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AONDE VAMOS PARAR, COM VOCÊ AGINDO ASSIM?
Ensaio sobre o livro “The Road to Serfdom” de Hayek.
Ken Bansho Neto[1: Acadêmico de Direito na graduação do Centro Universitário de Curitiba – UNICURITIBA e aluno do Curso Online de Filosofia do professor Olavo de Carvalho. ]
Quando li pela primeira vez a obra “The Road to Serfdom” de Friedrich August von Hayek (1899-1992), a tradução brasileira já contava com mais de 20 anos desde sua primeira publicação, graças aos esforços de seus tradutores e do Instituto Liberal. Entre o ano de 2017 e a publicação do livro na língua inglesa, afigura-se um hiato de décadas e mais décadas, que poderia facilmente questionar a relevância das lições contidas naquela obra.
Não bastasse o desserviço e o oceano de preconceitos forjados pelas esquerdas brasileiras no âmbito das universidades, que repelem tudo aquilo que é estranho ao seu programa ideológico, até mesmo antigos liberais não deram a devida importância ao livro de Hayek, como no caso de José Guilherme Merquior.[2: Quando escreveu o livro “Liberalismo Antigo e Moderno”, José Guilherme Merquior destinou algumas páginas para as obras de Hayek. A respeito do livro “The Road to Serfdom’, escreveu Merquior naquela época: “[...] o prognóstico de Hayek era obviamente muito exagerado. Ironicamente, suas próprias críticas ulteriores à democracia podem ser interpretadas como refutação da tese de O Caminho. Se a democracia desimpedida, como ele pensa agora, milita contra o mercado, pelo menos ela obviamente sobreviveu, em vez de perecer durante o prolongado crescimento do Estado Social”. Cf. MERQUIOR, José Guilherme. O liberalismo antigo e o moderno. 1ª edição. São Paulo: Érealizações Editora, 2014, p. 227.]
Por inúmeros motivos, quase todos injustificáveis, o núcleo duro de professores das universidades abafa a bibliografia conhecida no resto do mundo para satisfazer a conveniência ideológica dos pares. Nem sempre, é claro, se trata de uma coisa orquestrada e intencional. Afinal, não se pode atribuir segundas intenções à pura e simples ignorância e ao desconhecimento.
É preocupante o momento político do país. Mesmo que a população brasileira prefira acreditar num mendigo, que pede algumas moedas para tomar sorvete, do que num político, nada impede o surgimento de novos agentes, que a despeito de sua possível blindagem aos discursos de anticorrupção, ainda carregam no coração a semente fecunda do totalitarismo. 
Se os instrumentos de análise social e política não chegam até a universidade, é natural que toda aquela massa de alunos e professores supostamente politizada seja incapaz de tomar consciência do destino final da implementação das agendas que defendem. Portanto, escrever sobre a obra “The Road to Serfdom” de Hayek na atual conjectura brasileira é extremamente importante.
Depois da primeira publicação na Inglaterra em 1944 e das edições americanas da década de 70, Hayek por vezes se queixou da má compreensão de sua obra por parte da crítica. Naquela época, a comunidade intelectual apenas acentuava a íntima relação entre os regimes nazista e socialista, tratando ambos como se fossem filhos de um mesmo pai, esquecendo-se, contudo, de dar a devida importância para a principal tese do livro: o alerta para os efeitos indesejáveis do planejamento econômico. 
Não podemos desdenhar deste alerta por considerarmos a mensagem de Hayek pessimista e profética. Em sentido contrário a isto, a mensagem do livro de Hayek, em verdade, se trata apenas de advertência àqueles que não imaginam as consequências políticas e sociais da regulação econômica exercida por uma autoridade burocrática centralizada. 
O alerta dado por Hayek se dirigia às democracias liberais do Ocidente que paulatinamente perdiam de vista suas raízes e as causas de seu progresso econômico e do aumento do bem-estar da população. A tradição do individualismo, que fora produto direto da quase que perfeita união entre a filosofia grega e o cristianismo, encontrava-se em decadência.
Mais do que uma tradição política e filosófica, o que estava sendo solapado da Europa era o reconhecimento do indivíduo como alguém dotado de autonomia para fazer suas próprias escolhas, ainda que imperfeitas. Se outrora era desejável deixar aos indivíduos a escolha de seu próprio destino e do desenvolvimento de suas aptidões, naquela época as coisas já não caminhavam mais nesta direção. 
