertificação, valores da ordem de 40 a 50% de perda de produção podem serencontrados na literatura (Fahnestock et al., 1995, Dregne, 1990, Lal, 1995). No sul da Ásia, asperdas anuais de produtividade são estimadas da ordem de 36 milhões de toneladas de cereais,equivalentes a US$ 5,400 milhões por erosão hídrica e US$ 1,800 milhões devido a erosão eólica(UNEP, 1994). Nos Estados Unidos, as perdas econômicas anuais decorrentes daerosão são estimadas na ordem de US$ 44 bilhões, cerca de US$ 247.00/ha de terras agrícolas ede pastagem. Enquanto que em termos mundiais a perda de anual de 75 bilhões de toneladas desolo equivale a valor de US$ 400 bilhões, ou cerca de US$ 70.00/habitante, considerando-se ovalor de US$ 3.00/ton de solo por nutriente e de US$ 2.00/ton de solo pela água (Lal, 1998). Além das perdas decorrentes de processos erosivos, devem ser consideradas perdas de qualidade de solo devido à compactação, perda de nutrientes, salinização e acidificação,o que certamente aumenta a magnitude daquele valor. A degradação do solo, independente da causa de degradação, promove perdas econômicas além da questão de produção de alimentos. O carreamento de sedimentos para oscursos d’água, por exemplo, promove o aumento de turbidez, afetando diferentes comunidades aquáticas e aprópria cadeia trófica do sistema, além de aumentar a possibilidade de enchentes e diminuirconsideravelmente o potencial de armazenamento de água de reservatórios hidroelétricos. 22 A perda da capacidade produtiva de solos induz a busca por novas fronteiras agrícolas, aumentando a pressão sobre desmatamento de novas áreas e os conflitos de terras. Da mesma forma, induz a migração para os centros urbanos na busca de melhores condições de vida. Certamente, as inúmeras consequências relacionadas aos processos erosivos e de perdade qualidade do solo são difíceis de serem valoradas. A pesquisa deve avançar na procura demecanismos e indicadores que possam tornar a valoração ambiental mais factível e realista.Somente assim existirá maior conscientização por parte dos formuladores e administradores depolíticas públicas e, por que não, da população como um todo. Além da valoração ambiental, o volume de informações a respeito de estatísticasambientais também se mostra um problema atual, não só para o Brasil, como para os demaispaíses, independente de sua condição econômica. A produção de estatísticas ambientais ébastante precária e as deficiências e lacunas superam em muito a oferta de informações existentes(Besserman, 2003). b) Em termos biológicos A perda de biodiversidade é principal dano biológico decorrente da degradação ambiental.A perda de biodiversidade se verifica pela redução no potencial de sustentabilidade dos sistemas,comprometendo a existência de espécies vegetais e animais. A supressão vegetal decorrente de poluição ou de atividades como mineração ouexploração agrícola, promovem em determinadas regiões perdas muitas vezes irreparáveis emtermos de variabilidade genética, como o caso da Mata Atlântica no Brasil. Os processos de degradação ambiental acabam por destruir o habitat natural dedeterminadas espécies que não conseguem se adaptar a nova condição ambiental. Como asustentabilidade ambiental é mantida também em função das trocas de energia e nutrientes entreorganismos, a eliminação de uma população pode afetar diretamente a sobrevivência de outra. Quando se considera a perda de biodiversidade, não se pode deixar de lado a questão damicro e da mesofauna do solo. Processos de degradação envolvem a perda do horizonte orgânicosuperficial, ao qual estes organismos de solo estão associados. Devido a função de degradação deresíduos orgânicos e ciclagem de nutrientes, os microrganismos mostram estreita 23 relação com avegetação existente. A perda de vegetação, juntamente com a perda da camada orgânica do solo,implica na perda da diversidade genética referente àqueles organismos. Independente do nível de degradação em que o ambiente se encontra, a perda debiodiversidade afeta diretamente seu potencial de resiliência, dificultando e onerando o processode recuperação ambiental. A valoração da biodiversidade se mostraextremamente importante para não só para quantificar perdas,mas também para oestabelecimento de medidas compensatórias estabelecidas pelos órgãos ambientais frente aos processos de degradação ambiental. c) Em termos de qualidade de vida Não existem dúvidas quanto ao efeito da degradação ambiental sobre a qualidade de vidadas pessoas. A magnitude da degradação está relacionada com o impacto do processo, podendoatingir alguns indivíduos, uma comunidade, um município, vários municípios ou mesmo uma nação,uma vez que os impactos indiretos podem extrapolar significativamente a área degradada. Processos de degradação ambiental muitas vezes não ficam restritos a área fonte ou objeto. Onível de influência do impacto sobre o entorno da área impactada dependerá da duração eintensidade do processo de degradação.Tomando-se a erosão de solos agrícolas, como exemplo. Trata-se do processo maissimples e ao mesmo tempo de maior magnitude de degradação, pois resulta: perda dopotencial produtivo dos solos, perda da qualidade da água com reflexos importantes na ictiofauna ena comunidade bentônica, perda na capacidade de armazenamento de reservatórios, elevação noscustos de tratamento de águas, etc. As consequências da erosão vão afetar diretamenteaqualidade de vida das pessoas que vivem não só na área diretamente degradada, como em seuentorno. A qualidade de vida também está relacionada com a inserção do indivíduo com a paisagemem que vive. Processos de degradação ambiental que envolvam a modificação da paisagemacabam por alterar a relação do indivíduo com o meio e, certamente, do meio para com oindivíduo. Alterações microclimáticas são exemplos dessa relação. Partindo-se de uma concepção mais ampla, a degradação de solos reduz a superfícievegetal do planeta. Essa redução reflete no aumento de disputas sociais, redução da produção de alimentos, perda de qualidade da atmosfera e, portanto, na qualidade de vida. Conclusões Inúmeros estudos disponíveis na literatura mostram que a agricultura e pecuária são as maiores fontes de degradação ambiental. A pressão por maiores produções de alimentos acaba por resultar na adoção de técnicas