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Trabalho sobre Religião

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Universidade Estadual de Campinas
 Instituto de Filosofia e de Ciências Humanas 
	
Trabalho Final:
Revisitando “Os Deuses do povo”:
Um ensaio sobre as transformações e seus contextos
HZ465 A – Antropologia no Brasil
Hugo Soares
Mayara Fátima Fantato da Silva RA: 103538
INTRODUÇÃO:
A Antropologia no Brasil perpassa diversos limites. Assim, é importante analisar como a história da disciplina acompanhou parte do momento civilizatório do país e foi responsável por criar e transformar o que se compreende hoje como Sociedade Brasileira.
Por isso, não é difícil entender quão complexa é rede com a qual organizando nossos pensamentos atualmente, assim, desde o começo da disciplina, podemos perceber que há diferentes formas de compreender o social destacando que, isso diz muito sobre nossa forma de enxergar o mundo e refletir nossa própria experiência.
Com isso, é impossível não repensar nossa forma de apreender diferentes realidades ao passo que novas relações se iniciam. No presente contexto, focando apenas em relações humanas, parece não fazer mais sentido pensar as relações como se elas existissem apenas naquilo que sempre foi entendido como “realidade” de fato, já que, romperam essa barreira e passaram a existir e a serem moldadas em outros contextos, tal como a religião e suas práticas.
       	O presente trabalho – de forma ensaística e sem cunho formal – se propõe a repensar algumas questões já colocadas nos primeiros capítulos do livro “Os deuses do povo” (BRANDÃO, 1986) utilizando alguns pensamentos de outros autores e questões percebidas pela autora. Por uma questão de escolha, o trabalho focará sobretudo em discussões relevantes as religiões cristãs e proliferação do Pentecostalismo, afim de promover um debate com textos e situações mais recentes.[1: Todas as questões contidas neste ensaio terão como ponto de partida este livro.]
UMA ANÁLISE:
O início do livro escolhido tenta demonstrar o principal motivo dessa análise: Para Brandão, a melhor maneira de compreender a cultura popular é estudar a religião. Podemos entender que ela aparece – como já dito na introdução - produzindo meios sociais e criando enfrentamentos. Entretanto, o foco principal é o campo definido pelas trocas e não necessariamente por uma religião específica. Assim, a obra serve até hoje como um molde para trabalhos parecidos que pretendem focar as trocas existentes entre o público e político em torno da religião.
 Mesmo se tratando de uma obra do início dos anos 80, o livro expõe várias ideias que fazem parte do contexto atual, inclusive se referindo a questões metodológicas: o autor já anuncia que na época, as próprias etnografias na área religiosa já haviam perdido um pouco de seu cunho etnográfico e estavam tomando certo cunho político, tema de enorme relevância para debates atuais.
Por exemplo: o contexto atual conta com bancadas religiosas em ambientes políticos e lideranças religiosas em cargos legislativos o que – ainda que de forma indireta - transforma decisões políticas em religiosas. A obra analisada, então, criou um certo modelo metodológico que de certa forma responsabiliza e interliga a religião com diversos aspectos da realidade social.
Criar um panorama histórico e social da cidade é a tarefa do início do livro. Assim, algumas questões históricas da cidade já demonstram um campo fértil para a análise do popular, entretanto, essa questão não dispõe de relevância para este ensaio, uma vez que, diferente do autor, o presente trabalho se propõe apenas a focar nas questões internas do texto. 
 	O autor delimita então seu espaço como um “território socialmente diferenciado” que conta com três unidades de crença e culto: católica, evangélica e mediúnica. Sendo que no interior de cada uma delas existem representantes locais. Lá o “poder dos fracos” consegue ser criativo, o que faz com que haja a recuperação de práticas tradicionais ou a criação de novas. No contexto atual, isto parece ter ficado ainda mais evidente, já que a consequente diminuição do número de devotos, fez com que novas formas de culto fossem criadas e difundidas. 
	Não é o foco contar apenas o número de igrejas, já que essas são minoria absoluta. Assim, na cidade onde o campo foi realizado, há templos, centros, salões, capelas e sinais de culto de fé. É visível que atualmente tal configuração se repete e se multiplica. Assim, de acordo com o autor, católicos oficiais, protestantes e espiritas localizam-se no centro da cidade e ficam pouco na parte de “baixo”. Essa região, então, é ocupada por pequenos grupos religiosos do catolicismo ou pentecostalismo ou do espiritismo não kardecista. De certa forma, esses grupos são ecumênicos, já que desde aquela época, as religiões se misturam.
