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1 REVISÃO DO PLANO DE MANEJO DA ICTIOFAUNA (UHE SÃO DOMINGOS) Novembro de 2014 2 Sumário 1. DO PLANO DE MANEJO ....................................................................................................... 4 2. O EMPREENDIMENTO E A REGIÃO ................................................................................. 4 3. A UHE SÃO DOMINGOS ....................................................................................................... 5 4. IMPACTOS DA CONSTRUÇÃO DE BARRAGENS ........................................................... 7 5. MITIGAÇÃO DE IMPACTOS EM RESERVATÓRIOS .................................................... 8 5.1 MECANISMO DE TRANSPOSIÇÃO .......................................................................................... 8 5.2 REMOÇÃO PRÉVIA DA VEGETAÇÃO ....................................................................................10 5.3 ESTOCAGEM ............................................................................................................................11 5.4 RESGATE DE PEIXES NOS TUBOS DE SUCÇÃO DE UNIDADES GERADORAS ...............13 5.5 INTRODUÇÃO DE ESPÉCIES .................................................................................................15 5.6 CONTROLE DA PESCA ............................................................................................................17 5.7 TRECHO DE VAZÃO REDUZIDA (TVR) .................................................................................18 6. MANEJO PARA A PRESERVAÇÃO DOS RECURSOS PESQUEIROS NA ÁREA DE INFLUÊNCIA DA UHE SÃO DOMINGOS .....................................................................................21 6.1 MANUTENÇÃO DAS ROTAS MIGRATÓRIAS .........................................................................21 6.1.1 Mecanismo de transposição ..........................................................................................................21 6.1.2 Importância dos tributários (rio São Domingos e ribeirão Araras) .............................................27 6.2 ÁREAS PRIORITÁRIAS PARA MANUTENÇÃO DA ATIVIDADE REPRODUTIVA .............28 6.2.1 Preservação de áreas de desova e manutenção de paliteiros .......................................................28 6.3 ÁREAS PRIORITÁRIAS BASEADAS NA ALIMENTAÇÃO E CRESCIMENTO ..............32 6.3.1 Manutenção de paliteiros (vegetação arbórea a ser alagada) .....................................................32 6.4 MANUTENÇÃO DA VARIABILIDADE GENÉTICA DOS ESTOQUES EM RISCO DE EXTINÇÃO ..........................................................................................................................................35 6.4.1 Estocagem .....................................................................................................................................35 6.5 INTRODUÇÃO DE ESPÉCIES NÃO-NATIVAS ......................................................................35 6.5.1 Ações preventivas ..........................................................................................................................35 6.6 MANEJO DA PESCA ....................................................................................................................38 3 6.6.1 Interdição temporal .......................................................................................................................38 6.6.2 Interdição espacial ........................................................................................................................40 6.6.3 Interdição de aparelhos ................................................................................................................40 6.6.4 Controle do tamanho do pescado ..................................................................................................42 6.6.5 Controle do esforço de pesca ........................................................................................................43 6.6.6 Monitoramento ambiental .............................................................................................................44 6.7 RESGATE DA FAUNA NO TRECHO DE VAZÃO REDUZIDA (TVR) ...............................44 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................47 9 - REFERÊNCIAS ..............................................................................................................................50 4 1. DO PLANO DE MANEJO Devido à falta de compreensão da estrutura e funcionamento dos ambientes aquáticos, gestores do setor hidroelétrico têm encontrado dificuldades no trato de questões referentes à fauna aquática. Ao longo dos anos diversas medidas de manejo em reservatórios têm sido implantadas, no entanto, o desconhecimento das possíveis respostas a essas ações têm conduzido a resultados muitas vezes inesperados, necessitando que as medidas de manejo sofram ajustes periódicos em função das respostas ambientais (Baumgartner, et al., 2010). Esta revisão do plano de manejo “Conservação das Espécies Migradoras e de Interesse Comercial e/ou Ecológico”, elaborado pela Universidade de Toledo/PR, visa estabelecer metodologias flexíveis e dinâmicas que permitam avaliar o processo de planejamento de ações para a conservação das espécies migradoras e de interesse comercial e/ou ecológico, buscando a identificação de áreas de elevada importância para as espécies alvo. Este plano é pautado em informações geradas a partir do monitoramento realizado durante o período de pré e pós-enchimento da UHE São Domingos, e com base no disposto na literatura. 2. O EMPREENDIMENTO E A REGIÃO As usinas hidrelétricas são uma importante fonte de energia no mundo atual, sendo que no Brasil, 1025 empreendimentos hidrelétricos estão em funcionamento, que são responsáveis por 65,1% de toda energia gerada no país, totalizando 83.647 MW de potência instalada no país. Deste montante, somente 7% são gerados no estado do Mato Grosso do Sul (ANEEL, 2012), o que indica que possivelmente este estado seja foco para implantação de novos empreendimentos hidrelétricos. Aquele órgão relata ainda, a existência de 65 empreendimentos hidrelétricos em construção e mais 140 já outorgados em todo o país, dos quais diversos serão implantados no Mato Grosso do Sul (Baumgartner, et al., 2010). A opção pela hidroeletricidade como forma de geração de energia parece consenso entre os brasileiros, podendo-se antever que diversas bacias hidrográficas serão ocupadas por esses empreendimentos, dentre elas a do rio Verde, onde foi implantada a UHE São Domingos, com previsão de pelo menos mais duas usinas (Baumgartner, et al., 2010). 5 3. A UHE SÃO DOMINGOS A bacia de drenagem do Rio Verde localiza-se na porção nordeste do estado de Mato Grosso do Sul e abrange áreas dos municípios de Camapuã, Costa Rica, Água Clara, Ribas do Rio Pardo, Brasilândia e Três Lagoas. Este rio é um dos raros rios da bacia do Paraná até então livre de represamentos, apesar de apresentar águas predominantemente rápidas e agitadas, com muitas quedas e corredeiras, que o torna atrativo do ponto de vista energético (Baumgartner, et al., 2010). A UHE São Domingos está localizada no Estado de Mato Grosso do Sul com seu reservatório estendendo-se por áreas dos municípios de Água Clara e Ribas do Rio Pardo (Figura 1). A barragem fica no rio Verde a cerca de 190 km da foz com o rio Paraná. O acesso ao local do aproveitamento se dá a partir de Campo Grande, de onde se vai até a cidade de Água Clara pela rodovia BR-262 por 177 km. Esta cidade dista cerca de 70 km do local do eixo da barragem, que pode ser atingido atravésde estrada de terra (Engevix, 2001). Esse empreendimento possui potência instalada de 48 MW, sendo que a barragem de terra tem extensão de cerca de 1.900 m, altura máxima de 32 m e média de 12 m, tem sua crista cotada na elevação 349,00 m, com 10,00 m de largura, sendo constituída de solo compactado, com exceção do trecho junto às estruturas de concreto (Engevix, 2001). O reservatório da Usina Hidrelétrica São Domingos tem o seu nível de água máximo normal na cota 345,00 m, com uma área total de 17,8 km² e um volume de cerca de 131,3 hm³ (Engevix, 2001), alagando parte dos rios Verde, São Domingos e Araras. 