de manejo de solo inadequadas para o paradigma de 24 sustentabilidade. Visões imediatistas resultaram no modelo de exploração de solos que existe hoje. Somente a mudança destas práticas buscando um manejo conservacionista do solo poderá reverter o terrível prognóstico que se deslumbra para um futuro próximo. Na medida em que passe a existir menor pressão de uso de solo, terras marginais não aptas à exploração agrícola não serão mais utilizadas. Com isso, a extensão de terras degradadas certamente diminuirá.Como discutido anteriormente, existem outras fontes de degradação altamente impactantes como o caso de extração de minérios, exploração de madeira de florestas não plantadas, abertura de estradas, construção de barragens e indústrias. No entanto, são atividades que as instituições governamentais têm procurado regulamentar e por isso mesmo são passíveisde maior controle ambiental. Discussões a respeito do uso de áreas degradadas para reflorestamento – leia-se sequestro de carbono – têm sido observadas em congressos e simpósios nos últimos anos. Noentanto, ações efetivas por parte de governos e agências de fomento de desenvolvimento são ainda pouco expressivas em relação à importância do assunto. Na medida em que os paísesequacionarem a questão de valoração ambiental a “moeda verde” certamente se proliferareduzindo a extensão de terras degradadas em todo o planeta. Referências: DIAS, L.E. Recuperação de Áreas Degradadas. Viçosa: UFV, 1997. 25 4. Objetivos da recuperação de áreas degradadas Antes de iniciar uma abordagem sobre os objetivos de um processo de recuperaçãoambiental ou de uma área degradada, é interessante refletir sobre a questão “porque recuperar?”. Por mais evidente que possa parecer a resposta à essa questão, onde inúmeras razões de cunhosocial, político, científico, ecológico e estético possam existir, uma se coloca como fundamental: osolo é um componente fundamental para manutenção da vida sobre a terra, no entanto, uma significativa parcela do solo passível de exploraçãoagronômica existente no planeta possui algum nível de degradação a ponto de comprometer seupotencial de produção. Por outro lado, a demanda por produção de alimentos cresce anualmente,aumentando a pressão por novas áreas de exploração. Somente a partir de uma mudançaconceitual em termos de manejo de solos agrícolas pode reverter este terrível cenário atual. Paratanto, seria necessária uma conscientização global sobre sustentabilidade de sistemas agrícolas,como a que sugerem Johnson et al. (1997): “em razão dos solos produzirem a maior parte dosalimentos humanos, entender os processos e taxas do processo de regeneração de solos deveria sera prioridade fundamental das sociedades do mundo”. Os solos agricultáveis existentes no mundo são um recurso finito. 78% da superfície doplaneta não é utilizável para fins agrícolas. Dos 22 % restantes utilizáveis para a agricultura, 13 %possuem baixa capacidade produtiva, 6 % média e apenas 3 % é caracterizada como de altacapacidade produtiva para a produção agrícola intensiva (Burringh, 1989, citado por Lal e Stewart,1992). 4.1. Estabelecimento dos objetivos de um processo de recuperação ambiental Os objetivos da recuperação de áreas degradadas devem ser estipulados a partir de umamplo levantamento considerando aspectos relativos ao ambiente, a sociedade, a legislação e aeconomicidade do projeto. O ambiente deve ser avaliado gerando informações a respeito desuas características anteriores ao processo de degradação, e do potencial de recuperação doambiente 78 13 6 3 Capacidade produtiva dos solos no mundo (%) Não utilizável Baixa capacidade produtiva Média capacidade produtiva Alta capacidade produtiva 26 após a degradação. Essas informações compõem a base para a formação dos cenáriospré e pós- degradação. Os levantamentos referentes a sociedade visam a obtenção de informaçõesque possam expressar seu desejo no que se refere a questões de uso e estética. Alguns países possuem legislações ou regulamentações específicas para diferentes situações de degradação de solo. Nos EUA, a atividade de mineração de carvão a céu aberto é regulamentada por uma norma que requer do minerador a restauração da área degradada com a condição de que elaseja capaz de suportar um uso da terra igual ou melhor ao que suportava antes da degradação.No Brasil, a legislação exige a elaboração de um plano de fechamento de mina onde osprocedimentos a serem utilizados quando do encerramento das atividades de exploração sãodetalhados. Esse plano, inicialmente deve vir atrelado ao Plano de Recuperação de ÁreasDegradadas–PRAD, que é um documento pertencente ao conjunto do Estudo deImpacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto de Meio Ambiente (RIMA). Atendência atual é para que o PRAD ou Plano de Fechamento sejam documentos norteadores esua atualização seja periodicamente exigida, uma vez que novas metodologias são continuamentedisponibilizadas bem como os interesses sociais são mutáveis. Aspectos econômicos devem ser considerados preferencialmente como um referencial daviabilidade do projeto e não como um obstáculo em si. Certamente essa visão utópica vem priorizara preservação do meio ambiente em detrimento a do lucro. 4.2. Levantamento pré-degradação Os levantamentos para a caracterização pré-degradação devem abranger oscomponentes que são enfocados durante a elaboração do EIA-RIMA. Ou seja, para a avaliação dos impactos a serem gerados, faz-se necessárioa elaboração de um diagnóstico com as características do ambiente afetado diretamente eindiretamente (área de influência) pela atividade fim do projeto. O diagnóstico é realizado a partir da descrição dos fatores ambientais nas áreas deinfluência e diretamente afetadas tais como: Meio Físico: geologia, geomorfologia, pedologia, hidrologia, climatologia. Meio Biótico: identificação dos diferentes extratos vegetais, mapeamento da densidade de vegetação e listagem das espécies vegetais, identificando aquelas dominantes, de interesse científico e ameaçadas de extinção. Identificação das espécies animais decorrentes das principais faunas, ressaltando as raras, ameaçadas de extinção, de valor econômico e científico. Caracterização físico-química e biológica (microbiológica e limnológica) das coleções hídricas. 