As raízes do individualismo não pereceram sozinhas. Em verdade, foram ceifadas pela ideologia do coletivismo, cuja presença se fazia sentir em maior ou menor grau, tanto nos regimes totalitários quanto nas próprias democracias. Ao contrário do que se tinha anteriormente, tornou-se inapropriado permitir que os indivíduos tomassem suas próprias decisões, pois todos deveriam se submeter aos comandos de uma autoridade central.
Analisar o regime nazista ou o regime comunista para identificar os elementos do totalitarismo é algo relativamente fácil, se comparado com o esforço necessário para traçar as marcas de uma possível conversão das democracias em regimes totalitários. Essa sujeição da democracia aos desejos dos espíritos totalitários foi objeto de estudo minucioso de Hayek.
É importante destacar que as transformações políticas raramente não são precedidas de profundas alterações no campo da cultura. Assim, o declínio do individualismo e a ascensão do coletivismo não teria sido possível sem o uso abusivo dos instrumentos da propaganda e seus respectivos idealizadores. Através deles, se preparou o terreno para a criação de uma mentalidade na qual as escolhas dos indivíduos sempre estariam direta ou indiretamente submetidas a interesses egoísticos e contrários à noção de bem coletivo. 
A propaganda coletivista foi tão eficaz ao longo dos anos, que até mesmo a palavra “liberdade”, tão cara ao individualismo, sofreu uma perversão completa de seu significado. Ao invés de ser compreendida como a possibilidade de ação livre e desembaçada do poder de terceiros, a nova liberdade prometida pelos sicários do dirigismo estatal consistia na libertação do indivíduo das necessidades econômicas, na extinção da sua sujeição às circunstâncias materiais.
O século XX, a quem quer que o veja com olhos sinceros e despidos de lentes ideológicas, convida os interessados a descer aos andares mais baixos da experiência humana, ao espetáculo do morticínio, que, justamente por sua natureza trágica, não poderia deixar de transmitir às gerações futuras valiosas lições.
Se é verdade que os intelectuais se tornaram indispensáveis para a disseminação da propaganda e para justificar os mandos de governos arbitrários, não é menos verdade que, no final das contas, todos eles serviram de correia de transmissão de falsas promessas, conduzindo seus sectários, como escreveu Hayek, a um futuro totalmente diverso daquele tão duramente enunciado e defendido:[3: Citar o livro do Eric Hoffer.]
“Sem dúvida, a promessa da maior liberdade tornou-se uma das armas mais eficazes da propaganda socialista, e por certo a convicção de que o socialismo traria a liberdade é autêntica e sincera. Mas essa convicção apenas intensificaria a tragédia se ficasse demonstrado que aquilo que nos prometiam como o caminho da liberdade era na realidade o caminho da servidão”.[4: P. 57-58.]
A transformação do cenário cultural e político no âmbito das universidades, da imprensa, dos círculos de intelectuais e dos sindicatos, facilitou o ingresso de uma nova visão sobre o indivíduo. Na tentativa de evitar que as ações individuais, vistas agora como irresponsáveis e arbitrárias, conduzissem a sociedade ao caos, os adversários do individualismo propuseram uma espécie de controle “consciente” da sociedade, que pudesse orientar os indivíduos aos fins supremos e coletivos. 
O problema deste controle é que ele pressupõe a existência de uma escala única de valores e ignora as aptidões, gostos, desejos e esperanças, que justamente caracterizam o indivíduo. Se eu digo que algo é individual, e não coletivo, estou dizendo que existe uma coisa única esingular e que de algum modo se diferencia dos demais. Ou seja, a ideia de controle pressupõe uniformidade, que inexiste em qualquer sociedade.
Quando buscamos algo, o fazemos porque temos necessidades. Quando vestimo-nos de preto para o luto, quando escolhemos festejar em momentos de celebração e até mesmo quando optamos pela salada ao invés do churrasco, ainda que se trate de claro sinal da tragédia do homem, todas essas circunstâncias revelam necessidades que variam de indivíduo para indivíduo. O controle, portanto, também encontra obstáculo num problema de ordem moral, pois simplesmente ignora a multiplicidade das necessidades humanas.