 	Assim, o Catolicismo Popular x Catolicismo oficial se distinguem na medida em que, enquanto o primeiro não necessariamente conta com um local fixo, o segundo possui suas paróquias específicas – mesmo na região rural da cidade. Traçando um paralelo com Almeida (2012), podemos entender que isso se trata de um padrão relacionado ao que se entende como “oficial”, já que, na Região Metropolitana de São Paulo (outro modelo industrial e econômico) as paróquias localizam-se em grande parte em regiões centrais e específicas. Esse artigo continuará servindo como base para alguns pensamentos contidos aqui.
 	Algumas vezes as autoridades do catolicismo popular na cidade de Itapira também são de outros locais, porém, como vieram de cidades próximas não se enquadram na categoria de “vindo de fora”. O autor então cita alguns exemplos de profissionais de cura que, nascidos em Itapira, ou receberam formação de velhos do local ou foram pra Minas Gerais onde aprenderam o ofício. Interessante notar nessa passagem que a todas mulheres dos casos apresentados pelo autor (ao menos dessa religião específica) aprenderam seu oficio fora, ou seja, tiveram necessariamente que receber um treinamento específico, enquanto os dois homens citados pelo autor, puderam ser ensinados por senhores da própria cidade. Dessa forma, a hierarquia de gênero é então exposta de forma sútil: a mulher precisa aprender fora, já os homens conseguem aprender e compartilhar ensinamentos entre eles. 
 	Ainda sobre o nível de instrução, apenas quatro vigários católicos e um pastor presbiteriano passaram por uma formação religiosa de fato. De forma intermediária, os agentes “mais preparados” são os pastores da Assembleia de Deus, que inclusive passam por reciclagens e novos treinamentos específicos, os dirigentes dos grupos e os médiuns.
 	Nesse ponto, o que a religião católica e protestante tem em comum é o fato de que em ambas os primeiros passos são iniciativas do fiel que pode “ouvir um chamado” e assim a própria igreja dispõe de ferramentas para essa iniciação. Essa prática também é comum em outras religiões de matrizes africanas, entretanto, a hierarquia destas parece se tornar mais fixa, uma vez que há um caminho específico o qual o fiel precisa percorrer. 
Entretanto, no catolicismo, independente do percurso há uma diferenciação. Católicos nesse contexto significa desde aqueles que frequentam as igrejas eruditas até os próprios grupos em si. Existe então um microcosmo dentro da própria igreja que cria suas autoridades religiosas. 
Os fieis então são apenas a massa da igreja, usuários dos serviços sacramentais. Nesse contexto, comparando com as ideias colocadas por Almeida (2009), é interessante notar que muitas vezes o número absoluto de católicos é ainda maior pois muitas vezes adeptos de religiões afro ou até frequentadores esporádicos de determinados templos se definem como católicos por preferirem não declarar sua opção religiosa.
Interessante notar como em números proporcionais há uma diferença gritante. De acordo com Brandão, a porcentagem de católicos em Itapira em 1950, era de 96,13%, já em 1970 houve uma diminuição para 94,22%.Tomados os devidos cuidados, esse padrão é visível em diversos outros contextos, como no artigo citado acima sobre a Região Metropolitana de São Paulo. Assim, não é surpreendente que a porcentagem de católicos de acordo com o Censo 2000 naquela região tenha sido em torno de 60% ou – na prática - menor como veremos a seguir.
Na terminologia de Brandão, existem também os “clientes” que são definidos como aqueles que procuram ajuda em momentos específicos ou procuram por grupos religiosos diversos: ou seja, apesar de frequentarem a igreja, podem frequentar terreiros, mas não se afiliam necessariamente. Essa visão é retomada no texto de 2009, já que naquela análise, para a maioria dos católicos a frequência ao templo não é central. Ou seja, o termo de Brandão engloba essa característica responsável pela diminuição do número de católicos.
Tal como em Itapira, na análise realizada na Grande São Paulo e seus consequentes mapas, o catolicismo é a única religião que recruta e mantem afiliados de todas as camadas da sociedade, apesar de atualmente não fazer mais frente a expansão pentecostal. Mesmo com o aumento do número dos templos dessa religião, o Catolicismo é parte da estrutura social do país, assim, é natural encontra-lo em qualquer local mesmo que não seja de fato praticado, já que a “ocupação” do padre ocorre cada vez menos na religião católica (apenas em casos como benzimento, casamento, batizado) o que faz com que ele seja uma figura presente, porém não mais parte da vida de todos os fiéis.