6 Figura 01 – Área de influência da UHE São Domingos, Mato Grosso do Sul (Fonte: Baumgartner, et al., 2010). Água Clara Ribas do Rio Pardo Brasilândia Sant a Rita do Pardo 240000 260000 280000 300000 320000 340000 360000 380000 77 20 00 0 77 00 00 0 77 40 00 0 77 60 00 0 77 80 00 0 78 00 00 0 R IO VERDE R I O PO M B O RIBE IRÃO BERR EIRIN HO RIBE IRÃO FE RRE IRA RIB EIR ÃO TA MA ND UÁ RIBEI RÃO ARARAS RI O V E RD E RIO VERDE RI O S ÃO D O M IN G O S 7 4. IMPACTOS DA CONSTRUÇÃO DE BARRAGENS Com a construção de barragens ocorre a formação dos reservatórios, que se tornaram componentes indissociáveis da paisagem de bacias hidrográficas dos rios brasileiros (Agostinho et al., 2007), os quais apresentam elevada importância econômica e ecológica (Carol et al., 2006). No entanto, a formação de reservatórios altera as características ambientais, causando efeitos físicos, químicos e biológicos no antigo rio (Agostinho et al., 2008). Mesmo após muitos anos de sua formação os efeitos antrópicos sobre o regime hidrológico permanecem, sendo as vazões, principalmente as de jusante, reguladas para atender às demandas sociais, econômicas, e de desenvolvimento regional e industrial (Thornton, 1990; Straskraba et al., 1993), negligenciando-se, em muitos casos, os efeitos negativos gerados pela atividade. Do ponto de vista biológico, os efeitos negativos da implantação de usinas hidrelétricas são de difícil compreensão, pois conduzem a respostas ambientais complexas, com efeitos diferenciados imediatamente após a formação e alguns anos depois de estabelecido o reservatório. De forma geral, a formação do reservatório provoca redução na interdependência e na estabilidade biótica (Benedito-Cecílio et al., 1997), afetando os processos de sucessão natural da biota. Na fauna aquática, tais efeitos podem ser evidenciados pelas alterações na composição e abundância das espécies, com elevada proliferação de algumas e redução ou até mesmo eliminação de outras (Agostinho et al., 1999), bem como por mudanças comportamentais como alterações de hábitos alimentares e reprodutivos. No entanto, a avaliação dos reais impactos gerados pelo barramento do rio e dos seus efeitos de curto e longo prazo, são tarefas extremamente difíceis, já que o número de variáveis químicas, físicas e biológicas atuantes é enorme, e o grau de interdependência destas variáveis é demasiadamente complexo. Essa condição, associada à falta de informações sobre: (a) os organismos aquáticos (tais como taxonomia, ecologia alimentar e reprodutiva, dinâmica populacional e história de vida); (b) as características do ambiente antes e após o represamento (tais como limnologia, qualidade e quantidade de água); (c) os usuários da bacia (tais como socioeconomia, percepções e leis); e (d) as atividades pesqueiras (tais como espécies preferenciais, rendimento e estratégia de pesca); tem impossibilitado o entendimento do ecossistema reservatório, tornando suas predições precárias (Agostinho et al., 2007). 8 No anseio de mitigar e/ou compensar os impactos causados pelo empreendimento, governo e empreendedores implementam planos de manejo sem conhecerem as reais condições do ambiente em que estão manejando, conduzindo a resultados insatisfatórios, quando não ao fracasso. Além disso, algumas medidas de manejo bem intencionadas acabam por provocar resultados negativos, gerando uma nova forma de impacto ao ambiente (Baumgartner, et al., 2010). 5. MITIGAÇÃO DE IMPACTOS EM RESERVATÓRIOS No Brasil, a história da mitigação de impactos de represamentos hidrelétricos sobre a ictiofauna teve seus primeiros passos com a construção da escada de peixes do reservatório de Itaipava, em 1911, no rio Pardo (Agostinho et al., 2007). A partir desse marco diversas atividades vêm sendo implantadas, das quais, em alguns casos têm obtido certo sucesso. No entanto, diversas medidas não têm produzido efeitos satisfatórios do ponto de vista da recuperação e manutenção dos estoques pesqueiros em reservatórios, e outras apresentam sucesso desconhecido, em função da insuficiência de informações após a implantação da medida de manejo. Dentre as medidas de manejo utilizadas para mitigação de impactos da formação de reservatórios pode-se citar: (a) os mecanismos de transposição para peixes; (b) a remoção prévia da vegetação; (c) estocagem; (d) resgate de peixes nos tubos de sucção de unidades geradoras; (e) introdução de espécies; (f) controle da pesca, e (g) manejo da fauna na alça de vazão reduzida. 5.1 MECANISMO DE TRANSPOSIÇÃO No Brasil os mecanismos de transposição para peixes restringem-se a escadas, excetuando-se os elevadores instalados nas barragens de Porto Primavera e Funil, além é claro, do “canal da Piracema”, canal para migração de peixes da UHE Itaipu Binacional (Agostinho et al., 2007). Tais dispositivos inicialmente foram concebidos para que os peixes pudessem transpor obstáculos nos rios, principalmente os implantados pelo homem (barragens), fazendo com que os peixes migradores pudessem alcançar os sítios reprodutivos para desenvolver seu ciclo de vida. Estes mecanismos, a exemplo de outras tecnologias, foram implantados motivados por sucessos ocorridos com outras espécies em outros países, destacando-se os ocorridos com os salmonídeos em rios norte-americanos (Oldoni et al., 2007). No entanto, a 9 preocupação hoje crescente no hemisfério Norte, com o retorno dos exemplares para compor os estoques de jusante, tem sido totalmente negligenciada no hemisfério Sul, sendo que os estudos existentes para avaliação da eficácia do sistema de transposição levam somente em conta migrações ascendentes (rio acima) (Baumgartner, et al., 2010). No contexto da conservação dos estoques de peixes e na preservação de peixes migradores, os sistemas de transposição para peixes têm apresentado pouca eficiência (Oldoni et al., 2007), transpondo menores proporções que as observadas em condições naturais. Além disso, para que o mecanismo apresente eficácia é necessário o entendimento das reais condições antes da implantação do barramento, e seus efeitos após sua implantação. Segundo Agostinho et al. (2002) entre os fatores que tem evidenciado grande ineficácia em sistemas de transposições estão: (i) o desenho do mecanismo e funcionamento - de extrema importância, pois determina quais e quantos peixes irão transpor o sistema, sendo que seu grande estrangulador é o mecanismo de atração (geralmente fluxo de água), que possibilita aos cardumes que estão na calha principal, que busquem o mecanismo de transposição; (ii) a eficiência na transposição – todo sistema de transposição de peixes é seletivo, porém, conseguir que sua seletividade seja semelhante à que havia antes da implantação do barramento (condição natural), é uma tarefa exaustiva de engenharia, no entanto, estudos para avaliações desse item, tem sido realizados com poucodetalhamento, não havendo até o momento, uma metodologia padrão que torne possível comparações entre as diferentes experiências com mecanismos em nosso país; (iii) a continuidade da migração reprodutiva – indica se os peixes que transpuseram o mecanismos migraram para seus sítios reprodutivos, sendo importante na avaliação do sucesso reprodutivo da transposição, e sua avaliação é geralmente conduzida a partir de estudos de marcação e recaptura; (iv) migração descendente e passagem pela barragem - tem sido considerada como uma das principais dificuldades no contexto da preservação dos recursos pesqueiros, já que em rios naturais, os peixes buscam seus sítios reprodutivos, desovam normalmente em águas com correntezas e túrbidas, que distribuem os ovos e larvas às diversas regiões do rio, inclusive as de jusante, no entanto, na atualidade não são realizados estudos que possam mensurar quanto do esforço realizado para transpor os peixes se transformou em recurso pesqueiro no reservatório e quanto irá compor os estoques de jusante (Baumgartner, et al., 2010). 10 5.2 REMOÇÃO PRÉVIA DA VEGETAÇÃO Até os dias de hoje, gestores ambientais e do setor elétrico tem implantado a prática de remoção da vegetação na região do futuro reservatório antes do enchimento. Tal prática tem sido implantada com vistas à redução da matéria orgânica em decomposição, a qual eleva a demanda bioquímica de oxigênio (DBO), que em alguns casos provoca anoxia em reservatórios, impedindo a vida de organismos aeróbios. No entanto, esta prática tem sido objeto de grandes debates e muita controvérsia quanto a sua implementação, já que na maioria das vezes, a remoção ocorre principalmente de troncos (de decomposição lenta e com baixa DBO), restando folhas e serrapilheira de rápida decomposição, e que causam o deplecionamento do oxigênio dissolvido (OD), muitas vezes a níveis críticos. A manutenção da vegetação dentro do reservatório traz diversas vantagens, sendo ela considerada um fator favorável do ponto de vista biótico, enquanto que o problema da elevada DBO, conduzindo a concentrações críticas de OD, pode ser facilmente resolvido com enchimento mais lento do reservatório, permitindo a decomposição parcial da matéria orgânica, com maior renovação da água (Baumgartner, et al., 2010). Segundo Agostinho et al. (2007) a manutenção da vegetação terrestre submersa tem sido vista como um fator favorável por: (i) fornecer substrato para perifíton e bentos - comunidades perifíticas e bentônicas fazem parte da cadeia alimentar e são importantes recursos para diversas espécies de peixes, a manutenção da vegetação prévia (paliteiros) aumenta consideravelmente a área de substrato para a produção, principalmente do perifíton, ampliando assim, o espaço de nicho que dará suporte aos níveis superiores da cadeia alimentar, o que incrementa a capacidade biogênica do reservatório; (ii) prevenir a sobrepesca – a manutenção da vegetação, dificulta a utilização de equipamentos de pesca, em especial aqueles utilizados por arrasto e com isso, reduz o risco de sobrepesca; (iii) disponibilizar locais de reprodução e refúgio – diversas espécies de peixes utilizam a vegetação submersa como substrato para desova e proteção de seus ovos e larvas contra a predação, além disso, a vegetação protege ainda de efeitos físicos como ondas, erosão e cargas de sedimentos, tornando a região próxima a vegetação, perfeita para o desenvolvimento das fases iniciais; (iv) aumentar a produtividade em áreas litorâneas – as áreas litorâneas onde ocorre a transição para a região inundada, necessitam a manutenção de vegetação viva, que mantém o processo de fornecimento de matéria orgânica e nutrientes para 11 o reservatório, além de aumentar a diversidade estrutural; (v) reduzir os elevados