27 Diferentes extratos vegetais Microorganismos aquáticos Meio Sócio-econômico: são coletadas informações e opiniões de diferentes fatores sociais envolvidos direta e indiretamente na atividade de degradação. Entre esses destacam-se os idealizadores da atividade, setores governamentais, as comunidades afetadas, associações civis, gruposecológicos, associações comunitárias, etc. As informações a serem levantadas são derivadas de uma grande variedade de fontes e requerem, igualmente, uma grande variedade de especialistas para interpretá-las e integrá-las de 28 uma maneira ordenada que permita um bom detalhamento sem perder a visão global do ambiente. Geralmente as informações necessárias para o levantamento irão depender do tipo de projeto(atividade de degradação) ou da própria legislação pertinente. Porém, independentemente dessasquestões, um número mínimo de informações deve ser levantado para que se tenha umdiagnóstico de maior fidelidade do ambiente. Harris et al. (1996) classificam as informações aserem levantadas em quatro tipos: Histórico da área: mapas, jornais, fotografias, livros, registros em cartório, processos jurídicos, etc. Uso corrente: levantamento visual, indicadores econômicos, registros civis, etc. Topografia ou arquitetura da paisagem: levantamentos e mapas topográficos. Status biogeoquímico: mapas de solos, geologia e hidrologia, vulnerabilidade de águas subterrâneas, monitoramento biológico, amostragens e análises dos diferentes componentes do sistema. Os usos de imagens de satélites e de fotografias aéreas de diferentes épocas permitem aobtenção de informações sobre a evolução de processos de degradação, conservação eurbanização do ambiente ao longo de um tempo pré-determinado. O conhecimento das reações doambiente frente a esses processos auxilia no estabelecimento do potencial de recuperação daárea. Os levantamentos de campo juntamente com resultados de laboratóriopermitem um acúmulo de dados que necessariamente devem ser analisadas em conjunto commapas, imagens de satélite e fotografias aéreas. Até pouco tempo atrás, a análise conjunta defontes de diferentes tipos geralmente era um trabalho de difícil execução, mas com o advento de sistemas de informações geográficas (SIG) essa tarefa foi muito facilitada,otimizando as informações levantadas. O potencial dessa ferramenta é enorme, permitindo umaanálise global do ambiente sob diferentes enfoques, sem perder o grau de detalhamentonecessário para a identificação de problemas pontuais. 29 A partir das informações sistematizadas são realizados mapas que permitem avisualização do cenário pré-degradação que será utilizado, juntamente com o cenário pós-degradação,para a avaliação do potencial de recuperação e da determinação dos objetivos doprocesso de recuperação. 4.3. Levantamentos pós-degradação De maneira geral, os levantamentos realizados para a construção do cenário pré- degradaçãosão igualmente executados para a elaboração do cenário pós-degradação. No entanto, em funçãodas características do processo de degradação (atividade), fazem-se necessárias a inclusão deoutras avaliações e, também, de abordagens distintas. Tomando-se uma área degradada pela exploração de minério a céu aberto como exemplo,procuraremos apresentar uma abordagem típica de um levantamento pós-degradação. Assim como para a elaboração de um EIA-RIMA, os levantamentos pós-degradação devemconsiderar os meios físicos, biológicos e sócio-econômicos. No entanto, alguns procedimentosrequerem abordagens especiais em função das características do ambiente após a degradação.Um exemplo claro seria o programa de amostragens para o levantamento da qualidade desubstratos e de recursos hídricos. Considerando um ambiente de mineração, onde podem existir depósitos de diferentesmateriais (estéril, rejeitos, solo, etc.), inclusive alguns com problemas de contaminação química, aamostragem desses substratos deve ser realizada seguindo critérios bem definidos. Questõescomo frequência de amostragem, número de amostras, protocolo e padrões de amostragem,devem ser considerados dentro de um contexto que considere as características dos substratosavaliados. Da mesma forma, deve-se considerar a amostragem de recursos hídricos, 30 que podemestar comprometidos com substratos expostos a processos de lixiviação e carreamento de metaise/ou outros contaminantes. A caracterização de diferentes componentes de um sistema degradado requer a realizaçãode análises físicas, químicas e biológicas que exigem cuidados e procedimentos específicos quedevem ser considerados em função de variações qualitativas e quantitativas daquelescomponentes. Os levantamentos pós-degradação têm importante objetivo de caracterizar os diferentesambientes do sistema degradado, procurando classificá-los em termos de grau de degradação,riscos ambientais, estratégias de mitigação de impactos e potencialidade de uso. Assim, aconstrução do cenário pós-degradação passa a ser uma ferramenta de extrema importância não sópara o estabelecimento dos objetivos da recuperação, como também para a determinação deestratégias de recuperação compatíveis com os objetivos pré-determinados. A avaliação, por meio de indicadores físicos, químicos e biológicos dos componentesbióticos e abióticos do ambiente permite a determinação de seu grau de degradação. Deve-se terespecial atenção ao uso de padrões ou referências para a interpretação de indicadores,procurando-se evitar o uso em demasia daqueles oriundos de ambientes externos. Nesse sentido,os levantamentos pré-degradação mostram-se como fundamentais para o estabelecimento depadrões ou referenciais e, assim, melhor quantificar a intensidade de degradação. Os riscos ambientais são determinados considerando-se o grau de degradação, ascaracterísticas do ambiente propriamente dito e, da mesma forma, aquelas do ambiente entornofrente aos principais riscos ambientais são importantes no sentido de delimitação da área deinfluência e das próprias estratégias de recuperação. As estratégias de mitigação dos impactos são determinadas levando-se em consideração as etapas anteriores, de maneira que possam ser determinadas as diferentes capacidades de uso de cada ambiente para a determinação dos objetivos do processo derecuperação. 