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XI CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS DALMO DALARI

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XI CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS
CONFERÊNCIA:- A Construção e Consolidação dos Direitos no Brasil
17 e 22 de outubro de. 2004, em Fortaleza/CE
DALMO DE ABREU DALLARI
	Nós estamos vivendo um momento revolucionário e esclareço que, para o jurista, revolução não é praticar violência, dar tiro. A revolução para o jurista é a substituição de uma idéia de direito por outra idéia de direito e isto está acontecendo no mundo. Naturalmente isto não acontece do dia para a noite, mas isto está acontecendo e o Brasil está exatamente dentro desta linha revolucionária do Direito e é importantíssimo que os Assistentes Sociais que atuam na linha de frente, que atuam nos setores onde as injustiças sociais são mais gritantes, percebam o que é o Direito neste quadro, para que ele serve mas também para quem ele tem servido e é sob estes aspectos que eu quero conduzir minha reflexão e aqui eu acrescento uma coisa que tenho dito muitas vezes aos estudantes de Direito.
	Quando o estudante começa seu curso de Direito ele tem alguma noção do que é Direito. Quando ele termina o curso ele não sabe mais o que é Direito.
	Porque são tantas as teorias, são tantas as maneiras de confundir que no fim se jogam cortinas de fumaça, se fazem distorções.
	É preciso ir ao centro do problema, falar com simplicidade, para que as pessoas entendam, afinal o que é o Direito, para que serve o Direito, o que tem sido o Direito.
	Quando me foi feito o convite muito honroso para estar aqui com vocês, me sugeriram que fizesse uma reflexão sobre a criação e a consolidação dos direitos no Brasil.
	Eu começo falando sobre uma questão mais geral que é a criação do Direito.
	Quem cria o direito? Como é que se cria o direito? Para que se cria o direito/
	Para dar resposta a isso de maneira simples, mas que toca no ponto essencial, nós temos que iniciar lembrando um dado que é muito simples, mas que sobre o qual geralmente as pessoas não refletem e este dado é a Natureza Associativa da Pessoa.
	Há alguns séculos, o grande filósofo grego Aristóteles, escreveu que o homem é um animal político.
	O que ele queria dizer?
	Político aí é uma palavra que em grego quer dizer da Polis, da convivência.
	Quando Aristóteles faz essa afirmação ele quer dizer, um animal que não existe sozinho, o homem não existe sozinho.
	Quando eu disser que o homem vive eu tenho que lembrar que ele convive; ninguém vive sozinho e ele próprio começa uma importante indagação das razões pelas quais o ser humano não vive sozinho.
	Se o ser humano não vive sozinho é por causa de alguns fatores que integram sua natureza.
	Assim, para começar com o que é mais simples, por necessidade material.
	Se eu posso imaginar a pessoa mais rica do mundo, ela não consegue viver sozinha, se alimentar sozinha e se eu fizer uma indagação para todas as pessoas que estão aqui agora:
	- Quem foi que plantou a comida que comeu? Quem criou o gado?
	A resposta provavelmente é ninguém, mas todos se alimentaram.
	O que significa isso é que muita gente trabalhou para que todos se alimentassem. Isso mostra a dependência.
	A evolução da vida humana só aumentou essa dependência. Quando aumentaram as populações, quando as populações passaram a conviver nas cidades, esta dependência do outro aumentou muito; mas basta lembrar que o animal humano nasce e durante muito tempo não consegue sobreviver se não tiver quem o alimente, quem cuide dele.
	Então o ser humano é dependente do outro por necessidade material e essa é uma necessidade natural da pessoa e é de todas as pessoas, não há exceção.
	Há outras necessidades que fazem com que o ser humano conviva.
	Assim, por exemplo, a necessidade intelectual.
	Há milênios se diz que o ser humano é um ser racional, que raciocina, que pensa. Se nós observarmos vamos ver que agente pensa, pensa o tempo todo.
	Há uma brincadeira que eu costumo fazer, uma proposta, mas não é para vocês fazerem agora a experiência, para fazer em casa.
	Tentem ficar um minuto sem pensar. No momento que você diz, bom agora eu não estou pensando, você está pensando que não está pensando.
	Portanto não há hipótese. O ser humano pensa o tempo todo ainda que não queira e mais do que isso, ele pensa, avalia e julga.
	Neste momento vocês sem querer lá no íntimo estão me julgando, julgando a maneira de falar, vocês julgam a roupa da amiga, vocês julgam quando vêm o ricão passando com seu carro, proferem uma porção de julgamentos.
