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Direito Penal - aULA 4

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DA GRANDE DOURADOS 
UNIDADE: FACULDADE DE DIREITO 
CURSO DE DIREITO 
 
 
DISCIPLINA: DIREITO PENAL I 
ANO: 2017/1 
PROFESSOR (A): JOE GRAEFF FILHO 
 
AULA 03 
 
1. CONCEITO DE DIREITO PENAL 
 
Direito Penal é o conjunto de princípios e leis destinados a combater o crime e a 
contravenção penal, mediante a imposição de sanção penal. Cuida-se de ramo do Direito Público, 
por ser composto de regras indisponíveis e obrigatoriamente impostas a todas as pessoas. Além 
disso, o Estado é o titular exclusivo do direito de punir e figura como sujeito passivo constante 
nas relações jurídico-penais. 
 
2. CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL 
 
É, em primeiro lugar, uma ciência. Suas normas e regras estão sistematizadas por um 
emaranhado de princípios, que compõem a dogmática jurídico-penal. Além disso, é cultural, pois 
pertence à classe das ciências do “dever ser”, ao contrário das ciências naturais, que cultuam o 
“ser”. 
É normativa, porque tem como objeto o estudo da lei penal, ou seja, o Direito 
positivo. Valorativa, porque estabelece a sua própria escala de valores, a qual varia em 
conformidade com o fato que lhe dá conteúdo. O Direito Penal valoriza hierarquicamente as suas 
normas. Ainda, é finalista, uma vez que se preocupa com a proteção de bens jurídicos 
fundamentais. Sua missão é prática, e não simplesmente teórica ou acadêmica. 
Se não bastasse, convém mencionar que o Direito Penal tem natureza constitutiva 
(autônoma, autonomista ou originária), mas também sancionatória. Ou, como prefere Zaffaroni, 
é “predominantemente sancionador e excepcionalmente constitutivo”1. Sancionador porque não 
 
1
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal. 6. ed. Buenos Aires: Ediar, 1991. p. 57. 
 
 
cria bens jurídicos, mas acrescenta uma proteção penal aos bens jurídicos disciplinados por outras 
áreas do Direito. O Direito Administrativo, por exemplo, protege os bens públicos, mas o Direito 
Penal cria diversos crimes contra a Administração Pública para reforçar esta tutela. Nada 
obstante, pode ser constitutivo, ainda que excepcionalmente, quando protege interesses não 
regulados em outras áreas do Direito, tais como o uso indevido de drogas e a crueldade contra os 
animais, indicando a independência do Direito Penal no tocante às demais áreas do Direito. 
Destaca-se, ainda, como característica do Direito Penal o seu caráter fragmentário, 
pois não tutela todos os valores ou interesses, mas somente os mais importantes para a 
manutenção e o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. 
 
3. FINALIDADE DO DIREITO PENAL 
 
O Direito Penal não se constitui em disciplina meramente acadêmica. Cuida-se, ao 
contrário, de importante instrumento para a convivência dos homens em sociedade. Mas não é 
só. Possui, atualmente, diversas funções. 
 
3.1. Direito Penal como proteção de bens jurídicos 
O Direito Penal tem como função a proteção de bens jurídicos, isto é, valores ou 
interesses reconhecidos pelo Direito e imprescindíveis à satisfação do indivíduo ou da sociedade. 
Apenas os interesses mais relevantes são erigidos à categoria de bens jurídicos penais, em face 
do caráter fragmentário e da subsidiariedade do Direito Penal. O legislador seleciona, em um 
Estado Democrático de Direito, os bens especialmente relevantes para a vida social e, por isso 
mesmo, merecedores da tutela penal. 
 
3.2. Direito Penal como instrumento de controle social 
Ao Direito Penal é também reservado o controle social ou a preservação da paz 
pública, compreendida como a ordem que deve existir em determinada coletividade. 
 