4.4. Objetivos do processo de recuperação Com o conjunto de informações e produtos gerados com a construção dos cenários prée pós degradação é possível estabelecer, de maneira mais clara e científica, osobjetivos do processo de recuperação. Cada possibilidade a ser levantada é confrontada com aspotencialidades e limitações do ambiente determinadas pelos cenários. Diferentes possibilidadessão analisadas e consideradas dentro de um contexto que deve envolver osseguintes aspectos que são apresentados sem qualquer ordem de prioridade ou importância: Desejo do empreendedor; Desejo do proprietário da terra; 31 Desejo da sociedade; Exigência da legislação local, estadual e federal; Riscos e necessidades ambientais; Custos. Considerando-se os cenários pós-degradação, diferentes possibilidades de uso podem serdeterminadas, entre elas: a) Proporcionar o mesmo uso anterior a degradação: essa opção considera a volta do ambiente às mesmas condições existentes antes do processo de degradação. Como discutido anteriormente, em termos ecológicos, a restauração mostra-se praticamente inexequível, na medida em que se pretende o retorno dos níveis de capacidade suporte, de entropia e de biodiversidade existentes. No entanto, procedimentos como o retorno da topografia e da paisagem local podem ser opções factíveis, dependendo dos cenários pré e pós degradação e de aspectos financeiros. Entretanto, deve-se considerar que alterações de substratos (estratificação, composição química, física e biológica) certamente comprometem a sustentabilidade do sistema. b) Área de recreação: existe uma grande gama de opções de áreasde lazer ou recreação que podem ser construídas a partir de ambientes degradados. Parques temáticos, clubes sociais, áreas de camping para a prática de esportes ou realização de eventos culturais, são os exemplos mais comuns. Certamente são opções que, dependendo das características da sociedade local, podem se mostrar como forte apelo social. Aspectos econômicos e ambientais podem se mostrar como limitantes ao processo, mas que certamente são apresentados durante a construção dos cenários pós-degradação. 32 c) Construções: o uso de uma área que sofreu degradação para a construção de edificações pode atender à necessidade dos empreendedores ou detentores da posse da terra, no sentido de um retorno econômico frente aos custos de reconstrução e estabilização topográfica e de controle de riscos ambientais. Como exemplo de edificações, tem-se a construção de centros de compras, estacionamentos, condomínios residenciais e comerciais. A construção de prédios públicos mostra-se como uma interessante opção para áreas degradadas muito próximas ou inseridas em centros urbanos. Situação comum de pedreiras, onde a construção de anfiteatros tem se mostrado como uma opção de grande aceitação social. Parques industriais mostram-se como alternativa para áreas de maior extensão e que se apresentam próximas as vias de acesso e de centros fornecedores de matéria-prima. d) Uso para fins agropecuários ou como área de preservação ecológica: são opções que requerem cuidados especiais em termos de reconstrução topográfica e preparo de um ambiente que permita o crescimento e desenvolvimento de plantas. Igualmente importantes são os riscos ambientais desse uso sobre substratos que possam gerar riscos ambientais. A questão de sustentabilidade do sistema deve ser igualmente avaliada. A adoção de áreas de preservação ambiental mostra-se como alternativa importante nos dias de hoje. Muitas empresas mineradoras têm adotado a implantação de Reservas Particulares do Patrimônio Nacional – RPPN, como medida compensatória de impactos 33 ambientais. A questão de educação ambiental pode ser enquadrada neste contexto, pois pequenas edificações existentes na área industrial da empresa são facilmente transformadas em Núcleos de Educação Ambiental, agregando, inclusive, o apoio de Organizações Não Governamentais. Conclusões Independente do processo de degradação ou mesmo das características do ambientedegradado, o estabelecimento de cenários pré e pós degradação mostram como ferramentas degrande importância para a escolha dos objetivos da recuperação ambiental. Dentre as diferentes possibilidades de uso futuro da área apresentadas após a construção dos cenários, a escolha deve recair, preferencialmente, sobre a opção daquelas que melhor representa os anseios dos atores que direta e indiretamente estão envolvidos e, de preferência, que possuaalto valor social. A opção selecionada deve estar em concordância com a legislação e sercompatível com os ecossistemas do entorno, de maneira que não gere nenhum impacto que possaresultar em novos processos de degradação. Referências: DIAS, L.E. Recuperação de Áreas Degradadas. Viçosa: UFV, 1997. 34 5. Caracterização de área degradada A definição de ambiente degradado permite diferentesabordagens. Em uma abordagem mais ampla o ambiente pode ser visualizado como umconjunto de componentes que se encontram em equilíbrio, essa abordagem é comumente realizada a partir de conceitosclássicos de ecologia. Por outro lado, a visão segmentada de cada componente permite aabordagem restritiva, porém mais fácil, na medida em que as características sãoindividualizadas e quantificadas. O presente texto procura apresentar uma discussãoa respeito da caracterização de um ambiente degradado a partir dessas duas abordagens. 5.1. Abordagem não-segmentada O ambiente deve ser observado de maneira abrangente,compreendendo que este é formado por diferentes componentes interligados que estabelecemfluxos de trocas e mantém um equilíbrio que permite que o sistema seja auto-sustentável. Em se tratando de área que não houve intervenção humana, a comunicação e troca deenergia existente entre os diferentes componentes ou grupos funcionais do ecossistema éfundamental para esta seja sustentável. Já para uma área onde se pretende atingir um usosustentável – entenda-se a existência de qualquer tipo de intervenção para que o sistema seja sustentável – a questão de escala passa a ser importante, não só em termos de espaço, como de tempo. De qualquer maneira, a estabilidade de um sistema é resultado de uma interaçãocomplexa entre produção, consumo e ciclagem de gases, solutos e líquidos. Essa interaçãoenvolve componentes biológicos e mineralógicos formando o ciclo biogeoquímico. Para um sistemaser auto-sustentável, é necessário o equilíbrio entre os três grupos metabólicos: Produtores primários: organismos que absorvem a radiação solar, fixando-a emmoléculas orgânicas por meio da fotossíntese. 