	O ser humano pensa, avalia e julga.
	Além do mais, além do fato de pensarmos e julgarmos sem querer, o ser humano tem necessidade de expressar o seu pensamento.
	É a necessidade intelectual, a necessidade de comentar com o outro.
	O ser humano também tem necessidade espiritual.
	Pondo de lado qualquer convicção religiosa, não é disso que se trata, é a necessidade espiritual.
	Eu pertenço a uma organização que assessora a ONU na questão dos Direitos Humanos e nós vamos em missões em diferentes partes do mundo onde há denúncias de violências graves contra Direitos Humanos. Já estive na Índia, Moçambique, Angola, em vários países da África, da América Latina e também circulei muito pelo Brasil e um dado que é importante, significativo e eu verifiquei isso em todas as culturas.
	Todas as culturas têm uma religião. As religiões variam.
	A idéia de um ser superior, de uma divindade varia, mas todas as culturas sem nenhuma exceção têm uma religião. É a necessidade espiritual do ser humano.
	O ser humano necessita do sobrenatural, do contato com o inexplicável. Isto é uma manifestação religiosa.
	O ser humano tem a necessidade de uma religião e um aspecto importante que acompanha isso é que as manifestações religiosas nunca são individuais, são em grupo.
	Mais uma vez a necessidade da convivência.
	Além disso – necessidades materiais, intelectuais, espirituais – acrescento outra necessidade que só pode ser atendida na convivência e tem uma conseqüência enorme na vida de todas as pessoas, é a necessidade afetiva.
	O ser humano tem necessidade de afeto; alguns sentem m,ais agudamente, outros manifestam mais claramente esta necessidade exatamente quando tem a carência afetiva, quando falta o afeto.
	Todos nós gostamos de nos sentir queridos, amados. Isto faz parte da natureza humana. Também há a necessidade de dar amor, de dar afeto.
	Eu garanto que não exagero se disser que um dos grandes problemas do Brasil de hoje, um grande problema da violência, sobretudo cometida por jovens é a carência afetiva.
	São pessoas que não recebem afeto, pessoas que são agredidas desde que nascem ou até antes de nascer.
	Essa carência afetiva afeta gravemente a vida das pessoas. Então o ser humano tem todas essas necessidades essenciais que são inerentes a condição humana e necessidades que ele só atende na convivência.
	Então aqui já está um primeiro dado, uma primeira conclusão que é fundamental.
	O ser humano necessariamente convive.
	Agora eu vou começar a complicar essa convivência. Esse ser humano que necessariamente convive é essencialmente livre.
	Eu não tenho como acorrentar alguém e dizer; não sinta afeto, não pense, não julgue, não avalie. O ser humano é livre. Eu o acorrento, o coloco no subterrâneo e ele continua livre.
	Se o ser humano é essencialmente livre, todos os seres humanos são essencialmente livres. 
	É neste sentido que muitos filósofos falaram na liberdade natural da pessoa humana, porque faz parte da natureza humana. Todos são essencialmente livres.
	Agora acrescento um outro elemento que acaba complicando ainda mais na convivência que é a igualdade essencial.	
	Todos os seres humanos são essencialmente iguais. Não importa a cor da pele, a língua que fala, o curso que fez, se é rico, pobre, essencialmente todos são iguais. Um não vale mais do que o outro nem vale menos do que o outro.
	Agora eu vou adicionar esses elementos todos a essa necessidade natural da convivência, convivência de pessoas livres para pensar,avaliar, julgar, livres para adotar comportamentos, isto do ponto de vista essencial e todas essas pessoas são iguais.
	É óbvio que a convivência é fator de conflito porque cada um tem seu ponto de vista, seu ângulo de visão, suas preferências, influencias e então essas pessoas que são necessariamente necessitadas de conviver, porque a natureza faz com que convivam, as pessoas são diferentes quanto a sua individualidade, quanto aquilo que preferem, querem, avaliam.
	Aqui eu coloco um problema básico. Como conseguir fazer com que a convivência não seja um lugar de agressões, de guerra, de todos contra todos, de conflitos?
	Como eliminar o risco dos conflitos que estão inerentes na convivência?
	Como fazer com que esta convivência, ao invés de ser um lugar de conflito, de guerra, seja um momento de criação, seja útil para todos?
	Esta convivência útil para todos é benéfica porque o ser humano inteligente criou regras de convivência. A convivência se dá segundo regras e é exatamente aí que nasce o Direito.