3.3. Direito Penal como garantia 
Por mais paradoxal que possa parecer, o Direito Penal tem a função de garantia. De 
fato, funciona como um escudo aos cidadãos, uma vez que só pode haver punição caso sejam 
 
 
praticados os fatos expressamente previstos em lei como infração penal. Por esse motivo, Franz 
von Liszt dizia: “o Código Penal é a Magna Carta do delinquente”. 
 
3.4. Função ético-social do Direito Penal 
Também conhecida como função criadora ou configuradora dos costumes, tem 
origem na estreita vinculação existente tradicionalmente entre a matéria penal e os valores éticos 
fundamentais de uma sociedade. Busca-se um efeito moralizador, almejando assegurar um 
“mínimo ético” que deve reinar em toda a comunidade. 
Sua atuação prática é indiscutível. É o caso das leis penais sobre crimes fiscais e 
contra o meio ambiente, as quais, sem dúvida alguma, contribuíram para criar uma 
conscientização e reprovação moral e social acerca destes comportamentos. 
O Direito Penal desempenha a função “educativa” em relação aos cidadãos, 
fomentando valores ético-sociais, mesmo no tocante a bens que ainda não tenham sido assumidos 
pela sociedade como fundamentais. 
 
3.5. Função simbólica do Direito Penal 
A função simbólica é inerente a todas as leis, não dizendo respeito somente às de 
cunho penal. Não produz efeitos externos, mas somente na mente dos governantes e dos cidadãos. 
Em relação aos primeiros, acarreta a sensação de terem feito algo para a proteção da 
paz pública. No tocante aos últimos, proporciona a falsa impressão de que o problema da 
criminalidade se encontra sob o controle das autoridades, buscando transmitir à opinião pública 
a impressão tranquilizadora de um legislador atento e decidido. 
Manifesta-se, comumente, no direito penal do terror, que se verifica com a inflação 
legislativa (Direito Penal de emergência), criando-se exageradamente figuras penais 
desnecessárias, ou então com o aumento desproporcional e injustificado das penas para os casos 
pontuais (hipertrofia do Direito Penal). 
A função simbólica deve ser afastada, pois, em curto prazo, cumpre funções 
educativas e promocionais dos programas de governo, tarefa que não pode ser atribuída ao 
Direito Penal. Além disso, em longo prazo resulta na perda de credibilidade do ordenamento 
jurídico, bloqueando as suas funções instrumentais. 
 
 
 
3.6. Função motivadora do Direito Penal 
O Direito Penal motiva os indivíduos a não violarem suas normas, mediante a ameaça 
de imposição cogente de sanção na hipótese de ser lesado ou colocado em perigo determinado 
bem jurídico. É como se as leis penais dissessem: “não matar”, “não roubar”, “não furtar” etc. 
 
3.7. Função de redução da violência estatal 
O Direito Penal moderno apresenta uma nova finalidade, qual seja, a de reduzir ao 
mínimo a própria violência estatal, já que a imposição de pena, embora legítima, representa 
sempre uma agressão aos cidadãos. Destarte, deve-se buscar de forma constante a incriminação 
de condutas somente nos casos estritamente necessários, em homenagem ao direito à liberdade 
constitucionalmente reservado a todas as pessoas. 
 
3.8. Função promocional do Direito Penal 
Para essa teoria, o Direito Penal não deve se preocupar em manter os valores da 
sociedade em que se insere. Ao revés, destina-se a atuar como instrumento de transformação 
social. Não deve o Direito Penal constituir-se em empecilho ao progresso, e sim em ferramenta 
que auxilie a dinamizar a ordem social e promover as mudanças estruturais necessárias para a 
evolução da comunidade. 
 
4. A CIÊNCIA DO DIREITO PENAL 
 
4.1. Dogmática penal 
A palavra dogmática deriva de “dogma”, pois para o intérprete os princípios e regras 
ordenados metodicamente pelo Direito Penal são regras absolutas a que deve se vincular. 
A dogmática penal tem a missão de conhecer o sentido das normas e princípios 
jurídico-penais positivos e desenvolver de modo sistemático o conteúdo do Direito Penal. Tem 
as normas positivas como ponto de partida para solução dos problemas. Nesse sentido, a 
dogmática penal é a interpretação, sistematização e aplicação lógico-racionaldo Direito Penal. 
Não deve, entretanto, ser confundida com o dogmatismo, é dizer, aceitação cega e 
sem críticas de uma verdade absoluta e imutável, incompatível com a própria ideia de ciência. 
 
