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Serge Moscovici (1928 — 2014) Foi um psicólogo social romeno radicado na França. Trabalhou como director do Laboratoire Européen de Psychologie Social (Laboratório Europeu da Psicologia Social), que ele co-fundou em 1975 em Paris. Era também membro do European Academy of Sciences and Arts, da Légion d'honneur e do Russian Academy of Sciences. O seu filho, Pierre Moscovici, é um conhecido político francês. Moscovici nasceu na Roménia, no seio de uma família judia, que se mudava frequentemente, tendo Moscovici vivido algum tempo em Bucareste e Bessarábia. Moscovici sofreu discriminação antissemita: em 1938 foi expulso de uma escola em Bucareste devido a legislação antissemita. Por isso, começou a aprender mecânica. Juntou-se ao partido Comunista Romeno, sob o pseudónimo Kappa. Durante a Segunda Guerra Mundial foi colocado num campo de trabalho durante regime de Ion Antonescu e foi libertado em 1944. Durante esses anos aprendeu sozinho francês e filosofia, através da leitura das obras de Baruch Spinoza e René Descartes. Depois, viajou pela Palestina, Alemanha e Áustria. Conheceu Isidore Isou, com o qual fundou a revista artistica Da , que foi logo censurada. Recusou filiar-se num partido e tornou-se soldador numa fábrica de Bucareste, que pertencia a Nicolae Malaxa. Durante a ocupação soviética, Moscovici ia ficando mais desiludido com o comunismo. Começou a ajudar zionistas a passarem a fronteira e , em 1948 ele próprio imigrou para França. Em Paris, começou a estudar psicologia. Tornou-se amigo de Paul Celan e Isaac Chiva. Em 1961 termina a sua tese, La psychanalyse, son image, son public, orientado pelo psicanalista Daniel Lagache. Depois, Moscovici dedicou-se ao estudo da epistemologiae da história das Ciências, auxiliado pelo filósofo Alexandre Koyré . Na década de 60 é convidado a dar aulas em três universidades de renome americanas. Foi também professor em Genebra. Em, 2003 recebeu o Prémio Balzan. Obras: • La psychanalyse, son image, son public, University Presses of France, 1961/1976 • Reconversion industrielle et changements sociaux. Un exemple: la chapellerie dans l'Aude, Armand Colin, 1961 • L’expérience du mouvement. Jean-Baptiste Baliani, disciple et critique de Galilée, Hermann, 1967 • Essai sur l’histoire humaine de la nature, Flammarion, 1968/1977 • La société contre nature, Union Générale d’éditions, 1972 / Seuil, 1994 • Hommes domestiques et hommes sauvages, Union Générale d’éditions, 1974 • Social influence and social change, Academic Press, 1976. • Psychologie des minorités actives, University Presses of France, 1979 • L'Age des foules: un traité historique de psychologie des masses, Fayard, 1981 • La Machine à faire les dieux, Fayard, 1988 • Chronique des années égarées: récit autobiographique, Stock, 1997 • Social Representations: Explorations in Social Psychology, Polity Press, 2000 • De la Nature. Pour penser l'écologie, Métailié, 2002 • Réenchanter la nature. Entretiens avec Pascal Dibie, Aube, 2002. Representações sociais: investigação em Psicologia social (Vozes, 2007) Introdução: "Imagine-se olhando para um mapa da Europa, sem nenhuma indicação nele, com exceção da cidade de Viena, perto do centro, e ao norte dela, a cidade de Berlim. Onde você localizaria as cidades de Praga e Budapeste? Para a maioria das pessoas que nasceram depois da II Guerra Mundial, ambas as cidades pertencem à divisão do Leste da Europa, enquanto Viena pertence ao Oeste e, conseqüentemente, tanto Praga como Budapeste deveriam se localizar a Leste de Viena. Mas olhe agora para o mapa da Europa e veja a localização real dessas duas cidades. Budapeste, com certeza, está afastada, ao Leste, bem abaixo de Viena, ao longo do Danúbio. Mas Praga está, na verdade, a Oeste de Viena. Esse pequeno exemplo ilustra algo do fenômeno das representações sociais. Nossa imagem da geografia da Europa foi re-construída em termos da divisão política da Guerra Fria, em que as definições ideológicas de Leste e Oeste substituíram as geográficas. Podemos também observar, nesse exemplo, como padrões de comunicação, nos anos do pós-guerra, influenciaram esse processo e fixaram uma imagem específica da Europa. E verdade que no Oeste houve certo medo e ansiedade do Leste, que antecederam a II Grande Guerra e que persistem mesmo até hoje, uma década depois da queda do Muro de Berlim e do fim da Guerra Fria. Mas essa representação, duma Europa dividida nos anos do pós-guerra, teve sua influência mais forte no eclipse da velha imagem da Mitteleuropa, de uma Europa Central, abarcando as áreas centrais do Império Austro-Húngaro, e estendendo-se ao norte, em direção a Berlim." pg. 4 "Em síntese, as representações sustentadas pelas influências sociais da comunicação constituem as realidades de nossas vidas cotidianas e servem como o principal meio para