Nas igrejas protestantes e pentecostais, os seguidores são leigos e existe uma obrigação de participação ativa no trabalho religioso. Para além do papel da “salvação”, há uma estrutura de parentesco moldada nesses locais. Assim, os evangélicos acabam se casando entre si e continuando esse modelo dentro de casa que valoriza a presença nos cultos, o que mantem a ordem da religião e seu papel fundamental nos templos, incluindo também certa frequência exclusiva.
Porém, diante do sincretismo religioso, existe uma ideia defendida por alguns dos interlocutores de Brandão: “Pro bem é uma coisa só” – porém, como vimos acima, essa questão não é corroborada por todas as igrejas, já que a frequência aos templos é fundamental em religiões evangélicas enquanto nas católicas isso não é tão levado à risca. A religião católica sempre foi parte da normal social do país assim, com isso, ser parte de uma igreja evangélica pressupõe a frequência aos templos pois é como se houvesse uma ruptura social entre esse padrão imposto historicamente que necessita ser gradativamente transformado.
 	Em contrapartida, utilizando as ideias de Brandão, as manifestações populares dentro da igreja católica constituem e divulgam a religião, concluindo que a camada popular da cidade é responsável por manter a crença viva. Por se tratar de uma análise geral, este ensaio não entrará nessa questão específica, porém, é primordial destacar que o avanço das religiões eruditas fez com que tais crenças não fossem mais tão divulgadas, o que também pode ser um motivo para a diminuição do número de fiéis.
 Utilizando conceitos da Antropologia clássica, o quarto capítulo do livro lida com a história secular das igrejas e suas relações com controle e poder. Essa questão parece primordial para entendermos o contexto atual, já que há nesse argumento, existe uma ideia de uma luta entre o setor religioso e o setor político para produção de ideologias e serviços sociais de efeito político, ao mesmo tempo, também existe uma situação de mercado: uma religião concorre diretamente com outra.
Retomando a questão do mercado, há também certa disputa dentro do Pentecostalismo entre algumas igrejas pequenas. Assim, de acordo com Brandão é natural ouvir alguns pastores comparando o número de milagres de suas igrejas. Tendo em vista uma dinâmica de transformação, é natural que esse tipo de coisa aconteça: um pastor que teve uma vivência em determinada igreja, conhece os preceitos e as questões relacionadas a esse assunto. Assim, utilizar essa experiência como forma de atrair novos fiéis dando seu testemunho pessoal como prova é comum e faz com que novas denominações surjam partindo da primeira. Esta inclusive é a dinâmica de formação de grandes igrejas do contexto atual. 
 	Já sobre a produção de ideologias sociais, a questão da violência e problemas sociais nas favelas (sobretudo em Paraisópolis, analisada no outro artigo) exemplifica bem esse fato: diferentemente da igreja católica na qual algumas medidas de auxílio são universalistas chegando a devotos ou não, ou até entre os kardecistas que pregam a caridade como um todo, o discurso evangélico acredita que tais problemas são de cunho individual. Ao mesmo tempo que o indivíduo sofre por “não ter fé”, ele precisa se realocar à igreja para obter ajuda. Assim, mantendo a ordem social, as igrejas mantém seu controle na região ao passo que expandem o número de fiéis. 
 	Ainda nesse contexto referente as camadas sociais mais baixas, as igrejas possuem também suas performances, e mesmo na época de Brandão já havia o “papel” do ex-traficante, agora pastor: dois opostos dentro da ideia de moralidade. Assim, é notável que a religião ocupa papel primordial na configuração da cidade, sobretudo com o avanço dos meios de comunicação. Há um sincretismo religioso nessa questão, por mais que a religião católica fosse absoluta, tornou-se cada vez mais comum a busca a diferentes tipos de reza concomitante ao grande número de programas evangélicos nas rádios e nas tvs. 
 	Esse fato não parece aleatório, já que esses programas inclusive transformam a própria situação social, ao passo que mostrando outras realidades, conseguem explicitar a situação social complicada desse contexto, corroborando com a ideia de que é necessário que o crente sofra para que ele “cresça na fé”, assim, segundo Brandão: o milagre nas religiões de baixo é necessário e rotineiro, pois faz parte da realidade dos frequentadores da igreja.
Além da questão dos milagres, analisando a expansão das igrejas sobre as periferias, Brandão também pode nos dar uma pista: Ele afirma que a religião deve conseguir atender os apelos ao mesmo tempo que deve servir como fuga da vida cotidiana, o que já faz parte da crença primordial em Céu e Inferno. Assim, até a alteração de estados de consciência também deve servir a esse fim.