 
 
4.2. Política criminal 
Cuida-se de ciência independente, que tem por objeto a apresentação de críticas e 
propostas para a reforma do Direito Penal em vigor. Para Basileu Garcia, “constitui uma ponte 
entre a teoria jurídico-penal e a realidade”.2 
Visa a análise crítica e metajurídica do direito positivo, no sentido de ajustá-lo aos 
ideais jurídico-penais e de justiça. Encontra-se intimamente relacionada com a dogmática, uma 
vez que na interpretação e aplicação da lei penal interferem critérios de política criminal. Baseia-
se em considerações filosóficas, sociológicas e políticas, e também de oportunidade, em sintonia 
com a realidade social, para propor modificações no sistema penal vigente. 
As leis penais são frutos de uma determinada vontade política manifestada pelos 
cidadãos por intermédio de seus representantes junto aos Poderes do Estado. Na instituição ou 
adoção de princípios e regras refletidas pelo sistema penal de um povo estão as marcas sensíveis 
de sua civilização e cultura, razão pela qual pode-se falar em leis que pegam e leis que não pegam 
como demonstração da afinidade ou do divórcio entre os interesses dos indivíduos e a vontade 
do Estado. 
Em suma, essa ciência analisa de forma crítica a dinâmica dos fatos sociais e, 
comparando-a com o sistema penal vigente, propõe inclusões, exclusões ou mudanças, visando 
atender o ideal de justiça, colaborando, pois, com a Dogmática Penal. 
 
4.3. Criminologia 
Ocupa-se das circunstâncias humanas e sociais relacionadas com o surgimento, a 
prática e a maneira de evitar o crime, assim como do tratamento dos criminosos. Para a maioria 
dos autores, Lombroso foi o fundador da criminologia moderna.3 
O Direito Penal se dedica ao estudo das consequências jurídicas do delito. A 
Criminologia, por seu turno, preocupa-se com os aspectos sintomáticos, individuais e sociais do 
crime e da criminalidade, isto é, aborda cientificamente os fatores que podem conduzir o homem 
ao crime. Ao fornecer informações sobre o delinquente, o delito, a vítima e o controle social 
(objetos da Criminologia), ela contribui com o estudo das causas do crime. 
 
 
2
 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 4. ed. 37. tir. São Paulo: Max Limonad, 1975. v. 1, t. I, p. 37. 
3
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Criminología: Aproximación desde um margen. Tercera reimpresión. Bogotá: 
Temis, 2003. p. 99. 
 
 
4.4. Direito Penal Objetivo e Direito Penal Subjetivo 
Tem-se definido o ordenamento jurídico-positivo como “o conjunto de normas 
criadas ou reconhecidas por uma comunidade politicamente organizada que garanta sua 
efetividade mediante a força pública”. 
O Direito positivo recebe esse nome exatamente pelo fato de que é “posto” pelo poder 
político. Nesses termos, evidentemente que o Direito Penal é Direito positivo, na medida em que 
a sua obrigatoriedade não depende da anuência individualizada dos seus destinatários, mas da 
vontade estatal soberana que o impõe, e o seu cumprimento está garantido pela coerção, aliás, 
com a sua forma mais eloquente, que é a pena. 
E a noção de Direito Penal objetivo coincide, justamente, com a ideia de conjunto de 
normas penais positivadas, isto é, constitui-se do conjunto de preceitos legais que regulam o 
exercício de ius puniendi pelo Estado, definindo crimes e cominando as respectivas sanções 
penais. Uma definição precisa a respeito é a oferecida por Roxin, de acordo com o qual “O Direito 
Penal se compõe da soma de todos os preceitos que regulam os pressupostos ou consequências 
de uma conduta cominada com uma pena ou com uma medida de segurança”. 
O Direito Penal objetivo está formado por dois grandes grupos de normas: por um 
lado, por normas penais não incriminadoras que estão, em regra, localizadas na Parte Geral do 
Código Penal, estabelecendo pautas para o exercício do jus puniendi. Por outro lado, o Direito 
Penal objetivo está formado por normas penais incriminadoras, dispostas na Parte Especial do 
Código Penal, definindo as infrações penais e estabelecendo as correspondentes sanções. 
Por sua vez, o Direito Penal subjetivo emerge do bojo do próprio Direito Penal 
objetivo, constituindo-se no direito a castigar ou ius puniendi, cuja titularidade exclusiva pertence 
ao Estado, soberanamente, como manifestação do seu poder de império. O Direito Penal 
subjetivo, isto é, o direito de punir, é limitado pelo próprio Direito Penal objetivo, que, através 
das normas penais positivadas, estabelece os lindes da atuação estatal na prevenção e persecução 
de delitos. Além disso, o exercício do ius puniendi está limitado por uma série de princípios e 
garantias assegurados constitucionalmente. 
 