estabelecer as associações com as quais nós nos ligamos uns aos outros. " pg. 5 • Porque estudar psicologia social? Há numerosas ciências que estudam a maneira como as pessoas tra-tam, distribuem e representam o conhecimento. Mas o es- tudo de como, e por que, as pessoas partilham o conhecimento e des-se modo constituem sua realidade comum, de como eles transformam idéias em prática - numa palavra, o poder das idéi- as - é o problema especifico da psicologia social (Moscovici, 1990a: 169). "O conhecimento emerge do mundo onde as pessoas se encontram e interagem, do mundo onde os interesses humanos, necessidades e desejos encontram expressão, satisfação ou frustração. Em síntese, o conhecimento surge das paixões humanas e, como tal, nunca é desinteressado; ao contrario, ele é sempre produto dum grupo especifico de pessoas que se encontram em circunstâncias especificas, nas quais elas estão engajadas em projetos definidos (cf. Bauer & Gaskell, 1999). Uma psicologia social do conhecimento está interessada nos processos através dos quais o conhecimento é gerado, transformado e projetado no mundo social. " pg. 6 "As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, se entrecruzam e se cristalizam continuamente, através duma palavra, dum gesto, ou duma reunião, em nosso mundo cotidiano. Elas impregnam a maioria de nossas relações estabelecidas, os objetos que nós produzimos ou consumimos e as comunicações que estabelecemos. Nós sabemos que elas correspondem, dum lado, à substância simbólica que entra na sua elaboração e, por outro lado, à prática especifica que produz essa substância, do mesmo modo como a ciência ou o mito correspondem a uma prática científica ou mítica. Mas se a realidade das representações é fácil de ser compreendida, o conceito não o é. Há muitas boas razões pelas quais isso é assim. Na sua maioria, elas são históricas e é por isso que nós devemos encarregar os historiadores da tarefa de descobri-las. As razões não-históricas podem todas ser reduzidas a uma única: sua posição “mista”, no cruzamento entre uma série de conceitos sociológicos e uma série de conceitos psicológicos. É nessa encruzilhada que nós temos de nos situar. O caminho, certamente, pode representar algo pedante quanto a isso, mas nós não podemos ver outra maneira de libertar tal conceito de seu glorioso passado, de revitalizá-lo e de compreender sua especificidade (1961/1976: 40-41)"pg 7 • A importância das construções sociais dentro da psicologia "Moscovici é capaz de demonstrar, através de sua própria análise destes textos fundantes da sociologia moderna, que o referencial explanatórioexigido para tornar os fenômenos sociais inteligíveis deve incluir conceitos psicológicos, bem como sociológicos." pg 9 • O conceito de Representação na produção social e na história • A importância do trabalho de Durkheim "As representações são sempre um produto da interação e comunicação e elas tomam sua forma e configuração específicas a qualquer momento, como uma conseqüência do equilíbrio especifico desses processos de influência social. Há uma relação sutil, aqui, entre representações e influências comunicativas" pg. 18 "Um sistema de valores, idéias e práticas, com uma dupla função: primeiro, estabelecer uma ordem que possibilitará as pessoas orientar-se em seu mundo material e social e controlá- lo; e, em segundo lugar, possibilitar que a comunicação seja possível entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um código para nomear e classificar, sem ambigüidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua história individual e social (1976: xiii). " pg.18 Capítulo 1: O fenômeno das representações sociais 1- Pensamento primitivo: “poder ilimitado da mente” em conformar a realidade, em penetrá-la e ativá-la e em determinar o curso dos acontecimentos. " agindo sobre a realidade" objeto emerge como uma réplica do pensamento. nossos desejos se tornam realidade 2- Pensamento científico moderno: "o oposto, isto é, um pensamento no “poder ilimitado dos objetos” de conformar o pensamento, de determinar completamente sua evolução e de ser interiorizado na e pela mente". o pensamento é uma réplica do objeto. pensar passa a ser transformar a realidade em nossos desejos, despersonalizá-los "Enquanto a primeira nos possibilitou sobreviver por milhões de anos e a segunda conseguiu isso em poucos séculos, devemos aceitar que ambas, a seu modo, representam um aspecto real da relação entre nossos mundos internos e externos; um aspecto, além disso, que vale a pena ser investigado."pg 26 "Nós percebemos o mundo tal como é e todas nossas percepções, idéias e atribuições são respostas a estímulos do ambiente físico ou quase-físico, em que nós vivemos." pg 27 "O que nos distingue é a necessidade de avaliar seres e objetos corretamente, de compreender a realidade completamente; e o que distingue o meio