	Vejam que é simples, é fácil, basta agente lembrar, sem complicar; eu olho as pessoas como elas são, eu examino aquilo que eu vejo. As pessoas convivem e essa convivência é útil, é produtiva, porque convivem segundo regras de convivência.
	É exatamente aí que nasce o Direito.
	Neste sentido que muitas teorias falaram na existência de direitos naturais porque são inerentes à natureza, nascem com as pessoas.
	O meu direito a liberdade não me foi dado por ninguém, nasceu comigo. O meu direito de ser igual aos outros também não é um presente, uma doação de ninguém, nasceu comigo.
	O que se verifica foi que com o passar do tempo, com a evolução da humanidade isto que na essência é simples foi se tornando complicado porque ouve pessoas que por uma série de circunstâncias, assim, por exemplo, há quem diga que assim como o ser humano tem essa percepção do outro, percebe que necessita do outro, isto ajuda a desenvolver um sentimento de solidariedade, uma solidariedade imposta pela natureza, a natureza é quem determina: ajudem-se uns aos outros senão todos vão sair perdendo.
	Então há esta solidariedade natural, mas também há um egoísmo essencial no ser humano. Esse egoísmo essencial às vezes agente disfarça, esconde, não quer perceber, mas ele está muito presente.
	Quando estamos em uma situação extremada de que quem vai morrer, eu ou o outro? Eu prefiro que morra o outro.
	Isso agente desce no pormenor, na disputa de um cargo, por um emprego melhor, quem está brigando comigo pode ser meu melhor amigo, uma pessoa de quem eu gosto muito, mas eu prefiro que seja eu. É muito raro que alguém diga que prefere que seja o outro. As vezes acontece, mas basicamente não é assim que as coisas são.
	Por isso, mais uma vez há a necessidade das regras para conter esses impulsos egoístas, mas às vezes agente não consegue fazer com que eles sejam contidos.
	Então, voltando bem lá atrás, na história da humanidade, nós vamos ver que os grupos primitivos criam as suas regras e aqui quando falo de grupos primitivos posso falar daqueles que existiram a milênios, mas posso falar daqueles que existem hoje e que tiveram pouco contato com a sociedade circundante.
	Eu trabalho muito com os índios, inclusive índios aqui do Ceará que agora estão sendo muito agredidos pela sociedade circundante e agente percebe isso.
	 Também esses grupos têm as suas regras, também esses grupos tem o problema de fazer com que as regras sejam obedecidas.
	Um momento importante de passagem foi quando essas regras, regras estabelecidas pelo costume, passaram a ser escritas. Aqui eu toco num ponto muito importante na questão do Direito que é a passagem do direito para a Lei.
	Eu tenho dito o que, no mundo jurídico, pode ser um pouco subversivo que o Direito nunca é injusto, a Lei pode ser injusta.
	O direito é aquilo que é essencial, que decorre da natureza. 
	Houve um momento em que se considerou importante escrever aquilo que era o direito e aí surgem muitos fatores, o número de pessoas vai aumentando, o ser humano vai descobrindo técnicas novas, a sociedade vai se tornando mais complexa e nesta sociedade mais complexa vão surgindo os líderes, aqueles que comandam a sociedade e o que vai se verificar muitas vezes é que esta liderança, este comendo vai ser estabelecido em proveito de quem comanda.
	É quando começa uma tremenda distorção. O Direito passa a ser privilégio, o Direito passa a ser manipulado, passa a ser utilizado. Grupos dominantes, pessoas dominantes passam a dizer que é Direito aquilo que interessa a eles.
	O Direito é isso, é assim que vocês devem fazer e por coincidência é o que interessa pra eles; e desta maneira, passando os olhos pela história é que nos vamos assistir a uma evolução em que as regras de convivência vão sendo modificadas, em que, por exemplo, se vai estabelecer a uma certa altura que Deus deu a certas pessoas o direito de mandar.
	É o direito divino dos reis. Aí não fui eu, eu não queria, mas Deus mandou, então eu tenho que mandar.
	É claro que era uma mentira, uma hipocrisia, era uma manipulação. Aí vem os espertalhões e se apoderam de pedaços de terra, do melhor pedaço da terra e dizem: bom isso é da natureza, a natureza determinou isso e então eu tenho a responsabilidade de cuidar dessa terra.
	Daí a pouco vem um inverno forte, falta um alimento e ele vai dizer: quem quiser pode vir trabalhar comigo e eu dou um pouco de comida. Pronto, estava estabelecida uma nova relação e esta relação é chamada de Direito, é um novo Direito.