35 Consumidores:organismos que se alimentam de produtores primários, consumindo ostecidos vegetais acima ou abaixo da superfície do solo. Possuem a função importante de dispersarpropágulos de plantas e matéria orgânica e retornar o carbono diretamente para a atmosfera naforma de dióxido de carbono. Existem também os consumidores secundários, carnívoros, que sealimentam de herbívoros. Decompositores: organismos que quebram os compostos orgânicos de produtoresprimários e consumidores mortos, retornando elementos para sua forma mineral para reciclagem.Sem a sua existência existiria um rápido acúmulo de matéria orgânica, 36 exaurindo a atmosfera decarbono. Possuem ainda a função secundária de desenvolvimento e manutenção da estabilidadeda estrutura do solo, unindo as partículas do solo. Consistem basicamente de bactérias, fungos eprotozoários. Dentre as diferentes características de um sistema natural, duas são particularmenteimportantes para a avaliação de um processo de degradação: capacidade suporte ebiodiversidade. A capacidade suporte é definida como a densidade máxima teórica que o sistema podesustentar, quer seja em termos de números de espécies ou de biomassa, que estádiretamente relacionada ao total de carbono orgânico existente, e representa o limite superior dosistema. A magnitude da capacidade suporte é determinada por uma combinação de fatores como: regime hídrico, temperatura, radiação solar, características de solo, topografia, etc. A biodiversidade é de grande importância na recuperação de sistemasdegradados. A quantidade de informação genética existente após a ocorrência do estressecondicionará ou não a manutenção da estrutura e funcionamento do sistema de maneira igual ousemelhante à pré- degradação. Essa manutenção é atingida pela fixação da energia solar paraproduzir energia livre, permitindo a produção de biomassa, atualizando ou mantendo os estoquesde informações, ou seja, material genético. Se o sistema se torna deturpado ou desordenado comoresultado de um estresse (natural ou antrópico), a entropia do sistema aumenta (existe maiordesordem). 37 De acordo com a figura a seguir, se a pressão daperturbação se mantém a um nível que ocorra a perda total da biodiversidade, o sistema caminhapara um ponto onde existe insuficiente informação que compense a perda de ordem e um colapsocatastrófico ocorre.Por outro lado, se a perturbação permite a existência de uma diversidade biológica mínima,ocorrerá o estabelecimento de um novonível de capacidade suporte. Com o fim do estresse, aresiliência do sistema permitirá o restabelecimento da capacidade suporte aos níveis iniciais ou próximos àqueles, o mesmo acontecendo com a entropia. Modelo de ação de um estresse sobre a capacidade suporte e entropia de um sistema ambiental O tempo necessário para que isto ocorraé uma questão diretamente relacionada às características do sistema e a frequência e intensidade de novos estresses. 38 A manutenção da biomassa vegetal passa a ter um papel primordial na manutenção dosistema, permitindo a fixação de carbono e, ao mesmo tempo, transformando-se num agente deciclagem de nutrientes, mantendo no sistema um determinado status de nutrientes que resulta naestabilidade ou sustentabilidade do sistema. Quando o nível de nutrientes ou de energia de umsistema sofre uma alteração violenta, a estabilidade do sistema é afetada, não retornando até queum novo equilíbrio seja atingido, naturalmente ou pela ação do homem. 5.2. Abordagem segmentada O sistema é formado por vários componentes que seencontram em equilíbrio mediante trocas de gases, nutrientes, água, etc. A partir desta visão simplista, variáveis decada segmento ou componente são tomadas e referenciadas a padrões que permitamcaracterizá-los qualitativamente.Tomando-se uma florestacomo cenário, teríamos como componentes: a biomassa vegetal externa ao solo (quepode ser dividida em função de diferentes extratos), a biomassa vegetal interna no solo, osorganismos (macro, meso e microfauna) e a biomassa vegetal e de organismos mortos e emdecomposição que formam a matéria orgânica do solo. Cada um desses componentes poderia ser analisado a partir de padrões, como suas características em um ambiente não degradado, por exemplo. 39 Um ponto comum de uma área degradada ou em processo de degradação é a perda de qualidadede solo. Os solos apresentam propriedades e características que permitem o estabelecimento defluxos e trocas com os demais componentes do sistema. Logo, um processo de estresse ou deturpaçãosobre o sistema pode resultar em alterações qualitativas ao solo. A maioria dos ecossistemas terrestres tem o solo como um sistema vivo e dinâmico compostopor minerais, matéria orgânica, ar, água e organismos vivos. Processos de degradação conduzem,em maior ou menor escala, a perda de solo via processos erosivos, ou mesmo, como no caso deatividades de mineração a céu aberto, a retirada de horizontes superficiais, expondo materiaisformados por fragmentos de rochas, caracterizados como substratos remanescentes. Nestesentido, torna-se importante a correta definição de solo e de substrato no contexto de estudos derecuperação ambiental. Osolo pode ser descrito como um corpo tridimensional formado por materiaisoriundos de um processo de intemperismo sobre as rochas existentes na camada mais externa dacrosta terrestre. A ação do intemperismo permite que sejam formados horizontes distintos ao longodo perfil. O horizonte mais superficial apresenta maior concentração de matéria orgânica e denutrientes, fruto da decomposição de material orgânico que aporta ao solo e da dissolução deminerais existentes. Esta condição permite a existência de atividade biológica e, consequentemente, seja estabelecido um processo de ciclagem biogeoquímica que permite maiorsustentabilidade ao sistema. Da mesma forma, a presença de material orgânico possibilita que aspartículas mais finas possam formar agregados, resultando na existência de poros e de umaestrutura definida. Este ambiente permite que exista um equilíbrio entre as fases sólida, líquida egasosa, possibilitando o estabelecimento e crescimento de plantas. Com