ambiente é sua autonomia, sua independência com respeito a nós, ou mesmo, poder-se-ia dizer, sua indiferença com respeito a nós e a nossas necessidades e desejos." pg 27 Fatos que contradizem esses pressupostos • Não somos conscientes de coisas óbvias exemplo: A invisibilidade do negro • Fatos que aceitamos sem discussão exemplo: A dualidade sobre o movimento da terra e o sistema solar • Nossa relação com os acontecimentos ligados a definição comum exemplo: Passando pela estrada e enxergamos um carro tombado e um policial "Em cada um desses casos, notamos a intervenção de representações que tanto nos orientam em direção ao que é visível, como àquilo a que nós temos de responder; ou que relacionam a aparência á realidade; ou de novo aquilo que define essa realidade. Eu não quero dizer que tais representações não correspondem a algo que nós chamamos o mundo externo. Eu simplesmente percebo que, no que se refere á realidade, essas representações são tudo o que nós temos, aquilo a que nossos sistemas perceptivos, como cognitivos, estão ajustados" pg 32 "De fato, nós somente experienciamos e percebemos um mundo em que, em um extremo, nós estamos familiarizados com coisas feitas pelos homens, representando outras coisas feitas pe-los homens e, no outro extremo, com substitutos por estímulos cujos originais, seus equivalentes naturais, tais como partículas ou genes, nós nunca veremos." pg. 33 Magritte, 1926. “Isso não é um cachimbo”, embaixo da pintura. Magritte, "Os dois mistérios" 1966 "O pintor René Magritte ilustrou tal dilema com perfeição em um quadro em que a figura de um cachimbo está contida dentro de uma figura que também representa um cachimbo Nessa figura dentro da figura podemos ler a mensagem: “Esse é um cachimbo”, que indica a dife-rença entre os dois cachimbos. Nós nos voltamos então para o cachimbo “real” flutuando no ar e percebemos que ele é real, enquanto o outro é apenas uma representação1. Tal interpretação, contudo, é incorreta, pois ambas as figuras estão pintadas na mesma tela, diante de nossos olhos." pg 32 Funções da Representação • Em primeiro lugar, elas convencionalizam os objetos, pessoas ou acontecimentos que encontram. Elas lhes dão uma forma definitiva, as localizam em uma determinada categoria e gradual-mente as colocam como um modelo de determinado tipo, distinto e partilhado por um grupo de pessoas. • Em segundo lugar, representações são prescritivas, isto é, elas se impõem sobre nós com uma força irresistível. Essa força é uma combinação de uma estrutura que está presente antes mesmo que nós comecemos a pensar e de uma tradição que decreta o que deve ser pensado. " Todos os sistemas de classificação, todas as imagens e todas as descrições que circulam dentro de uma sociedade, mesmo as descrições científicas, implicam um elo de prévios sistemas e imagens, uma estratificação na memória coletiva e uma reprodução na linguagem que, invariavelmente, reflete um conhecimento anterior e que quebra as amarras da informação presente. " pg 37 " O poder e a claridade peculiares das representações - isto é, das representações sociais - deriva do sucesso com que elas controlam a realidade de hoje através da de ontem e da continuidade que isso pressupõe" pg 38 " À luz da história e da antropologia, podemos afirmar que essas representações são entidades sociais, com uma vida própria, comunicando-se entre elas, opondo-se mutuamente e mudando em harmonia com o curso da vida; esvaindo-se, apenas para emergir novamente sob novas aparências." pg 38 Civilizações dividias e mutáveis " Se ocorrer uma mu-dança em sua hierarquia, porém, ou se uma determinada imagem- idéia for ameaçada de extinção, todo nosso universo se prejudicará. Um acontecimento recente e os comentários que ele provocou podem servir para ilustrar esse ponto." pg 38 "A American Psychiatric Association recentemente anunciou sua intenção de descartar os termos neurose e neurótico para defi-nir desordens especificas. Os comentários de um jornalista sobre essa decisão em um artigo intitulado “Goodbye Neurosis” (Inter- national Herald Tribune, 11 de set de 1978) são muito signifi-cativos: Se o dicionário das desordens mentais não mais aceitar o termo “neurótico” nós, leigos, somente podemos fazer o mesmo. Consideremos, contudo, a perda cultural: sempre que alguém é chamado de “neurótico”, ou “um neurótico”, isso envolve um ato implícito de perdão e compreensão: “Oh, Mano de tal é apenas um neurótico”, significa “Oh, fulano é excessivamente nervoso. Ele realmente não quer atirar a louça na tua cabeça. É apenas o seu leito”. Ou então “Fulano é apenas um neurótico” - significando “ele não pode se controlar. Não quer dizer que todas às vezes ele vai jogar a louça em sua cabeça”. Pelo fato de chamar alguém de neurótico, nós colocamos o peso do ajustamento não em alguém, mas sobre nós mesmos. É um tipo de