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ESTADO, GOVERNO, SOCIEDADE – A Dicotomia público x privado
Para uma teoria geral da política – Norberto BOBBIO
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A grande dicotomia:
PÚBLICO x PRIVADO
Dicotomia é a divisão de um elemento em duas partes, em geral contrárias, como a noite e o dia, o bem e o mal, o preto e o branco, o céu e o inferno etc.
Com origem no grego dikhotomía, uma dicotomia indica uma classificação que é fundamentada em uma divisão entre dois elementos.
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No caso, público x privado é denominada uma grande dicotomia por dois motivos:
1- Divide o universo em duas esferas reciprocamente exclusivas que englobam nelas todos os entes.
2- Tende a convergir em sua direção outras dicotomias.
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Definição dos termos da dicotomia
Definidos independentemente um do outro, ou apenas um é definido e o outro ganha conotação negativa.
1-Defini-se o termo forte. (Ex: Público=forte)
2-Consequentemente, o outro termo é o fraco (Ex: Privado=fraco)
3-Fraco=não-forte. Assim, 
			Privado= não-público
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Os limites dos termos
Ambos delimitam-se reciprocamente no sentido de que a esfera do público chega até onde começa a esfera do privado e vice-versa.
A discussão secular entre eles é geralmente acompanhada e complicada por juízos de valor contrapostos, pois ao aumentar a esfera do privado diminui-se a do público. Do mesmo modo, ao aumentar a do público, a do privado é enfraquecida.
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Onde ocorre a dicotomia?
Em grupos sociais onde já ocorreu a diferenciação entre o que pertence à coletividade e o que pertence aos singulares. De modo geral, entre a sociedade global e eventuais grupos menores, como a família, por exemplo.
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AS DICOTOMIAS CORRESPONDENTES
Público x Privado possui relevância conceitual, classificatória e até axiológica. Nela convergem outras dicotomias tradicionais e recorrentes que a completam e até podem substituí-las.
A seguir, ilustramos as três principais destacadas por Noberto Bobbio:
A) Sociedade de iguais X Sociedade de desiguais
B)Lei X Contrato
C)Justiça Comutativa X Justiça Distributiva
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A) Sociedade de iguais X Sociedade de desiguais
Sendo o Direito um ordenamento de relações sociais, pode-se dividir em dois tipos de relações: entre iguais e entre desiguais.
Sociedade de desiguais
O Estado é caracterizado por relações de subordinação ente governantes e governados, entre detentores do poder de comando e destinatários do dever de obediência, que são relações de desiguais.
Sociedade de iguais
A sociedade natural dos jusnaturalistas ou a sociedade de mercado dos economistas são relações de iguais (também chamada de coordenação), na medida em que são elevados a modelo de uma esfera privada contraposta à esfera pública.
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NOTAS
A família é direcionada à esfera privada quando é superada por uma organização mais complexa (cidade, Estado, etc.)
Para KANT, o público refere-se ao positivismo, poder coativo, pertencente ao soberano. Já o privado, ao naturalismo, e se fundamenta na propriedade e contrato.
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B) Lei x Contrato
Negócio jurídico.
Lei: PÚBLICA. Contrato: PRIVADO.
Direito público: posto pelo detentor do supremo poder e reforçado pela coação, assume forma específica de lei.
Direito privado: conjunto das normas que os singulares estabelecem para regular suas recíprocas relações mediante acordos bilaterais, isto é, independentemente da regulamentação pública, sobre o princípio da reciprocidade.
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Doutrina do Direito Natural
Quando não há um poder público, o contrato é a forma típica com que os indivíduos singulares regulam suas relações no estado de natureza.
Por que o contrato não é encarado como um fundamento legítimo do Estado?
 1- Porque ele é revogável pelas partes, diferentemente do vínculo que une o Estado aos cidadãos, o qual é permanente e irrevogável
2- Porque o Estado pode requerer o sacrifício da vida dos cidadãos, que é um bem contratualmente indisponível.
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C) Justiça comutativa X distributiva
Justiça comutativa: preside às trocas. Pretende que duas coisas sejam trocadas de forma justa, e, para isso, ambas devem ter igual valor. O bem se troca pelo bem (no comércio, dinheiro por mercadoria; no trabalho, a remuneração pelas tarefas) e o mal se troca pelo mal (no direito civil, a justa indenização pelo dano; no direito penal, a pena pelo crime). Ela regula a sociedade de iguais.
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Justiça distributiva: a autoridade pública é responsável pela distribuição de honras e/ou obrigações. Pretende que seja dado a cada um o que lhe cabe com base em critérios variáveis segundo a diversidade das situações ou segundo os pontos de vista. “A cada um segundo o mérito, a necessidade ou o trabalho”. Regula a sociedade de desiguais.