custos com a remoção – a retirada da vegetação marginal demanda elevada quantidade de recursos, pessoal e tempo, dificultando em alguns casos o processo de fechamento do reservatório, além disso, a comercialização do recurso florestal abre uma lacuna para os aproveitadores conseguirem licença para transporte de madeira e com isso retirarem de outras áreas os recursos florestais protegidos por lei. 5.3 ESTOCAGEM Esta prática consiste na liberação de peixes provenientes de outros sistemas, em geral de pisciculturas próximas ao corpo de água a ser manejado, comumente denominada de repovoamento ou peixamento, é considerada a prática de manejo mais aplicada no mundo (Welcomme, 1988). Objetivando recompor os estoques, essa prática de manejo somente é recomendada para atender objetivos específicos, com prévio delineamento de metas e aferição dos objetivos alcançados. As estocagens podem ser uma alternativa para manutenção do estoque nativo, quando estes apresentarem problemas relacionados à sobrepesca ou à insuficiência de áreas de desova e criadouros naturais. Elas jamais devem ocorrer a partir de espécies não nativas, pois estas correm o risco de não conseguir se estabelecer no reservatório, e mesmo quando do seu estabelecimento, podem ocupar o nicho de uma espécie nativa, causando desequilíbrio nas relações intra e interespecíficas estabelecidas ao longo de milhares de anos. Além disso, no Brasil é proibida a importação e exportação de quaisquer espécies aquáticas, bem como a introdução de espécies exóticas sem autorização do órgão ambiental competente (Lei Federal 9605/98 - Decreto Federal 3.179/99), o que torna a prática de estocagem crime quando não autorizada pelo órgão ambiental. Historicamente no Brasil e em outros países, como Cuba, a prática da estocagem tem sido marcada por fracassos (Quirós e Mari, 1999; Agostinho et al., 2008), onde os principais motivos do insucesso são: o desconhecimento da fauna e do ambiente manejado, a ausência de critério na seleção da espécie-alvo e do tamanho dos exemplares para realizar a estocagem, e principalmente, a falta de avaliações dos resultados gerados por esta prática de manejo. 12 De forma geral, em nosso país, as necessidades de estudos prévios foram sempre contestadas, com a alegação de que tais levantamentos seriam financeiramente onerosos e que demandariam muito tempo para sua realização, o que impediria a implantação dos reservatórios. Em reservatórios já implantados, a alegação passou a ser de que o aumento no rendimento da pesca não compensaria os valores empenhados nos estudos. No entanto, frente a anseios populares, milhares de reais têm sido demandados para ações de manejo, muitas vezes infrutíferas (Baumgartner, et al., 2010). Para implementação da prática de estocagem em reservatórios, seriam necessários estudos que identificassem qual espécie (alvo) naquele reservatório, necessitaria de adensamento, conhecer a bioecologia da espécie-alvo, desenvolver técnicas de reprodução e alevinagem para esta espécie, e monitorar os reais efeitos das solturas sobre a estrutura da assembleia de peixes. Cada reservatório tem sua própria evolução e estudos gerados em um ambiente, não necessariamente trarão bons resultados em outro (Baumgartner, et al., 2010). Segundo Agostinho et al. (2007) na maioria das vezes quando foi sugerida a prática de estocagem em reservatórios brasileiros, as metas e os objetivos foram vagos, dificultando posteriormente sua aferição. Para esses autores, o uso de termos como “melhorar os estoques”, “aumentar o rendimento pesqueiro”, “melhorar a pesca”, “contribuir para a conservação da biodiversidade”, embora sejam eficientes formas de comunicação pessoal, são tecnicamente inadequados, pois não indicam a real necessidade dessa prática de manejo. Portanto, os repovoamentos devem atender as necessidadesdo ambiente a ser manejado, sendo que o adensamento do estoque no reservatório, só deverá ser indicado para a manutenção da variabilidade genética, de alguma espécie que apresente sobrepesca ou problemas relacionados ao recrutamento de seus indivíduos. Um caso importante a ser considerado é quando há presença de espécies ameaçadas de extinção, as quais talvez tenham na estocagem a única prática capaz de recuperar seus estoques. Em caso de reservatórios onde a pressão por pesca é pequena ou ainda, onde a pesca não é liberada, programas de estocagens somente são justificados para a manutenção da variabilidade genética, pois a abundância das espécies de peixes é determinada pela própria capacidade de suporte do ambiente e pela utilização dos nichos por cada espécie. Nesses casos, a soltura deliberada de exemplares, ao invés de promover a manutenção dos estoques pesqueiros, estaria promovendo um impacto ambiental (Baumgartner, et al., 2010). 13 5.4 RESGATE DE PEIXES NOS TUBOS DE SUCÇÃO DE UNIDADES GERADORAS Embora em barragem ocorra diversos tipos de injúrias e mortes em peixes, até o momento, a única ação de manejo implementada para evitá-las é o resgate de peixes nos tubos de unidades geradoras (Figuras 2, 3 e 4). Essa prática consiste no bombeamento de oxigênio e retirada de peixes que são aprisionados no interior do tubo de sucção de unidades geradoras, durante as paradas das máquinas. As paradas das máquinas em operação são realizadas com o objetivo de manutenções periódicas ou para correções de emergências de máquinas que apresentem algum problema de ordem eletromecânica, podendo ainda ocorrer paradas em função da redução da demanda energética ou de água, determinadas pelo Operador Nacional do Sistema (ONS). Durante as duas primeiras situações, as comportas de montante e jusante são fechadas e os peixes são atraídos pelas diferenças de correntes, ficando aprisionados nos canais de sucção e de fuga, os resgates são realizados manualmente, com a descida de técnicos e retirada dos exemplares devolvendo-os aos seus habitats. Na terceira situação de parada das máquinas as comportas de montante e jusante permanecem abertas, pois a qualquer momento o ONS pode solicitar a entrada instantânea em operação. Nesses casos, as elevadas alterações de pressão e fluxos podem conduzir a mortalidades massivas de peixes (Baumgartner, et al., 2010). Figura 2 - Peixes aprisionados no tubo de sucção de uma unidade geradora. Fonte: JIE. ITAIPUBINACIONAL (2011). 14 Figura 3 – Esquema de localização do tubo de sucção. Fonte: JIE. TAIPU BINACIONAL (2011) Figura 4 – Vista interna do tubo de sucção de uma unidade geradora. Fonte: JIE.ITAIPU BINACIONAL (2011). No entanto, há outras modalidades de injúrias e mortes, como é o caso da alteração das vazões, que provocam os mesmos efeitos das paradas, só que em escalas menores. Estes procedimentos podem ocorrer durante a operação, onde os mesmos são determinados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), ou ainda, para testes de performance das turbinas, realizados antes da máquina entrar em operação, sendo eles determinados pela empresa geradora. Tais testes são importantes para garantir o funcionamento do equipamento e evitar paradas, no entanto, são negligenciados os impactos causados por essa atividade (Baumgartner, et al., 2010). 15 Alternativas para evitar paradas de máquinas por alteração das demandas energéticas têm sido implementadas, a exemplo de compensador-síncronos, no entanto, os reais efeitos devido às alterações bruscas de pressão dessa nova prática sobre a ictiofauna são desconhecidos e negligenciados por órgãos ambientais e gestores do sistema elétrico (Baumgartner, et al., 2010). Outra forma de injúrias ou causa de morte em peixes é a passagem dos peixes adultos, ou de suas fases iniciais (ovos, larvas e juvenis), pelos vertedouros ou turbinas. Nessa modalidade o grau de injúria depende dos aspectos construtivos da barragem, e da diferença de nível entre o reservatório e jusante. Acredita-se que na maioria dos casos, devido às pequenas diferenças de cotas entre montante e jusante, não ocorram grandes danos aos exemplares, no entanto, são ainda desconhecidos os graus de lesões internas ou externas que podem ocorrer. O peixe após lesionado, mesmo não morrendo naquele momento, passará a ter dificuldade em sua alimentação e natação, se tornando presa fácil para outros animais (Baumgartner, et al., 2010). A falta de estudos relacionados aos efeitos da operação das usinas sobre a ictiofauna dificulta as ações de mitigação desses impactos, bem como o desenvolvimento de tecnologias que possam auxiliar no manejo e na proteção da ictiofauna. No entanto, a determinação das causas das injúrias ou mortes de peixes em barragens é uma tarefa árdua e complexa, tendo em vista que o número de fatores envolvidos é enorme e a observação dos exemplares e análise das condições em que ocorrem os impactos é dificílima. Nesses casos, gestores do sistema gerador, universidades e órgãos ambientais devem associar-se na busca do entendimento dos reais efeitos causados sobre a fauna aquática e no desenvolvimento de tecnologias que possibilitem a preservação dos recursos pesqueiros dos reservatórios (Baumgartner, et al., 2010). 