Aqui se vê também que toda pretensão de controle e planejamento social é algo abstrato. Dizemos que algo é abstrato em dois sentidos: num primeiro sentido, mais afeto ao vocabulário técnico-filosófico, quando associamos a abstração como uma faculdade do intelecto; e, num outro, quando aquilo que dizemos está absolutamente desconectado da realidade concreta. O planejamento, pois, é abstrato conforme este segundo sentido.
Quando estivermos diante dos falastrões que discursam sem qualquer constrangimento sobre propostas de planejamento social e econômico, é aconselhável que se aja excepcionalmente como Bazárov de Turguêniev que, ao estar diante de alguns mujiques agitados e curiosos, disse-lhes: se acalmem seus filósofos! 
Não apenas imoral e abstrata é a ideia de controle e planejamento, mas também impraticável. Ainda que o Estado não resolvesse ignorar as necessidades e a hierarquia pessoal de valores, e optasse por distribuir os bens conforme a necessidade de cada um, seria imprescindível a existência de uma estrutura composta por um incontável número de técnicos e especialistas para averiguar quais são as necessidades dos indivíduos. Ou seja, trata-se de algo impossível. 
Não digo que é impossível porque, assim como Hayek, posiciono-me contrário à tais pretensões. A impossibilidade que evoco é real e incontornável. Cogitemos, por exemplo, que o Estado resolva distribuir água e produtos de higiene pessoal para todos os indivíduos. Ainda que fosse possível reunir todas as informações necessárias, bastaria qualquer alteração climática ou mesmo modificações de ordem pessoal na rotina dos indivíduos para que a demanda por tais bens igualmente se alterasse. Num piscar de olhos toda a arrecadação de informações colhidas pelo Estado se tornaria obsoleta e imprestável:
“Como a descentralização tornou-se necessária porque ninguém pode equilibrar de maneira intencional todos os elementos que influenciam as decisões de tantos indivíduos, a coordenação não pode, é claro, ser efetuada por “controle consciente”, mas apenas por meio de uma estrutura que proporcione a cada agente as informações de que precisa para um ajuste efetivo de suas decisões às dos demais. E, como nunca se podem conhecer todos os pormenores das modificações que influem constantemente nas condições de oferta e da procura das diferentes mercadorias, e nenhuma órgão tem a possibilidade de reuni-los e divulga-los com suficiente rapidez, torna-se necessário algum sistema de registro que assinale de forma automática todos os efeitos relevantes das ações individuais – sistema cujas indicações serão ao mesmo tempo o resultado das decisões individuais e a orientação para estas”. 
A dilapidação das estruturas formais que garantiram a própria sobrevivência das democracias frente aos modelos políticos adversos, como mencionado anteriormente, nem sempre é muito claro. Inicialmente, as medidas tomadas raramente são de cassação dos direitos políticos e das liberdades individuais. Os primeiros passos dos coturnos do coletivismo adentram na esfera econômica que, a princípio, é erroneamente visto como algo secundário.
Este equívoco tem origem na imprudente e radical distinção entre os objetivos puramente econômicos e os objetos da existência. A princípio, pode parecer irrelevante ou, pelo menos, não tão perigoso, que o Estado controle as questões econômicas, retirando-as das mãos da iniciativa privada. Entretanto, a perda da possibilidade de ação no campo econômico implica, necessariamente, na perda da possibilidade de escolha.[5: P. 122.]
A questão é muito mais profunda do que isto: quando se distingue interesses marginais e interesses de maior relevância, a fim de justificar e facilitar a aceitação da presença do Estado neste ou aquele campo da vida, isto acarreta na triste realidade de que nem mesmo o próprio indivíduo pode dizer o que lhe é essencial ou o que lhe é supérfluo. 
Imaginemos, por exemplo, que o Estado americano resolva intervir energicamente no mercado de armas de fogo. A restrição quanto ao acesso desses bens, por óbvio, não se limita apenas ao aspecto econômico, sendo certo que os efeitos de tal medida atingiriam o direito individual de autodefesa, sem contar, é claro, nos inúmeros problemas decorrentes da monopolização cada vez maior dos instrumentos de poder nas mãos do Estado. 