apelo à gentileza, a uma espécie de generosidade social. Seria também assim se os “mentalmente perturbados” atirassem a louça? Pensamos que não. Desculpar Mano de tal pelo fato de citar sua desordem mental - a categoria especifica de sua desordem - é o mesmo que desculpar um carro por faltar-lhe os freios - ele precisaser consertado o mais rápido possível. O peso do desajustamento será colocado diretamente no desajustamento do carro. Não se solicitará compaixão para a sociedade em geral e naturalmente nenhuma será esperada. Pensemos também na auto-estima do próprio neurótico, que foi longamente confortado com o conhecimento que ele é “apenas um neurótico” -apenas algumas linhas de segurança abaixo de um psicótico, mas muitas acima da linha normal das pessoas. Um neurótico é um excêntrico tocado por Freud. A sociedade lhe concede um lugar honrado, muitas vezes louvável. Conceder-se-ia o mesmo lugar para os que sofrem de “desordens somáticas” ou “desordens depressivas mais graves”, ou “desordens dissociativas”? Provavelmente não. "Tais ganhos culturais e perdas, estão, obviamente, relacionados a fragmentos de representações sociais. Uma palavra e a definição de dicionário dessa palavra contêm um meio de classificar indivíduos e ao mesmo tempo teorias implícitas com respeito à sua constituição, ou com respeito às razões de se comportarem de uma maneira ou de outra - uma como que imagem física de cada pessoa, que corresponde a tais teorias. Uma vez difundido e aceito este conteúdo, ele se constitui em uma parte integrante de nós mesmos, de nossas inter-relações com outros, de nossa maneira de julgá-los e de nos relacionarmos com eles; isso até mesmo define nossa posição na hierarquia social e nossos valores. Se a palavra “neurose” desaparecesse e fosse substituída pela palavra “desordem”, tal acontecimento teria conseqüências muito além de seu mero significado em uma sentença, ou na psiquiatria. São nossas inter-relações e nosso pensamento coletivo que estão implicados nisso e transformados." pg. 39 "Para alargar um pouco o referencial, nós podemos afirmar que o que é importante é a natureza da mudança, através da qual as representações sociais se tornam capazes de influenciar o comportamento do individuo participante de uma coletividade. É dessa maneira que elas são criadas, internamente, mentalmente, pois é dessa maneira que o próprio processo coletivo penetra, como o fator determinante, dentro do pensamento individual."pg 40 " Na minha opinião, a tarefa principal da psicologia social é estudar tais representações, suas propriedades, suas origens e seu impacto. Nenhuma outra disciplina dedica-se a essa tarefa e nenhuma está melhor equipada para isso." pg 40 "Representações, obviamente, não são criadas por um individuo isoladamente. Uma vez criadas, contudo, elas adquirem uma vida própria, circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem. Como conseqüência disso, para se compreender e explicar uma representação, é necessário começar com aquela, ou aquelas, das quais ela nasceu. Não é suficiente começar diretamente de tal ou tal aspecto, seja do comportamento, seja da estrutura social. Longe de refletir, seja o comportamento ou a estrutura social, uma representação muitas vezes condiciona ou até mesmo responde a elas." pg 42 A sociedade “pensante” "Quando estudamos representações sociais nós estudamos o ser humano, enquanto ele faz perguntas e procura respostas ou pensa e não enquanto ele processa informação, ou se comporta. Mais precisamente, enquanto seu objetivo não é comportar-se, mas compreender."pg 44 • circunstâncias em que os grupos se comunicam, tomam decisões e procuram tanto revelar, como esconder algo. • A ações e suas crenças, isto é, das suas ideologias, ciências e representações. "O que nos interessa aqui é o lugar que as representações ocupam em uma sociedade pensante. Anteriormente, este lugar seria - e até certo ponto o foi- determinado pela distinção entre uma esfera sagrada - digna de respeito e veneração e desse modo mantida bastante longe de todas as atividades intencionais, humanas - e uma esfera profana, em que são executadas atividades triviais e utilitaristas. São esses mundos separados e opostos que, em diferentes graus, determinam, dentro de cada cultura e de cada indivíduo, as esferas de suas forças próprias e alheias; o que nós podemos mudar e o que nos muda;"pg 50 " O pensar é feito em voz alta. Ele se torna uma atividade ruidosa, pública, que satisfaz a necessidade de comunicação e com isso mantém e consolida o grupo, enquanto comunica a característica que cada membro exige dele. Se nós pensamos antes de falar e falamos para nos ajudarmos a pensar, nós também falamos para fornecer uma realidade sonora á pressão interior dessas conversações, através das quais e nas quais nós nos ligamos aos outros" pg 52 • as representações sociais devem ser vistas como uma “atmosfera”, em relação ao indivíduo ou ao grupo; • as representações são, sob certos aspectos, específicas de nossa sociedade. Por que criamos nós essas representações? Em nossas razões de criá-las, o que explica suas propriedades cognitivas? 