5. FONTES DO DIREITO PENAL 
No Direito Penal, fonte representa não só a origem, mas também a forma de 
manifestação da lei penal. Por tal motivo, as fontes são divididas em formais ou materiais. 
 
 
 
5.1. Fontes materiais, substanciais ou de produção 
São os órgãos constitucionalmente encarregados de elaborar o Direito Penal. Essa 
tarefa é precipuamente da União, nos moldes do art. 22, I, da Constituição Federal. Não se pode 
olvidar, ainda, que lei complementar da União pode autorizar os Estados-membros a legislar 
sobre questões específicas, de interesse local (CF, art. 22, parágrafo único). 
 
5.2. Fontes formais, cognitivas ou de conhecimento 
São os modos pelos quais o Direito Penal se revela. Subdividem-se em: 
a) Fonte formal imediata: é a lei, regra escrita concretizada pelo Poder Legislativo em 
consonância com a forma determinada pela Constituição Federal. Enseja a produção da norma e 
torna obrigatório o seu cumprimento. É a única fonte formal imediata, pois somente a lei pode 
criar crimes e cominar penas. 
b) Fontes formais mediatas ou secundárias: são os costumes, os princípios gerais do Direito e os 
atos administrativos. Há entendimentos no sentido de que a doutrina, a jurisprudência e os 
tratados internacionais seriam também fontes formais mediatas do Direito Penal. Cabem algumas 
observações. A doutrina, por mais abalizada e respeitada que seja, é na verdade um estudo 
científico, e não se reveste de obrigatoriedade. De igual modo, a jurisprudência revela o 
entendimento dos tribunais, servindo como vetor ao aplicador do Direito. Não tem natureza 
cogente, salvo quando representativa de súmula vinculante oriunda do Supremo Tribunal 
Federal, conforme previsto no art. 103-A da Constituição Federal. Por fim, os tratados 
internacionais, ainda que deles o Brasil seja signatário, precisam obedecer a procedimento 
complexo para ingressarem no ordenamento jurídico. Só depois de cumpridas as fases perante os 
Poderes Legislativo e Executivo é que terão força de lei ordinária ou de emenda constitucional, 
dependendo da matéria que seja seu objeto e de seu quórum de aprovação (CF, art. 5.º, § 3.º). 
 
5.2.1. Fontes Formais Mediatas 
 
5.2.1.1. Costume 
É a reiteração de uma conduta, de modo constante e uniforme, por força da convicção 
de sua obrigatoriedade. Possui dois elementos, um objetivo, relativo ao fato (reiteração da 
 