Se em nome da justiça social e da “igualdade” de oportunidades o governo resolvesse estatizar todas as instituições de ensino superior, retirando dos grupos educacionais a possibilidade de exploração desta atividade econômica, tão evidente quanto o exemplo anterior é que tal decisão não resultaria apenas em restrições econômicas. A liberdade de pensamento e de crença também ficaria comprometida, o que, quer queira, quer não, também influencia diretamente no saudável exercício do direito de liberdade de expressão e manifestação.
Parece-me que esta é a tese central do livro: adverte-nos Hayek que controlar e planejar questões econômicas também significa controlar e planejar os meios e fins dos indivíduos. Essa é a feição do espírito totalitário que facilmente poderia adentrar no âmago das democracias para putrefá-las e convertê-las em regimes totalitários. 
Embora o livro de Hayek seja da década de 40 e tenha sido destinado aos círculos europeu e continental, essa ausência de preocupação quanto à intromissão do Estado em assuntos econômicos é facilmente percebida no Brasil. Aqui, naturalizou-se a idéia de que o Estado pode e deve regular a economia sem que os indivíduos se constrangessem com os perigos dessa concessão. Como se verá posteriormente, é justamente na regulação da economia que reside o germe do totalitarismo. [6: É óbvio que não é toda e qualquer intervenção do Estado na economia que caracteriza a passagem das democracias em regimes totalitários. O próprio Hayek, no livro, admite a possibilidade de o Estado intervir pontualmente sem que haja prejuízos ao sistema de liberdade e de concorrência. O autor utiliza de exemplos como a regulamentação restritiva do uso de drogas e da criação de exigências sanitárias nos locais de trabalho. Ressalta-se, contudo, que nos prefácios subsequentes às primeiras edições do livro, Hayek nos diz que embora a tese central do livro tenha se mantido em seu pensamento, muitas daquelas posições econômicas defendidas nesta obra tinham sido repensadas. ]
Seria ilusão acreditar que as tentativas de controle e planejamento econômico pudessem caminhar sem a presença de uma estrutura legal conveniente ao projeto de poder em voga. Do mesmo modo que a transformação do cenário cultural viabilizou profundas alterações no campo da política, o direito e a técnica legislativa, infelizmente, também não ficaram indiferentes aos propósitos do coletivismo. 
Hayek analisa a natureza do fenômeno jurídico em diversos livros, entretanto, seu melhor amadurecimento pode ser encontrado nos três tomos publicados ao longo da década de 70 do “Law, Legislation and Liberty” e no “The Constitution of Liberty” (1960). Para Hayek, o direito deve ser formado por normais gerais e abstratas. Entretanto, tão importante quanto tais características é a existência de normas, cuja modificação não fique à mercê dos caprichos dos grupos políticos, e que digam claramente os limites da atuação e regulação do Estado. 
Uma norma jurídica genérica é aquela não direcionada a grupos sociais específicos. Elaabre mão das qualidades particulares dos indivíduos para homenagear a igualdade formal. Se o Parlamento abrisse mão do caráter da generalidade, então as leis adquiririam conteúdo discriminatório e, por consequência, viabilizariam a instituição de privilégios e novas categorias sociais. 
É do feitio das esquerdas denunciarem a desigualdade social em virtude da distância, não poucas vezes considerável, entre as classes mais abastadas e as mais miseráveis. No Brasil, por exemplo, as esquerdas também fazem esse tipo de alarde que, a despeito de sua veracidade, curiosamente ignora que muito dessa desigualdade material entre os cidadãos é perpetuada graças às benesses e privilégios que a legislação nacional concede ao funcionalismo público. 
A abstração da norma jurídica, por sua vez, implica na abdicação do legislador em regular as circunstâncias concretas – isto é, a base fática de incidência da norma jurídica – de maneira abusiva. A finalidade da abstração da norma não são as características pessoais dos indivíduos, pois estas são próprias da generalidade. A abstração, portanto, evita adentrar excessivamente nas particularidades fáticas da norma jurídica.