1- A hipótese da desiderabilidade, isto é, uma pessoa ou um grupo procura criar imagens, construir sentenças que irão tanto revelar, como ocultar sua ou suas intenções, sendo essas imagens e sentenças distorções subjetivas de uma realidade objetiva; 2-A hipótese do desequilíbrio, isto é, todas as ideologias, todas as concepções de mundo são meios para solucionar tensões psíquicas ou emocionais, devidas a um fracasso ou a uma falta de integração social; são, portanto, compensações imaginárias, que teriam a finalidade de restaurar um grau de estabilidade interna 3- A hipótese do controle, isto é, os grupos criam representações para filtrar a informação que provem do meio ambiente e dessa maneira controlam o comportamento individual. O familiar "Aceitar e compreender o que é familiar, crescer acostumado a isso e construir um hábito a partir disso, é uma coisa; mas é outra coisa completamente diferente preferir isso como um padrão de referência e medir tudo o que acontece e tudo o que é percebido, em relação a isso. Pois, nesse caso, nós simplesmente não registramos o que tipifica um parisiense, uma pessoa”respeitável”, uma mãe, um Complexo de Edipo etc., mas essa consciência é usada também como um critério para avaliar o que é incomum, anormal e assim por diante. Pois, nesse caso, nós simplesmente não registramos o que tipifica um parisiense, uma pessoa”respeitável”, uma mãe, um Complexo de Edipo etc., mas essa consciência é usada também como um critério para avaliar o que é incomum, anormal e assim por diante. Ou, em outras palavras, o que é não-familiar." pg 56 "O ato da re-apresentação é uni meio de transferir o que nos perturba, o que ameaça nosso universo, do exterior para o interior,do longínquo para o próximo." pg 56 "Quando tudo é dito e feito, as representações que nós fabricamos - duma teoria cientifica, de uma nação, de um objeto, etc. - são sempre o resultado de um esforço constante de tornar comum e real algo que é incomum (não-familiar), ou que nos dá um sentimento de não-familiaridade. E através delas nós superamos o problema e o integramos em nosso mundo mental e físico, que é, com isso, enriquecido e transformado." pg 59 As representações entro o senso comum e a as Ciências "...as representações e as ideologias, as ciências na verdade geram, agora, tais representações." pg 61 • A ancoragem e o nome das coisas "Essa discrepância tem conseqüências práticas. Pois, se minhas observações estão corretas, então todos nossos “preconceitos”, sejam nacionais, raciais, geracionais ou quaisquer que alguém tenha, somente podem sersuperados pela mudança de nossas representações sociais da cultura, da “natureza humana” e assim por diante. Se, por outro lado, é a visão dominante que é a correta, então a única coisa que precisamos fazer é persuadir os grupos ou indivíduos contrários, que eles possuem uma quantidade enorme de características em comum, que eles são, de fato, espantosamente semelhantes e com isso nós nos livramos de classificações profundas e rápidas e de estereótipos mútuos." pg 67 Como podemos responder a esse desafio? "Nós vemos uma pessoa, ou coisa, que não se enquadra em nossas representações, que não coincide com o protótipo (uma mulher primeira-ministra), ou um vazio, uma ausência (uma cida-de sem armazéns), ou nós encontramos um muçulmano em uma comunidade católica, um médico (“phisician”) sem usar coi-sas”físicas” (“physics”) (como um psicanalista, por exemplo), etc. Em cada caso, nós somos provocados a encontrar uma explicação. De um lado, existe uma falta de reconhecimento (recognition); de outro lado, existe uma falta de conhecimento (cognition). De um lado, uma falta de identidade; de outro, uma afirmação de não-identidade. Nessas circunstâncias, nós somos sempre obrigados a parar e pensar e finalmente a admitir que nós não sabemos por que essa pessoa se comporta desse modo, ou que esse objeto tenha tal ou tal efeito." 1- Em vez de dizer: “Por que razão ele se comporta desse modo?”, nós dizemos: “Com que propósito ele se comporta assim?” e a procura de uma causa se torna a procura de motivos e intenções. Em outras palavras, nós interpretamos, procuramos animosidades ocultas e motivos obscuros, tais como ódio, inveja ou ambição. 