5.5 INTRODUÇÃO DE ESPÉCIES A prática da introdução de espécies apresenta data desconhecida, sendo que as introduções em reservatórios brasileiros já ocorrem há aproximadamente um século. Inicialmente a introdução de espécie foi considerada prática conservacionista, onde algumas espécies foram introduzidas para a manutenção ou o aumento da pesca, no 16 entanto, os efeitos dessas introduções têm produzido resultados desastrosos do ponto de vista ecológico. A introdução de espécies pode impor à fauna nativa a competição por recursos, tanto alimentar como reprodutivos, oferecendo assim, pressão para redução das espécies nativas conduzindo-as muitas vezes à extinção. Outro fator é a introdução de patógenos, pois as espécies que habitam outros ambientes evoluíram para a coexistência com outros organismos, criando imunidade a algumas espécies de fungos, vírus e bactérias, entre outros. Esses organismos, quando em contato com a fauna nativa de história evolutiva diferente, contraem doenças debilitando os animais e conduzindo-os à morte, mesmo que esta seja por facilitação na predação. Quando a espécie introduzida trata-se de um piscívoro como os tucunarés (Cichla), a corvina (P. squamosissimus), o blackbass (M. salmoides), entre outros, a pressão sobre a fauna nativa ocorre por predação e territorialismo. A facilidade no estabelecimento dessas espécies em reservatórios brasileiros tornou-se preocupante, já que algumas delas são capazes de dizimar populações inteiras de espécies nativas (Baumgartner, et al., 2010). As introduções podem ocorrer de forma premeditada ou acidental, em ambos os casos os efeitos são desastrosos. A introdução premeditada tem sido constrangida por leis e decretos que visam à conservação da biodiversidade e que ganharam força a partir da convenção da diversidade biológica, assinada em 05 de junho de 1992 e incorporada à legislação brasileira pelo decreto federal no 2.519, de 16 de março de 1998, que versa sobre os impedimentos da introdução de espécies exóticas. No entanto, a confusão de termos utilizados para denominar espécies introduzidas tem aberto lacunas para aproveitadores utilizarem o termo da forma que entendiam ser a mais conveniente (Agostinho et al., 2007). Outra forma, ainda premeditada, ocorre com aquariofilistas, que após adquirirem exemplares de espécies com coloridosiridescentes, mas de bacias hidrográficas muitas vezes muito distantes, resolvem se desfazer de seus peixes. Na maioria das vezes, para não sacrificar o pobre animal optam por liberá-lo no riacho mais próximo, e o pobre peixe passa a ser uma espécie introduzida afetando uma gama de fatores relacionados às espécies nativas, ou seja, essas pessoas para não sentir a culpa pelo sacrifício de um exemplar acabam por comprometer a qualidade do ecossistema como um todo. A soltura de peixes, que para leigos é vista como 17 uma atitude de compaixão pode oferecer um impacto enorme ao ecossistema, e em alguns casos ser considerada crime (Baumgartner, et al., 2010). Além da forma premeditada, podemos destacar a forma acidental de introdução de espécies, que é nos dias de hoje, considerada a principal via de introduções de espécies não- nativas em ambientes naturais (Agostinho et al., 2007). Na maioria das vezes, quando não se sabe ao certo a origem das introduções, elas são atribuídas aos escapes (introdução acidental). Os principais escapes ocorrem a partir de tanques de piscicultura ou de tanques-rede, os quais têm nas espécies não-nativas a base de sua atividade. Importadas junto com tecnologias de outros países, as espécies exóticas passaram a figurar na atividade aquícola do país, sendo muitas delas consideradas inviáveis para o desenvolvimento da piscicultura em algumas regiões do país. Aos poucos, com o desenvolvimento de tecnologias dentro da própria bacia hidrográfica, o cultivo de espécies nativas vem ganhando força, tornando-se a principal promessa para aquicultura brasileira (Baumgartner, et al., 2010). Para Mack et al. (2000) a introdução de espécies não-nativas, é considerada uma das mais determinantes formas de perda de biodiversidade em recursos naturais. Pois além das espécies não-nativas oferecerem grande impacto sobre as nativas, sua erradicação é praticamente impossível. 5.6 CONTROLE DA PESCA Esta prática de manejo vem sendo implementada em nosso país há décadas, entretanto, seu sucesso tem sido parcial. Com vistas na recuperação dos estoques, a pesca tem sido controlada normalmente por força de lei, no entanto, na maioria das vezes não é aferido se após a implantação desta ação de manejo os estoques realmente foram recuperados. Na maioria das vezes a insuficiência de informação a respeito dos estoques e da pesca, não permite que sejam realmente detectados quais os reais fatores que influenciam os resultados do controle da pesca. O controle da pesca, apesar de muitas vezes não se ter clareza dos porquês das interdições, apresenta efeito moral importante e deve ser sempre considerado em qualquer ação de manejo. Quando aplicado com objetivos claros, aferidos pelo monitoramento e com a participação dos pescadores e da sociedade civil, pode garantir a manutenção de determinados estoques, gerando resultados satisfatórios para o ambiente e as comunidades locais (Baumgartner, et al., 2010). 18 O controle da pesca pode ser implementado de diversas formas. Para Agostinho et al. (2007), o controle da pesca inclui interdição temporal da pesca (defeso), interdição espacial, interdição de aparelhos de pesca, controle do tamanho do pescado e controle do esforço de pesca, conforme indicados na tabela 1. Essas aplicações devem ser sempre focadas para espécies nativas e com valor comercial, sendo especial atenção necessária às migradoras, que em função de sucessivos barramentos têm seus estoques reduzidos. Por outro lado, esforços e recursos não devem ser desperdiçados em proteção às espécies não-nativas, a exemplo da corvina, dos tucunarés e da tilápia, que podem e devem ter seus estoques capturados por pescadores mesmo durante os períodos de defeso. 5.7 TRECHO DE VAZÃO REDUZIDA (TVR) Diversos empreendimentos hidroelétricos têm suas unidades geradoras juntamente à barragem, liberando as águas turbinadas e vertidas em locais muito próximos, não formando uma área de vazão reduzida. No entanto, há casos como o da UHE São Domingos em que o local de geração fica abaixo (no sentido do rio) do local onde o rio foi interrompido. Nesse layout construtivo, na maioria dos casos para gerar mais energia, constrói-se um canal ou conduto de adução que devido aos desníveis construtivos proporciona um maior aproveitamento hidroelétrico. Esse processo desvia o fluxo em uma parte do rio reduzindo ou até mesmo eliminando a água que por ali passava (Baumgartner, et al., 2010). No passado, diversos empreendimentos não mantinham vazão nesta parte do rio impossibilitando diversos organismos de viverem lá. Em muitos casos, em períodos de elevada fluviosidade, o TVR tem sido utilizado para receber as águas de vertimento (não utilizadas para geração), o que proporciona momentos com elevada disponibilidade de água e condições ótimas para a existência dos organismos e outros com ausência de fluxo e impossibilidade de vida aquática (Baumgartner, et al., 2010). Com o intuito de reduzir esses efeitos sobre tais trechos, tem sido sugerida a manutenção de uma vazão ecológica, a qual busca manter a qualidade das águas e a possibilidade de existência de peixes e outros organismos. Além do fator ecológico, outro não de menor importância é o cênico, pois em muitos casos a vazão ecológica permitirá a manutenção de quedas e cachoeiras (Baumgartner, et al., 2010). 19 Tabela 1 – Modalidades de controle da pesca, associadas à proteção dos estoques. Modificado de Agostinho et al. (2007). Tipo Características Situação apropriada Considerações Interdição temporal Proibição da atividade durante os períodos críticos (época de desova, sobrepesca, migração entre outros). Deve ser implantada quando verificada depleção dos estoques por recrutamento ou crescimento. Somente deve ser implantada quando o monitoramento indicar depleção dos estoques por recrutamento ou crescimento, sempre com base em informações acerca do ciclo reprodutivo (período de desova). Interdição espacial Proibição da pesca em locais onde os estoques são vulneráveis. Devem ser implantadas à jusante de barragens, cachoeiras, próximo a mecanismos de transposição ou a áreas de desova. Requer conhecimento dos locais e espécies vulneráveis e de seus ciclos reprodutivos. Interdição de aparelhos de pesca Proibição do uso de determinados aparelhos ou técnicas de pesca Recomendado somente quando o estoque está deplecionado. Requer monitoramento da pesca e dos estoques, bem como conhecimento da seletividade dos aparelhos de pesca. Controle do tamanho do pescado Proibição da captura de determinados tamanhos de peixes Recomendado quando os estoques estão em sobrepesca ou recrutamento baixo. Requer conhecimento da situação dos estoques, do ciclo de vida das espécies, e dos efeitos da pesca sobre os estoques. Controle do esforço de pesca Restrição ao número de pescadores ou aos aparelhos de pesca Recomendado em caso de depleção da pesca. Requer monitoramento dos estoques e das atividades pesqueiras. 