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A cautela necessária para tais correspondências
A coincidência entre as dicotomias jamais é perfeita. Um exemplo é família: dentro do Estado, ela é um instituto de direito privado, mas, ao mesmo tempo, uma sociedade de desiguais, e esta regida pela justiça distributiva. Outro exemplo é a sociedade internacional: é uma sociedade de iguais (formalmente) e regida pela justiça comutativa, habitualmente referida à esfera do público. 
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REGRA GERAL
Excluindo os casos-limites expostos, de modo geral, tem-se a seguinte regra de divisão:
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O uso axiológico da grande dicotomia
Público/privado possuem também um significado valorativo. No seu uso descritivo comum, como visto anteriormente, são tidos como contraditórios. Do mesmo modo, o significado valorativo de um tende a ser oposto ao do outro, no sentido de que se um é tido como positivo, o outro será visto como negativo, ou vice-versa. 
Daí derivam duas concepções diversas da relação entre público e privado: o PRIMADO DO PRIVADO sobre o público e o PRIMADO DO PÚBLICO sobre o privado.
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O primado do privado
Se afirma através da difusão e recepção do direito romano no Ocidente. Assim, o direito privado romano, embora tendo sido na origem um direito positivo e histórico, transforma-se através da obra secular de juristas, glosadores e outros, num direito natural, até tornar-se novamente em positivo, com validade absoluta, considerando-o dessa forma como direito da razão, isto é, de um direito cuja validade passa a ser reconhecida independentemente das circunstâncias de tempo e lugar.
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O primado do privado
Hegel: direito privado é o “direito abstrato” e direito público é o “direito constitucional”.
Marx: quando fala de direito e desenvolve uma crítica ideológica a ele, refere-se sempre ao direito privado. A este, ele critica sua identificação com o direito burguês, e ao direito público, a sua concepção tradicional do Estado e do poder político.
Kelsen: direito privado é como relações jurídicas, como relações “de direito”, no sentido mais próprio e estrito do termo, enquanto o direito público é visto como relações de poder.
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O primado do privado
Um dos eventos que revela a persistência do direito privado sobre o público é a resistência que o direito de propriedade opõe à ingerência do poder soberano, e portanto ao direito por parte do soberano de expropriar os bens do súdito.
Para Bodin, é injusto o príncipe que viola sem motivo justo e razoável a propriedade de seus súditos, pois isto é uma violação das leis naturais a que todos estão submetidos. 
Hobbes reconhece que os súditos são livres para fazer tudo aquilo que o soberano não proibiu, e o primeiro exemplo que lhe vem à mente é “a liberdade de comprar e vender e de fazer outros contratos um com o outro”.
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Para Locke, a propriedade é um direito natural, pois nasce do esforço pessoal no estado de natureza antes da constituição de poder político, e por isso deve ter seu livre exercício garantido pela lei. Através de Locke a inviolabilidade da propriedade -que compreende todos os outros direitos individuais naturais (liberdade, vida) e indica a existência duma esfera do indivíduo autônoma em relação ao poder público- torna-se um eixo
da concepção liberal do Estado, a mais consciente, coerente e historicamente relevante teoria do primado do privado sobre o público.
O primado do privado
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A propriedade é emblema da liberdade dos modernos contraposta à liberdade dos antigos, e defende que a tendência é a esfera privada se alargar em detrimento da esfera pública, senão ao ponto da extinção do Estado, ao menos até sua redução aos mínimos termos. Redução que h. Spencer traduz como:
 Sociedades militares do passado x Soc. Industriais do presente , 
 entendida exatamente como a contraposição entre antigo predomínio do público e o atual predomínio do privado.
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O primado do público
Funda-se sobre a contraposição do interesse coletivo ao interesse individual e sobre a necessária subordinação destes em relação àqueles, bem como sobre a irredutibilidade do bem comum à soma dos bens individuais.
“O indivíduo deve renunciar à própria autonomia em favorecimento ao ente coletivo (nação, classe, comunidade do povo...)”.
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Todas as teoria do primado do público possuem o mesmo princípio: O TODO VEM ANTES DAS PARTES. Tal ideia vem de Aristóteles e é posteriormente difundia por Hegel.
“O bem da totalidade, uma vez alcançado, transforma-se no bem das suas partes”. Em outras palavras, o máximo bem do indivíduo não é alcançado através de seu esforço pessoal, do próprio bem de cada, mas da contribuição que cada um juntamente com os demais dá solidariamente ao bem comum segundo as regras da comunidade.
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O primado do público significa o aumento da intervenção estatal na regulação coativa dos comportamentos dos indivíduos e dos grupos infra estatais, ou seja, o caminho inverso ao da emancipação da sociedade civil em relação ao Estado. 
O Estado foi pouco a pouco se reapropriando do espaço conquistado pela sociedade civil burguesa até absorvê-lo completamente na experiência extrema do Estado total (total no sentido exato de que não deixa espaço algum fora de si). 