 
conduta) e outro subjetivo, inerente ao agente (convicção da obrigatoriedade). Ambos devem 
estar presentes cumulativamente. 
O costume não se confunde com o hábito. Deveras, o último, ainda que praticado 
reiteradamente, não impõe ao agente a convicção da sua obrigatoriedade. Dirigir ao volante 
apenas com uma das mãos pode ser um hábito de diversos motoristas, mas jamais um costume. 
Ninguém, certamente, reputa tal conduta como obrigatória. 
No Direito Penal, o costume nunca pode ser empregado para criar delitosou 
aumentar penas. Como já visto, a lei é a única e exclusiva fonte formal imediata. 
Os costumes se dividem em três blocos: 
a) secundum legem ou interpretativo: auxilia o intérprete a esclarecer o conteúdo de elementos 
ou circunstâncias do tipo penal. Exemplo atual é o conceito de ato obsceno, previsto no art. 233 
do Código Penal e mutável de acordo com as condições regionais e culturais de cada sociedade. 
Utilizar um biquíni de pequenas proporções em uma praia é atividade normal, mas seria 
repudiada e até mesmo considerada criminosa caso uma mulher dele se valesse no interior de 
uma igreja em cidade interiorana extremamente conservadora; 
b) contra legem ou negativo: também conhecido como desuetudo, é aquele que contraria a lei, 
mas não tem o condão de revogá-la. É o caso da contravenção penal de jogo do bicho, definida 
pelo art. 58 do Decreto-lei 3.688/1941. Com efeito, uma lei somente pode ser revogada por outra 
lei, nos termos do art. 2.º, § 1.º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. É o que se 
denomina de princípio da continuidade das leis; 
c) praeter legem ou integrativo: supre a lacuna da lei e somente pode ser utilizado na seara das 
normas penais não incriminadoras, notadamente para possibilitar o surgimento de causas 
supralegais de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade. Menciona-se, frequentemente, a 
circuncisão empregada como rito religioso pelos israelitas. 
 
5.2.1.2. Princípios gerais do Direito 
São os valores fundamentais que inspiram a elaboração e a preservação do 
ordenamento jurídico. No campo penal, em face do império da lei como fonte formal imediata 
exclusiva, os princípios não podem, em hipótese alguma, ser utilizados para tipificação de 
condutas ou cominação de penas. Sua atuação se reserva ao âmbito das normas penais não 
incriminadoras. 
 
 
5.2.1.3. Atos da Administração Pública 
Os atos administrativos, no Direito Penal, funcionam como complemento de algumas 
leis penais em branco, como adiante se verá. 
 
6. LEI PENAL 
É a fonte formal imediata do Direito Penal, uma vez que, por expressa determinação 
constitucional, tem a si reservado, exclusivamente, o papel de criar infrações penais e cominar-
lhes as penas respectivas. 
Sua estrutura apresenta dois preceitos, um primário (conduta) e outro secundário 
(pena). No crime de homicídio simples, tipificado pelo art. 121 do Código Penal, o preceito 
primário é “matar alguém”, enquanto a pena de “reclusão, de 6 a 20 anos” desempenha a função 
de preceito secundário. 
Deve-se observar que a lei penal não é proibitiva, mas descritiva. Não proíbe a 
conduta de “matar alguém”, e sim descreve tal comportamento como criminoso, impondo a pena 
a ser aplicada caso seja ele praticado. A legislação penal brasileira não contém, como outrora, 
mandamentos diretos, a exemplo de “não furtar”, “não roubar” etc. Optou pela proibição indireta, 
descrevendo o fato como pressuposto da sanção. 
 
6.1. Classificação 
As leis penais apresentam diversas divisões. Podem ser: 
a) incriminadoras: são as que criam crimes e cominam penas. Estão contidas na 
Parte Especial do Código Penal e na legislação penal especial; 
b) não incriminadoras: são as que não criam crimes nem cominam penas. 
Subdividem-se em: 
b1) permissivas: autorizam a prática de condutas típicas, ou seja, são as causas de 
exclusão da ilicitude. 
b2) exculpantes: estabelecem a não culpabilidade do agente ou ainda a impunidade 
de determinados delitos. Exemplos: doença mental, menoridade, prescrição e perdão judicial. 
b3) interpretativas: esclarecem o conteúdo e o significado de outras leis penais. 
Exemplo: Art. 327 (conceito de funcionário público para fins penais) do Código Penal; 
 