20 Em outros empreendimentos, a manutenção de uma vazão ecológica tem sido motivada pelos fatores: (a) preservação da mobilidade da ictiofauna e piracema; (b) navegação, abastecimento de água e irrigação; (c) o lazer (pesca, balneabilidade, esportes náuticos); (d) sustentação de outros empreendimentos hidroelétricos menores; (e) manutenção de conexões rio-planície de inundação; (f) atratividade para mecanismos de transposição; e (g) manutenção de espécies raras ou endêmicas. De forma geral, a vazão ecológica e seu manejo têm sido determinados por métodosmatemáticos, sendo desconsideradas informações sobre a biota local. Devido à complexidade na obtenção de informações que possam proporcionar predições precisas sobre a fauna aquática este fator normalmente tem sido excluído nas modelagens para o manejo do trecho de vazões reduzidas (Baumgartner, et al., 2010). Para Baumgartner (2010), os mecanismos reguladores da assembleia são fortemente afetados pela forma de operação do sistema barragem-reservatório, induzindo a comportamentos diferentes da ictiofauna em função da estratégia de operação, destacando-se ainda, a necessidade de incorporar a fauna aquática em qualquer estratégia de manejo. A consideração de características da fauna aquática poderá determinar as vazões utilizadas no TVR e poderão prevenir os possíveis impactos daquele setor. Para de Paulo (2007), os principais impactos esperados em um TVR são: (a) perdas de habitat lóticos; (b) perdas de recursos alimentares típicos de ambientes lóticos (fauna bentônica); (c) atração de peixes no período de vertimento; (d) aprisionamento de peixes após interrompido o vertimento; (e) possibilidade de concentração de pescadores pela facilidade de captura nesse locais; (f) alterações de cenários com perdas de belezas cênicas como cachoeiras; (g) perdas de qualidade das águas, quando da sua estagnação; e (h) possibilidade de rebaixamento do lençol freático. Para empreendimentos com TVRs de grandes dimensões aquele autor ainda destaca que poderia ocorrer impactos como: (a) possibilidade de intercomunicação de propriedades, pastos e pastagens; (b) extinção de bebedouros e acessos de animais a água; (c) alterações de atividades de pesca e recreação; (d) alterações em outras atividades como irrigação, abastecimento e extração de minérios na região do TVR; e (e) possibilidade de 21 ocorrência de acidentes com pessoas e animais surpreendidos pelo vertimento (Baumgartner, et al., 2010). Para ANA (2004) os recursos hídricos são bens de domínio público e escasso, cuja gestão deve ser conduzida de forma integrada, participativa e articulada entre os gestores e usuários, para que sejam asseguradas condições quantitativas e qualitativas adequadas de fornecimento de água para as atuais e futuras gerações. Deste modo, para o completo atendimento de todas as prerrogativas do uso da água, o plano de manejo da vazão ecológica deve ser realizado pautado em um diagnóstico da situação antes da implantação do empreendimento, com vistas para o balanço entre disponibilidades e demandas futuras de vazões, as quais gerarão prognóstico das quantidades e da qualidade do ambiente aquático a ser manejado. Tal prognóstico, associado às informações bióticas é o primeiro passo no sentido do sucesso do manejo ao novo ecossistema (Baumgartner, et al., 2010). 6. MANEJO PARA A PRESERVAÇÃO DOS RECURSOS PESQUEIROS NA ÁREA DE INFLUÊNCIA DA UHE SÃO DOMINGOS 6.1 MANUTENÇÃO DAS ROTAS MIGRATÓRIAS 6.1.1 Mecanismo de transposição Com a construção da barragem da UHE São Domingos, o rio Verde sofreu diversos impactos sobre a ictiofauna decorrentes da construção do empreendimento, entre eles o impedimento das rotas migratórias de algumas espécies. Durante os dois anos de pré-enchimento (novembro de 2010 a agosto de 2012) e dois de pós-enchimento (novembro de 2012 a julho de 2014) de monitoramento realizado na área de influência da UHE São Domingos, ficou evidente que a cachoeira Branca funcionava como barreira física (obstáculo) para a movimentação ascendente de algumas espécies de peixes, como os Siluriformes (peixes de couro), que apresentaram espécies somente capturadas a jusante da cachoeira Branca. Para esta ordem (Siluriformes), foram capturados 162 indivíduos de espécies migradoras no pré-enchimento e 26 no pós-enchimento. Dos 162 indivíduos capturados no 22 período de pré-enchimento, 145 indivíduos (H. platyrhynchos n=62, P. corruscans n=52, P. granulosus n=14, P. maculatus n=6, P. ornatus n=6 e S. lima n=5) foram coletados a jusante da cachoeira Branca. Durante o período de pós-enchimento, 26 indivíduos de espécies migradoras de couro foram coletados na área em estudo, e apenas nove foram capturados a montante do barramento (área do reservatório) (P. ornatus = 1 expl. no ponto 2, P. maculatus = 1 expl. no ponto 1, P. heraldoi = 5 expls. no ponto 2, P. corruscans = 2 expls. no ponto 14). Esses resultados demonstram a seletividade na ascendência das espécies migradoras que a Cachoeira Branca exerce principalmente sobre as espécies da ordem Siluriformes (Figura 5 e 6). Assim como no plano de manejo preliminar, onde a ordem dos Characiformes predominou na fase de pré-enchimento com as espécies L. friderici (n= 821 na jusante da cachoeira Branca, n=569 na montante da cachoeira Branca e n=796 nos tributários), L. elongatus (n=318 na jusante da cachoeira Branca, n=210 na montante da cachoeira Branca e n=79 nos tributários) e S. brasiliensis (n=88 na jusante da cachoeira Branca, n=115 na montante da cachoeira branca e n=120 nos tributários), também, ocorreu no período de pós- enchimento com as espécies L. elongatus (n= 61 na jusante da Cachoeira Branca, n=64 no reservatório e n= 113 nos tributários), L. friderici (n= 8 na jusante da Cachoeira Branca, n=19 no reservatório e n= 28 nos tributários), L. obtusidens (n= 21 na jusante da Cachoeira Branca, n=17 no reservatório e n= 9 nos tributários), S. brasiliensis (n= 0 na jusante da Cachoeira Branca, n=4 no reservatório e n=10 nos tributários) e S. hilarii (n= 0 na jusante da Cachoeira Branca, n=1 no reservatório e n=8 nos tributários) nas 3 microrregiões estudadas. Nota-se que as espécies migradoras da ordem Characiformes distribuem-se nas 3 microrregiões, evidenciando principalmente que as espécies desta ordem transpõem a cachoeira, possivelmente em época de cheia, utilizando a montante da cachoeira e tributários como rotas migratórias para a reprodução. Vale destacar a grande captura da espécie L. friderici, que mesmo sendo uma espécie não migradora ou migradora de curta distância, com fecundação externa e sem cuidado parental (Suzuki et. al, 2002), é uma espécie muito explorada na pesca amadora, profissional e de subsistência, devido a qualidade da sua carne. No momento, para a manutenção das rotas migratórias na UHE São Domingos, as espécies migradoras de longa distância de Characiformes estão sendo capturadas a jusante da Cachoeira Branca e soltas no reservatório. 23 Figura 5 - Número total de indivíduos das 15 espécies migradoras e de interesse comercial para as 3 (três) microrregiões (JCB = jusante da cachoeira Branca; MCB = montante da cachoeira Branca e Tributários = Tributários São Domingos e Araras) na área de influência da UHE São Domingos, durante o período de pré-enchimento (novembro de 2010 a agosto de 2012). Barras azuis – Characiformes, barras cinzas – Siluriformes. 0 200 400 600 800 1000 P. lineatus R. vulpinus S. brasiliensis S. hilarii S. marginatus B. orbignyanus L. cf. obtusidens L. elongatus L. friderici H. platyrhynchos P. corruscans P. granulosus P. maculatus P. ornatus S. lima 0 200 400 600 800 1000 P. lineatus R. vulpinus S. brasiliensis S. hilarii S. marginatus B. orbignyanus L. cf. obtusidens L. elongatus L. friderici H. platyrhynchos P. corruscans P. granulosus P. maculatus P. ornatus S. lima MCB 0 200 400 600 800 1000 P. lineatus R. vulpinus S. brasiliensis S. hilarii S. marginatus B. orbignyanus L. cf. obtusidens L. elongatus L. friderici H. platyrhynchos P. corruscans P. granulosus P. maculatus P. ornatus S. lima Nº de indivíduos JCB TRI 24Figura 6 - Número total de indivíduos das 15 espécies migradoras e de interesse comercial para as 3 (três) microrregiões (JCB = jusante da cachoeira Branca; RES = Reservatório e TRI = Tributários São Domingos e Araras) na área de influência da UHE São Domingos, durante o período pós-enchimento (novembro de 2012 a julho de 2014). Barras azuis – Characiformes, barras cinzas – Siluriformes. Conforme os gráficos contidos nas Figuras 5 e 6, onde estão representados o número de indivíduos migradores e interesse comercial capturados durante o período de pré e pós-enchimento nas três microrregiões, o número de indivíduos de 15 espécies em estudo diminuiu entre 2012 e 2014. A diminuição ocorreu principalmente entre os Characiformes, como observado em L. friderici (pré: n= 821 a JCB, n=569 a MCB e n=796 nos TRI; Pós: n= 13 a JCB, n=19 no RES e n= 28 nos TRI), L. elongatus (pré: n= 318 a JCB, n=210 a MCB e n=79 nos TRI; Pós: n= 76 a JCB, n=69 no RES e n= 113 nos TRI), S. brasiliensis (pré: n= 88 a JCB, n=115 a MCB e n=120 nos TRI; Pós: n= 0 a JCB, n=4 no RES e n= 10 nos TRI). Conforme já mencionado, somente os representantes de Characiformes, principalmente os migradores de longa distância, ultrapassam a cachoeira Branca, pois, não conseguem transpor o barramento justificando a diminuição no número de exemplares desta Ordem no reservatório e tributários. Porém, abaixo da cachoeira Branca o número de exemplares capturados não corresponde à metodologia utilizada, considerando que o esforço amostral foi o mesmo em ambos os períodos (pré e pós-enchimento) como especificado na metodologia apresentada pela equipe de Toledo (2012) e na especificação técnica (2012). Esta conclusão é confirmada pelo número de exemplares capturados durante a transposição de algumas espécies alvos durante o período de 2012 e 2014 (Fonte: Relatório conclusivo da Transposição de peixes