O primado do público
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Hegel: filosofia do direito que se desdobra em filosofia da história em que são julgadas épocas de decadência (onde se manifesta a supremacia do direito privado, como a idade imperial romana) e épocas de progresso (onde o direito público se sobrepõe, como a idade moderna que assiste ao surgimento do grande Estado territorial e burocrático).
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Dois processos paralelos
Primado do público sobre o privado = política sobre a economia.
Prova disso é que o processo de intervenção dos poderes públicos na regulação da economia é designado como processo de “publicização do privado”, que também é acompanhado e complicado por um processo inverso chamado de “privatização do público”. Ao contrário do que havia previsto Hegel, as relações do tipo contratual (privadas) não foram inferiorizadas, mas reemergiram à fase superior das relações políticas sob duas formas:
 - Nas relações entre grandes organizações sindicais para a formação e renovação de contratos coletivos 
- Nas relações entre partidos para a formação das coalizões de governo. 
Estado: mero mediador desses conflitos através da representação moderna do contrato social ou em fase de degeneração.
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A SOCIEDADE CIVIL
Sociedade civil: esfera das relações sociais não reguladas pelo Estado.
Estado: órgão do poder coativo.
Conjunto das ideias do mundo burguês:
-Direitos naturais ao indivíduo; descoberta das relações interindividuais (econômicas) sem necessidade de poder coativo, visto que se autorregulam; Thomas Paine (“a sociedade é criada por nossas necessidades, e o Estado, por nossa maldade, (...) pois o homem é bom”); Em suma, a dilatação do direito privado em detrimento do direito público ou político, que tem poder coativo.
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A sociedade civil
Grupos de luta de emancipação, formação de contra poderes.
Três figuras: pré-condição do Estado (o que ainda não é estatal), antítese do Estado (o que se opõe como alternativa ao Estado) e da dissolução e fim do Estado.
É nela onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos que as instituições estatais têm a obrigação de resolver.
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Organizações de classe -> grupos de interesses (defesa dos direitos civis, de libertação da mulher, ...): Partidos políticos, os quais selecionam e transmitem as demandas da sociedade civil para se tornarem objeto de decisão política.
Quando as demandas não são atendidas-> Ingovernabilidade -> Crise de legitimidade
Opinião pública > pública expressão do consenso e dissenso. Sem ela, a esfera civil perderia sua própria função e desapareceria.
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Sociedade civil como sociedade civilizada
Como na maior parte dos escritores em que sociedade civil tem o significado principal da sociedade política não está excluído também o significado de sociedade civilizada, em Rousseau o significado prevalente de sociedade civil como sociedade civilizada não exclui que esta sociedade seja também, em embrião, uma sociedade política diferente do estado de natureza, embora na forma corrupta do domínio dos fortes sobre os fracos, dos ricos sobre os pobres, dos espertos sobre os ingênuos, numa forma de sociedade política da qual o homem deve sair para instituir a república fundada sobre o contrato social.
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O debate atual
O significado predominante foi o de sociedade política ou Estado, usado, porém em diversos contextos conforme a sociedade civil ou política tenha sido diferenciada da sociedade doméstica, da sociedade natural, da sociedade religiosa. 
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Ao lado deste, o outro significado tradicional foi o que aparece na sequência sociedades selvagens, bárbaras e civis, que constituiu, um esquema clássico para o delineamento do progresso humano. 
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O debate atual
Porém com Maquiavel, considerado como o fundador da ciência política moderna, o Estado é mostrado como o máximo poder que se exerce sobre os habitantes de um determinado território e do aparato de que alguns homens ou grupos se servem para adquiri-lo e conserva-lo. 
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O Estado assim entendido não é o Estado-sociedade, mas o Estado-máquina. A contraposição entre a sociedade e o Estado que alça voo com o nascimento da sociedade burguesa é a consequência natural de uma diferenciação que ocorre nas coisas e, ao mesmo tempo, de uma consciente divisão de tarefas, cada vez mais necessária. 
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O debate atual
Nestes últimos anos pôs-se a questão de saber se a distinção entre sociedade civil e Estado, que por dois séculos teve curso, teria ainda a sua razão de ser. A contraposição entre sociedade civil e Estado continua a ser de uso corrente, sinal de que reflete uma situação real. 
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Sob outro aspecto, sociedade e Estado atuam como dois momentos necessários, separados, mas contíguos, distintos, mas interdependentes, do sistema social em sua complexidade e em sua articulação interna. 
Resta compreender que esta dicotomia precisa ser compreendida, para que na prática o público e o privado possam atender a uma só realidade: à sociedade , razão última de ser do Contrato Social!!!
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Livro disponível para consulta em: 
http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfnO0AC/bobbio-norberto-estado-governo-sociedade
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