Dessa forma, as relações existentes na realidade se desdobram em relações criadas no mundo religioso. A realidade social é então responsável por modificar a experiência de culto. Nas palavras de Brandão: “Uma oposição ao que se sente como pobre e marginalizado durante a semana que se manifesta de forma poderosa, criando uma identidade que seja superior a que se vive”. Essa transformação ocorre dentro do templo ou em locais sagrados, portanto, esse também é um dos motivos da alta frequência de evangélicos os nos templos, já que para os católicos, as orações podem ser feitas em qualquer parte, a qualquer momento. Essa é, de fato, a principal chave da expansão pentecostal: a presença é fundamental.
	Por fim, Brandão defende corroborado por Almeida (2009) que tais modelos de religião não são necessariamente da igreja, mas sim da comunidade. Com essa afirmação, podemos entender a dinâmica religiosa ainda que ocorrida em regiões diferentes, porém, tendo em comum a influência da cidade e o consequente aumento do protestantismo em regiões tão diferentes.
CONCLUSÃO:
O presente ensaio se propôs a analisar algumas questões já levantadas por Brandão no que se refere ao campo religioso no Brasil (sobretudo os primeiros cinco capítulos do livro “Os deuses do povo), rediscutindo certas afirmações e análises que faziam parte daquela realidade e certas questões que ainda permanecem imutáveis. 
Diversas questões seriam possíveis e fundamentais, entretanto o fundamental aqui foi mostrar como a expansão pentecostal é crescente e continua ocorrendo - nem sempre de forma uniforme - pelas cidades citadas, o que indica um padrão social nacional. Itapira e a região metropolitanade São Paulo se assemelham à medida em que ambos possuem uma dinâmica urbana que é concomitante a configuração religiosa.
	Sem dúvidas, o argumento central desse trabalho é a importância dada a necessidade de frequentar um templo para que a fé evangélica seja tida como válida. Assim, em uma via de mão dupla, o aumento do número de espaços de congregação também é responsável pelo aumento do número de fiéis, sobretudo em igrejas que possuem uma dinâmica de construção de templos em locais visíveis: a Igreja Universal é um bom exemplo dessa questão.
	Além disso, como já analisado por Almeida (2009), o próprio espaço de lazer desses religiosos também se interliga a religião. Assim, existe um microcosmo religioso como parte do protestantismo fazendo com que a sociabilidade desses religiosos seja criada apenas entre eles, como por exemplo em lojas de shoppings, galerias evangélicas ou espaços de sociabilidade entre jovens cristãos, as “Cristotecas”. 
Como sugestão para futuros projetos, estendo esse debate para questões que permeiam o mundo virtual, fundamental nas relações sociais atualmente: para além da criação dos espaços de sociabilidade físicos, existem diversos sites que buscam parceiros de relacionamentos que compartilhem a mesma religião. Assim, essa rede de associações passa a existir também em outro ambiente sem limitações físicas e bem mais amplo. 
Como exemplo, podemos citar o movimento pela castidade antes do casamento “Eu escolhi esperar” que atualmente conta com milhões de seguidores e organiza todos os seus eventos utilizando a rede virtual. A frequência aos espaços físicos continua sendo primordial, porém, os debates tornam-se possíveis também em um espaço virtual. 
	Por fim, é difícil afirmar se de fato a igreja católica perderá sua centralidade no cenário religioso nacional, já que não há dúvidas de que existe uma expansão crescente do protestantismo e de outras religiões ou modelos de crença. Entretanto, o que acompanhamos nesses diferentes contextos é de fato uma transformação dessa centralidade: apesar de ainda existente em toda a parte, sua difusão parece ter diminuído pela sua própria lógica interna quando comparada à outras religiões: o Catolicismo não é mais de fato uma religião que se materializa na presença física de seus fiéis, mas sim em sua presença cultural como parte histórica do país.
Referências Bibliográficas:
ALMEIDA, Ronaldo de. “Pluralismo religioso e espaço metropolitano” (p.29-50). In: Clara Mafra, Ronaldo de Almeida. Religiões e cidades: Rio de Janeiro e São Paulo. São Paulo: Terceiro Nome/Fapesp, 2009.
ALMEIDA, Ronaldo R. M. Religião em transição. In: Luiz Fernando Dias Duarte (org). Horizontes das Ciências Sociais no Brasil. ANPOCS/Ed Barcarolla/Discurso Editorial. 2010.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. “Os deuses do povo: um estudo sobre religião popular. São Paulo: Brasiliense, 1986 [1981].
FERNANDES, Ruben César. “Religiões populares no Brasil” (p.215-241). In: Romarias da Paixão. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
MONTERO, Paula. Religião, pluralismo e esfera pública. Novos Estudos Cebrap. SP, v. 74. 2006.

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