da UHE São Domingos – MS 2012/2013 e 2013/2014) abaixo da 25 Cachoeira Branca, como exemplo: L. obtusidens = 8034 expls., P. lineatus = 1887 expls., L. elongatus = 753 expls. , B. orbgnyanus = 72 expls e S. brasiliensis = 530 expls. A partir dos dados apresentados é concluído que o barramento da UHE São Domingos tem grande influência no número de exemplares das espécies consideradas migradoras de longa distância à montante do barramento. Analisando os dados de pré-enchimento percebemos que o elevado número de exemplares nesses pontos é corroborado pela captura de grande número de indivíduos de peixes de pequeno porte com o uso do picaré (rede litorânea), como exemplo: Bryconamericus stramineus (3.578 expls.), Bryconamericus sp. 1 (1.660 expls.), Knodus moenkhausii (414 expls.) e Piabina argentea (1.030 expls.). Dessa forma, conclui-se que o esforço amostral justifica o número de indivíduos abaixo da cachoeira Branca, isto é, o uso excessivo de lances de tarrafas e do uso de anzol com molinetes para a captura de grande migradores justifica os valores durante o programa de transposição (L. obtusidens = 8034 expls., P. lineatus = 1887 expls., L. elongatus = 753 expls. B. orbgnyanus = 72 expls e S. brasiliensis = 96 expls.). Por outro lado, o baixo uso do picaré abaixo da cachoeira Branca justifica a baixa captura de indivíduos de espécies de peixes de pequeno porte (lambaris no geral). Das 124 espécies de peixes registradas durante o pré-enchimento 23 espécies são capturadas apenas com o uso do picaré (rede litorânea) ou puçá. Com a facilidade de captura de peixes migradores abaixo da Cachoeira Branca é sugerido uma fiscalização rígida nesta área, principalmente, durante os meses de piracema que se estende de novembro a março (Baumgartner, et. al., 2010). Em muitas circunstâncias, com a formação do reservatório, a própria fisiografia do rio estabelece barreiras a algumas espécies, como é o caso da cachoeira Branca. Deste modo, a implantação de um tipo qualquer de mecanismo de transposição sem seletividade promoveria a subida de espécies de peixes em proporções diferentes daquela ocorrida naturalmente antes do barramento. A transposição aleatória e desordenada de peixes para o novo ambiente (reservatório) pode promover o deplecionamento dos estoques de jusante e desequilíbrio nas relações inter e intra-específicas de montante, tornando-se o sistema de transposição uma ferramenta ineficiente para as finalidades pretendidas (Baumgartner, et al., 2010). 26 Com isso, entendemos que o mecanismo a ser implantado nesse e em outros empreendimentos nesta bacia hidrográfica deve promover a seletividade das espécies, bem como das quantidades de peixes que serão transpostos. Essas informações deverão ser definidas em função das proporções da ictiofauna observadas antes e após o barramento do rio em regiões de montante e jusante. As espécies e proporções de peixes a serem transpostas poderão apresentar alterações de ano a ano, pois será função dos resultados observados pelo monitoramento da ictiofauna após a formação do reservatório, em comparação com o período pré-represamento, indicar quais espécies estarão com os estoques deplecionados e em que proporção estes deverão ser transferidos (Baumgartner, et al., 2010). Com base nos resultados obtidos durante o pré e pós-enchimento foi concluído que houve depleção, principalmente entre os Characiformes, acima do barramento, área do reservatório e tributários, conforme já mencionado. Desta forma indicamos a transposição das seguintes espécies e suas proporções: a piracanjuba (Brycon orbygnianus – 50%), o piau-três- pintas (L. friderici - 50%), a piapara (L. elongatus - 25%), o piau (L. obtusidens - 50%), a curimba (P. lineatus - 50%), o dourado (S. brasiliensis - 50%) e a tabarana (S. hilarii - 50%). Essas porcentagens deverão ser mantidas por dois motivos: a) Não existe na UHE São Domingos vertedouros por onde estas espécies possam retornar com segurança após a reprodução; b) manter os estoques dessas espécies a jusante do barramento. Apesar da cachorra (Rhaphiodon vulpinnus) ser citada no programa de transposição, não é indicada a transposição dessa espécie por ser considerada uma espécie piscívora e voraz, que estando em um ambiente lêntico, propício a ela, poderá causar danos futuros a comunidade de peixes residente do lago, e pela ausência de captura da mesma a montante da cachoeira Branca, conforme os resultados apresentados durante o pré- enchimento. Para atender a este tipo de transposição foi instalada a jusante da cachoeira Branca o STP (Sistema de Transposição de Peixes) do tipo seletivo de peixes, evitando a transposição das espécies de couro (Siluriformes). Este mecanismo contém tanques para seleção de quantos e quais exemplares continuarão suas rotas migratórias e caminhão de transporte para liberação dos exemplares em locais que ofereçam melhores condições para continuar seu percurso livre dos riscos de predação. Esse mecanismo, associado ao monitoramento da ictiofauna no 27 reservatório, montante, jusante e tributários, poderá ser ferramenta valiosa na manutenção das espécies migradoras na área de influência da UHE São Domingos. 6.1.2 Importância dos tributários (rio São Domingos e ribeirão Araras) Os dois tributários (rio São Domingos e ribeirão Araras) atingidos pelo reservatório da UHE São Domingos exercem papel fundamental na assembleia de peixes daquela região, onde agrupados representaram 31,3% (26,01% rio São Domingos e 5,3% ribeirão Araras) dos indivíduos (espécies migradoras e de interesse comercial) no período de pré-enchimento e 46% no período de pós-enchimento, onde 22% destas foram capturadas no rio São Domingos e 24% no Ribeirão Araras, sendo que algumas espécies foram capturadasem ambos os tributários (Figuras 7 e 8). Estes resultados demonstram a importância dos tributários para o reservatório da UHE São Domingos e a preservação de porções lóticas (acima do reservatório). Elas serão responsáveis pela diversidade original da bacia hidrográfica estudada, podendo ser usado como hábitat de reprodução, crescimento e alimentação, principalmente em sua porção superior, para a manutenção das espécies reofílicas e da diversidade da ictiofauna do reservatório (Hoffmann et al., 2005). Figura 7 - Frequência de indivíduos de espécies migradoras e de interesse comercial para 4 (quatro) microrregiões (JCB = abaixo cachoeira Branca; MCB = acima cachoeira Branca; SDO = rio São Domingos e ARA = ribeirão Araras) na área de influência da UHE São Domingos, durante o período de novembro de 2010 a agosto de 2012. 28 Figura 8 - Frequência de indivíduos de espécies migradoras e de interesse comercial para 4 (quatro) microrregiões (JCB = abaixo cachoeira Branca; RES = reservatório; SDO = rio São Domingos e ARA = ribeirão Araras) na área de influência da UHE São Domingos, durante o período de novembro de 2012 a outubro de 2014. 6.2 ÁREAS PRIORITÁRIAS PARA MANUTENÇÃO DA ATIVIDADE REPRODUTIVA 6.2.1 Preservação de áreas de desova e manutenção de paliteiros De forma geral, esse item tem sido negligenciado por empresas e órgãos vinculados a preservação ambiental. A proteção de áreas prioritárias para que os peixes realizem a desova e onde seus indivíduos possam realizar o desenvolvimento inicial é pouco considerada como ação de manejo, principalmente quando da formação de reservatórios. Atividades como a manutenção de rotas migratórias, passam a ter pouco valor quando os exemplares transpõem, e não encontram regiões propícias para se reproduzir. Mesmo quando reproduzem, se as condições para eclosão e desenvolvimento inicial não forem favoráveis, a manutenção das rotas (transposição manual ou por meio de estruturas físicas para a transposição) será inócua. No caso dos exemplares que desovam dentro do reservatório, se a espécie apresentar ovos mais densos que a água, eles irão atingir regiões profundas onde as características da água provavelmente dificultarão a eclosão, impedindo o sucesso reprodutivo (Baumgartner, et al., 2010). Para os grandes migradores a manutenção de áreas com água corrente, bem oxigenada, parece ser fundamental para o sucesso reprodutivo, bem como a manutenção de vegetação marginal e o impedimento da pesca nessas regiões. 29 Outras espécies utilizam a região alagada para a reprodução, sendo que a maioria delas apresenta ovos adesivos e/ou capacidade de desovar em substratos. Para esses casos a remoção prévia da vegetação a ser inundada não é indicada, devido à redução dos substratos necessários para a desova. No caso da UHE São Domingos, a manutenção de parte da vegetação dentro da área do reservatório pode ser considerada benéfica à fauna íctica. Os resultados finais do monitoramento da atividade reprodutiva demonstram atividade reprodutiva em todos os pontos de amostragem, onde as espécies de peixes migradores e de interesse comercial conseguem desenvolver todo o ciclo reprodutivo dentro desta bacia hidrográfica (Figuras 09 e 10). Merece destaque a grande quantidade de indivíduos capturados a jusante da cachoeira Branca com gônadas em reprodução. O elevado número de exemplares em repouso nos pontos P11 e P12 localizados no rio São Domingos, merece atenção, pois possivelmente existam áreas de desova acima desses pontos, ou seja, o rio São Domingos serve como rota migratória para peixes migradores que vão desovar a montante. Figura 9 - Número total de indivíduos e variação espacial da frequência dos estádios de maturação gonadal (Imt=imaturo; Mat=maturação; Rpd=reprodução; Esg=esgotado; Rep=repouso) das espécies migradoras e de interesse comercial para a área de influência da UHE São Domingos (JCB = abaixo cachoeira Branca; MCB = acima cachoeira Branca; TRI=tributários), durante o período de novembro de 2010 e agosto de 2012. 