	O que nos vamos ver, através da história da humanidade é que este direito vai ser manipulado. Ele se apresenta como natural, mas é da convivência de quem manda e manda porque é mais forte, porque se apossou da melhor terra, de quem é mais arrojado, menos escrupuloso, mais egoísta e aqui vai se chagar a um momento – Idade Média – em que algumas pessoas têm muita terra e essa terra é fator de dominação e assim nasce a Nobreza.
	 Os Barões, Condes, Viscondes eram grandes proprietários de terra que tinham um grupo de amigos que eram comandados. Tinham homens, armas e com isso mantinham a dominação.
	Os outros eram apenas os outros. Os outros ou aceitavam aquela dominação ou morriam de fome. Por isso aceitavam a dominação.
	H´s manifestações desse direito que são claras de injustiça, que são na verdade imposições, mas os outros não tinham como recusar. Por exemplo, durante um certo momento da Idade Média, as pessoas iam vender nos feudos, o feudo era uma grande unidade rural comandada pelo senhor feudal que dava proteção aos outros, mas os outros tinham que fazer o que ele queria.
	Entre outras coisas se estabeleceu o direito das premissias. O que era o direito das premissias? Quando uma jovem do feudo ia se casar o senhor tinha o direito de dormir a primeira noite com ela.
	Isso é um direito. Isso é de um cinismo, de uma violência brutal, mas era apresentado como direito. Ninguém podia se opor para o direito e isso acompanhado de maus tratos físicos e aí surge a idéia de um direito natural que se opõe a isso, dentro do cristianismo, especialmente Santo Tomás de Aquino trabalha muito essa idéia de que o ser humano tem direitos naturais porque são dados por Deus.
	É interessante que isso é pouco divulgado porque não interessa divulgar, mas Santo Tomás prega inclusive o direito de rebelião. Se você está sendo vítima de um governo injusto você tem o direito de se rebelar. É o direito de rebelião. Mas isso ficou complicado e foi enfraquecido porque a própria Igreja Católica se aliou a muitos tiranos.
	Depois isso avança e chega-se a um momento – séculos XVII e XVIII – que diz que realmente a pessoa tem direitos naturais, mas são direitos naturais porque são da natureza. Eu não preciso acreditar em Deus para ver que a pessoa tem direitos naturais. Basta eu olhar; o ser humano é inteligente, racional.
	É o momento do Racionalismo. Pela razão eu percebo que as coisas são assim, percebo que todossão livres. Todos são livres. Então se afirmará a Liberdade como um Direito Natural.
	Depois todos são iguais, é outro direito natural. Liberdade e Igualdade, assim se chega no século XVIII à Revolução Francesa com o lema – Liberdade, Igualdade, Fraternidade. 
	A esta altura já há um fator novo que vai intervir nisso, distorcer isso, que é o crescimento de uma área econômica de comerciantes e banqueiros, pessoas que não tinham título de nobreza, mas que através do comércio, emprestando dinheiro tinham ficado muito ricas, tinham poder econômico, mas não tinham poder político e essas pessoas promovem várias revoluções.
	São as revoluções burguesas. Aqui quero fazer um esclarecimento muito importante que ainda há quem pense que a burguesia é coisa de comunista, que foi o Karl Marx que criou.
	Não é nada disso. A burguesia tem esse nome por causa de uma palavra que é muito semelhante em vários idiomas europeus – o burgo. O burgo era o núcleo urbano.ç as pessoas que saiam do feudo e iam morar na cidade.
	As cidades foram crescendo e foi nelas que apareceu este comerciante que foi ficando rico, depois virou banqueiro. Ele que é o burguês. O burguês nasce no século XII e Karl Marx no século XIX.
	É um dado da história e ele existe ainda hoje, está presente aí, porque este burguês vai fazer a revolução contra os privilégios da nobreza e assume o poder. O burguês passa a comandar o processo político.
	Naquele momento combatia-se o excesso de poder do monarca absoluto, o absolutismo que quer dizer falta de regra. O monarca absoluto dizia: Eu sou rei pela vontade de Deus, então eu só devo contas a Deus e não prestava contas a ninguém.
	Cometia todas as violências, tomava do outro o que o outro tinha e, feitas as revoluções burguesas, vai dizer que o melhor é que o governo não seja do homem, seja o governo das Leis, quem vai governar a sociedade são as leis. 