essa imagem definida do que é solo, torna-se mais fácil definir substrato nocontexto de recuperação ambiental. De maneira geral, a falta de um horizonte orgânico superficiale a ausência de atividade biológica já caracterizaria uma condição em que asustentabilidade do sistema já não é alcançada. A exposição de rochas ou fragmentos destas, afalta de estrutura o pequeno volume de poros podem ser consequências para a qualidade do horizonte orgânico e da atividade biológica. Diferentescaracterísticas físicas e químicas de substratos resultam em limitações ao estabelecimento ecrescimento de plantas. Existem situações em que a caracterização de um processo de degradaçãode solo é uma questão de difícil definição. Por exemplo, os solos utilizados para fins agrícolaspodem estar em processo de degradação sem consequências visuais claras e bem caracterizadas.A ciência do solo tem procurado solucionar essa dificuldade a partir da premissa que a degradaçãoestá associada a própria definição de qualidade do solo, ou seja, na medida em que umadeturpação promove alteração das características que determinam a sua qualidade, caracteriza-seum processo de degradação. Entretanto, ao associar degradação a um determinado statusde qualidade, surge também a dificuldade de se estabelecer quais características definem aqualidade 40 de um solo. Da mesma forma que o ar ou a água,a qualidade do solo tem um profundo efeito na saúde e na produtividade de ecossistemas. Poroutro lado, diferentemente do ar e da água que possuem padrões de qualidade, torna-se difícildefinir e quantificar a qualidade do solo.De acordo com o uso atribuído ao solo a definição de degradação pode variar, conformeveremos a seguir: A degradação de terras agrícolas deve enfocar não só aspectos relativos ao meio físico solo, mas a aspectos econômicos também, uma vez que a perda de produtividade pode estarrelacionada com a degradação do solo. Assim, Power & Myers (1991) definem a qualidade de umsolo com a sua capacidade em manter o crescimento de plantas, o que inclui fatores comoagregação, conteúdo de matéria orgânica, profundidade, capacidade de retenção de água, taxa deinfiltração, capacidade tampão de pH, disponibilidade de nutrientes, etc. Uma definição de qualidade do solo mais holística seria: “a capacidade de um solo funcionar comoecossistema limite para sustentar a produtividade biológica, manter a qualidade do meio ambientee promover a saúde de plantas e animais” (Doran & Parkin, 1994). Do ponto de vista da engenharia civil, o conceito de solo degradado deve estarrelacionado com a alteração da capacidade em se manter coeso e como meio físico de suportepara edificações, estradas, etc. Ou seja, a densidade do solo é um bom exemplo. Já em termosagronômicos, solos adensados ou compactados podem caracterizar um processo de degradação(redução em sua taxa de infiltração, limitação na circulação de oxigênio, impedimento físico paracrescimento de raízes, menor disponibilidade de nutrientes, etc.). Por outro lado, essacaracterística é desejável como meio de suporte para edificações. Os exemplos citados acima evidenciam o fato de que o conceito de degradação ou dequalidade de solo pode ser relativo, dependendo da finalidade do uso atribuído ao solo. Noentanto, quando definimos degradação como qualquer alteração dascondições naturais de equilíbrio, certamente o uso do solo para obras de engenharia, jáestaria promovendo essa alteração. Conceitualmente, o uso da qualidade do solo como indicador de degradação vemsendo utilizada também para avaliar a sustentabilidade de manejo de solo. O ponto limitante do processo é: quais atributos ou característicasdo solo devem ser avaliadas e monitoradas para definir a manutenção, o ganho ou a perda dequalidade?Doran & Parkin (1996) recomendam as seguintes determinações como um levantamento mínimo necessário: Indicadores físicos: textura; profundidade do solo, do horizonte superficial e das raízes;densidadedo solo, taxa de infiltração e capacidade de retenção de água. Indicadores químicos: carbono orgânico total, matéria orgânica do solo, N total; pH;condutividade elétrica e N, P e K disponíveis. Indicadores biológicos: C e N contidos na biomassa microbiana; N potencialmentemineralizável (incubação anaeróbica) e taxa de respiração do solo. 41 Em termos de organismos do solo, Scullion (1992) procura traçar uma relação entre aspopulações de três organismos – oligoquetos, bactérias aeróbicas e fungos micorrízicos – e a degradação do solo por atividade de mineração e o efeito de armazenamento de solo superficial. O uso adequado desses indicadores depende de uma visão holística procurando integrá- losde maneira harmônica ao ecossistema em estudo. A determinação dos valores de referência passa a ser o ponto principal do processo de avaliação da degradação. Sempre que possível não se deveusar padrões fixos para a comparação, e sim, fazê-la adotando valores obtidos a partir de umaárea próxima em que não tenha havido a intervenção antrópica. Obviamente essa situação torna-secada vez mais difícil na medida em que a pressão pelo uso do solo aumenta. Referências: DIAS, L.E. Recuperação de Áreas Degradadas. Viçosa: UFV, 1997. 42 6. Atributos químicos, físicos e biológicos mais usados na caracterização de solos e substratos degradados 6.1. Fatores e processos de formação dos solos Os solos podem ser definidos como uma “coleção de corpos naturais, constituídos por partes sólidas, líquidas e gasosas, tridimensionais, dinâmicos, formados por materiais minerais e orgânicos que ocupam a maior parte do manto superficial das extensões continentais do planeta, contém matéria viva e podem ser vegetados na natureza onde ocorrem e, eventualmente, terem sido modificados por interferências antrópicas” (EMBRAPA, 2006, p.31).O processo de formação dos solos é chamado de pedogênese e, em geral, segue a seguinte sequência: Ao aflorar, a rocha que se consolidou em um ambiente bem diferente daquele da superfície da terra, passa a ser colonizada por espécies pioneiras (liquens e musgos) que, em função do seu desenvolvimento, liberam ácidos orgânicos e iniciam o processo de alteração dos minerais que compõem as rochas. Esse material inconsolidado já é capaz de reter água e servir de substrato para espécies vegetais, o que aumenta o processo de liberação de ácidos orgânicos e de alteração dos minerais resultando na formação de um 1º horizonte de solo com influência da presença de matéria orgânica (percebido pela coloração mais escura) que é denominado horizonte A. Posteriormente, abaixo do horizonte A desenvolve-se uma camada de material alterado denominado horizonte C, também chamado de saprolito ou rocha podre, por apresentar ainda muitas características da rocha originária. Finalmente, ocorre o desenvolvimento do horizonte B, através de uma alteração mais intensa do horizonte C, que forma-se entre os horizontes A e C. A presença do horizonte B significa maturidade, quanto mais evoluído o solo, mais espesso é seu horizonte B. Fonte: Cristiane Oliveira, 2012. Desenho: Breno Marent. 