0 100 200 300 400 P02 P01 P14 P03 P13 P04 P08 P10 P11 P12 N º d e in di ví du os Imt Mat Rpd Esg Rep MCB JCB TRI 0% 25% 50% 75% 100% P02 P01 P14 P03 P13 P04 P08 P10 P11 P12 Imt Mat Rpd Esg Rep MCB JCB TRI 30 Figura 10 - Número total de fêmeas e variação espacial da frequência dos estádios de maturação gonadal (Imt=imaturo; Mat=maturação; Rpd=reprodução (madura + semi-esgotada); Rep=repouso)) das espécies migradoras e de interesse comercial para a área de influência da UHE São Domingos (JCB = abaixo cachoeira Branca; MCB=montante cachoeira branca no reservatório; TRI=tributários), durante o período de novembro de 2012 e outubro de 2014. As amostragens de ovos e larvas de peixes durante os dois primeiros anos de monitoramento (novembro de 2010 a fevereiro de 2012) na área de influência da UHE São Domingos (Figura 11) demonstraram comportamento semelhante do plano de manejo preliminar com as maiores atividades reprodutivas a jusante da Cachoeira Branca, maiores densidades de ovos, larvas e jovens de peixes nesta microrregião, principalmente no ponto P03 com elevada densidade de ovos. Nos demais locais de coleta, pode-se destacar a porção a montante da Cachoeira Branca, no ponto P15 e nos tributários, no ponto P12, revelando também a utilização das outras microrregiões como locais propícios às atividades reprodutivas, indicando que os exemplares ao passarem pela Cachoeira Branca, dirigem-se aos tributários ou suas proximidades para efetivarem suas desovas. Estes resultados indicam que os tributários exercerão importante papel para a manutenção da atividade reprodutiva daquela região, e que localidades próximas aos pontos supracitados devem ser prioritárias para investimentos de preservação (Baumgartner, et al., 2010). A jusante da cachoeira Branca pode ser considerada como local de desova, principalmente nos pontos P04 e P03, onde foram coletados ovos em fases iniciais (segmentação e blastulação), pertencentes à família Anostomidae, o que indica a atividade reprodutiva das espécies dessa família nesses locais durante o período analisado (Baumgartner, et al., 2010). A determinação exata dos locais de desova em um corpo hídrico é um dos principais desafios na avaliação da comunidade íctica da bacia hidrográfica, sendo necessárias 31 avaliações dos estágios de desenvolvimento dos ovos (segmentação, blastulação ou gastrulação), das larvas (flexão da notocorda e presença de nadadeira) (Nakatani et al., 2001; Reynalte-Tataje et al., 2008) e da dinâmica do fluxo da água. Para Bonetto & Castello (1985) os peixes não necessitam alcançar as cabeceiras dos rios, ou seja, eles migram acima até alcançar locais apropriados para a desova. Figura 11 – Densidade de ovos (A), larvas (B) e jovens (c) capturadas nos diferentes pontos de amostragens da área de influência UHE São Domingos, entre os meses de novembro de 2010 e fevereiro de 2012. Entre novembro de 2012 a maio de 2014 foram capturados no total 29 indivíduos nas 14 campanhas de amostragem. Somente três indivíduos são de espécies migradoras, todas as outras pertencem à fauna residente. O estágio ontogenético que ocorreu em maior abundância foi o de ovos (n=9) na coleta de Dezembro 2012 (Schulz, 2013). As campanhas mensais durante e depois da época de reprodução 2012/13 e 2013/2014 mostraram uma ocorrência muito reduzida de ictioplâncton. Baumgartner et al. (2012) capturaram 9.093 indivíduos da categoria de ictioplâncton entre outubro 2011 e fevereiro 2012. A captura foi composta na maioria por larvas (62,8%)seguidas por ovos (37,0%). Juvenis e adultos somaram apenas 0,2% da abundância relativa. A maior abundância de ictioplâncton ocorreu nos pontos de amostragem a jusante da Cachoeira Branca, como no estudo atual de 2012/14. Baumgartner et al. (2012) capturaram seis espécies migratórias: Brycon orbignyanus, Salminus hilarii, Salminus brasiliensis, Leporinus elongatus, Hemisorubim platyrhynchus e Pseudoplatystoma corruscans. Todas estas espécies foram encontradas em estágio avançado de maturação. Supostamente todas MCB JCB T Microrregiões 0,0 25,0 50,0 75,0 100,0 125,0 O rg an is m os /1 0m 3 A Ovos Larvas Jovens/Adultos P1 4 P0 1 P1 5 P0 2 P1 3 P0 4 P0 3 P1 0 P1 1 P1 2 P0 8 Ponto 0,0 25,0 50,0 75,0 100,0 125,0 O rg an is m os /1 0m 3 BJCBMBC T 32 estão se reproduzindo na área da influência da barragem, porém, jusante da cachoeira Branca, local da barragem. Somente entre 2012 e 2013 foram capturadas larvas de espécies migratórias (P. lineatus) a montante da barragem, próximo ao ponto 10. Como esta espécie é típica de ambientes lóticos, supõe-se que sua área de reprodução seja a montante deste ponto, fora da área do reservatório. Outro aspecto importante a destacar é o fato de que dos 9 pontos situados a montante do barramento, somente 1 destes está fora da área do reservatório. Com isso os pontos antes situados em ambiente lótico tiveram suas características alteradas para ambiente lêntico. Espécies que anteriormente se reproduziam neste local tendem a buscar locais a montante onde as características do rio foram mantidas e se assemelham as características do rio verde antes do enchimento do reservatório. Este aspecto pode ter contribuído também para a significativa redução das capturas de ictioplâncton após a formação do reservatório nos pontos monitorados. O resultado encontrado durante as 14 campanhas de monitoramento apresentou uma baixa atividade reprodutiva de peixes migratórios à montante da barragem. Para as próximas campanhas recomenda-se manter a manutenção das amostragens noturnas descritas em Baumgartner et al. (2012). Outros estudos também mostram a maior densidade de ictioplâncton em amostragens noturnas. Hermes-Silva et al. (2009) encontraram as maiores densidades de ictioplâncton no rio Uruguai as 21.00 e as 03.00 horas da madrugada. Recomenda-se ainda que sejam implantados novos pontos de monitoramento de ictioplâncton situados a montante do reservatório, tanto no rio verde, como nos tributários, são domingos e arroio Araras de forma a monitorar ambientes lóticos sem interferência do reservatório. 6.3 ÁREAS PRIORITÁRIAS BASEADAS NA ALIMENTAÇÃO E CRESCIMENTO 6.3.1 Manutenção de paliteiros (vegetação arbórea a ser alagada) Com base nos resultados amostrais, foi possível observar 8 guildas tróficas na área de influência de UHE São Domingos, sendo em sua maioria com hábito alimentar herbívoro, insetívoro e piscívoro durante o período pré-enchimento (Figura 12) e de hábito onívoro, piscívoro e insetívoro terrestre no período pós-enchimento (Figura 13), e que a grande maioria dos recursos consumidos naquela região é de origem alóctone (Figura 14). 33 Tais resultados destacam a importância da vegetação marginal para manutenção da atividade alimentar das espécies. A alteração do ambiente terrestre em aquático propicia uma grande entrada de material de origem terrestre durante o enchimento, principalmente de vegetais e invertebrados, que se tornam recursos alimentares importantes para os peixes (Crippa & Hahn, 2006; Hahn & Fugi, 2007). A manutenção de parte da vegetação da área do reservatório da UHE São Domingos foi benéfica para manter a variabilidade de ambientes na área do reservatório propiciando à guilda trófica ambientes variados para reprodução e alimentação. Após dois anos de monitoramento pós-enchimento a principal alteração constatada foi a redução das espécies herbívoras, que passou de 34% para 9% dos indivíduos capturados. Os gráficos abaixo demonstram que na fase pré-enchimento a composição da guilda trófica era formada por 55% de animais herbívoros e piscívoros e após o enchimento esta proporção caiu para 28%, com um aumento dos insetívoros que passaram de 18% para 37% considerando insetívoros aquáticos e terrestres. Figura 12 - Percentual de guildas tróficas para as espécies de peixes analisadas na área de influência do futuro reservatório de São Domingos no período de novembro de 2010 a agosto de 2012. 34 Figura 13 - Percentual de guildas tróficas para as espécies de peixes analisadas na área de influência do futuro reservatório de São Domingos no período de novembro de 2012 a julho de 2014. Figura 14. Origem dos itens alimentares consumidos pelas espécies analisadas na área de influência do futuro reservatório de São Domingos. Outros estudos têm evidenciado que além de aumentar a produtividade biológica com o aumento das áreas com paliteiros, essa vegetação proporciona estrutura física adequada à instalação e proteção de diversos organismos, com impacto positivo sobre o sucesso reprodutivo, crescimento, sobrevivência de juvenis e recrutamento de novos indivíduos aos estoques pesqueiros (Antônio et al., 2005). Além disso, nesses locais a predação pode ocorrer 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 alóctone/autóctone alóctone autóctone % 35 com menor intensidade, pois a presença de habitats mais estruturados pode influenciar a eficiência de predação de alguns piscívoros (Willey et al., 1984; Durocher et al., 1984; Dibble, 1984). Como citado anteriormente, os paliteiros tem um papel importante no controle da erosão, atenuando a ação de ondas sobre a margem e o aumento do material particulado em suspensão, o que reflete sobre a capacidade biogênica do ambiente (Agostinho et al., 2007). 