	Formidável porque o homem discrimina, mas a Lei não discrimina. Inicia-se uma nova fase na história da humanidade e é dela que nós estamos saindo agora. A fase que se pretende que quem governa é a Lei.
	Mas aí se diz que o que a Lei estabelecer é legítimo, é justo e tem que ser obedecido, eu não posso discutir.
	A primeira Constituição da França – 1791 – que vai dizer que ninguém pode ser obrigado a fazer alguma coisa a não ser com base na lei, por força da lei. A lei é que manda, a lei é que autoriza, a lei é que proíbe.
	Aí vem a grande distorção que é tremenda e está presente nos dias de hoje.
	Quem é que faz a lei?
	A Constituição dizia que quem faz a lei são os delegados do cidadão. Agora acompanhem o raciocínio. A lei é que manda; a lei é sinônimo de direito; o direito é só o que está na lei. Quem faz a lei são os delegados do cidadão. Notem, não é mais a lei natural que eu descubro pela razão, ela é fabricada.
	Quem escolhe o legislador são só os cidadãos ativos e para ser legislador tem que ser um cidadão ativo. Criou-se uma categoria social privilegiada dos cidadãos ativos. Antes quem tinha o privilégio eram os nobres. Agora há o cidadão ativo, ele faz a lei e diz o que é direito e o que não é.
	Os cidadãos ativos são uma categoria social superior, privilegiada e eu quero saber quem são eles? O que era preciso para ser um cidadão ativo?
	Está escrito na Constituição. A primeira condição é ser francês do sexo masculino.
	Este é um dado extremamente importante porque a discriminação era legalizada. Não eram os homens que estavam discriminando, era a lei e se é lei, é justa.
	A lei eu não discuto. Quantas e quantas vezes eu ouvi: Obedeça a lei. Obedecer é a lei é um ideal. Mas se esta lei discrimina, obedeça a discriminação.
	Vemos desde o começo do século XIX. 
Neste ano a França está comemorando 200 anos do Código Civil. O Código Civil dizia: O marido é o chefe da sociedade conjugal.
	A segunda condição era ser não empregado de ninguém. Os trabalhadores foram todos excluídos. Mulheres e trabalhadores foram legalmente excluídos.
	A lei passou a ser fabricada pela camada superior da população, pelos burgueses, para atender aos interesses da burguesia.
	Por isso temos hoje no Brasil tantas leis injustas e por isso é que eu digo aos meus alunos: O Direito não é injusto, a Lei é que pode ser injusta.
A lei é uma manipulação, uma deformação, faz parte da revolução jurista porque até a pouco mesmo juízes e promotores não discutiam a lei. ‘A minha obrigação é fazer cumprir a lei’. A lei tem que ser respeitada porque é lei, não porque é justa. Não pergunte sobre Justiça, isso é problema pra Filósofo. Jurista tem que aplicar a lei, não interessa se é justo ou injusto.
A conseqüência disso vem junto com a Revolução Industrial; foi um aumento brutal das marginalizações, das diferenças sociais.
	Todos são iguais, a lei é igual pra todos e ao mesmo tempo se dizia que o poder público, o Estado não pode interferir na vida social porque senão ele está tirando a liberdade das pessoas. As pessoas são todas livres, cada um se vire com a sua liberdade.
O que se verificou é que muitos tinham formalmente o direito de ser livres sem que tivessem o poder de viver com liberdade. Todos são livres para escolher a comida que vão comer, mas quantos podem escolher a comida que vão comer? Todos são livres para escolher onde vão morar, como vão morar, vão morar numa mansão ou vão morar na favela; todos são livres.
Estamos vivendo desde o começo do século XIX com este sistema de direitos que não são acompanhados das possibilidades, mas direitos que são estabelecidos para atender a conveniência de uns tantos privilegiados. Por exemplo, um banqueiro tem um salário pequeno, mas quando quer viajar para a Europa, o faz com o cartão de crédito do banco; ele, a mulher, os filhos. A empresa paga. Na hora de declarar imposto de renda ele não paga porque o salário é pequenininho.
A lei estabelece isso. É legal. A lei foi os amigos dele que fizeram.
Essa é a manipulação, a fabricação do direito segundo as conveniências do grupo dominante.
No entanto um funcionário, um empregado chega no fim do mês e já vai receber seu salário com desconto do imposto de renda. Isso é legal também.
Por isso quando me disseram: Fala alguma coisa sobre a criação do direito eu achei que era muito importante chamar a atenção de vocês sobre essas coisas.