2- Tal é a atitude do historiador, do psicólogo, ou mesmo de qualquer cientista. Por exemplo, nós inferimos do comportamento de uma pessoa se ela pertence à classe média ou baixa, se é esquizofrênica ou paranóica: explicamos, então, seu comportamento atual. Indo do efeito para causa, na base da informação que coletamos, nós relacionamos um ao outro, atribuímos efeitos a causas específicas. "Por um lado, pelo fato de procurar uma ordem subjetiva, por detrás dos fenômenos aparentemente objetivos, o resultado será uma inferência; por outro lado, pelo fato de procurar uma ordem objetiva por detrás de fenômenos aparente-mente subjetivos, o resultado será uma atribuição. Por um lado, nós reconstruímos intenções ocultas para explicar o comporta-mento da pessoa: essa é uma causalidade de primeira pessoa. Por outro lado, nós procuramos fatores invisíveis para explicar o comportamento visível: essa é uma causalidade de terceira pessoa." pg 84 Sugestões do Moscovici a) através da mudança da esfera individual para a esfera coletiva; b) através do abandono da idéia de ser humano como um estatístico e da relação mecanicista entre o ser humano e o mundo; c) pela re-colocação das representações sociais como mediadoras necessárias. Propostas metodológicas a) Obter o material de amostras de conversações normalmente usadas na sociedade. “Do que se trata, afinal?”, “Por que aconteceu isso?”, “Por que ele fez isso?”, “Qual o propósito de tal ação?” b) Considerar as representações sociais como meios de re-criar a realidade. c) Que o caráter das representações sociais é revelado especial-mente em tempos de crise e insurreição, quando um grupo, ou suas imagens, está passando por mudanças. d) Que as pessoas que elaboram tais representações sejam vistas como algo parecido a “professores” amadores e os grupos que formam como equivalentes modernos daquelas sociedades de professores amadores que existiam há mais ou menos um século.” "O senso comum está continuamente sendo criado e re-criado em nossas sociedades, especialmente onde o conhecimento científico e tecnológico está popularizado. Seu conteúdo, as imagens simbólicas derivadas da ciência em que ele está baseado e que, enraizadas no olho da mente, conformam a linguagem e o comportamento usual, estão constantemente sendo retocadas. No processo, a estocagem de representações sociais, sem a qual a sociedade não pode se comunicar ou se relacionar e definir a realidade, é realimentada." pg. 96 Capitulo 2 Sociedade e teoria em psicologia social " O segundo capítulo faz inferência ao Positivismo, que segundo o autor, os métodos observacionais, experimentais e o medo da especulação traduzem a lentidão do desenvolvimento da psicologia social. O autor critica a carência de fundamentação e sugere a definição do objeto de pesquisa para romper com a ideia de que a teoria ainda tem algo vago, o que implica em situá-lo como paradigma solitário. É ainda discutido as contribuições da psicologia norte-americana e sugere que os responsáveis por ela enfrentem os perigos, preocupando-se com a mudança por meio de um referencial metodológico próprio." Capítulo 3: A história e a atualidade das representações sociais "Ouve-se muitas vezes falar que a boa ciência deveria começar propondo conceitos definidos clara e meticulosamente. Na verdade, nenhuma ciência, mesmo a mais exata, procede dessa maneira. Ela começa juntando, ordenando e diferenciando fenômenos que surpreendem a todos, porque são perturbadores e exóticos, ou constituem um escândalo. Mas, para pessoas que vivem em uma cultura como a nossa, que apregoa a ciência e a razão, há poucas coisas tão escandalosas como as crenças, superstições ou preconceitos que são partilhados por milhões de pessoas; ou então o escândalo das ideologias, aqueles conjuntos, como diz Marx, de “quimeras, dogmas, seres imaginários” que obscurecem os verdadeiros determinantes da situação humana e as autênticas motivações da ação humana." pg. 167 "... O problema da Aids na década de 80... Podemos sintetizar os resultados de tal pesquisa dizendo que, não para nossa grande surpresa, eles mostram que a maior parte das pessoas prefere explicações populares a explicações cientificas, fazendo correlações enganadoras que fatos objetivos são in-capazes de corrigir. Em geral as correlações não levam em consideração as estatísticas que desempenham papel tão amplo em nossas decisões e discussões cotidianas. Distorcem a informação que lhes é acessível. Além disso, como já foi dito repetidamente sem que ninguém contestasse, as pessoas aceitam acima de tudo aqueles fatos ou percebem aqueles comportamentos que confirmam suas crenças habituais." pg 168 Por que as pessoas pensam de maneiras não-lógicas e não-racionais? Uma questão preocupante, muito preocupante. Sem dúvida alguma, é uma questão que compete à psicologia social "Desde que tal raciocínio e conclusão sejam corretos, pode-se também considerar que o modo como as regras e procedimentos lógicos foram aplicados fornece a melhor explicação das crenças persistentes e do conhecimento. Mas a partir do momento que se percebe que o raciocínio é falso e a conclusão é errada, deve-se procurar outras causas para a má aplicação das regras, causas não lógicas que