 
b4) de aplicação, finais ou complementares: delimitam o campo de validade das leis 
incriminadoras. Exemplos: arts. 2.º e 5.º do Código Penal; 
b5) diretivas: são as que estabelecem os princípios de determinada matéria. 
Exemplo: princípio da reserva legal (CP, art. 1.º); 
b6) integrativas ou de extensão: são as que complementam a tipicidade no tocante 
ao nexo causal nos crimes omissivos impróprios, à tentativa e à participação. 
c) completas ou perfeitas: apresentam todos os elementos da conduta criminosa. É 
o caso do art. 157, caput, do Código Penal; 
d) incompletas ou imperfeitas: reservam a complementação da definição da conduta 
criminosa a uma outra lei, a um ato da Administração Pública ou ao julgador. São as leis penais 
em branco, nos dois primeiros casos, e os tipos penais abertos, no último. 
 
6.2. Características da Lei Penal 
a) Exclusividade: só a lei pode criar delitos e penas (CF, art. 5.º, XXXIX, e CP, art. 
1.º). 
b) Imperatividade: o seu descumprimento acarreta a imposição de pena ou de medida 
de segurança, tornando obrigatório o seu respeito. 
c) Generalidade: dirige-se indistintamente a todas as pessoas, inclusive aos 
inimputáveis. Justifica-se pelo caráter de coercibilidade que devem ter todas as leis em vigor, 
com efeito imediato e geral (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, art. 6.º). 
d) Impessoalidade: projeta os seus efeitos abstratamente a fatos futuros, para 
qualquer pessoa que venha a praticá-los. Há duas exceções, relativas às leis que preveem anistia 
e abolitio criminis, as quais alcançam fatos concretos. 
e) Anterioridade: as leis penais incriminadoras apenas podem ser aplicadas se 
estavam em vigor quando da prática da infração penal, salvo no caso da retroatividade da lei 
benéfica. 
 
6.3. Lei Penal em Branco 
Para Franz von Liszt, leis penais em branco são como “corpos errantes em busca de 
alma”. Existem fisicamente no universo jurídico, mas não podem ser aplicadas em razão de sua 
incompletude. 
 
 
A lei penal em branco é também denominada de cega ou aberta, e pode ser definida 
como a espécie de lei penal cuja definição da conduta criminosa reclama complementação, seja 
por outra lei, seja por ato da Administração Pública. O seu preceito secundário (pena) é completo, 
o que não se verifica no tocante ao primário(conduta), carente de implementação. Divide-se em: 
a) Lei penal em branco em sentido lato ou homogênea: o complemento tem a mesma 
natureza jurídica e provém do mesmo órgão que elaborou a lei penal incriminadora. Veja-se o 
art. 169, parágrafo único, I, do Código Penal, complementado pelo Código Civil, pois lá está a 
definição de tesouro (art. 1.264). Além disso, tanto a lei civil como a penal têm como fonte de 
produção o Poder Legislativo federal (CF, art. 22, inc. I). Pode ser homovitelina, quando a lei 
incriminadora e seu complemento (outra lei) encontram-se no mesmo diploma legal, ou 
heterovitelina, se estiverem alocadas em diplomas diversos. 
b) Lei penal em branco em sentido estrito ou heterogênea: o complemento tem 
natureza jurídica diversa e emana de órgão distinto daquele que elaborou a lei penal 
incriminadora. É o caso dos crimes previstos na Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas –, editada pelo 
Poder Legislativo federal, mas complementada por portaria da Agência Nacional de Vigilância 
Sanitária (Portaria SVS/MS 344/1998), pertencente ao Poder Executivo, pois nela está a relação 
das drogas. 
c) Lei penal em branco inversa ou ao avesso: o preceito primário(conduta) é 
completo, mas o secundário(pena) reclama complementação. Nesse caso, o complemento deve 
ser obrigatoriamente uma lei, sob pena de violação ao princípio da reserva legal. Exemplos dessa 
espécie de lei penal em branco são encontrados nos artigos 1.° a 3.° da Lei 2.889/1956, relativos 
ao crime de genocídio. 
d) Lei penal em branco de fundo constitucional: o complemento do preceito 
primário(conduta) constitui-se em norma constitucional. É o que se verifica no crime de 
abandono intelectual, definido no art. 246 do Código Penal, pois o conceito de “instrução 
primária” encontra-seno art. 208, inc. I, da Constituição Federal. 
 
7. INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL 
 
Interpretação é a tarefa mental que procura estabelecer a vontade da lei, ou seja, o 
seu conteúdo e significado. Na insuperável lição de Carlos Maximiliano: Interpretar é explicar, 
 
 
esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um 
pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, 
sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém. 
Deve buscar a vontade da lei (mens legis), isto é, o sentido normativo nela contido, e 
não de quem a fez (mens legislatoris). 
A ciência que disciplina este estudo é a hermenêutica jurídica. A atividade prática de 
interpretação da lei é chamada de exegese. 
A interpretação sempre é necessária, ainda que a lei se mostre, inicialmente, 
inteiramente clara, pois podem surgir dúvidas quanto ao seu efetivo alcance. O que ela abrange 
de modo imediato eventualmente não é tudo quanto pode incidir no seu campo de atuação. 
Pode a interpretação ser classificada levando-se em conta o sujeito responsável pela 
sua realização, os meios de que se serve o intérprete e, por último, os resultados obtidos. 
 
7.1. Quanto ao sujeito: autêntica, judicial ou doutrinária 
Cuida-se do sujeito ou órgão que realiza a interpretação, classificando-se em 
autêntica, judicial e doutrinária. 
Autêntica, também chamada de legislativa, é aquela de que se incumbe o próprio 
legislador, quando edita uma lei com o propósito de esclarecer o alcance e o significado de outra. 
É chamada de interpretativa e tem natureza cogente, obrigatória, dela não podendo se afastar o 
intérprete. É o caso do conceito de causa, fornecido pelo art. 13, caput, do Código Penal, e 
também do conceito legal de funcionário público para fins penais, previsto no art. 327 do Código 
Penal. Por se limitar à interpretação, tem eficácia retroativa (ex tunc), ainda que seja mais gravosa 
ao réu. Em respeito à força e à autoridade da coisa julgada, por óbvio não atinge os casos já 
definitivamente julgados. 
Doutrinária, ou científica, é a interpretação exercida pelos doutrinadores, escritores 
e articulistas, enfim, comentadores do texto legal. Não tem força obrigatória e vinculante, em 
hipótese alguma. 
Judicial ou jurisprudencial é interpretação executada pelos membros do Poder 
Judiciário, na decisão dos litígios que lhes são submetidos. Sua reiteração constitui a 
jurisprudência. Em regra, não tem força obrigatória, salvo em dois casos: na situação concreta 
 
 
(em virtude da formação da coisa julgada material) e quando constituir súmula vinculante (CF, 
art. 103-A, e Lei 11.417/2006). 
 
7.2. Quanto aos meios ou métodos: gramatical e lógica 
Cuida-se do meio de que se serve o intérprete para descobrir o significado da lei 
penal. Classifica-se em gramatical e lógica. 
Gramatical, também denominada literal ou sintática, é a que flui da acepção literal 
das palavras contidas na lei. Despreza quaisquer outros elementos que não os visíveis na singela 
leitura do texto legal. É a mais precária, em face da ausência de técnica científica. 
Lógica, ou teleológica, é aquela realizada com a finalidade de desvendar a genuína 
vontade manifestada na lei. É mais profunda e, consequentemente, merecedora de maior grau de 
confiabilidade. Serve-se o intérprete de todos os elementos que tem à sua disposição, quais sejam, 
histórico (evolução histórica da lei e do objeto nela tratado), sistemático (análise da lei em 
compasso com o sistema em que se insere), direito comparado (tratamento do assunto em outros 
países) e, inclusive, de elementos extrajurídicos, quando o significado de determinados institutos 
se encontra fora do âmbito do Direito (exemplo: conceito de veneno, relacionado à química). 
 