O direito e a técnica legislativa devem necessariamente possuir este caráter formalista, pois somente assim poderiam servir de instrumento para pessoas indefinidas – característica de generalidade – em circunstâncias concretas cujas especificidades, assim como as qualidades pessoais, não se encontram determinadas pela lei. No livro, Hayek dá o famoso exemplo das normas de trânsito, demonstrando a conversão das normas formais em normas substanciais:[7: Do ponto de vista jurídico, a passagem do regime democrático para o regime totalitária ocorre ante a conversão das normas formais em normas substanciais. ]
 
“A distinção existente entre essas duas espécies de normas é a mesma que haveria entre estabelecer um regulamento de transito e prescrever às pessoas aonde devem ir; ou entre mandar instalar placas de trânsito e ordenar às pessoas que tomem esta ou aquela estrada. As normas formais indicam antecipadamente que linhas de ação o estado deverá adotar em certas situações, definidas em termos gerais, sem referência a tempo e lugar ou a indivíduos em particular. Referem-se a situações típicas em que qualquer um pode se encontrar e em que a existência de tais regras será útil para uma grande variedade de objetivos individuais”.[8: P. 107.]
Na tradição do “Rule of Law”, as amarras jurídicas do Estado permitem que o indivíduo saiba, pelo menos com alguma clareza e segurança, todas as situações em que o governo poderá agir através de seus instrumentos de coerção. A sensação real de previsibilidade permite operacionalizar o planejamento no âmbito individual, vez que os próprios indivíduos poderiam ter ciência da licitude ou ilicitude dos fins e dos meios escolhidos.
A previsibilidade e segurança da ordem jurídica formal, com seus respectivos efeitos benéficos aos indivíduos, depende que no amago do próprio ordenamento existam normas jurídicas que dificultem a modificação arbitrária da estrutura jurídica. De nada adiantará uma boa legislação se ela puder ser completamente transfigurada segundo os gostos e desejos deste ou aquele grupo político.
Rebaixar a ordem a jurídica, tratando-a como se fosse uma colcha de retalhos, uma peça de remendos, corrobora com a disseminação da sensação de incerteza nas pessoas. Se alguém inicia atividade econômica em campo ainda não regulado pelo Estado que, posteriormente, passa a sê-lo, através de meios e fins arbitrários, os efeitos serão naturalmente prejudiciais os indivíduos.
 Quando o coletivismo invade o direito, inevitável o choque entre o projeto hayekiano do direito formal, com raízes na tradição do Rule of Law anglo-saxão, e a planificação econômico-jurídica, que mina as sacramentadas liberdades individuais. Em demonstração de habilidade para com a síntese, Hayek traça o panorama geral da estrutura jurídica do planejamento econômico e suas respectivas consequências: 
“O Estado deve limitar-se a estabelecer normas aplicáveis a situações gerais, deixando os indivíduos livres em tudo que depende das circunstâncias de tempo e lugar, porque só os indivíduos poderão conhecer plenamente as circunstâncias relativas a cada caso e a elas adaptar suas ações. Para que o indivíduo possa empregar com eficácia seus conhecimentos na elaboração de planos, deve estar em condições de prever as ações do estado que podem afetar esses planos. Mas, para que tais ações sejam previsíveis, devem ser determinadas por normas estabelecidas independentemente de circunstâncias concretas que não podem ser previstas nem levadas em conta de antemão – e os efeitos específicos dessas ações serão imprevisíveis. Por outro lado, se o estado dirigisse as ações individuais visando a atingir objetivos específicos, teria de agir com base em todas as circunstâncias do momento, e portanto, suas ações seriam imprevisíveis. Daí o conhecido fato de que, quanto mais o estado “planeja”, mais difícil se torna para o indivíduo traçar seus próprios planos”.[9: P. 108-109.]
O Estado intervencionista, a propaganda, os ideólogos, a hipertrofia dos instrumentos de controle e coerção, tudo isto, parecem ingredientes de uma sopa fervilhada pelo diabo que liberais e conservadores há décadas se recusam a tomar. Entretanto, parcela considerável da população, muito embora não seja socialista, não vê qualquer problema num cenário político e social com esses agentes e instrumentos. E esse é o problema.
Durante o século XX, Hayek não foi o único intelectual a nos alertar sobre a fragilidade das democracias. Liberais e conservadores, não poucas vezes oponentes, fizeram, cada qual a seu modo, fizeram este mesmo alerta. 