podem explicar por que os indivíduos cometem erros." pg 168 "... nossas faculdades individuais de percepção e observação do mundo externo são capazes de produzir conhecimento verdadeiro, enquanto fatores sociais provocam distorções e desvios em nossas crenças e em nosso conhecimento do mundo." pg 169 Psicopatologia------>Psicologia social Para começar, por que a sociedade cria tais crenças e idéias, sejam elas contas ou não? Depois, por que são elas aceitas e transmitidas de uma geração a outra? " A teoria das representações sociais é singular, parece-me, devido ao fato de esta teoriatender mais e mais na direção de se tornar uma teoria geral dos fenômenos sociais e uma teoria especifica dos fenômenos psíquicos. Esse paradoxo, como veremos, não se dá por acaso; pelo contrário, provém da natureza profunda das coisas. É uma teoria geral à medida que, dentro do que lhe compete, uma sociedade não poderia ser definida pela simples presença de um coletivo que reuniu indivíduos através de uma hierarquia de poder, por exemplo, ou através de intercâmbios baseados em interesses mútuos". pg 172 "Em qualquer situação e sempre que um profissional da ciência defende tal opinião, podemos estar seguros que ele não está apresentando uma descrição dos fatos observados, mas direcionando seu conhecimento à defesa de uma crença que ele aprendeu, não diretamente da Natureza, mas nos joelhos de sua mãe; em outras palavras, uma representação coletiva. E essa representação especifica não é fruto de longos resultados acumulados da ciência e da filosofia. Ao contrário, quanta mais a examinamos em sua história anterior, tanto mais ela se mostra firmemente estabelecida e as contradições cotidianas de toda a experiência ainda não o desenraizaram da mente popular" pg 178 As contribuições do trabalho de Durkheim/Representações coletivas "Tanto na criança como no adulto vêem-se muitas vezes atos psíquicos cuja explicação implica outros atos que não dependem de representações individuais. Esses atos não são apenas as percepções de outros, ou atitudes com respeito a grupos étnicos. Nas nossas conversações cotidianas menos reprimidas encontramo-nos confrontados com imagens linguilísticas ou influências que vêm à mente sem que sejamos nós sua origem e com deduções cuja formação não pode ser atribuída a nenhum de nossos interlocutores, como é o caso dos boatos. Todos esses atos permanecem sem coerência se nós afirmamos que eles são deduzidos de raciocínio ou expressões individuais, mas eles podem ser combinados em um todo cuja coerência pode ser descoberta quando se leva em conta as representações sociais pressupostas. Encontramos nessa melhor compreensão um motivo suficiente para ir além da experiência imediata de cada pessoa. Capítulo 4: O conceito de themata No quarto capítulo é apresentado o conceito de Themata ou temas. Nele o autor propõe reflexões, acerca da ideia de que as representações sociais são filtradas através do discurso do outro, assim como também são capturadas da realidade e pré-existem como um ambiente sociocultural. As representações sociais não são conteúdos de pensamento que pode se generalizar, mas expressam temas comuns, que ligam um indivíduo a outras constitutivas do objeto referido na cultura, sendo assim, as representações sociais são compreendidas como transformações de estruturas anteriores. Capítulo 5: Caso Dreyfus, Proust e a psicologia social O capítulo cinco configura-se a partir do exemplo de minorias ativas na ruptura das representações sociais em um determinado momento histórico. O caso Dreyfus foi gerador de um fenômeno ocorrido na França, a partir do instante que condenou de forma errônea um oficial. Fenômeno que na época gerou uma mobilização social por parte de grupos minoritários, ascendendo um nacionalismo e evocando sentidos de pertencimento e reconhecimento social que permanecem vivos nos dias atuais. Tal caso relaciona as representações sociais e expressa a dinâmica dos grupos imaginários como se fossem concretos. Capítulo 6: Consciência social e sua história No sexto capítulo, Moscovici apresenta a consciência social e sua história, evidenciando as contribuições de Piaget e Vygotsky para a construção da psicologia social. Segundo o autor a psicologia precisa compreender ainda de que maneira os homens se tornam racionais, como controlam seu próprio comportamento e como se libertam da dependência do ambiente e da tradição. Diante disso, Moscovici considera indispensável que se faça leitura sociológica de Durkheim (1982) e antropológica de Levy-Bruhl (1926), pois para o autor as estruturas cognitiva e cultural se constituem mutuamente, assim como Piaget (1972) e Vygotsky (1986) que olharam a criança como totalmente cultural e social, buscavam nela a mentalidade primitiva, algo que Moscovici referencia. Todavia, cabe ressaltar que para o autor o modo de representar