6.4 MANUTENÇÃO DA VARIABILIDADE GENÉTICA DOS ESTOQUES EM RISCO DE EXTINÇÃO 6.4.1 Estocagem Os resultados amostrais indicam que as espécies analisadas apresentaram boa variabilidade genética, não sendo indicada na atualidade a adoção da prática de estocagem para a maioria das espécies. No entanto, futuramente, talvez seja prudente avaliar a necessidade do desenvolvimento de tecnologia para a reprodução e criopreservação de embriões de algumas espécies consideradas em risco de extinção, a exemplo da piracanjuba (Brycon orbignyanus) e o pacu-peva (Myleus tiete), que constam na lista de espécies ameaçadas de extinção. Este procedimento deverá ser realizado em parceria com instituição de pesquisa que se dedique única e exclusivamente à criação de peixes para a estocagem, tendo em vista a necessidade de manutenção da variabilidade genética. Para as outras espécies, caso seja observada a redução dos estoques, recomenda-se análises periódicas para a verificação da condição genética, por exemplo, através de análises de DNA, para se estabelecer a necessidade de transposição ou estocagem (Baumgartner, et al., 2010). 6.5 INTRODUÇÃO DE ESPÉCIES NÃO‐NATIVAS 6.5.1 Ações preventivas A introdução de espécies não nativas pode comprometer as demais ações de manejo a serem realizadas, com isso se propõem algumas ações para evitar esta prática tão deletéria ao ambiente aquático. Para evitar essa prática, os órgãos ambientais devem: (i) coibir a prática de estocagem (repovoamentos) com espécies não-nativas; (ii) cadastrar aquiculturas de tanques escavados e/ou tanques rede, quando da sua existência, (iii) avaliar e orientar processos de 36 implantação de aquiculturas; (iv) coibir o uso de iscas vivas origináriasde outras bacias hidrográficas e, (v) conscientizar a população afeta sobre os riscos que a introdução de espécies não-nativas pode produzir. Vale ressaltar a captura durante o monitoramento de pré e pós-enchimento das espécies não nativas Cichla kelberi (n=9), Cichla piquiti (n=1) e Tilapia rendalli (n=1) na área do reservatório da UHE São Domingos. Estas espécies são preocupantes do ponto de vista ecológico, pois esses ciclídeos têm causado grandes prejuízos ecológicos em reservatórios brasileiros. No sentido de controlar e/ou evitar a introdução de espécies não-nativas, por usuários da bacia, se sugere a realização de um trabalho de educação ambiental na região, conscientizando a comunidade ribeirinha dos prejuízos ecológicos que estas espécies causarão ao ambiente. 37 Figura 15 – Em destaque as áreas prioritárias para manutenção da vegetação submersa e conservação da área de preservação permanente. 38 6.6 MANEJO DA PESCA 6.6.1 Interdição temporal Esta prática vem sendo realizada e consiste em proibir a atividade pesqueira durante o período de desova, principalmente nos meses quentes (outubro a fevereiro) e de época de cheias, assegurando assim, a reprodução suficiente que sustente os estoques, evitando que os mesmos sejam explorados nos períodos em que se encontram mais vulneráveis a pesca (formação de cardumes para reprodução) (Agostinho et al., 2007). No entanto, com as informações geradas durante o período estudado, não é possível identificar os estoques que estão em sobrepesca ou deplecionados. Para identificação dos estoques em sobrepesca são necessários estudos de desembarque pesqueiros (estatística pesqueira), sendo os estoques deplecionados identificados a partir de alguns anos consecutivos de monitoramento, quando o baixo número de indivíduos não represente somente a variabilidade sazonal natural de uma população. Portanto, é sugerida a manutenção preventiva da interdição temporal, obedecendo aos meses de maior atividade reprodutiva, sendo que durante os quatro anos de monitoramento a atividade reprodutiva foi mais intensa de novembro a março e de outubro a fevereiro (Figuras 16 e 17). Nota-se que as duas etapas analisadas iniciam-se com intensa atividade reprodutiva, dando indícios que os meses anteriores podem indicar elevada atividade reprodutiva também. 39 Figura 16 - Variação temporal da frequência dos estádios de maturação gonadal (Imt=imaturo; Mat=maturação; Rpd=reprodução; Esg=esgotado; Rep=repouso) das espécies migradoras e de interesse comercial para a área de influência da UHE São Domingos, durante o período de novembro de 2010 e agosto de 2012. Figura 17 - Variação temporal da frequência dos estádios de maturação gonadal de fêmeas (Imt=imaturo; Mat=maturação; Rpd=reprodução (madura + semi-esgotada); Rep=repouso)) das espécies migradoras e de interesse comercial para a área de influência da UHE São Domingos, durante o período de novembro de 2012 e julho de 2014. 0% 25% 50% 75% 100% Imt Mat Rpd Esg Rep etapa I etapa II 40 6.6.2 Interdição espacial Os resultados amostrais indicam como áreas prioritárias para preservação da fauna aquática, as regiões abaixo da cachoeira Branca (pelo menos 1500 metros) e os tributários São Domingos e Araras (incluindo os trechos inundados dos tributários com a formação do reservatório). Este tipo de interdição deve ocorrer em locais onde as populações de peixes são vulneráveis à sobrepesca (jusante de barragens, corredeiras, mecanismos de transposição), onde há elevada captura de imaturos (áreas de várzea, lagoas marginais) ou em áreas de reprodução coletiva (áreas de desova, cachoeira) (Agostinho et al., 2007). 6.6.3 Interdição de aparelhos De acordo com a Lei estadual no 3.886, de 28 de abril de 2010, na atualidade são estabelecidas 4 modalidades de pesca, sendo para elas liberada determinados petrechos (IMASUL, 2011). As modalidades previstas em lei são: (i) Pesca comercial; (ii) Pesca amadora; (iii) Pesca de subsistência, e (iv) Pesca para pesquisa científica. Na pesca amadora do estado do Mato Grosso do Sul são permitidos os seguintes petrechos de pesca e insumos: (i) linha de mão, puçá, caniço simples, anzóis simples, vara com carretilha ou molinete; (ii) isca natural, isca artificial e isca viva autóctone (nativa da bacia). Na pesca comercial são permitidos os seguintes petrechos de pesca e insumos para captura de peixes destinados ao consumo alimentar: (i) linha de mão, caniço simples, molinete, carretilha, joão-bobo (bóia com um anzol), bóia fixa ou cavalinho, anzol de galho (aquele fixado em vegetação da mata ciliar ou em estacas afixadas no barranco); (ii) isca natural, isca artificial e isca viva autóctone (nativa da bacia). Em ambas as modalidades são permitidas o uso de ganchos ou “bicheiros” para auxiliar no embarque dos exemplares capturados. Para a captura das iscas vivas é permitido o uso de: (i) caniço simples; (ii) linha de mão; (iii) tarrafa com altura máxima de 2,0 m; malha mínima de 20 mm e máxima de 50 mm, confeccionada com linha de náilon monofilamento com espessura máxima de 0,5 mm; (iv) peneira ou quadro com tela com dimensões de até 2,20 m de comprimento e 1,20 m de largura; (v) jiqui ou covo: petrecho com até 1,50 m de comprimento e até 70 cm de diâmetro, revestido com tela, tendo em uma das extremidades uma estrutura em formato de funil com abertura de até 6 cm de diâmetro voltada para dentro 41 do petrecho, sendo a outra extremidade utilizada para despesca; (vi) minicovo: lata ou tubo plástico com até 10 cm de diâmetro e 60 cm de comprimento, onde numa extremidade há um funil acoplado com uma abertura máxima de até 3,0 cm na sua extremidade menor. Para reservatórios esta mesma lei versa em seu Art. 11 o seguinte texto: É permitido nos reservatórios provenientes de empreendimentos hidroelétricos, exceto as Pequenas Centrais Hidroelétricas (PCHs), para a pesca comercial, o uso dos seguintes petrechos: I - rede de emalhar com malha igual ou superior a 80 mm (oitenta milímetros), com o máximo de 100 m (cem metros) de comprimento, instaladas a uma distância mínima de 300 m (trezentos metros) uma da outra, independentemente do proprietário, e identificada com plaqueta contendo nome e número da AAPC; II - tarrafa com, no máximo 2,50 m (dois metros e meio), com malha igual ou superior a 70 mm (setenta milímetros); III - duas redes para captura de isca, por pescador, com até 2 m (dois metros) de altura e até 20 m (vinte metros) de comprimento, com malha mínima de 30 mm (trinta milímetros) e máxima de 50 mm (cinquenta milímetros); IV - linha de mão, caniço simples, com molinete ou carretilha, isca natural ou isca artificial com ou sem garatéia, nas modalidades de arremesso e corrico; V - espinhel de fundo com o máximo de 15 anzóis cada, instalado a uma distância mínima de 300 m (trezentos metros) um do outro, independentemente do proprietário, e identificado com plaqueta contendo nome e número da AAPC. A partir dos resultados amostrais gerados pelos estudos preliminares, não é possível constatar que espécies em densidades baixas se tratavam de espécies com estoques deplecionados por sobrepesca, portanto, não há evidências científicas suficientes para a sugestão de restrição a algum dos petrechos e insumos liberados para o Estado do Mato Grosso do Sul. Quanto à pesca em reservatórios, a liberação do uso de redes de emalhar e outros petrechos, parece ser uma ferramenta de manejo aplicável para a região, desde que sejam 42 monitorados os desembarques e o ambiente, evitando o risco de depleção de alguma espécie de
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