43 A formação do solo ocorre a partir da alteração/intemperismo do material de origem (rocha ou sedimento) causada pelos organismos e pelo clima, num determinado tempo e sob o controle do relevo (OLIVEIRA, 2010). Cada um desses fatores de formação foram melhor detalhados a seguir. a) Material de origem As rochas são uma associação de minerais que, embora coesa, nem sempre é homogênea. As rochas podem ser analisadas com base em três parâmetros principais: Composição química: cerca de 99% da litosfera é composta por Si+4, Al+3, Fe+2/+3, Ca+2, Mg+2, Na+, K+ e O-2, como o oxigênio é o único com carga negativa (ânion), serve de ponte de ligação entre os elementos com carga positiva (cátion) formando a estrutura dos minerais. Entre esses elementos, depois do Oxigênio, o Silício é o mais abundante, por isso as rochas podem ser classificadas com base no percentual com que o Si ocorre nas rochas. Rochas com elevado teor de Si são normalmente resistentes, pois o Si e o O formam ligações fortes, ao contrário de rochas com baixo teor de Si, pois formam ligações fracas e a pedogênese tende a ser facilitada. Estrutura: a presença de linhas de fraqueza nas rochas (ex.: fraturas e xistosidades) favorece a entrada da água e, consequentemente, o intemperismo químico gerado pela água sobre os minerais (ex.: hidrólise). Gênese: as rochas também podem ser agrupadas de acordo com o seu modo de formação na natureza. E sob este aspecto, podem ser divididas em três grandes grupos: Ígneas: resultantes da consolidação direta do magma. Quando essa consolidação se dá na superfície ou próxima a essa, são chamadas de vulcânicas ou extrusivas, e quando a consolidação do magma ocorre em camadas mais profundas, são chamadas de plutônicas ou intrusivas. As rochas vulcânicas se resfriam mais rapidamente, por isso tendem a ser mais fraturadas (ex.: basalto) e menos resistentes do que as rochas plutônicas (ex.: granito).Um dos parâmetros fundamentais para a caracterização composicional de rochas ígneas é o teor de Si, como mencionado anteriormente. Segundo este parâmetro as rochas ígneas podem ser subdivididas em: Teor de Si Classe Exemplo >66% Ácidas Granito 52-66% Intermediárias Andesitos 45-52% Básicas Basalto <45% Ultrabásicas Gabro Em rochas básicas, os teores reduzidos de sílica implicam em um aumento no teor dos demais componentes químicos (Mg, Fe e Ca) que, por sua vez, apresentam 44 caracteristicamente cores escuras. Já em rochas ácidas e intermediárias predominam altos teores de Si, Al, Na e K e cores claras. Sedimentares: formadas a partir da fragmentação, deposição e consolidação dos materiais. Como se trata de rochas que tem sua origem em um material que já foi fragmentado, tendem a ser menos resistentes do que as rochas ígneas. No entanto, se ricas em Si, por exemplo, mesmo sendo uma rocha sedimentar pode ser extremamente resistente (ex.: cimento) e até mais resistente do que uma rocha ígnea que seja pobre em Si. Metamórficas: podemos entender o metamorfismo como o conjunto de processos pelos quais determinada rocha é transformada através de reações que se processam no estado sólido. Essas modificações implicam em mudanças na estrutura, textura, composição mineralógica ou mesmo composição química da rocha ou rearranjo dos componentes dessa. Em geral, os processos metamórficos ocorrem associados a eventos tectônicos e os principais parâmetros físicos envolvidos no metamorfismo são: a temperatura (o calor é promovido pelo sistema motor da tectônica) e pressão (varia com a profundidade). Os minerais, bem como qualquer rocha ígnea, sedimentar ou mesmo metamórfica pode sofrer transformações e gerar uma nova rocha metamórfica. Além disso, o metamorfismo da rocha pode ser apenas parcial. De forma geral, as rochas metamórficas são menos resistentes que suas respectivas ígneas, porém, são mais resistentes que as suas respectivas sedimentares, pois o metamorfismo torna os elementos que compõem as rochas sedimentares mais consolidados. Granito (rocha ígnea) Gnaisse (metaígnea) Ex.1: a restruturação do granito (ígnea) para formar o gnaisse (metamórfica) leva a uma perda de resistência, pois no gnaisse há uma organização bandada baseada na diferença de densidade (camadas de material rico em Si e Al, alternados com material rico em Fe e Mg) que gera linhas de fraqueza. 45 Calcário (rocha sedimentar)Mármore (rocha metasedimentar) Ex.2: a reestruturação do calcário (sedimentar) formando o mármore (metamórfica) torna o material mais consolidado e, consequentemente, mais resistente. A resistência das rochas metamórficas bandadas também depende da forma com que essas linhas de fraqueza são expostas na superfície. Quando essas camadas afloram com linhas de fraqueza verticais, a água penetra entre as camadas da rocha, mas percola num período de tempo muito curto, não havendo muito tempo para intemperizar as rochas; quando as camadas afloram obliquamente, além da água penetrar entre as camadas, ela terá mais tempo para percolar e, consequentemente, intemperizar a rocha; já quando essas camadas afloram horizontalmente, a água não consegue penetrar entre as camadas. Afloramento: vertical, oblíquo e horizontal. Em síntese: o material de origem funciona como um fator controlador em que a composição química e a estrutura do material, além de influenciar nas características dos solos (como na textura, estrutura, cor, fertilidade, etc.), determinam a resistência do material ao intemperismo e, portanto, na taxa de pedogênese. b) Clima Trata-se de um fator ativo bastante influente no desenvolvimento dos solos, pois adiciona energia (ex.: energia solar) e matéria ao ambiente (ex.: água). A temperatura e a umidade, entre outros fatores climáticos, influenciam diretamente na intensidade dos processos físicos e químicos, determinando a natureza e a intensidade dos processos de intemperismo. 