7.3. Quanto ao resultado: declaratória, extensiva e restritiva 
Refere-se à conclusão extraída pelo intérprete, classificando-se em declaratória, 
extensiva e restritiva. 
Declaratória, declarativa ou estrita é aquela que resulta da perfeita sintonia entre o 
texto da lei e a sua vontade. Nada resta a ser retirado ou acrescentado. 
Extensiva é a que se destina a corrigir uma fórmula legal excessivamente estreita. A 
lei disse menos do que desejava (minus dixit quam voluit). Amplia-se o texto da lei, para amoldá-
lo à sua efetiva vontade. 
Restritiva é a que consiste na diminuição do alcance da lei, concluindo-se que a sua 
vontade, manifestada de forma ampla, não permite seja atribuído à sua letra todo o sentido que 
em tese poderia ter. A lei disse mais do que desejava (plus dixit quam voluit). 
 
 
 
 
 
7.4. Interpretação progressiva 
Interpretação progressiva, adaptativa ou evolutiva é a que busca amoldar a lei à 
realidade atual. Evita a constante reforma legislativa e se destina a acompanhar as mudanças da 
sociedade. É o caso do conceito de ato obsceno, diferente atualmente do que era há algumas 
décadas. 
 
7.5. Interpretação analógica 
Interpretação analógica ou “intra legem” é a que se verifica quando a lei contém em 
seu bojo uma fórmula casuística seguida de uma fórmula genérica. É necessária para possibilitar 
a aplicação da lei aos inúmeros e imprevisíveis casos que as situações práticas podem apresentar. 
 
8. ANALOGIA 
 
Não se trata de interpretação da lei penal. De fato, sequer há lei a ser interpretada. 
Cuida-se, portanto, de integração ou colmatação do ordenamento jurídico. A lei pode ter lacunas, 
mas não o ordenamento jurídico. Também conhecida como integração analógica ou suplemento 
analógico, é a aplicação, ao caso não previsto em lei, de lei reguladora de caso semelhante. 
No Direito Penal, somente pode ser utilizada em relação às leis não incriminadoras, 
em respeito ao princípio da reserva legal. Seu fundamento repousa na exigência de igual 
tratamento aos casos semelhantes. Por razões de justiça, fatos similares devem ser tratados da 
mesma maneira. 
 
8.1.Espécies 
A analogia se apresenta pelas seguintes espécies: 
a) Analogia in malam partem, é aquela pela qual aplica-se ao caso omisso uma lei 
maléfica ao réu, disciplinadora de caso semelhante. Não é admitida, como já dito, em homenagem 
ao princípio da reserva legal. 
b) Analogia in bonam partem, é aquela pela qual se aplica ao caso omisso uma lei 
favorável ao réu, reguladora de caso semelhante. É possível no Direito Penal, exceto no que diz 
respeito às leis excepcionais, que não admitem analogia, justamente por seu caráter 
extraordinário. 
 
 
c) Analogia legal, ou legis, é aquela em que se aplica ao caso omisso uma lei que 
trata de caso semelhante. Importante observar, como proclamado pelo Superior Tribunal de 
Justiça, que não cabe ao magistrado aplicar uma norma, por assemelhação, em substituição à 
outra validamente existente, simplesmente por entender que o legislador deveria ter regulado a 
situação de forma diversa da que adotou. 
d) Analogia jurídica, ou juris, é aquela em que se aplica ao caso omisso um princípio 
geral do direito. 
 
BIBLIOGRAFIA 
BITENCOUT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. 17. ed. rev., ampl. e 
atual. de acordo com a Lei 12.550, de 2011. São Paulo: Saraiva, 2012. 
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1. 8. ed. rev., atual. Rio 
de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. 
 
 
ATIVIDADE (0,5) 
Intepretação da lei penal é sinônimo de analogia? Justifique sua resposta. (Mínimo 15 linhas) 
Obs.: Não será aceita cópia literal do material de aula ou textos não referenciados.

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