opera sob a racionalidade da ciência e a do senso comum. "É um dos paradoxos da psicologia que o estudo da cognição nos adultos interessa-se, sobretudo, pela atenção, percepção, aprendizagem básica e memória, por conseguinte, por processos elementares para os quais são aplicadas as mesmas técnicas simplificadas e não-lingüísticas que as aplicadas para o estudo dos ratos, pombos e coelhos. Em contraposição, o estudo da vida mental das crianças fornece uma base para uma observação rica e detalhada e tenta compreender antropológica e filosoficamente questões centrais como explicações, classificações, moralidade, representações espontâneas e científicas, linguagem, isto é, as funções mentais superiores, começando com seu conteúdo no contexto concreto." pg. 278 Por que celebrar Piaget e Vy-gotsky conjuntamente? "Para começar, eles compartilham a convicção de que existia um problema sério para a psicologia: o problema da modernidade. O que estava em jogo ali era oferecer uma explicação da evolução não tanto do animal até o ser humano, mas da vida mental dos assim chamados “primitivos”, até a vida mental dos assim chamados “civilizados”; do pensamento pré-racional e coletivo, ao pensamento individual e científico. Em síntese, o problema era compreender como os seres humanos se tomam seres racionais, como eles controlam seu próprio comportamento e como eles se libertam da dependência" pg 280 "Curiosamente, mesmo teorias sociais parecem ter uma origem psicológica, como se pode ler no brilhante livro de Wertsch Vygotsky and the Social Formation of Mind (1985): “Muito do que Vygotsky tem a dizer sobre as origens sociais da consciência humana não está necessariamente fundamentado nas idéias de Marx, ou de algum outro teórico social” pg 279 "Eles herdaram essa perspectiva teórica da sociologia e da antropologia e fizeram amplo uso disso no estabelecimento dos fundamentos da psicologia infantil. Essa inspiração de toda sua vida, que Piaget e Vygotsky adquiriram dessas fontes, explica essa 281 proximidade continua, se não sempre uma similaridade, que manteve seus respectivos trabalhos “em termos de diálogo” um como outro, mesmo que nunca se tenham encontrado. Mas essa é outra história, embora não muito diferente" pg 279 "A idéia de representação coletiva ou social tornou possível o casamento da antropologia e da psicologia dentro de um referencial desenvolvimentista." pg 280 Durkheim- uma concepção cultural de sociedade dentro do pensamento moderno "Ele vai em frente fazendo uma crítica das teorias psicológicas e antropológicas que explicam peculiaridades étnicas e culturais através da raça, instinto, hereditariedade, em suma, através da sociobiologia daquele tempo. Para ele, o ambiente natural dos seres humanos é a sociedade. A sociedade se mostra como sendo um sistema de relações que geram crenças, normas, linguagens e rituais coletivamente partilhados que mantém as pessoas coesas. Do mesmo modo que qualquer instituição, o conhecimento e as crenças têm uma existência antes, durante e depois das existências dos indivíduos singulares." pg 281 “que são coletivos na origem (como o são na verdade todos os conceitos), assumem a nossos olhos, mesmo quando seu objeto não seja um objeto real, tal força que ele se apresenta como real. É porisso que os conceitos adquirem a vivacidade e a força de ação de sensações” pg 282 “Tudo no ser humano”, declara ele, “foi feito pela humanidade no decurso do tempo. Conseqüentemente, se a verdade é humana, ela também é um produto humano. A sociologia aplica a mesma concepção à razão. Tudo o que constitui a razão, seus princípios e categorias, foi feito no decurso da história” (p. 67). A conseqüência disso é que representações coletivas ou sociais não podem ser explicadas por fatos menos complexos que os que governam a interação social." pg 282 "todas as representações sociais, incluindo os mitos e a religião, irrespectivamente da cultura a que perten-çam, são racionais. Parafraseando Hegel, poder-se-ia dizer que, para Durkheim, tudo o que é social é racional e tudo o que é racional é social. Com outras palavras, representações míticas ou religiosas, por exemplo, de outras pessoas vivendo em sociedades diferentes, não são falaciosas ou irracionais" pg 282 Capítulo 7: Idéias e seu desenvolvimento - Um diálogo entre Serge Moscovici e Ivan Marková O sétimo e capítulo final refere-se a uma entrevista na qual Moscovici faz uma discussão acerca do simbolismo sob o qual as representações sociais ganharam status. Depois retrata sua trajetória intelectual, discutindo algumas questões centrais da psicologia social na atualidade e a maneira como os grupos minoritários são fortes, principalmente no processo de mudança social, explicando o processo de ancoragem e objetivação e os universos reedificado e consensual.
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