Ortega y Gasset publicou a “La Rebelión de las Masas” em 1929, certamente um dos maiores livros de ciência política do século XX. O homem-massa orteguiano, dentro das democracias, age pretensiosamente, escorando-se no Estado para que este resolva todos seus problemas, recorrendo a ele como se fosse coisa sua e permitindo que ele adentre nos mais pequenos aspectos da vida humana. “Este é o maior perigo que hoje ameaça a civilização: a estatização da vida, o intervencionismo do Estado, a absorção de toda espontaneidade social pelo Estado”, dizia-nos Ortega. [10: ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das massas. Tradução de Marylene Pinto Michael. São Paulo: Martins Fontes, p. 131.]
Francisco Ayala redigiu um livro para criticar ferrenhamente a ideologia liberal. Nas democracias liberais, lembra-nos o espanhol, o poder público não toma partido a priori em favor desta ou aquela ideologia, limitando-se apenas a permitir que todos os agentes políticos disputem o poder. Nesse contexto, observa-se que o poder público se torna carente de conteúdo material, cujo preenchimento é manipulado por aqueles que conduzem as massas: os técnicos da propaganda e os grupos de pressão.[11: AYALA, Francisco. El problema del liberalismo. Cidade do México: Fondo de Cultura Economica, 1941, 52-53. ]
É claro que o Poder Público pode se posicionar para coibir extremos. Por exemplo, tem-se notícias que a Polônia proibiu formalmente a existência de partidos políticos de orientação nazista ou comunista. Entretanto, ainda que os grupos políticos não se declarem como herdeiros do espólio do totalitarismo, tamanho é o hiato entre a “normalidade” e o extremismo combatido, tantas são as possibilidades do florescimento das fecundas sementes do espírito totalitários, que nada impede que se derrube, pouco a pouco, as estruturas do regime democrático.
Entre nós, José Pedro Galvão de Sousa, o maior dos juristas tomistas brasileiro, quando investigou profundamente o problema da autoridade e legitimidade da representação política nas democracias modernas, preocupou-se com a possibilidade de a crise de representação nos poderes Legislativo e Executivo conduzir a democracia ao arbítrio. 
Os fantasmas do coletivismo rondam próximos das democracias e, às vezes, sequer levantam suspeitas.O americano Johan Goldberg, que tratou das novas roupagens do fascismo, deu exemplo ilustrativo do que é a mentalidade totalitária operando em questões aparentemente insuspeitas: preocupar-se com a saúde e com o bem-estar físico dos cidadãos não é, por si só, uma atitude fascista, contudo, o flerte com o fascismo afigura-se na medida em que não permitimos que outros indivíduos tenham o direito de não serem saudáveis.[12: GOLDBERG, Johan. Fascismo de esquerda. Tradução de Maria Lucia de Oliveira. Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 29.]
Outros intelectuais também escreveram sobre esse assunto. O tema foi tão exaustivamente debatido no mundo que a quantidade de obras editadas poderia tranquilamente encher uma estante de livros. Com exceção de círculos restritos, e aqui e acolá nas academias, esses autores nunca foram seriamente analisados, debatidos e divulgados.
A consequência imediata disso é o empobrecimento do debate político e cultural do país. Inegável que a situação melhorou nos últimos 5 anos, mas ainda há muito o que fazer. É por isso que mais uma apresentação deste livro de Hayek, ainda que tardia, tem a sua importância. A ausência de constrangimento na defesa de determinadas agendas deveria ser imediatamente correspondida com uma proposta de exercício de imaginação: “aonde vamos parar, com você agindo assim?”.
É preciso que todos tenham consciência deste tipo de cenário traçado por Hayek. Somente assim poderemos ouvir políticos com o embrulho no estômago que é próprio da coisa. Hoje no Brasil os indivíduos discutem política com base numa apreciação subjetiva, separando saquaremas e luzias conforme aquilo que lhes agradam ou não. A coisa emporcalhou a níveis estratosféricos.
Tudo se converteu em ideias e tais ideias são sempre avaliadas num nível meramente pessoal. Ninguém quer discuti-las para saber se são boas ou ruins. Falta-nos humanidade. Perdemos o senso de orientação humana mais básico, marcado pela desconfiança e pela previsibilidade de que o curso natural das coisas tende a divergir das expectativas. É como vagássemos aqui e acolá, como crianças sem pais; sem alguém para nos dizer: “alguém já tentou fazer isso e deu merda. Volte duas casas no jogo da vida”. Precisamos retornar à sanidade mental e Hayek, a seu modo, nos ajuda nesta missão.

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