Nós estamos vivendo no mundo um momento revolucionário. É o momento de refazer a idéia de Direito e isso começa a ser colocado com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e a Constituição atual do Brasil segue nesta linha.
O que está acontecendo é que se faz um trabalho para que a Constituição não seja aplicada. Quantas vezes vocês já leram e ouviram dizer que a Constituição Brasileira é uma porcaria, é mal feita, é comprida demais, é contraditória e eu vou dizer: há mais ou menos 2 meses participei de um Seminário na Alemanha chamado Diálogo Social e quem fez a abertura foi o Ministro do Supremo Tribunal Brasileiro e começa dizendo que o Brasil não tem uma Constituição, tem uma lista telefônica e passa a ridicularizar a Constituição Brasileira.
A Constituição diz que a primeira função do Supremo Tribunal Federal é a guarda da Constituição. Com este guarda a Constituição está perdida; e ele dizia que os direitos são uma utopia, uma redundância, um absurdo e citou como exemplo os direitos das mulheres.
A Constituição diz que todos são iguais, homens e mulheres e depois, mais a frente, diz que fica proibido discriminar e aí ele acha absurdo. Por que dizer tantas vezes?
Dizer tantas vezes porque as injustiças estão aí; as discriminações estão aí todos os dias.
Não é o Direito que é ruim, a legislação é que contem muitas injustiças.
	O que fazer para corrigir?
Trabalhar na linha de frente, esclarecendo as pessoas, estimulando a participação. A Constituição Brasileira criou uma série de mecanismos der Participação Popular. Nós temos que estimular essa participação, fazer com que as pessoas acreditem.
Este é um ponto muito importante.Você tem que acreditar no Direito e exigir que ele seja justo, você tem que exigir a possibilidade de influir sobre a elaboração do Direito. O Direito é um produto da vida social.
Temos que exigir que e legislador ouça o povo, ouça quais são os valores, o que é que as pessoas consideram justo. Que o Direito seja a expressão da Justiça. 
O último ponto: elaborado o direito justo é preciso trabalhar para que ele seja aplicado, para a efetivação dos direitos, porque nós temos uma grande quantidade de direitos que estão apenas na Constituição, nas leis, mas não estão na realidade.
Então é preciso trabalhar esclarecendo, estimulando as pessoas, dizendo para as pessoas, antes de mais nada: Você tem uma dignidade essencial, não negocie isso, não abra mão disso. Você é uma pessoa como todos são pessoas, você não é inferior a ninguém.
Além disso, estimular a participação no sentido da reivindicação, da denúncia, da exigência de que a lei seja justa e efetivamente aplicada.
Um dado importante que eu queria lembrar pra vocês é que a Constituição de 88 é humanista, a primeira que começa falando de princípios. É preciso dar seqüência a isso. A Constituição prevê a força das associações.
Quero lembrar dois pontos que são instrumentos de luta importantíssimos.
Um deles é a importância da associação. Já no século XVIII Montesquieu escreveu que a força do grupo compensa a fraqueza do indivíduo. Aquilo que eu não posso sozinho, nós podemos trabalhando juntos.
Estamos percebendo que as coisas estão mudando no Brasil graças a ação comunitária, social dos grupos. É preciso que alguém estimule esta ação, dê otimismo às pessoas e inclusive ajude do ponto de vista material. Ajude no sentido da eliminação imediata das injustiças mais gritantes, das agressões mais violentas, mas ajude no sentido de estimular a mudança institucional.
Que se mude o Direito, que o povo realmente tenha um peso nas decisões políticas e que a justiça seja o grande objetivo da convivência.
Concluo lembrando uma belíssima frase do Papa João XXIII:
“Justiça é o novo nome da Paz”.
Se nós queremos viver em paz, a paz da consciência, a paz da nossa convivência é preciso eliminar as injustiças. Onde há injustiça ninguém vive em paz.
Vamos trabalhar. Vocês já fizeram uma opção. Optando pelo Serviço Social vocês optaram pela promoção humana, é uma auto-doação, um gesto de solidariedade.
Então levem adiante, com coragem, com determinação, denunciando, ajudando a organização de associações e quando for o caso, numa situação especial, recorram ao Ministério Público. Este é um dado muito importante do ponto de vista prático.
Está na Constituição. É função do Ministério Público garantir o respeito aos direitos, proteger os marginalizados de toda espécie.
Era isso que eu queria dizer. Muito Obrigado.

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