46 Temperatura: a temperatura influencia diretamente na velocidade das reações químicas e biológicas, de modo que: quanto mais elevada à temperatura, mais aceleradas são as reações e maior é também o metabolismo dos organismos e, portanto, a atuação desses seres também é intensificada. A variação da temperatura também contribui para processos de expansão e retração das rochas, favorecendo a fragmentação das mesmas. Precipitação: a presença da água altera significativamente os minerais em função do processo de hidrólise (quebra pela água – ver Erro! Fonte de referência não encontrada.). Além de atuar na destruição dos minerais, a água também é responsável pela lixiviação (carreamento) dos elementos mais solúveis liberados a partir dessa destruição. Grau de solubilidade dos principais componentes dos solos: Al e Fe Baixa solubilidade Si Média solubilidade Ca, Mg, K e Na Alta solubilidade c) Organismos vivos Os organismos vivos também funcionam como um fator ativo que adiciona matéria (MO e ácidos orgânicos) e energia ao sistema. A acidificação do solo se dá a partir da liberação de ácidos das reações metabólicas e da decomposição da MO. Esses ácidos favorecem o intemperismo dos minerais. Além da adição, determinados animais (formigas, minhocas, cupins, etc) são responsáveis pela homogeneização do solo, além de decomporem parte da MO auxiliando na formação do húmus. Quanto à cobertura vegetal, a própria penetração das raízes, bem como suas excreções orgânicas, também auxiliam no processo de intemperismo. Em contrapartida, vale destacar que a vegetação age como moderadora das influências climáticas e ameniza a atuação dos processos erosivos. d) Relevo O relevo é considerado um fator controlador no processo de formação do solo. Ele recebe essa denominação devido ao controle que estabelece entre a taxa de pedogênese em relação à taxa de erosão. De uma maneira geral, quando o terreno apresenta topografia plana, a taxa de pedogênese é maior, gerando solos mais evoluídos. Porém, quanto mais íngreme e declivoso o relevo, maior a taxa de erosão em relação à pedogênese, gerando nessas áreas solos mais rasos, ou mesmo a inexistência dele. Em síntese, qunado: Relevo mais plano: Taxa de pedogênese > Taxa de erosão = Solos mais profundos Relevo mais íngreme: Taxa de pedogênese < Taxa de erosão = Solos mais rasos 47 Influência do relevo na formação dos solos. Fonte: Cristiane Oliveira, 2012. Desenho: Breno Marent. e) Tempo Trata-se de um fator passivo, pois não adiciona e nem leva a perda de nada, mas é de fundamental importância, uma vez que permite a atuação dos outros fatores citados. Há dois tipos de tempo/idade: Tempo absoluto: tempo de exposição da rocha origem. Ex.: o solo x tem 200 mil anos. Tempo relativo: relacionado ao grau de evolução/maturidade dos solos. Ex.: o solo y é mais evoluído que o solo x, pois é mais profundo. Para estudos pedológicos a idade relativa é mais informativa que a idade absoluta. A superfície terrestre apresenta uma grande diversidade de solos em função das diferentes combinações de seus fatores e processos de formação. Os processos gerais de formação dos solos são aqueles pelos quais todos os solos passam, ainda que em diferentes intensidades: a) Adição: pode ser de matéria (ex.: sedimentos, cinzas vulcânicas, água, ácidos, etc.) ou energia (ex.: o sol é uma das principais fontes de energia). O homem também pode adicionar elementos ao solo (ex.: água, fertilizantes, resíduos industriais, calcário, etc.) e influenciar no comportamento do mesmo, mas neste caso trata-se de um processo antrópico e não natural. 48 b) Remoção/Perda: ocorre principalmente via lixiviação e erosão, em ambos o principal agente é a água, especialmente em áreas tropicais. Em ambientes sem interferência antrópica, apesar das plantas absorverem parte dos nutrientes dos solos, estes retornam para os solos quando há a decomposição da MO. Já em ambientes antropizados, os nutrientes absorvidos pelas plantas não retornam para o solo, pois o material vegetal é retirado do solo para o consumo. c) Transporte/Translocação: realocação de material dentro do perfil do solo. Pode ser ascendente (ex.: realizado pela água sob efeito da capilaridade - fenômeno físico resultante das interações entre as forças de adesão e coesão da molécula de água) ou descendente (ex.: água sob efeito da gravidade). Os elementos que podem ser transportados são a água, a matéria orgânica (MO), as argila e os materiais em solução, como sais. Ressalta-se que o transporte implica na movimentação de material de um horizonte para outro, mas não há perda, pois o material transportado permanece no perfil de solo, portanto, é diferente dos processos de lixiviação e erosão. d) Transformação: reações químicas que ocorrem com os materiais e elementos que compõem o solo. Pode ocorrer com os minerais, como a destruição dos minerais primários e posterior recombinação dos elementos que sobraram formando um mineral secundário, bem como a quebra por decomposição completa da matéria orgânica gerando húmus. Os processos específicos de formação dos solos são influenciados pelos fatores de formação e pela ação diferenciada de um ou mais processos gerais. Aqueles mais comuns no Brasil foram detalhados no quadro a seguir. Principais processos específicos de formação dos solos no Brasil Processo: Características: Solos decorrentes: Hidromorfismo Comum em solos submetidos ao excesso de água durante quase todo o ano. O excesso de água torna o ambiente redutor, transformando o Fe3+ em Fe2+, o que por sua vez torna o solo gleizado2. Já mo horizonte superficial, a elevada quantidade de água favorece a diminuição da decomposição da matéria orgânica e essa é acumulada, deixando esse horizonte com uma coloração escura. Solos submetidos ao hidromorfismo geralmente possuem horizonte hístico ou orgânico (H ou O) e não possuem horizonte B, pois o excesso de água impede a evolução do solo. Solos submetidos a este processo também podem apresentar mosqueados e plintitas,
Compartilhar